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OS “DIREITOS HUMANOS” E O PNDH 3
(artigo publicado no jornal “Testemunho de Fé”,
 da Arquidiocese do Rio de Janeiro, ed. 13 a 20
                   fev. 2010)


         No final de 2009, recém findo e que já vai
ficando ao longe, foi lançada a 3 ª versão do Plano
Nacional de Direitos Humanos, o PNDH 3, pelo
Decreto nº 7037, de 21 de dezembro de 2009. Logo
em seguida, instaurou-se intensa polêmica
envolvendo diversos pontos de tal programa.

          O PNDH 3 (anexo ao decreto presidencial
nº7037/2009) consiste em um extenso texto, com
mais de 220 páginas, contados os 2 anexos (que
reproduzem os anexos dos dois decretos que
instituíram os planos anteriores, PNDH 1 e PNDH 2).
O PNDH 3 consta (a) de uma apresentação de 3
páginas, assinadas pelo Sr. Presidente da
República, (b) de um prefácio de 5 páginas, do Sr.
Ministro da Secretaria Especial dos Direitos
Humanos da Presidência da República, (c) de 6
“Eixos Orientadores”, subdivididos, cada qual, em (d)
“Diretrizes”, que seguem numeração contínua, do
primeiro ao sexto “eixo orientador”, em um total de
25 “diretrizes”, as quais, por sua vez, são
subdivididas, cada qual, em número variável de (e)
“objetivos estratégicos”.

         Setores de grande importância social têm
se manifestado com ponderações e críticas ao
referido plano. Diversas questões pontuais de

                                                    1
grande relevância e impacto na sociedade têm sido
levantados e trazidos a debate, e, certamente,
outros mais o serão, à medida que se aprofunde a
leitura do plano.

          Artigos muito lúcidos têm sido publicados
em jornais e revistas de grande circulação alertando
para graves distorções que o PNDH 3 designa como
“direitos humanos”. Deve-se ressaltar que, sem
dúvida, o plano abarca um extenso e importante rol
de direitos humanos em relação aos quais há o que
se poderia chamar de “consenso social”, estando
muitos destes direitos relacionados na Constituição
Federal de 1988. Pontos e matérias em relação a
que nosso país e a sociedade como um todo já há
bastante tempo vêm se empenhado em alcançar.
Tal esforço nacional, social, estatal e empresarial,
não tem sido em vão, pois são muitos os indicadores
que demonstram que nosso país tem evoluído
positiva e significativamente ao longo das últimas
duas décadas, em particular desde a Constituição
cidadã de 1988.

               Passado Esquecido

         Não se deve, no entanto, descurar todo o
passado histórico, em que, paulatinamente, a
realidade política e social em que nos encontramos
foi sendo construída. Disso são exemplos
expressivos, dentre muitos outros, a recente
comemoração dos 200 anos da chegada do príncipe
regente Dom João VI e da corte portuguesa ao
Brasil em 1808. Em razão de tal evento, foi

                                                   2
transferida para nossa terra a sede do governo do
império português e foram como que transplantadas
importantes e fundamentais instituições, que
perduram até hoje. Dentre elas, podem ser citados,
a título de exemplo, a Biblioteca Nacional, os
primeiros cursos superiores, a imprensa nacional, o
Banco do Brasil, o jardim botânico e a polícia militar,
lançando os fundamentos para a independência de
nosso país, alcançada pouco depois, proclamada
pelo filho de Dom João VI, Dom Pedro I. Outro
exemplo significativo, dentre muitos, que podem ser
mencionados, é o do grande homem público,
abolicionista, Joaquim Nabuco, cujo centenário de
morte se comemorou neste mês de janeiro de 2010.
Joaquim Nabuco, republicano advindo do 2º Império,
nos remete àquele período, em que dois partidos, o
Conservador e o Liberal, se revesaram no poder,
sob a coordenação “moderadora” de Dom Pedro II.
As diversas “Repúblicas”, em seus embates e
múltiplos movimentos dialéticos, prosseguiram, em
maior ou menor grau, um caminho de busca de
desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida
para a população. São de tradição de nossa pátria
as declarações de “direitos humanos”, inseridas no
texto fundamental desde a primeira Constituição
brasileira, de 1824, tendo permanecido em todas as
outras, inclusive nos períodos de maiores restrições
e mesmo de violações às liberdades democráticas e
a tais direitos, como nos da vigência da Carta de
1937 e da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. O
Brasil, não poucas vezes, é designado como uma
espécie de “ONU”, em razão da intensa
miscigenação racial e convivência pacífica das mais

                                                      3
variadas raças, etnias e culturas, gerando uma
importantíssima riqueza humana, não só para nós
mesmos brasileiros, como para as Américas, e, cada
vez mais, para a humanidade em geral, que aqui se
faz representar de variados modos. Todo esse
imenso caudal histórico, que possibilitou e possibilita
estarmos      onde    estamos,     chegarmos       onde
chegamos, fruirmos o que fruímos e desejar que
muitos mais, tanto em nosso país, como alhures,
possam ter uma vida melhor e mais digna, até por
uma questão de compatibilidade e respeito para com
os fatos, não deve ser esquecida. E o que isso tem a
ver com o PNDH 3? O PNDH 3 parece ter sido
escrito e articulado desconsiderando tais realidades,
não só em múltiplos pontos que têm gerado
perplexidade geral na nação, mas no seu conjunto.
Uma leitura de conjunto e sistemática do PNDH 3
parece denotar um caráter fortemente coercitivo,
dogmático, tendente à supressão da diversidade,
alteridade e da democracia, em nome de uma
determinada visão da realidade, de setores
minoritários da sociedade. Estes setores buscam,
por meio de tal plano, impor esta visão de mundo,
sem possibilidade de questionamento, à sociedade,
como se fora uma espécie de “religião de estado”,
“verdade suprema”, acima de toda e qualquer
consideração histórica, jurídica, ética e/ou racional.


         Unidos em torno do bem comum

        Logo após a barbárie e atrocidades da 2ª
Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas

                                                      4
entendeu ser de suma importância a elaboração de
um texto, de aplicação universal, que resguardasse
a humanidade de nova tragédia de tão trágicas
conseqüências. Para isso, representantes de todo o
mundo, das mais variadas tendências, se reuniram.
O grande filósofo francês Jacques Maritain, cuja
esposa, também era grande pensadora, Raissa
Maritain, de origem judaica russa, participou desse
magnífico evento que gerou a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia
Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de
1948, mesma data em que foi assinada pelo Brasil.
Jacques Maritain        destaca,    ao   se   referir,
posteriormente, a essa esplêndida experiência, que
as origens e concepções pessoais dos autores do
texto eram muito diversas, mas que foi possível,
inobstante, chegar àquele texto de consenso,
parâmetro para toda a humanidade e que parece
não ser levado na devida conta pelo PNDH 3. Tal
postura do plano em exame também ocorre,
guardadas as devidas proporções, em relação à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”,
de 1969, ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de
1992. Em outras palavras, “direitos humanos” não é
expressão de ontem, nem exclusiva daqui e seus
conceitos não se mudam por anexo a decreto.

        Filósofos e jusfilósofos de variadas origens,
perspectivas e “visões de mundo” destacam a
importância da vivência democrática e do respeito
aos verdadeiros e reconhecidos direitos, na busca
do bem estar e felicidade das nações, sendo

                                                     5
abundantes na história do século XX, recém findo,
os exemplos de grande fracasso e terrível sofrimento
para a humanidade dos regimes de caráter
totalitário. Clara manifestação disso encontra-se nos
dois primeiros e no último dos “considerandos” da
Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU, que proclamam:
          “Considerando que o reconhecimento da
          dignidade inerente a todos os membros da
          família humana e de seus direitos iguais e
          inalienáveis é o fundamento da liberdade, da
          justiça e da paz no mundo;
          “Considerando que o desprezo e desrespeito
          pelos direitos da pessoa resultaram em atos
          bárbaros que ultrajaram a consciência da
          Humanidade e que o advento de um mundo em
          que as pessoas gozem de liberdade de palavra,
          de crença e de liberdade de viverem a salvo do
          temor e da necessidade foi proclamado como a
          mais alta aspiração do homem comum;
          (. . .)
          “Considerando que uma compreensão comum
          desses direitos e liberdades é da mais alta
          importância para o pleno cumprimento desse
          compromisso”

         Há, pois, toda uma extensa reflexão ética,
humana, jus filosófica, multisecular, que o PNDH 3
parece desconsiderar e desprezar, em nome de uma
ideologia que parece fundamentar, permear e
direcionar o conjunto de tal plano, denotando
aspectos de totalitarismo e restrição das liberdades
democráticas      de intensidade notável, como
veremos, a título exemplificativo a seguir, não sem



                                                       6
antes uma breve referência à doutrina social da
Igreja e à “perspectiva cristã”.


             Doutrina Social da Igreja

          Deve-se destacar a importância do
desenvolvimento econômico e social na linha dos
ensinamentos do Magistério da Igreja e do que se
denomina “doutrina social da Igreja”. Esta tem seu
ensinamento maior no próprio ensinamento de Jesus
Cristo, cume e perfeição da “Lei e dos Profetas”. Sua
aplicação histórica importa em milenar experiência
humana, regada pela Luz e graças de Deus na
“dialética” existencial dos povos. A doutrina social da
Igreja, desenvolvida pelos “Santos Padres” da
antiguidade cristã, foi retomada com vigor no auge
das crises sociais e da “questão operária” do século
XIX, com o lançamento da encíclica Rerum
Novarum, do Papa Leão XIII, que teve ampla
repercussão por todo o mundo, influenciando
constituições e legislações. A ela sucederam-se os
ensinamentos e encíclicas dos sumos pontífices
sobre a matéria. A título de exemplo, trazemos a
palavra do humanista Paulo VI, em sua encíclica
“Populorum Progressio” (O Desenvolvimento dos
Povos), de 1967, propondo uma “visão global do
homem e da humanidade” e com ensinamentos que
parecem bem se aplicar ao tema em análise:

          “O desenvolvimento não se reduz a um simples
         crescimento econômico. Para ser autêntico, deve
         ser integral, quer dizer, promover todos os


                                                       7
homens e o homem todo, como justa e
        vincadamente sublinhou um especialista: ‘não
        aceitamos que o econômico se separe do
        humano;      nem    o    desenvolvimento,   das
        civilizações em que ele se inclui. O que conta
        para nós é o homem, cada grupo de homens até
        se chegar à humanidade inteira’.” (item 14)
        (. . .)
        É necessário promover um humanismo total. Que
        vem ele a ser senão o desenvolvimento integral
        do homem todo e de todos os homens? Poderia
        aparentemente triunfar um humanismo limitado,
        fechado aos valores do espírito e a Deus, fonte
        do verdadeiro humanismo. O homem pode
        organizar a terra sem humanismo. O homem
        pode organizar a terra sem Deus, mas ‘sem Deus
        só a pode organizar contra o homem.
        Humanismo exclusivo é humanismo desumano’.
        Não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão
        o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma
        vocação que exprime a idéia exata do que é a
        vida humana. O homem, longe de ser a norma
        última dos valores, só se pode realizar a si
        mesmo, ultrapassando-se. Segundo a frase tão
        exata de Pascal: ‘o homem ultrapassa
        infinitamente o homem’.” (item 42)

         Verifica-se, claramente, o alerta para os
riscos de “desumanidade” de pretensos humanismos
de linha “triunfalista”, que parecem não estarem
ausentes na inspiração do PNDH 3, que, inclusive,
propõe a retirada de símbolos religiosos da vida
pública, numa evidente alusão à correspondente e
pretensa proscrição, senão perseguição, dos valores
de humanidade, paz e transcendência que
representam.

                                                      8
A título de complemento e antes de entrar
mais especificamente na análise de alguns pontos
do PNDH 3, cabe ainda a referência ao filósofo
existencialista espanhol Julián Marias. Em seu
pequeno e denso opúsculo, “A perspectica cristã”,
ele ressalta a enorme repercussão, individual e
social, positiva e transformadora da encarnação e
vivência da mensagem cristã ao longo de seus dois
milênios de existência, nos quais se inserem nosso
país, desde cerca de 500 anos, com a chegada das
naus comandadas por Pedro Álvares Cabral, no que
designamos comumente como “descobrimento”. Isto
parece incomodar os autores do PNDH 3, dispostos,
como dizem em alguns tópicos do plano, a
reescrever a história e a realizar a “construção
pública da verdade”. Diz Julián Marias, na referida
obra:
            “O mundo foi habitado por Deus feito
        homem: habitavit in nobis. Assumiu a condição
        carnal, a mundanidade, a convivência, a
        historicidade, todos os seus ingredientes. O
        desprezo deste mundo envolve um menosprezo
        da Encarnação, isto é, do núcleo essencial do
        cristianismo. (. . . )
              Aparece este mundo como condição do
        outro, não porém um simples “trâmite”
        desprezível. Deus poderia ter situado o homem
        no outro mundo, no céu, evitando todas as
        dificuldades, misérias e riscos de sua vida
        terrena. Porém, como já disse em Antropologia
        metafísica, não seria o homem, e sim outra
        realidade bem diferente. O homem faz a sua vida
        – com as coisas; a elege, não é seu criador, mas
        é seu autor. A vida terrena neste mundo se



                                                       9
apresenta como escolha da perdurável. Consiste
        em decidir agora quem se vai ser sempre.
              Isto mostra a excepcional importância e
        gravidade desta vida e do mundo em que
        acontece, e que em boa medida é obra do
        homem, que projeta seus projetos sobre a mera
        circunstância e faz dela mundo. O cristão tem a
        exigência de viver esta vida com a maior
        intensidade e o máximo esmero.
              (. . .) Veja-se o posto que na história da
        humanidade tiveram os povos cristãos no sentido
        que dou a esta palavra neste livro. Independente
        do estado da fé, da vivacidade da crença, os
        povos condicionados pelo cristianismo, os que
        receberam a visão da realidade procedente da
        perspectiva cristã, foram os mais interessados
        por este mundo, por seu conhecimento,
        exploração, transformação, orientação para o
        que acreditaram ser valioso e desejável.
              Precisamente a projeção para o outro
        mundo, a esperança nele, em sua perpetuidade
        para sempre, fizeram que para os homens
        participantes desta atitude haja tido a máxima
        importância esse mundo em que se encontraram
        e que lhes foi confiado.”


           Para uma análise do PNDH 3

          O exame em grau detalhado do PNDH 3
deve ser realizado pelos diversos grupos sociais.
Cabe-nos, aqui, tão somente, lançar breves
reflexões iniciais sobre alguns aspectos estruturais
do PNDH 3, que considera, em alguns casos, como
“direitos humanos”, o que não é nem “direito”, e por
vezes nem mesmo “humano”, seja à luz da

                                                      10
Constituição, dos tratados internacionais relativos a
direitos humanos adotados pelo Brasil e da
legislação infra-constitucional.

         Dentre esses casos pode ser destacado o
aborto provocado, que é um ato deliberado de matar
uma pessoa humana inocente e indefesa no início
do seu desenvolvimento existencial, no lugar em que
deveria receber maior proteção e afeto, que é o
útero de sua mãe. Porque a vida humana, não
importa se em estágio inicial, por ser inegável e
comprovadamente vida humana, é protegida
constitucionalmente, nos tratados internacionais e na
legislação ordinária, cível e penal. Nas palavras de
João Paulo II, em sua visita ao nosso país, durante o
“Congresso Mundial do Papa com as Famílias”, em
1997, perante o estádio do Maracanã lotado, o
“aborto é crime abominável, vergonha da
humanidade!”. No entanto, é considerado pelo
PNDH 3, um “direito humano”, a ser implementado
mediante o esforço e empenho da máquina
governamental, sustentada com o dinheiro público,
ou seja, com o dinheiro decorrente de nosso
trabalho e esforço! Nas mais variadas pesquisas de
opinião pública, é forte e crescente, ao longo das
últimas décadas, o repúdio ao aborto provocado que
é considerado “um mal moral grave”. No Congresso
Nacional, têm sido sistematicamente rejeitados, por
enorme margem de votação, os projetos de lei que
pretendem sua descriminalização. Como, pois,
considerar “direito humano”, a mais veemente
negação do direito, que é a supressão deliberada,
planejada, sem chance de defesa, de um pequenino

                                                   11
ser humano? Talvez seja essa - a negação do direito
à vida para aqueles que estão no início de sua
biografia, de sua jornada existencial.- a mais
eloqüente demonstração do quanto esse PNDH 3 se
afasta do verdadeiro conceito de “direitos humanos”
em não poucos direitos essenciais à uma
convivência verdadeiramente democrática, pacífica,
justa e solidária, na conformidade com os princípios
fundamentais e os objetivos da República. Norberto
Bobbio, o grande jusfilósofo italiano “laico”,
ressaltava que “o direito do concebido apenas
poderia ser satisfeito permitindo-se o seu
nascimento”. Outro grande jurista, de renome
internacional, Pietro Perlingieri, leciona (em tradução
livre do italiano): “ . . . em uma época em que se
realiza o princípio da igualdade, sancionado como
fundamento de um estado democrático de direito,
não se pode pensar que não haja um status
personae (estatuto pessoal) que não seja
completamente idêntico a qualquer outro status
personae. (. . .) Um ser humano que está por tornar-
se pessoa é tutelado não apenas pelo que ele é
naquele momento mas por aquilo que ele está se
tornando” (. . .) “ . . . a qualidade humana, por si
só, atribui direitos humanos . . .” ; “ o embrião já
tem uma idade, tanto assim, que falamos de quatro
dias, três dias, três meses, quatro meses, seis
meses”; o embrião “é tutelado como início de um
processo de vida, que já tem uma história, uma
idade e também uma dignidade. A pessoa,
prescindindo de suas condições de fato, tem um
status (situação) absolutamente igual àquela de
qualquer outra pessoa; é o resultado de anos e anos

                                                     12
de história, é uma conquista da civilização. O que
quer que seja que vá contra esta conquista, não
pode ser definida senão como regresso”. Uma
interpretação tópica e sistemática dos artigos da
Constituição, bem como dos diversos tratados
internacionais adotados pelo Brasil, parecem só
poder levar às mesmas conclusões dos referidos
juristas. Ou seja, o ser humano tem direito a ter a
sua vida e dignidade correspondente resguardadas
desde o início até o término de sua existência, como
direito humano fundamental, objetivo e fundamento
de nosso estado democrático de direito. Muito ainda
poderia ser dito sobre o assunto, mas para que seja
ainda possível tratar de outros pontos peço para
remeter os caros leitores ao site da União dos
Juristas    Católicos      do     Rio    de   Janeiro
(http://www.juristascatolicosrj.org.br),        onde
encontrarão diversos artigos sobre o tema. A muito
querida de todo povo brasileiro, a Dra Zilda Arns,
recentemente morta no terremoto do Haiti, onde se
encontrava prestando ajuda humanitária, como fez
por muitas décadas no Brasil e em todo o mundo,
salvando a vida milhões de crianças, era veemente e
corajosa defensora também da vida das crianças por
nascer, dentro do útero de suas mães, aduzindo,
inclusive, que o aborto provocado não era uma
reivindicação das mães carentes que atendia. O
verdadeiro apoio a uma mulher grávida há de ser
apoio, também à sua gravidez, à pequenina mulher
ou ao pequenino homem que se desenvolve em seu
seio, jamais utilizar-se dos recursos técnicos
disponíveis para matar! Mas disso se afasta o PNDH
3!

                                                   13
Imposição ideológica

• A família, fundamento constitucional da
  sociedade, ao ver do PNDH 3, deve ser
  “desconstruída” como conceito envolvendo
  a relação entre homem e mulher
  (“heteronormatividade”)           acolhendo,
  educando e formando seus filhos. No
  entanto, a família, constituída por homem e
  mulher, é expressamente declarada como
  “base”, “fundamento” da sociedade, tanto
  na Constituição Federal, como em tratados
  internacionais adotados pelo Brasil.

• As questões de ética sexual, com manifesta
  repercussão social, que envolvem amplo
  debate, que vem sendo travado na
  sociedade, no Legislativo e no Judiciário, e
  que demandam continuada e delicada
  reflexão, sem abdicação de princípios
  fundamentais, são tratadas com extrema
  parcialidade, como se o natural fosse o anti-
  natural, a ser reiteradamente promovido,
  inclusive coercitivamente por meio de uma
  “educação” básica, de nível médio e
  superior.

• Há todo um enorme trabalho e articulação
  dos órgãos governamentais no sentido de

                                             14
um “doutrinamento”, que melhor poderia ser
  dito como uma tentativa de imposição,
  coercitiva, de “lavagem cerebral” de toda
  sociedade, com ênfase em todas as fases
  da educação, desde a básica à superior e
  dos formadores, bem como dos servidores
  públicos,     polícias    e    até     mesmo
  organizações não governamentais.
• A mídia e a empresa privada, dentro das
  diretrizes e estratégias do PNDH 3, passam
  a     ser    controladas     e    intimidadas
  ideologicamente a atuar pelo que naquele
  plano é considerado “direito humano”.

• O PNDH 3 também desrespeita gravemente
  um dos direitos fundamentais que é a
  propriedade, a qual, no contextos dos
  princípios constitucionais e legais, de
  garantias e condicionamentos sociais, está
  estreitamente relacionada a uma efetiva
  liberdade.   Estimula     a    invasão  da
  propriedade privada ao pretender, ao
  arrepio das normas constitucionais e legais
  e em manifesto desrespeito ao Judiciário e
  ao Legislativo, obstaculizar a remoção dos
  invasores.

• Os verdadeiros direitos humanos são
  colocados lado a lado com pretensos ou
  anti-direitos,   pretendendo-se       uma
  “interdependência e indivisibilidade” dos
  mesmos.


                                             15
• Os poderes constitucionais, em particular o
  Legislativo e o Judiciário, a própria
  Constituição e legislação vigentes, a
  representação internacional do país são,
  como que em um “passe de mágica”,
  submetidas       à     visão      reducionista,
  discriminatória, coercitiva, intimidadora, de
  indisfarçável      cunho      tendente      ao
  totalitarismo do PNDH 3. Este propõe, por
  mecanismos vários, a substituição da
  representação popular e dos poderes
  constituídos, por uma (anônima) burocracia
  estatal, que passaria a deter crescentes
  poderes estruturais e de controle dos rumos
  do país e das vidas das pessoas, físicas e
  jurídicas, nos mais variados setores de
  atividades, em suma, da vida nacional
  como um todo.

• Os símbolos religiosos presentes em nossa
  sociedade, indissoluvelmente ligados que
  estão a nossa história, cultura e à grande
  maioria da população, bem como a valores
  que construíram e mantêm a nação, muitos
  dos quais de caráter constitucional e legal,
  passam a ser mal vistos e se propõe a sua
  retirada do espaço público, sob o
  argumento de “estado laico”, como se tal
  fosse sinônimo de estado anti-religioso, ou
  estado anti-religião    da     maioria da
  população, o que não é verdade. Tal
  matéria tem sido objeto de debate tanto no
  Judiciário como no Legislativo, sendo que o

                                               16
posicionamento adotado pelo PNDH 3 não
        prevaleceu em nenhum desses dois
        poderes.

      • Fica-se com a nítida impressão de que o
        PNDH 3, na realidade e no seu conjunto,
        não é propriamente um “plano de direitos
        humanos” – esta é tão somente a capa - ,
        mas um plano de imposição ideológica e de
        caráter totalitário de contra-valores sociais,
        dissonantes não só da história como da
        realidade brasileira. Um olhar pela história
        do século XX deixa claro que os países que
        foram submetidos a visões ideológicas e
        totalitárias, como as que fazem evocar o
        PNDH 3, percorreram um caminho de muito
        sofrimento       humano       e     progresso
        desequilibrado,      seccionado,    se    não
        interrompido.

      • A história e a “alma” brasileiras, conforme
         princípios    estabelecidos     na     que
         possivelmente seja a mais democrática de
         todas as nossas constituições – a
         promulgada em de 5 de outubro de 1988 –,
         por entre todas as muitas crises por que
         tem passado, demonstram, no seu
         conjunto,    uma     certa  aversão    aos
         radicalismos ideológicos como o que
         parece estar por detrás do PNDH 3.
         Façamos votos, rezemos ao Bom e
Onipotente Deus, atuemos, tanto quanto nos seja
possível, no sentido de que possamos prosseguir no

                                                    17
caminho que temos trilhado, inclusive nas décadas
de vigência da atual Constituição de 1988. Nelas foi
possível aliar expressiva melhoria nos índices de
desenvolvimento econômico, redução da pobreza,
melhoria de diversos índices de qualidade de vida de
amplos setores da população, a uma vivência
democrática com amplos debates nacionais e
sociais. Tais debates, quando reais e efetivos, não
direcionados, debilitados por coerções diversas,
como não poucas constantes do PNDH 3, são
enriquecedores para a sociedade como um todo.
Possa o nosso país prosseguir, fiel à sua história e a
seus valores, na busca de uma progressiva melhoria
da qualidade de vida de toda a sua população, em
um respeito integral dos direitos humanos e às
liberdades democráticas, dando consecução aos
fundamentos       e     objetivos      constitucionais
estabelecidos em nossa Constituição de 1988.

         Paulo Silveira Martins Leão Junior
     Presidente da União dos Juristas Católicos




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  • 1. OS “DIREITOS HUMANOS” E O PNDH 3 (artigo publicado no jornal “Testemunho de Fé”, da Arquidiocese do Rio de Janeiro, ed. 13 a 20 fev. 2010) No final de 2009, recém findo e que já vai ficando ao longe, foi lançada a 3 ª versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, o PNDH 3, pelo Decreto nº 7037, de 21 de dezembro de 2009. Logo em seguida, instaurou-se intensa polêmica envolvendo diversos pontos de tal programa. O PNDH 3 (anexo ao decreto presidencial nº7037/2009) consiste em um extenso texto, com mais de 220 páginas, contados os 2 anexos (que reproduzem os anexos dos dois decretos que instituíram os planos anteriores, PNDH 1 e PNDH 2). O PNDH 3 consta (a) de uma apresentação de 3 páginas, assinadas pelo Sr. Presidente da República, (b) de um prefácio de 5 páginas, do Sr. Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, (c) de 6 “Eixos Orientadores”, subdivididos, cada qual, em (d) “Diretrizes”, que seguem numeração contínua, do primeiro ao sexto “eixo orientador”, em um total de 25 “diretrizes”, as quais, por sua vez, são subdivididas, cada qual, em número variável de (e) “objetivos estratégicos”. Setores de grande importância social têm se manifestado com ponderações e críticas ao referido plano. Diversas questões pontuais de 1
  • 2. grande relevância e impacto na sociedade têm sido levantados e trazidos a debate, e, certamente, outros mais o serão, à medida que se aprofunde a leitura do plano. Artigos muito lúcidos têm sido publicados em jornais e revistas de grande circulação alertando para graves distorções que o PNDH 3 designa como “direitos humanos”. Deve-se ressaltar que, sem dúvida, o plano abarca um extenso e importante rol de direitos humanos em relação aos quais há o que se poderia chamar de “consenso social”, estando muitos destes direitos relacionados na Constituição Federal de 1988. Pontos e matérias em relação a que nosso país e a sociedade como um todo já há bastante tempo vêm se empenhado em alcançar. Tal esforço nacional, social, estatal e empresarial, não tem sido em vão, pois são muitos os indicadores que demonstram que nosso país tem evoluído positiva e significativamente ao longo das últimas duas décadas, em particular desde a Constituição cidadã de 1988. Passado Esquecido Não se deve, no entanto, descurar todo o passado histórico, em que, paulatinamente, a realidade política e social em que nos encontramos foi sendo construída. Disso são exemplos expressivos, dentre muitos outros, a recente comemoração dos 200 anos da chegada do príncipe regente Dom João VI e da corte portuguesa ao Brasil em 1808. Em razão de tal evento, foi 2
  • 3. transferida para nossa terra a sede do governo do império português e foram como que transplantadas importantes e fundamentais instituições, que perduram até hoje. Dentre elas, podem ser citados, a título de exemplo, a Biblioteca Nacional, os primeiros cursos superiores, a imprensa nacional, o Banco do Brasil, o jardim botânico e a polícia militar, lançando os fundamentos para a independência de nosso país, alcançada pouco depois, proclamada pelo filho de Dom João VI, Dom Pedro I. Outro exemplo significativo, dentre muitos, que podem ser mencionados, é o do grande homem público, abolicionista, Joaquim Nabuco, cujo centenário de morte se comemorou neste mês de janeiro de 2010. Joaquim Nabuco, republicano advindo do 2º Império, nos remete àquele período, em que dois partidos, o Conservador e o Liberal, se revesaram no poder, sob a coordenação “moderadora” de Dom Pedro II. As diversas “Repúblicas”, em seus embates e múltiplos movimentos dialéticos, prosseguiram, em maior ou menor grau, um caminho de busca de desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida para a população. São de tradição de nossa pátria as declarações de “direitos humanos”, inseridas no texto fundamental desde a primeira Constituição brasileira, de 1824, tendo permanecido em todas as outras, inclusive nos períodos de maiores restrições e mesmo de violações às liberdades democráticas e a tais direitos, como nos da vigência da Carta de 1937 e da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. O Brasil, não poucas vezes, é designado como uma espécie de “ONU”, em razão da intensa miscigenação racial e convivência pacífica das mais 3
  • 4. variadas raças, etnias e culturas, gerando uma importantíssima riqueza humana, não só para nós mesmos brasileiros, como para as Américas, e, cada vez mais, para a humanidade em geral, que aqui se faz representar de variados modos. Todo esse imenso caudal histórico, que possibilitou e possibilita estarmos onde estamos, chegarmos onde chegamos, fruirmos o que fruímos e desejar que muitos mais, tanto em nosso país, como alhures, possam ter uma vida melhor e mais digna, até por uma questão de compatibilidade e respeito para com os fatos, não deve ser esquecida. E o que isso tem a ver com o PNDH 3? O PNDH 3 parece ter sido escrito e articulado desconsiderando tais realidades, não só em múltiplos pontos que têm gerado perplexidade geral na nação, mas no seu conjunto. Uma leitura de conjunto e sistemática do PNDH 3 parece denotar um caráter fortemente coercitivo, dogmático, tendente à supressão da diversidade, alteridade e da democracia, em nome de uma determinada visão da realidade, de setores minoritários da sociedade. Estes setores buscam, por meio de tal plano, impor esta visão de mundo, sem possibilidade de questionamento, à sociedade, como se fora uma espécie de “religião de estado”, “verdade suprema”, acima de toda e qualquer consideração histórica, jurídica, ética e/ou racional. Unidos em torno do bem comum Logo após a barbárie e atrocidades da 2ª Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas 4
  • 5. entendeu ser de suma importância a elaboração de um texto, de aplicação universal, que resguardasse a humanidade de nova tragédia de tão trágicas conseqüências. Para isso, representantes de todo o mundo, das mais variadas tendências, se reuniram. O grande filósofo francês Jacques Maritain, cuja esposa, também era grande pensadora, Raissa Maritain, de origem judaica russa, participou desse magnífico evento que gerou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, mesma data em que foi assinada pelo Brasil. Jacques Maritain destaca, ao se referir, posteriormente, a essa esplêndida experiência, que as origens e concepções pessoais dos autores do texto eram muito diversas, mas que foi possível, inobstante, chegar àquele texto de consenso, parâmetro para toda a humanidade e que parece não ser levado na devida conta pelo PNDH 3. Tal postura do plano em exame também ocorre, guardadas as devidas proporções, em relação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”, de 1969, ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992. Em outras palavras, “direitos humanos” não é expressão de ontem, nem exclusiva daqui e seus conceitos não se mudam por anexo a decreto. Filósofos e jusfilósofos de variadas origens, perspectivas e “visões de mundo” destacam a importância da vivência democrática e do respeito aos verdadeiros e reconhecidos direitos, na busca do bem estar e felicidade das nações, sendo 5
  • 6. abundantes na história do século XX, recém findo, os exemplos de grande fracasso e terrível sofrimento para a humanidade dos regimes de caráter totalitário. Clara manifestação disso encontra-se nos dois primeiros e no último dos “considerandos” da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que proclamam: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; “Considerando que o desprezo e desrespeito pelos direitos da pessoa resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que as pessoas gozem de liberdade de palavra, de crença e de liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum; (. . .) “Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso” Há, pois, toda uma extensa reflexão ética, humana, jus filosófica, multisecular, que o PNDH 3 parece desconsiderar e desprezar, em nome de uma ideologia que parece fundamentar, permear e direcionar o conjunto de tal plano, denotando aspectos de totalitarismo e restrição das liberdades democráticas de intensidade notável, como veremos, a título exemplificativo a seguir, não sem 6
  • 7. antes uma breve referência à doutrina social da Igreja e à “perspectiva cristã”. Doutrina Social da Igreja Deve-se destacar a importância do desenvolvimento econômico e social na linha dos ensinamentos do Magistério da Igreja e do que se denomina “doutrina social da Igreja”. Esta tem seu ensinamento maior no próprio ensinamento de Jesus Cristo, cume e perfeição da “Lei e dos Profetas”. Sua aplicação histórica importa em milenar experiência humana, regada pela Luz e graças de Deus na “dialética” existencial dos povos. A doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos “Santos Padres” da antiguidade cristã, foi retomada com vigor no auge das crises sociais e da “questão operária” do século XIX, com o lançamento da encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, que teve ampla repercussão por todo o mundo, influenciando constituições e legislações. A ela sucederam-se os ensinamentos e encíclicas dos sumos pontífices sobre a matéria. A título de exemplo, trazemos a palavra do humanista Paulo VI, em sua encíclica “Populorum Progressio” (O Desenvolvimento dos Povos), de 1967, propondo uma “visão global do homem e da humanidade” e com ensinamentos que parecem bem se aplicar ao tema em análise: “O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os 7
  • 8. homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um especialista: ‘não aceitamos que o econômico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se inclui. O que conta para nós é o homem, cada grupo de homens até se chegar à humanidade inteira’.” (item 14) (. . .) É necessário promover um humanismo total. Que vem ele a ser senão o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens? Poderia aparentemente triunfar um humanismo limitado, fechado aos valores do espírito e a Deus, fonte do verdadeiro humanismo. O homem pode organizar a terra sem humanismo. O homem pode organizar a terra sem Deus, mas ‘sem Deus só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano’. Não há, portanto, verdadeiro humanismo, senão o aberto ao Absoluto, reconhecendo uma vocação que exprime a idéia exata do que é a vida humana. O homem, longe de ser a norma última dos valores, só se pode realizar a si mesmo, ultrapassando-se. Segundo a frase tão exata de Pascal: ‘o homem ultrapassa infinitamente o homem’.” (item 42) Verifica-se, claramente, o alerta para os riscos de “desumanidade” de pretensos humanismos de linha “triunfalista”, que parecem não estarem ausentes na inspiração do PNDH 3, que, inclusive, propõe a retirada de símbolos religiosos da vida pública, numa evidente alusão à correspondente e pretensa proscrição, senão perseguição, dos valores de humanidade, paz e transcendência que representam. 8
  • 9. A título de complemento e antes de entrar mais especificamente na análise de alguns pontos do PNDH 3, cabe ainda a referência ao filósofo existencialista espanhol Julián Marias. Em seu pequeno e denso opúsculo, “A perspectica cristã”, ele ressalta a enorme repercussão, individual e social, positiva e transformadora da encarnação e vivência da mensagem cristã ao longo de seus dois milênios de existência, nos quais se inserem nosso país, desde cerca de 500 anos, com a chegada das naus comandadas por Pedro Álvares Cabral, no que designamos comumente como “descobrimento”. Isto parece incomodar os autores do PNDH 3, dispostos, como dizem em alguns tópicos do plano, a reescrever a história e a realizar a “construção pública da verdade”. Diz Julián Marias, na referida obra: “O mundo foi habitado por Deus feito homem: habitavit in nobis. Assumiu a condição carnal, a mundanidade, a convivência, a historicidade, todos os seus ingredientes. O desprezo deste mundo envolve um menosprezo da Encarnação, isto é, do núcleo essencial do cristianismo. (. . . ) Aparece este mundo como condição do outro, não porém um simples “trâmite” desprezível. Deus poderia ter situado o homem no outro mundo, no céu, evitando todas as dificuldades, misérias e riscos de sua vida terrena. Porém, como já disse em Antropologia metafísica, não seria o homem, e sim outra realidade bem diferente. O homem faz a sua vida – com as coisas; a elege, não é seu criador, mas é seu autor. A vida terrena neste mundo se 9
  • 10. apresenta como escolha da perdurável. Consiste em decidir agora quem se vai ser sempre. Isto mostra a excepcional importância e gravidade desta vida e do mundo em que acontece, e que em boa medida é obra do homem, que projeta seus projetos sobre a mera circunstância e faz dela mundo. O cristão tem a exigência de viver esta vida com a maior intensidade e o máximo esmero. (. . .) Veja-se o posto que na história da humanidade tiveram os povos cristãos no sentido que dou a esta palavra neste livro. Independente do estado da fé, da vivacidade da crença, os povos condicionados pelo cristianismo, os que receberam a visão da realidade procedente da perspectiva cristã, foram os mais interessados por este mundo, por seu conhecimento, exploração, transformação, orientação para o que acreditaram ser valioso e desejável. Precisamente a projeção para o outro mundo, a esperança nele, em sua perpetuidade para sempre, fizeram que para os homens participantes desta atitude haja tido a máxima importância esse mundo em que se encontraram e que lhes foi confiado.” Para uma análise do PNDH 3 O exame em grau detalhado do PNDH 3 deve ser realizado pelos diversos grupos sociais. Cabe-nos, aqui, tão somente, lançar breves reflexões iniciais sobre alguns aspectos estruturais do PNDH 3, que considera, em alguns casos, como “direitos humanos”, o que não é nem “direito”, e por vezes nem mesmo “humano”, seja à luz da 10
  • 11. Constituição, dos tratados internacionais relativos a direitos humanos adotados pelo Brasil e da legislação infra-constitucional. Dentre esses casos pode ser destacado o aborto provocado, que é um ato deliberado de matar uma pessoa humana inocente e indefesa no início do seu desenvolvimento existencial, no lugar em que deveria receber maior proteção e afeto, que é o útero de sua mãe. Porque a vida humana, não importa se em estágio inicial, por ser inegável e comprovadamente vida humana, é protegida constitucionalmente, nos tratados internacionais e na legislação ordinária, cível e penal. Nas palavras de João Paulo II, em sua visita ao nosso país, durante o “Congresso Mundial do Papa com as Famílias”, em 1997, perante o estádio do Maracanã lotado, o “aborto é crime abominável, vergonha da humanidade!”. No entanto, é considerado pelo PNDH 3, um “direito humano”, a ser implementado mediante o esforço e empenho da máquina governamental, sustentada com o dinheiro público, ou seja, com o dinheiro decorrente de nosso trabalho e esforço! Nas mais variadas pesquisas de opinião pública, é forte e crescente, ao longo das últimas décadas, o repúdio ao aborto provocado que é considerado “um mal moral grave”. No Congresso Nacional, têm sido sistematicamente rejeitados, por enorme margem de votação, os projetos de lei que pretendem sua descriminalização. Como, pois, considerar “direito humano”, a mais veemente negação do direito, que é a supressão deliberada, planejada, sem chance de defesa, de um pequenino 11
  • 12. ser humano? Talvez seja essa - a negação do direito à vida para aqueles que estão no início de sua biografia, de sua jornada existencial.- a mais eloqüente demonstração do quanto esse PNDH 3 se afasta do verdadeiro conceito de “direitos humanos” em não poucos direitos essenciais à uma convivência verdadeiramente democrática, pacífica, justa e solidária, na conformidade com os princípios fundamentais e os objetivos da República. Norberto Bobbio, o grande jusfilósofo italiano “laico”, ressaltava que “o direito do concebido apenas poderia ser satisfeito permitindo-se o seu nascimento”. Outro grande jurista, de renome internacional, Pietro Perlingieri, leciona (em tradução livre do italiano): “ . . . em uma época em que se realiza o princípio da igualdade, sancionado como fundamento de um estado democrático de direito, não se pode pensar que não haja um status personae (estatuto pessoal) que não seja completamente idêntico a qualquer outro status personae. (. . .) Um ser humano que está por tornar- se pessoa é tutelado não apenas pelo que ele é naquele momento mas por aquilo que ele está se tornando” (. . .) “ . . . a qualidade humana, por si só, atribui direitos humanos . . .” ; “ o embrião já tem uma idade, tanto assim, que falamos de quatro dias, três dias, três meses, quatro meses, seis meses”; o embrião “é tutelado como início de um processo de vida, que já tem uma história, uma idade e também uma dignidade. A pessoa, prescindindo de suas condições de fato, tem um status (situação) absolutamente igual àquela de qualquer outra pessoa; é o resultado de anos e anos 12
  • 13. de história, é uma conquista da civilização. O que quer que seja que vá contra esta conquista, não pode ser definida senão como regresso”. Uma interpretação tópica e sistemática dos artigos da Constituição, bem como dos diversos tratados internacionais adotados pelo Brasil, parecem só poder levar às mesmas conclusões dos referidos juristas. Ou seja, o ser humano tem direito a ter a sua vida e dignidade correspondente resguardadas desde o início até o término de sua existência, como direito humano fundamental, objetivo e fundamento de nosso estado democrático de direito. Muito ainda poderia ser dito sobre o assunto, mas para que seja ainda possível tratar de outros pontos peço para remeter os caros leitores ao site da União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro (http://www.juristascatolicosrj.org.br), onde encontrarão diversos artigos sobre o tema. A muito querida de todo povo brasileiro, a Dra Zilda Arns, recentemente morta no terremoto do Haiti, onde se encontrava prestando ajuda humanitária, como fez por muitas décadas no Brasil e em todo o mundo, salvando a vida milhões de crianças, era veemente e corajosa defensora também da vida das crianças por nascer, dentro do útero de suas mães, aduzindo, inclusive, que o aborto provocado não era uma reivindicação das mães carentes que atendia. O verdadeiro apoio a uma mulher grávida há de ser apoio, também à sua gravidez, à pequenina mulher ou ao pequenino homem que se desenvolve em seu seio, jamais utilizar-se dos recursos técnicos disponíveis para matar! Mas disso se afasta o PNDH 3! 13
  • 14. Imposição ideológica • A família, fundamento constitucional da sociedade, ao ver do PNDH 3, deve ser “desconstruída” como conceito envolvendo a relação entre homem e mulher (“heteronormatividade”) acolhendo, educando e formando seus filhos. No entanto, a família, constituída por homem e mulher, é expressamente declarada como “base”, “fundamento” da sociedade, tanto na Constituição Federal, como em tratados internacionais adotados pelo Brasil. • As questões de ética sexual, com manifesta repercussão social, que envolvem amplo debate, que vem sendo travado na sociedade, no Legislativo e no Judiciário, e que demandam continuada e delicada reflexão, sem abdicação de princípios fundamentais, são tratadas com extrema parcialidade, como se o natural fosse o anti- natural, a ser reiteradamente promovido, inclusive coercitivamente por meio de uma “educação” básica, de nível médio e superior. • Há todo um enorme trabalho e articulação dos órgãos governamentais no sentido de 14
  • 15. um “doutrinamento”, que melhor poderia ser dito como uma tentativa de imposição, coercitiva, de “lavagem cerebral” de toda sociedade, com ênfase em todas as fases da educação, desde a básica à superior e dos formadores, bem como dos servidores públicos, polícias e até mesmo organizações não governamentais. • A mídia e a empresa privada, dentro das diretrizes e estratégias do PNDH 3, passam a ser controladas e intimidadas ideologicamente a atuar pelo que naquele plano é considerado “direito humano”. • O PNDH 3 também desrespeita gravemente um dos direitos fundamentais que é a propriedade, a qual, no contextos dos princípios constitucionais e legais, de garantias e condicionamentos sociais, está estreitamente relacionada a uma efetiva liberdade. Estimula a invasão da propriedade privada ao pretender, ao arrepio das normas constitucionais e legais e em manifesto desrespeito ao Judiciário e ao Legislativo, obstaculizar a remoção dos invasores. • Os verdadeiros direitos humanos são colocados lado a lado com pretensos ou anti-direitos, pretendendo-se uma “interdependência e indivisibilidade” dos mesmos. 15
  • 16. • Os poderes constitucionais, em particular o Legislativo e o Judiciário, a própria Constituição e legislação vigentes, a representação internacional do país são, como que em um “passe de mágica”, submetidas à visão reducionista, discriminatória, coercitiva, intimidadora, de indisfarçável cunho tendente ao totalitarismo do PNDH 3. Este propõe, por mecanismos vários, a substituição da representação popular e dos poderes constituídos, por uma (anônima) burocracia estatal, que passaria a deter crescentes poderes estruturais e de controle dos rumos do país e das vidas das pessoas, físicas e jurídicas, nos mais variados setores de atividades, em suma, da vida nacional como um todo. • Os símbolos religiosos presentes em nossa sociedade, indissoluvelmente ligados que estão a nossa história, cultura e à grande maioria da população, bem como a valores que construíram e mantêm a nação, muitos dos quais de caráter constitucional e legal, passam a ser mal vistos e se propõe a sua retirada do espaço público, sob o argumento de “estado laico”, como se tal fosse sinônimo de estado anti-religioso, ou estado anti-religião da maioria da população, o que não é verdade. Tal matéria tem sido objeto de debate tanto no Judiciário como no Legislativo, sendo que o 16
  • 17. posicionamento adotado pelo PNDH 3 não prevaleceu em nenhum desses dois poderes. • Fica-se com a nítida impressão de que o PNDH 3, na realidade e no seu conjunto, não é propriamente um “plano de direitos humanos” – esta é tão somente a capa - , mas um plano de imposição ideológica e de caráter totalitário de contra-valores sociais, dissonantes não só da história como da realidade brasileira. Um olhar pela história do século XX deixa claro que os países que foram submetidos a visões ideológicas e totalitárias, como as que fazem evocar o PNDH 3, percorreram um caminho de muito sofrimento humano e progresso desequilibrado, seccionado, se não interrompido. • A história e a “alma” brasileiras, conforme princípios estabelecidos na que possivelmente seja a mais democrática de todas as nossas constituições – a promulgada em de 5 de outubro de 1988 –, por entre todas as muitas crises por que tem passado, demonstram, no seu conjunto, uma certa aversão aos radicalismos ideológicos como o que parece estar por detrás do PNDH 3. Façamos votos, rezemos ao Bom e Onipotente Deus, atuemos, tanto quanto nos seja possível, no sentido de que possamos prosseguir no 17
  • 18. caminho que temos trilhado, inclusive nas décadas de vigência da atual Constituição de 1988. Nelas foi possível aliar expressiva melhoria nos índices de desenvolvimento econômico, redução da pobreza, melhoria de diversos índices de qualidade de vida de amplos setores da população, a uma vivência democrática com amplos debates nacionais e sociais. Tais debates, quando reais e efetivos, não direcionados, debilitados por coerções diversas, como não poucas constantes do PNDH 3, são enriquecedores para a sociedade como um todo. Possa o nosso país prosseguir, fiel à sua história e a seus valores, na busca de uma progressiva melhoria da qualidade de vida de toda a sua população, em um respeito integral dos direitos humanos e às liberdades democráticas, dando consecução aos fundamentos e objetivos constitucionais estabelecidos em nossa Constituição de 1988. Paulo Silveira Martins Leão Junior Presidente da União dos Juristas Católicos 18