1. Fortaleza carece de um plano cicloviário abrangente para promover a mobilidade urbana por bicicleta de forma segura e eficiente. 2. A infraestrutura cicloviária existente é formada por trechos desconexos e inadequados. 3. É necessário conceber uma rede cicloviária ampla, contínua e de qualidade integrada aos sistemas de transporte público.
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tigos do livro BRASIL NÃO MOTORIZADO. A cada semana um texto será
editado. Desse modo, ao final de 16 semanas o livro estará completo e terá sido
aberto mais um canal de leitura e discussão dos temas abordados.
A publicação dos artigos no formato eletrônico também se deve ao su-
cesso da edição. Além das cotas dos patrocinadores, vendas em lançamentos
e livrarias e doações a instituições de ensino, foram colocados mais de 1.000
exemplares. Isso demonstra o interesse pelo assunto “mobilidade urbana” e nos
dá a certeza de continuarmos com a coleção. Está prevista ainda para 2015 a
edição do nosso 2º volume – com alguns novos autores e novas abordagens.
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IMPORTANTE
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3. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
O que falta para Fortaleza avançar
na mobilidade por bicicleta
JoséCarlosAzizARY
1
MiguelBarbosaARY
2
1. Mobilidade urbana em Fortaleza
Nas últimas décadas, a capital cearense negligenciou o planejamento
urbano e o planejamento de transportes. Como resultado desse descaso, hoje
existe uma metrópole com 2,5 milhões de habitantes com diversos problemas a
superar. Entre os principais, está a dificuldade de deslocar-se pela cidade.
Fortaleza sofre com o esgotamento da capacidade de suas principais vias,
causado pelo excesso de automóveis em circulação. Semelhantemente ao que
ocorre mundo afora, sobretudo nas grandes cidades, não se investiu priorita-
riamente nos modos de transporte sustentáveis (coletivos e não motorizados).
Como agravante, a cidade padece de um sistema viário estruturalmente limi-
tado, no qual predominam vias e calçadas estreitas, o que dificulta a adoção de
medidas para promoção da mobilidade urbana pelos diversos modos de trans-
porte de superfície.
O transporte coletivo, apesar de ter melhorado em alguns aspectos, ainda
não é uma opção atrativa para a maioria da população. Falta eficiência, pois pra-
ticamente não há prioridade nas vias para os ônibus, os quais acabam retidos
em engarrafamentos. Falta conforto e segurança dentro dos coletivos, assim
como do lado de fora deles, nos pontos de parada e nos terminais de integração.
Ademais, os ônibus circulam diariamente lotados nos horários de pico.
A situação tende a melhorar após a criação dos corredores exclusivos
para ônibus e com a ampliação dos terminais, entre outras medidas. O sistema
metroviário possui apenas uma linha, recém-implantada. Outras duas estão
planejadas para entrar em operação nos próximos anos. Será o início de uma
1 Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Pós-Graduado em Urbanismo e
Planejamento Territorial pela Universidade Católica de Lovaina (Bélgica); Chefe do Departamento de
Transportes Urbanos da Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT); um dos autores
do Manual de Planejamento Cicloviário, em 1976; e do Manual de Planejamento Cicloviário do GEIPOT,
em 2001.
2 Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Mestre em Engenharia de Trans-
portes pela UFC; foi Engenheiro de Tráfego do Órgão Municipal de Trânsito de Fortaleza (2001-2010);
Professor da disciplina de Transporte Não Motorizado, em curso de Gestão de Trânsito (UFC).
4. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
rede que ampliará expressivamente as opções da mobilidade dos fortale-
zenses, mas somente no médio e no longo prazos.
Para quem caminha pela cidade, a situação atual também não é das me-
lhores. É comum encontrar calçadas em condições precárias – estreitas, obstru-
ídas, esburacadas, desniveladas e sujas, quando não totalmente ocupadas por
automóveis estacionados de forma irregular. Além da falta de acessibilidade, o
desrespeito dos motoristas às faixas de pedestre e à sinalização viária é outro fa-
tor que compromete a segurança e o conforto de quem anda a pé em Fortaleza.
1. Uso da bicicleta
Com a topografia variando de plana a levemente ondulada e o clima tro-
pical com pouca chuva ao longo do ano, pode-se afirmar que a natureza favore-
ce o ciclismo em Fortaleza. De fato, o uso da bicicleta como meio de transporte
é, há muito tempo, significativo na cidade. No início da manhã, sobretudo nas
principais vias de acesso, milhares de trabalhadores deslocam-se para as áreas
centrais. No final do dia, esses contingentes retornam às suas casas, muitas delas
localizadas em bairros periféricos e até mesmo em outros municípios vizinhos.
Segundo pesquisa realizada por Maia et al. (2010), as principais caracte-
rísticas do ciclista fortalezense são as seguintes: quase a sua totalidade é do sexo
masculino, com baixa escolaridade, faixa etária predominante de 21 a 35 anos
e uso quase diário da bicicleta como meio de transporte ao trabalho. Entre os
usuários, há predominância de trabalhadores da construção civil, porém a bici-
cleta é utilizada também por pessoas ligadas a várias outras atividades.
Para mais da metade dos entrevistados o tempo médio de viagem varia
de 30 a 60 minutos. A maioria considera baixa a segurança em seus trajetos,
apontando como principais dificuldades a falta de respeito dos motoristas e a
circulação compartilhada com o tráfego geral. A implantação de ciclovias é a
solução mais sugerida.
Figuras 1 e 2: Flagrantes do significativo uso da bicicleta em Fortaleza.
FONTE: Fotos dos autores, 2012
5. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
Apesar do número expressivo de ciclistas, Fortaleza ainda não pode ser
considerada uma cidade “amiga da bicicleta”. Historicamente, não foi estimu-
lada a cultura de respeito e prioridade a esse modal de transporte no trânsito.
Também, no desenvolvimento do sistema viário não foram reservados espaços
seguros para sua circulação.
Assim, em grande parte da cidade, sobretudo nas vias de tráfego intenso,
a bicicleta leva desvantagem na disputa de espaço com veículos motorizados.
Essa é uma situação de perigo que, aliada a outros fatores, desestimula o uso
desse modal por boa parte da população. O trabalho de Oliveira Júnior et al.
(2007) demonstra o elevado índice e a gravidade dos acidentes com ciclistas em
Fortaleza, com preocupante tendência de aumento das ocorrências, o que refor-
ça a necessidade de políticas públicas específicas para promover a segurança do
uso da bicicleta na cidade.
Apesar disso, com a crescente consciência ambiental, aliada à necessida-
de de atividade física para promoção da saúde e do bem-estar, e, ainda, pelo fato
de serem baixas as alternativas de deslocamento urbano, é possível perceber dia
a dia mais fortalezenses aderindo à bicicleta.
1. Infraestrutura cicloviária atual
Nos últimos anos, ainda que timidamente, vem-se investindo na promo-
ção da segurança dos ciclistas em Fortaleza, principalmente com a implantação
de ciclovias nos canteiros centrais de avenidas novas ou reformadas. No entan-
to, como a cidade ainda carece de uma política específica para a mobilidade por
bicicleta, a infraestrutura existente tem sido formada por trechos desconexos
entre si e sem integração com o transporte público (Figura 3).
Figura 3: Infraestrutura cicloviária atual de Fortaleza.
FONTE: Prefeitura Municipal de Fortaleza, 2013. Organização dos autores
6. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
Em sua maioria, as ciclovias existentes são frutos de projetos isolados e
sem um adequado embasamento técnico. Quando muito, trouxeram benefícios
pontuais a quem já usava bicicleta. Registre-se que tais projetos não atraíram
novos usuários a esse modal. A extensão total da atual rede cicloviária é de
aproximadamente 70 km. Esse número, aparentemente expressivo em compa-
ração com outras capitais brasileiras, está longe de ser motivo de orgulho para
uma grande cidade como Fortaleza. Tal afirmação se deve ao fato de que muitos
trechos da rede são inadequados para o uso da bicicleta, como será comentado
mais adiante.
Entretanto, algumas ciclovias apresentam condições favoráveis de circu-
lação. É o caso das avenidas ilustradas a seguir (Figuras 4 a 7).
Exemplos de trechos cicloviários em condições satisfatórias de circu-
lação.
De acordo com levantamento realizado nas principais ciclovias da cidade
(ARY, 2009), foram constatados diversos problemas que inibem o uso da infra-
estrutura pelos ciclistas, entre os quais:
• dimensionamento inadequado (larguras estreitas);
Figura 5: Av. Godofredo Maciel
FONTE: Fotos dos autores
Figura 4: Av. Washington Soares
FONTE: Fotos dos autores
Figura 7: Av. Alm. Henrique Saboia (Via Expressa)
FONTE: Fotos dos autores
Figura 6: Av. Bezerra de Menezes
FONTE: Fotos dos autores
7. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
• obstruções no trajeto (postes e árvores estrangulando a seção,
presença de pedestres etc.);
• dificuldade de acesso e de saída da ciclovia;
• falta de continuidade;
• piso irregular;
• sinalização e manutenção deficientes.
Dos problemas citados, os mais graves são certamente os estrangulamen-
tos do espaço de circulação dos ciclistas por postes e árvores. Tais condições
foram causadas por falhas de projeto e/ou pela construção de ciclovias de forma
inadequada, criando situações absurdas em alguns trechos, como se comprova
nas Figuras 8 a 11.
Exemplos de trechos de ciclovias com espaços estrangulados.
Diante do exposto, fica fácil compreender por que cerca de 40% dos ci-
clistas fortalezenses deixam de usar as ciclovias, conforme pesquisa de Maia et
al. (2010). Assim, é necessário que a infraestrutura atual seja readequada e que
sejam reavaliados os projetos cicloviários já desenvolvidos e ainda não implan-
tados, a fim de que não se cometam os mesmos erros aqui apontados.
Figura 10: Av. Bezerra de Menezes
FONTE: Fotos dos autores
Figura 11: Av. Mister Hull
FONTE: Fotos dos autores
Figura 9: Av. Humberto Monte
FONTE: Fotos dos autores
Figura 8: Av. Rogaciano Leite
FONTE: Fotos dos autores
8. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
Outro ponto negativo que inibe o uso da bicicleta em Fortaleza é a quase
total ausência de bicicletários ou paraciclos, restando aos ciclistas procurar pos-
tes, árvores, grades ou outra estrutura onde seja possível encostar ou acorrentar
a bicicleta.
1. O que falta para Fortaleza ser mais “ciclável”?
4.1 Plano Cicloviário
A despeito dos problemas mencionados, é possível transformar Forta-
leza numa cidade mais “ciclável”. O primeiro e talvez mais importante passo
é a elaboração de um plano cicloviário abrangente, em conformidade com os
planos municipais de mobilidade e de desenvolvimento urbano. Ele deve ser
fundamentado em estudos e pesquisas, e debatido com especialistas, com a co-
munidade ciclística e com a sociedade em geral.
O principal legado do plano deve ser a concepção de uma infraestru-
tura cicloviária ampla, contínua e de qualidade, que seja confortável, segura,
capaz de atender à demanda atual e atrair mais pessoas para o uso da bicicleta
cotidianamente. Para isso, a rede deve interligar os diversos bairros da cidade,
passando por áreas residenciais, polos de emprego, centros comerciais e de ser-
viços, zonas industriais, estabelecimentos de ensino, áreas turísticas e de lazer,
grandes praças esportivas etc.
A rede a ser produzida deve, ainda, ser integrada aos sistemas de trans-
porte coletivo, contemplando estacionamentos para bicicletas e equipamentos
de apoio para ciclistas. Tais equipamentos, por sua vez, devem ser bem distri-
buídos por toda a cidade, principalmente junto aos terminais de ônibus e às
estações do metrô.
Os trechos da rede podem ser compostos por ciclovias e ciclofaixas ou
vias e calçadas adequadas ao uso compartilhado. No entanto, tal compartilha-
mento deve ser seguro tanto para bicicletas como para os veículos motorizados
e pedestres. Percebe-se, assim, que não há uma solução única, mas uma grande
variedade de intervenções possíveis. Em cada caso, deve-se avaliar tecnicamen-
te qual é a medida mais apropriada a adotar.
É essencial considerar as características, as necessidades e as expectativas
dos atuais e futuros usuários de bicicleta. Tanto no exterior como no Brasil,
há diversas experiências de sucesso que podem servir de referência para For-
taleza, mas devem ser levados em conta as limitações e os potenciais específi-
cos da cidade, bem como a cultura local. Por isso, além de questões técnicas, é
fundamental que o plano dê atenção a outros aspectos importantes, tais como
segurança pública e arborização/sombreamento nos diversos trechos da rede a
implantar-se.
9. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
O plano cicloviário de Fortaleza precisa indicar claramente o que deve
ser feito, estabelecendo padrões e critérios compatíveis com as recomendações
dos manuais técnicos. Deve estimar custos e resultados esperados, com crono-
gramas e estratégias viáveis de implantação. Também deve indicar seus respon-
sáveis e as fontes de recursos para implantar suas ações. Além da expansão da
rede, é necessário que o plano preveja diagnósticos e a requalificação da infra-
estrutura atual.
No entanto, é preciso ficar claro que mesmo a criação de uma excelente
rede cicloviária não será suficiente para atender a todos os deslocamentos por
bicicleta em uma grande cidade como Fortaleza. Por mais abrangente que seja
a infraestrutura, os ciclistas continuarão necessitando utilizar as demais vias,
mesmo sem tratamento específico.
Por isso, além da criação da rede, o plano cicloviário deve recomendar
outras ações ainda pouco adotadas em Fortaleza, que podem tornar mais har-
mônica a convivência da bicicleta com os veículos motorizados no sistema viá-
rio como um todo, por exemplo:
• identificação e divulgação de rotas mais seguras, onde seja viável o
compartilhamento com outros modos de transporte;
• medidas de moderação do tráfego (implantação de lombadas físicas,
passagens e cruzamentos elevados, estreitamento ou quebra de
continuidade de vias etc.);
• redução dos limites máximos de velocidade (com limitação para 30
km/h em vias secundárias);
• reforço da sinalização e campanhas educativas para elevar o nível de
atenção e respeito dos usuários motorizados em relação aos ciclistas,
principalmente nas vias de maior fluxo e nos locais com maior índice
de acidentes envolvendo bicicletas;
• maior divulgação do Código de Trânsito Brasileiro, principalmente
dos artigos relacionados aos direitos e deveres dos ciclistas.
Com todas essas ações postas em prática, a bicicleta tem grande potencial
para tornar-se uma opção viável a todos que desejarem usá-la cotidianamente
como meio de transporte em Fortaleza.
10. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
4.2 Gestão do transporte não motorizado
Para gerir as medidas em prol dos ciclistas, Fortaleza necessita de uma
unidade específica na estrutura municipal, com profissionais que, além de ca-
pacidade técnica, tenham comprometimento e sensibilidade para considerar as
demandas e os anseios de quem usa a bicicleta.
Essa gerência poderia ficar responsável também pela promoção de me-
lhorias aos pedestres, planejando conjuntamente as ações relacionadas ao
transporte não motorizado. É importante, ainda, definir a origem dos recursos
necessários à efetivação de suas ações, tais como a destinação de um percentual
das multas de trânsito, entre outras fontes.
5. Conclusões e recomendações
É chegada a hora de Fortaleza saldar sua dívida com a bicicleta. A cidade
precisa urgentemente de ações concretas para elevar o patamar desse modal,
reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como símbolo do
transporte sustentável no Planeta.
São imprescindíveis planejamento, competência e coragem para mudar a
situação atual. A implementação do plano cicloviário pode provocar resistên-
cias a princípio, mas os benefícios serão notórios e inquestionáveis com o passar
do tempo. Diversos exemplos nacionais e internacionais estão aí para servir de
referência.
Nenhuma obra, porém, alcançará pleno êxito se não houver profunda
mudança de mentalidade dos fortalezenses com relação à bicicleta. Assim, é
fundamental que haja grande e contínua campanha de respeito, valorização e
incentivo ao seu uso, promovendo-a como veículo eficiente e viável de transpor-
te para curtas e médias distâncias, benéfico à cidade, ao meio ambiente e à saúde
física e mental de seus usuários.
Referências
ARY, M. B. Avaliação da qualidade das ciclovias de Fortaleza. In: XVII
Congresso brasileiro de transporte e trânsito, antp, 2009, Curitiba, PR.
MAIA, C. M.; MOREIRA, M. E. P. Caracterização dos deslocamentos
de ciclistas e fatores que influenciam suas viagens em Fortaleza-CE. In: XXIV
ANPET - Congresso de pesquisa e ensino em transportes, 2010, Salvador, BA.
MOREIRA, M. E. P. et al. Proposta de rede cicloviária para a cidade de
Fortaleza-CE.
11. O que falta para Fortaleza avançar na mobilidade por bicicleta.
OLIVEIRA JÚNIOR, J. A.; ALMEIDA, T. A.; PAULA, F. S. M. Acidentes
de trânsito do transporte não motorizado por bicicleta na cidade de Fortaleza.
In: XVI Congresso brasileiro de transporte e trânsito, antp, 2007, Maceió,
AL.
SEMOB. Programa Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta – Bicicleta Bra-
sil. Caderno de referência para elaboração de plano de mobilidade por bici-
cleta nas cidades, Brasília, 2007.