O CRISTÃO E O MEIO AMBIENTE: o homem como jardineiro
SINCRETISMO E INFLUÊNCIAS NOS RITOS MÁGICOS/MAÇÔNICOS E CONCEPÇÕES ESOTÉRICAS E OCULTISTAS CONTEMPORÂNEAS
1. SINCRETISMO E INFLUÊNCIAS NOS RITOS MÁGICOS/MAÇÔNICOS E
CONCEPÇÕES ESOTÉRICAS E OCULTISTAS CONTEMPORÂNEAS
Prof. Dr. Carlos A. P. Campani1
23 de Fevereiro de 2016
1. INTRODUÇÃO
O problema de influências diversas nas ordens iniciáticas, místicas e ocultistas, nos ritos
mágicos e maçônicos, no seu simbolismo e nas concepções esotéricas, é pungente nos dias de hoje e
merece uma análise apurada. A análise que pretendemos fazer tem, como ponto inicial, as
definições de sincretismo, influência e impostura, e busca traçar este fenômeno e seu significado em
uma perspectiva histórica e conceitual. Particularmente, interessa-nos discutir as influências da
Cabala judaica na Maçonaria, embora outras influências importantes também sejam citadas no
artigo. Procuramos abordar de forma geral as ordens iniciáticas e não somente a Franco-Maçonaria,
respeitando as especificidades de cada organização.
O problema fundamental é se tais influências podem ser definidas como sincretismo, com
toda a carga negativa e pejorativa que o termo carrega, significando influência espúria e perda de
pureza, ou tratam-se de influências de natureza diversa. O importante é definir claramente as
influências sofridas pelos ritos e doutrinas e daí derivar, numa perspectiva histórica, sua natureza e
características. Pretendemos mostrar que, neste contexto, o conceito de pureza ritualística é vago e
subjetivo, e a definição de sincretismo religioso não é totalmente adequada para ser aplicada.
Ao final, este artigo aborda a influência do esoterismo e ocultismo na cultura pop. Ele
apresenta os perigos das concepções trans-humanísticas presentes nas ordens iniciáticas e
maçônicas, onde, sob influência do ideário neoliberal, se observa o progressivo abandono do
humanismo, levando estas organizações ao niilismo. Esta ideia é desenvolvida e analisada pelo
pesquisador David Livingstone. Usaremos a análise dele como ponto de partida para a discussão
feita neste trabalho.
2. SINCRETISMO, INFLUÊNCIA E IMPOSTURA
Para que se possa fazer uma discussão frutífera sobre este assunto, devemos primeiro definir
formalmente o que se entende por “sincretismo”. Segundo o Novo Dicionário Aurélio:
sincretismo. [Do gr. sygkretismós, 'reunião de vários Estados da ilha de Creta contra o
adversário comum', atr. do fr. syncrètisme.] S. m. 1. Filos. Reunião artificial de ideias ou de
teses de origens disparatadas. 2. Filos. Visão de conjunto, confusa, de uma totalidade
complexa. Cf., nessas acepç., ecletismo. 3. Amálgama de doutrinas ou concepções
heterogêneas: “As inteligências que mais ou menos diretamente nos governam estão em
relação à administração ultramarina num estado de sincretismo bramânico, em que nada se
compreende, em que nada se resolve” (Ramalho Ortigão, As Farpas, IV, p. 270). 4. Fusão
de elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só elemento, continuando
perceptíveis alguns sinais originários. 5. Psicol. Percepção global e indistinta, da qual
surgem, depois, objetos distintamente percebidos. [Cf. ecletismo.]
1 Doutor em Ciência da Computação. Professor lotado no Departamento de Matemática e Estatística da Universidade
Federal de Pelotas. Autor de dois livros: Fundamentos da Cabala: Sêfer Yetsirá; e Um Guia para o Islam. Coautor
(autor de capítulo de livro) no livro Desafios e Avanços em Computação: O Estado da Arte. Estudante de Cabala
judaica, Sufismo e Vedanta. Autor de diversos artigos em sua área profissional e sobre religião e misticismo.
2. Particularmente, o sincretismo refere-se à fusão de elementos de diferentes cultos ou
doutrinas religiosas e a reinterpretação de seus símbolos. Notadamente, no Brasil observamos o
sincretismo religioso nas religiões afro-brasileiras, que incorporaram elementos do Catolicismo em
seu panteão.
O sincretismo religioso frequentemente tem um objetivo prático. Na Igreja Cristã, a partir do
Concílio de Niceia (325 d.C.), houve a incorporação de elementos pagãos ao cristianismo, com o
objetivo de facilitar a ascensão da nova religião no Império Romano e a integração do Império. Nas
religiões afro-brasileiras, o sincretismo objetivava ocultar-se, fugindo da perseguição religiosa da
sociedade cristã na época da escravidão, funcionando como um fator de sobrevivência, assimilação
e integração, seguindo a conceituação de Cacciatore de sincretismo religioso afro-brasileiro
(FONSECA, D., 2012, pág. 97).
As religiões trazidas pelos negros da África que não admitiam sincretismo religioso e
pregavam a pureza doutrinária não foram capazes de sobreviver à perseguição religiosa e
desapareceram, sem conseguir imprimir uma maior influência na cultura popular brasileira, e este é
o caso do Islamismo, como comprova a violenta repressão policial à Revolta dos Malês (REIS, J.,
2003). Apenas pequena influência, nos dias de hoje, pode ser atribuída ao Islamismo dos tempos da
escravidão, como são os casos da importância da sexta-feira e o uso de indumentária de inspiração
islâmica nos cultos afro-brasileiros.
É importante enfatizar que o conceito de sincretismo religioso carrega, em certo grau, um
sentido pejorativo, por ser contrário à ideia de pureza ritualística e doutrinária.
O sincretismo, entendido neste sentido, não se aplica inteiramente ao caso da presença de
elementos judaicos e simbolismo hermético nos ritos mágicos e maçônicos, na simbologia
maçônica e nas concepções místicas, esotéricas e ocultistas contemporâneas. Neste contexto, faltam
os caráteres de utilidade, sobrevivência e integração, assim como o sentido de “fusão de elementos
antagônicos”, pois não há uma verdadeira fusão, muito menos parecem ser tão antagônicos os
elementos presentes nestas tradições.
Só para elucidar melhor a questão da fusão, devemos lembrar que, para o umbandista ou um
seguidor do Candomblé, Iemanjá (do yoruba: Yèyé omo ejá) corresponde à Nossa Senhora da
Conceição ou Nossa Senhora dos Navegantes, tomadas indistinta e literalmente. Em oposição, um
Maçom com bom conhecimento de Maçonaria não teria dificuldades de identificar a origem judaica
da disposição do Templo ou dos emblemas, símbolos e alegorias presentes nos graus simbólicos, e
abstrair sua origem judaica para entender seu significado simbólico e sua função na Oficina, embora
sem jamais esquecer sua origem.
As tradições antigas preservadas nos ritos mágicos e maçônicos e nas doutrinas esotéricas
aparecem mais por influência e síntese do que por sincretismo e fusão. Ao contrário do sincretismo,
os elementos que foram incorporados, foram sistematizados e a incorporação destes elementos
cumpre a função de preservação do conhecimento antigo, cobrindo-o com uma nova vestimenta,
sem que haja realmente uma fusão completa ou utilidade de sobrevivência e preservação do culto.
É importante observar que a Maçonaria Regular, da qual faz parte a própria família real
britânica, sempre esteve ligada ao protestantismo inglês e nunca teve necessidade de assimilação e
preservação. Assim, nela não aparecem as características marcantes de sincretismo, no sentido que
Cacciatore conceitua. No caso da Maçonaria Liberal, de tradição francesa, os elementos humanistas,
derivados da Revolução Francesa, se sobrepõe às concepções religiosas, neste contexto também não
se aplicando o conceito de sincretismo religioso.
3. Outra questão de interesse, para esta discussão sobre as relações entre organizações e
concepções esotéricas, são as imposturas, que são influências e filiações ilegítimas e/ou
fraudulentas, distorcendo ideias, identidades e títulos. Na esteira do surgimento da Theosophical
Society (1875), da Hermetic Order of the Golden Dawn (circa. 1887) e da Societas Rosacruciana in
Anglia (1867), as duas últimas organizações ocultistas com inspiração maçônica, apareceram
grande número de organizações ocultistas com as mais variadas alegações de filiação e as mais
variadas influências, muitas vezes espúrias.
Um caso emblemático é a Ordo Templi Orientis de Carl Kellner e Theodor Reuss, ambos
Maçons de alta patente envolvidos com o rito de Memphis e Mizraim, e de suas ramificações a
partir de Aleister Crowley, cujo impacto e influência nas concepções das atuais organizações
ocultistas e místicas não podem ser negados. Esta constelação de organizações derivadas forma um
conjunto complexo demais para ser tratado neste artigo, com diversas imposturas e muito
charlatanismo (cf. KOENIG, P., 2001).
3. INFLUÊNCIAS DA CABALA JUDAICA NO SIMBOLISMO MAÇÔNICO
Segundo uma autoridade maçônica bem conhecida: “A tradição dos Mistérios Judaicos é a
que tem exercido maior influência em nossa Ordem, e por isso a maioria de nossas cerimônias e s.'.s
se reveste agora de uma forma judaica ... Tão estreitas são as analogias entre certas doutrinas da
Cabala e as dos primeiros graus da Maçonaria, que se chegou a supor que foram estudantes
cabalistas os introdutores da Maçonaria especulativa em nossa Oficina Moderna” (LEADBEATER,
C., 2012, pág. 105). Da mesma forma especula Albert C. Mackey, em sua monumental obra
Encyclopedia of Freemasonry, verbete “Kaballah”, onde afirma que a Cabala está relacionada com
a “ciência simbólica da Franco-Maçonaria” (MACKEY, A., 1873 & 1878).
Como um exemplo desta influência, podemos observar a correspondência exata da Árvore
da Vida bidimensional da Cabala judaica com a constituição do Templo Maçônico e a disposição da
Loja.
Primeiramente, devemos perceber que a estrutura do Templo Maçônico acompanha a do
Templo de Jerusalém. Basta ver que, assim como o Templo de Jerusalém era dividido em três
partes: Pátio externo; Lugar Santo; e Santo dos Santos; o Templo Maçônico é dividido também em
três partes: Sala dos Passos Perdidos; Átrio; e Templo Interno.
A Árvore da Vida é uma estrutura que é usada pelos místicos judeus para descrever a
natureza divina e sua manifestação. A Árvore da Vida é formada por 10 entidades espirituais
abstratas chamadas de Sefirót, que no Zohar, uma das obras chaves da Cabala judaica, são
nomeadas como: Keter; Chokmá; Biná; Chesed; Gueburá; Tiferet; Netsach; Hod; Yesod; e Malkut
(CAMPANI, C., 2011, págs. 7-9, 19, 33-39). As 10 Sefirót estão distribuídas em 3 colunas e são
associadas a atributos da seguinte forma:
1) Keter – Coroa/Vontade
2) Chokmá – Sabedoria/Memória
3) Biná – Inteligência/Intuição
4) Chesed – Misericórdia/Direita/Sul
5) Gueburá – Força/Esquerda/Norte
6) Tiferet – Beleza/Centro
7) Netsach – Vitória/Eternidade/Pé direito
8) Hod – Glória/Esplendor/Pé esquerdo
9) Yesod – Fundação/Falo
4. 10) Malkut – Reino/Mulher
As Sefirót Keter, Tiferet, Yesod e Malkut estão na coluna central da Árvore da Vida, nesta
ordem, de cima para baixo. As Sefirót Chokmá, Chesed e Netsach estão localizadas na coluna da
direita. Finalmente, as restantes, Biná, Gueburá e Hod, localizam-se na coluna da esquerda. As
Sefirót estão organizadas em 3 tríades de elementos, cada tríade possui um elemento localizado na
coluna do meio, e dois nas colunas laterais: Keter-Chokmá-Biná; Tiferet-Chesed-Gueburá; e Yesod-
Netsach-Hod (CAMPANI, C., 2011, Figura 1, pág. 35 e Figura 3, pág. 38)2
.
Assim como na Cabala judaica a Árvore da Vida é representada de forma antropomorfizada,
existem similaridades e paralelos entre o corpo humano e o Templo Maçônico bastante evidentes. A
disposição do Templo Maçônico atribui ao Oriente, ao Venerável e Dignitários, a posição da cabeça,
sede do pensamento e da vontade. Os Aprendizes e Companheiros, posicionados ao Norte
(Setentrião) e ao Sul do Templo, correspondem aos braços que são os responsáveis por executar as
obras, assim como os Obreiros da Loja. No Ocidente, as duas Colunas Jakin e Boaz3
correspondem
às pernas e aos pés, responsáveis pela sustentação do Templo e do corpo humano.
Desta forma, a Árvore da Vida pode ser associada ao Templo Maçônico como se segue: A
primeira tríade de Sefirót, a mais elevada na Árvore da Vida, é associada ao Venerável e aos
Dignitários, o Orador e o Secretário, postados no Oriente do Templo, pois são eles os responsáveis
pela administração da Loja e a instrução dos irmãos em Loja; O Orador é associado à Biná –
inteligência, intuição e raciocínio, já que ele é responsável pela instrução e manutenção da Lei na
Loja, enquanto que o Secretário é associado a Chokmá – sabedoria e memória, porque ele é
responsável por registrar as informações da Loja; esta associação fica fortalecida ao percebermos
que a Sefirá Chokmá é muda, pois a fala aparece apenas mais abaixo, no nível de Biná (CAMPANI,
C., 2011, págs. 81 e 86) e a atividade do Orador de instruir os irmãos pressupõe fala, para que o
conhecimento possa ser transmitido; As Sefirót Chesed e Gueburá são os braços, os Obreiros da
Loja, Chesed é associado ao Sul e aos Companheiros e Gueburá ao Norte a aos Aprendizes; Tiferet
é o peito e o coração da Loja, o Ocidente e o Mestre de Cerimônias; Netsach e Hod são as pernas e
os pés, associados aos Vigilantes e às Colunas Jakin e Boaz; Yesod é associado ao Cobridor Interno
e Malkut ao Cobridor Externo e ao próprio Templo como um todo (externamente) pois, na Árvore
da Vida, estas duas Sefirót estão conjugadas e a Sefirá Malkut é a inferior e a mais próxima do
mundo material, assim como a parte externa do Templo é a mais próxima do mundo profano. No
centro do Templo encontram-se as três Colunas: Sabedoria; Força; e Beleza; que correspondem às
Sefirót Chokmá, Gueburá e Tiferet, cada uma delas encontrando-se em uma das colunas da Árvore
da Vida.
É como se uma representação bidimensional da Árvore da Vida estivesse projetada sobre o
plano do piso do Templo, estabelecendo as posições exatas dos elementos componentes da Loja
com seus correspondentes na simbologia cabalística.
A Cabala associa o lado direito da Árvore da Vida ao Sul, Misericórdia e Bem, e o lado
esquerdo ao Norte, Justiça e Mal. O simbolismo Maçônico faz o mesmo, ao interpretar os lados
Norte e Sul do Templo, já que o Norte (Setentrião) é o lado “escuro”, pois a luz maior fica ao Sul.
Sobre isso, a Bíblia diz que: “do norte se derramará o mal sobre todos os habitantes da terra”
(Jeremias 1:14). Sabemos que a Menorá, o candelabro de sete braços, era posta no lado sul do
Tabernáculo, pois a Menorá representa sabedoria e luz. No Templo de Jerusalém, os sacrifícios mais
sagrados eram feitos no lado norte do altar. Essa lei está baseada na passagem que diz: “E o imolará
ao lado do altar, para o lado norte” (Levítico 1:11). Isso associa o lado Norte com a morte e o Sul
com a luz (CAMPANI, C., 2011, págs. 177-178, 198). Assim, a localização dos Aprendizes fica ao
2 Eventualmente, a Sefirá Keter é substituída na primeira tríade da Árvore da Vida por Daat, uma pseudo Sefirá.
3 As duas colunas do Templo de Salomão, citadas em 1 Reis 7:13-22.
5. Norte do Templo, pois eles ainda não possuem a luz completa e ainda estão, esotericamente, mortos,
pois ainda não despertaram completamente para a vida espiritual, processo que se completará
apenas no 3º grau.
No simbolismo maçônico, o Delta Luminoso (BOUCHER, J., 1979, págs. 104-110) evoca a
figura do Triângulo e o número 3. O número 3 aparece ao longo da tradição cabalística sempre com
um significado dialético: dois elementos opostos em conflito, tese—antítese; e um conciliador,
síntese. Para os cabalistas judeus, o equilíbrio entre elementos opostos, que são conciliados por um
terceiro elemento (coincidentia oppositorum), é a origem e caracterização dos fenômenos do mundo
(CAMPANI, C., 2011, pág. 50). Na Cabala judaica, a Tríade é associada às três Colunas da Árvore
da Vida, às letras hebraicas Álef, Mêm e Shin, e aos elementos Ar, Água e Fogo. A Água se opõe ao
Fogo, pois a Água apaga o Fogo e o Fogo ferve a Água. O Ar é o elemento conciliador,
equilibrador, porque ele esfria a Água, impedindo que ela evapore, e sopra a Água para longe do
Fogo, impedindo que ele apague.
Sabemos que o número 3 é considerado pela Maçonaria um número misterioso. Ele contém
a unidade, que representa Deus, e a dualidade, que representa o mundo, já que 1+2=3. O número 3
encerra dentro dele dois elementos que se opõem e um elemento que lhes concilia. Ele forma na
geometria o triângulo, o menor e mais perfeito polígono. Durante os 3 anos, em recordação às 3
viagens, o Aprendiz Maçom deve compreender a unidade, a dualidade e a trindade (ADOUM, J.,
2012, pág. 173). Todos estes conceitos são, sem dúvida, de origem judaica.
Finalmente, talvez o mais visível elemento judaico presente nos rituais maçônicos seja a
alegoria do ritual de 3º grau. Diferente do que ocorre no ritual de 1º grau, em que o elemento chave
é a Câmara de Reflexão4
, com seu simbolismo hermético e alquímico, a elaborada alegoria do 3º
grau nos remete à Jerusalém nos tempos do Rei Salomão.
Estes são apenas alguns poucos exemplos de influências da Cabala judaica nos rituais da
Maçonaria e em seu simbolismo. Inúmeros outros poderiam ser apresentados, mas não pretendemos
apresentar mais provas que fundamentem nossa tese sobre esta influência, pois achamos que o
apresentado já é suficiente para corroborar a tese.
Embora não tão impactantes, observamos também a agregação de elementos da mitologia
antiga, da Escola Pitagórica e, como já citado acima, do Hermetismo e Alquimia no simbolismo
maçônico.
4. ROSACRUCIANISMO E SUFISMO
A Rosa-cruz foi fundada na Alemanha por um grupo de luteranos, em torno do ano de 1604.
Eles usaram o símbolo proposto por Martinho Lutero para ser o símbolo do Luteranismo, a rosa e a
cruz, como símbolo da sociedade por eles fundada. A iniciativa inicial para a fundação de uma
sociedade deste tipo aparentemente deveu-se a Johann Valentin Andrae (1586-1654), um pastor
luterano interessado em reformar a vida social na Alemanha da época. O grupo permaneceu oculto
até 1614, quando então tornou-se público o documento FAMA Fraternitatis (ANDRAE, J. &
VAUGHN, T. & HASELMEYER, A., 1923), um manifesto dos membros da recém fundada
organização, cujo objetivo era catalisar a ideia original de Andrae. Há controvérsias se o documento
fundador foi obra de Andrae, havendo mais evidências que negam isso do que corroborem
(ANDRAE, J. & VAUGHN, T. & HASELMEYER, A., 1923, págs. iii-iv).
Existe uma hipótese sustentado que uma das motivações que levaram à fundação da Ordem
4 O uso da expressão “Câmara de Reflexões”, muito difundido no meio maçônico, confunde seu propósito que é o de
ser uma reflexão do neófito sobre si mesmo, e não um conjunto de reflexões desconexas.
6. Rosa-cruz por membros da Igreja Luterana foi a de ser uma contraparte protestante à Companhia de
Jesus da Igreja Católica – ordem religiosa que propunha estudar todas as manifestações religiosas,
razão pela qual nunca foi bem vista pelo Vaticano. Tal hipótese permanece sem comprovação.
A vinculação que a AMORC faz de sua organização com o Antigo Egito é, em nossa
opinião, completamente improvável, funcionando muito mais como um belo elemento mítico para
adornar o simbolismo e os rituais da Ordem. É mais fácil encontrar a origem da AMORC na filiação
de seu fundador, Harvey Spencer Lewis, à Ordo Aureae & Rosae Crucis (OARC), liderada pelo
sucessor belga de Peladan, Emille Dantinne (1884-1969), onde recebeu sua iniciação das mãos do
próprio Dantinne.
O FAMA Fraternitatis descreve a história do mítico fundador da Ordem, Christian
Rosenkreuz, chamado no documento de “Pai R.C.”, um alemão que, planejando visitar Jerusalém,
acabou viajando para Damasco onde teve contato com “sábios da Arábia” e “maravilhou-se com as
revelações que lhes haviam sido feitas sobre toda a natureza”. Após “duras e penosas viagens”,
Christian Rosenkreuz retorna para a Alemanha, onde funda o Hospital do Espírito Santo, projeto ao
qual juntam-se outros irmãos. O documento segue descrevendo eventos que ocorreram muitos anos
após a morte do fundador, quando o Irmão N.N. decide, como bom arquiteto, reformar o edifício da
Fraternidade para torná-lo mais adequado aos objetivos da Ordem. No Fama Fraternitatis são
definidos os fundamentos axiomáticos da Ordem.
Fica evidente, para aqueles que conhecem as alegorias, metodologia e simbolismo das
ordens iniciáticas, o significado do mito que o documento descreve. Além disto, fica patente a
influência do misticismo islâmico (Sufismo) sobre os primeiros rosa-cruzes.
Devemos nos lembrar que foram as obras do sábio muçulmano, filósofo e alquimista árabe
Jabir ibn Hayyan (também conhecido como Geber) que reintroduziram na Europa, após um período
de obscurantismo, o Hermetismo e a Alquimia. Não podemos deixar de citar o uso de terminologia
hermética e alquímica em obras do Imam Al-Tustari, como por exemplo em seu Tafsir Al-Tustari
(AL-TUSTARI, S., 2011, págs. XVII-XIX)5
.
Há razoáveis evidências do envolvimento de rosa-cruzes na fundação da Franco-Maçonaria
e na incorporação dos aspectos especulativos na Ordem, particularmente na França. Este é um
assunto extenso, que merece artigo próprio, e não será desenvolvido aqui.
5. SINCRETISMO OU INFLUÊNCIA?
Pelo que apresentamos até agora, sincretismo não é uma boa definição para o contexto do
assunto abordado. Devemos entender que as relações que se estabeleceram entre as tradições
antigas, particularmente a Cabala judaica, os ritos maçônicos e as concepções esotéricas
contemporâneas, podem ser melhor conceituadas como influências legítimas e historicamente bem
definidas. Isso fica demonstrado pela ausência de utilidade, integração e sobrevivência neste
fenômeno, o que, ao contrário, ocorreu com o sincretismo religioso de um modo geral.
A pergunta que deve ser feita é se há realmente herança dos rituais das antigas escolas de
mistério para os ritos maçônicos. A resposta mais aceitável é pouca ou nenhuma – a despeito de
alguns autores maçônicos terem a tendência de aumentar, mistificar e romancear tais possibilidades,
vinculando a Maçonaria com os construtores das Pirâmides do Egito e do Templo de Salomão em
Jerusalém. Há mais relação dos ritos maçônicos atuais com os ritos primitivos usados pelas
5 Um Tafsir é um comentário ao texto do Alcorão. Os comentários do Imam Al-Tustari são de cunho místico, sendo
usada a terminologia hermética e alquímica, sempre conectada a conceitos místicos, porque estas ciências eram
populares na época em que a obra foi escrita.
7. corporações de trabalhadores medievais, especialmente as guildas de pedreiros, os mais antigos
rituais da Maçonaria Operativa (CARR, T., 1911), que com os rituais das escolas de mistério da
antiguidade. Sugerimos uma comparação do ritual de 1º grau, “Aprendiz contratado”, dos maçons
operativos (cf. Worshipful Society of Freemasons, Rough Masons, Wallers, Slaters, Paviors,
Plaisterers and Bricklayers Ritual 1° Indentured Apprentice6
) com os rituais atuais dos Maçons
especulativos para que fique evidente a semelhança entre ambos.
A presença de elementos simbólicos destas escolas da antiguidade, como os Pitagóricos, na
Maçonaria moderna, tem a função de preservar este conhecimento, muito mais que ser algum tipo
de sincretismo. O mesmo se pode dizer dos elementos judaicos presentes na definição do Templo
Maçônico, formação da Loja, nos rituais e no simbolismo dos graus iniciais da Ordem. A Maçonaria
assume assim o papel de repositório e contêiner do conhecimento das antigas civilizações, que a
nossos tempos chegaram principalmente pelas mãos dos cabalistas judeus.
A relação da religião judaica com as religiosidades do antigo Oriente Médio: Sumérios;
Hititas; Babilônios; Assírios; etc. aparece em um contexto histórico em que estas expressões
religiosas politeístas imprimiram profunda marca na religiosidade do povo judeu que, ao longo dos
séculos, construiu uma das mais antigas crenças monoteístas do mundo, a partir destes elementos
politeístas, e que está consolidada na Lei Mosaica. Diversos autores sugerem que a Cabala judaica
descende da Cabala caldeia, já perdida nas brumas dos tempos (cf. “The Chaldean Legend”,
Theosophy, Vol. 52, No. 6, April, 19647
). As referências aos Caldeus no livro de Daniel são usadas
como comprovação destas alegações. Assim, o misticismo judaico aparece como uma “Arca”, que
preservou das vicissitudes do tempo este conhecimento até os dias de hoje.
A Cabala judaica consolidou-se e atingiu uma posição quase canônica no Judaísmo em
meados da Idade Média, quando apareceram as suas mais importantes obras: o Sêfer Yetsirá; o
Bahir; e o Zohar (CAMPANI, C., 2011, pág. 4).
As relações da Cabala judaica com o misticismo islâmico também são bem conhecidas
(CAMPANI, C., 2011, págs. 124 e 141). Uma hipótese deste autor vincula-se à influência da obra
“O Tratado das Letras” do Imam Al Tustari (CLEMENTE, P., 2006) sobre as obras do Rabino
Abraão Abuláfia. Esta tese carece aqui de maior aprofundamento, a ser feito em trabalho futuro.
Finalmente, para encerrar estes breves parágrafos sobre a história da Cabala judaica, cabe
afirmar a legitimidade e originalidade da Cabala dos judeus, que apresenta inequívoca
complexidade, profundidade e beleza.
Dezenas de ritos maçônicos foram criados e diversos deles sobreviveram aos nossos dias e
ainda são praticados. Esta diversidade teve sua origem muito mais em aspectos históricos, na
facilitação da execução dos ritos e em influências culturais e políticas do que sincretismo,
especialmente religioso. Cabe afirmar que, no ritual maçônico, não há ortodoxia e heresia
(LEADBEATER, C., 2012, pág. 30).
Em conclusão, tentamos mostrar até aqui que o termo “sincretismo” é inadequado no
contexto proposto para este artigo, sendo o termo “influência” mais correto, evidenciando as
características do fenômeno de forma mais apropriada, sem a conotação pejorativa que o primeiro
termo possui.
As possíveis objeções às influências históricas sofridas pelas ordens iniciáticas modernas e o
6 Disponível em: http://www.stichtingargus.nl/vrijmetselarij/operatives_r1.html. Acesso em: 16 de Fevereiro de 2016.
7 Disponível em: http://www.wisdomworld.org/additional/ListOfCollatedArticles/TheChaldeanLegend.html#1top
Acesso em: 17 de Fevereiro de 2016.
8. esoterismo em geral podem ser criticadas ao se perguntar sobre o que é exatamente a “pureza
ritualística e doutrinária” em um campo de pensamento em que sempre houve interpenetração de
concepções. Podemos fornecer diversos exemplos: Cabala judaica e Cabala caldeia;
Rosacrucianismo e Sufismo; Cabala judaica e Sufismo; Hermetismo e Sufismo; Cabala judaica,
Hermetismo e simbolismo maçônico; etc. Pelo que foi mostrado até aqui, este conceito de pureza,
assim aplicado, é vago e subjetivo.
Um caso à parte é o estudo da influência de Thelema e Aleister Crowley no esoterismo e
ocultismo contemporâneo. Embora muitos prefiram negar e despistar suas relações com a Ordo
Templi Orientis (O.T.O.), Theodor Reuss e Aleister Crowley, sabemos que a filosofia thelêmica
penetrou profundamente nas organizações esotéricas e ocultistas contemporâneas, incluindo
Maçons de alta patente.
A AMORC é um caso emblemático, já que é bem documentada a relação entre a O.T.O. e
Harvey Spender Lewis, embora isso hoje seja negado (cf. R. Vanloo, “Is the AMORC an offspring
of the O.T.O. or not?”8
). Existem documentos que comprovam inclusive o pagamento regular de
filiação da AMORC à O.T.O. de Reuss, embora Spencer Lewis detestasse Aleister Crowley e
ameaçasse Reuss com o corte no pagamento caso Crowley mantivesse seu posto na O.T.O. Esta
relação entre a AMORC e a O.T.O., e os contatos entre Lewis e Reuss, são corroboradas também
pelo depoimento, preservado em documento, do médico alemão, ocultista, Maçom e rosa-cruz, Dr.
Arnold Krumm-Heller, amigo de Reuss. As pesquisas feitas na documentação existente também
demonstram uma planejada colaboração entre Reuss e Lewis para a fundação de uma Ordem em
finais de 1921, o que é cabal demonstração do envolvimento de Lewis com a O.T.O. de Reuss (cf. P.
Koenig, “Ordo Templi Orientis & Antiquus Mysticus Ordo Rosae Crucis”9
).
Outro exemplo de influência de Thelema em ordens tradicionais contemporâneas é a
aceitação da filosofia thelêmica pela Fraternitas Rosicruciana Antiqua (FRA), fundada pelo Dr.
Arnold Krumm-Heller, que era iniciado na O.T.O. de Reuss.
Associado a este tema da disseminação de organizações de cunho ocultista a partir da
O.T.O., P. Koenig desenvolve a ideia da McDonaldização10
do ocultismo. O modelo McDonalds de
organização ocultista acabou provocando a disseminação de fraternidades, escolas e sociedades
espúrias, charlatanismo e imposturas (cf. P. Koening, “Ordo Templi Orientis: The McDonaldisation
of Occulture”11
).
6. INFLUÊNCIAS DO ESOTERISMO E OCULTISMO NA CULTURA POP
Uma das expressões da cultura pop que marcaram a Alemanha no início do séc. 20 foi o
cinema expressionista alemão. Devemos lembrar que no período que antecedeu a 2ª Guerra
Mundial, a Alemanha viveu um fenômeno de profusão de ordens iniciáticas e ocultistas. Este forte
interesse pelo ocultismo acabou influenciando a política, a cultura e a arte do país. O próprio
Nazismo aparece como um fenômeno não só político, mas também estético (KOEPNICK, L., 1999,
Introdução) e religioso/ocultista.
O cinema expressionista alemão teve seu ponto máximo nas obras: O Gabinete do Dr.
Caligari de Robert Wiene (1920); O Golem de Carl Boese e Paul Wegener (1920); Nosferatu de
F.W. Murnau (1922); e Metropolis de Fritz Lang (1927). Todas estas obras contém elementos
mágicos e ocultistas. O Golem apresenta também um caráter antissemita, comum na Alemanha da
8 Disponível em: http://www.parareligion.ch/sunrise/vanloo/vanloo.htm. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2016.
9 Disponível em: http://www.parareligion.ch/sunrise/vanloo/mylewis.htm. Acesso em: 15 de fevereiro de 2016.
10 McDonaldização é o termo criado pelo sociólogo estadunidense George Ritzer para designar uma cultura que
privilegia a superficialidade e a rapidez de consumo.
11 Disponível em: http://www.parareligion.ch/mcdonald.htm. Acesso em: 16 de Fevereiro de 2016.
9. época, mesmo antes da ascensão do Nazismo.
O Gabinete do Dr. Caligari conta a história de um hipnotizador que mantém sob seu controle
um sonâmbulo. O Golem baseia-se na lenda judaica de um ser artificial, semelhante ao homunculus
de Paracelso, que vem à vida por meio de poderes mágicos da Cabala. Nosferatu foi o primeiro
filme feito baseado na obra de Bram Stoker. No filme foram introduzidas ideias ocultistas
inspiradas na O.T.O.
Finalmente, Metropolis é uma obra de cunho totalmente ocultista e populista. O roteiro do
filme descreve um mundo dividido entre duas classes: a classe de Pensadores, que vivem na parte
alta da cidade em luxo e ostentação; e a classe de Trabalhadores que vivem nos subterrâneos em
condições miseráveis. Evidentemente a cidade de Metropolis só existe pelo trabalho dos que vivem
em seus subterrâneos.
O construtor e governante de Metropolis, Joh Fredersen, comanda a cidade em um prédio
que é chamado de “Nova Torre de Babel”. Ele tem um filho chamado Freder que, acidentalmente,
acaba indo visitar os subterrâneos.
Em cena memorável, o filme mostra os trabalhadores exercendo atividades repetitivas e
dependentes em uma máquina, que na visão de Freder transforma-se no ídolo pagão canaanita
Moloch, ao qual eram ofertados sacrifícios humanos. Freder tem a visão do ídolo-máquina
devorando os trabalhadores. A partir desta visão, Freder busca saber mais sobre a situação dos
trabalhadores e descobre uma mulher, Maria, que é uma líder religiosa, santa e carismática que
busca conscientizar os trabalhadores de sua situação.
Sabendo disso, Joh Fredersen procura o mago-engenheiro C.A. Rotwang, que projeta um
androide com capacidade de assumir a aparência de uma pessoa. Rotwang é a imagem do ocultista,
com um Pentagrama invertido adornando seu laboratório e uma porta em sua casa que leva às
catacumbas da cidade, uma referência ao conhecimento dos antigos. Sua mão direita é mecânica, o
que evoca a “mão oculta” e a senda da mão esquerda.
O androide, assumindo a aparência de Maria, é enviado por Rotwang a Yoshiwara, um lugar
de luxúria e perdição, e passa a confundir a todos com um comportamento lascivo. Em determinado
momento, ela é erguida sobre os ombros de diversos homens com um cálice na mão, a
representação exata de Babalon, a prostituta do Apocalipse na filosofia thelêmica, sustentada sobre
os sete pecados capitais e com um cálice cheio de abominações em sua mão. Ao final, Freder
consegue evitar uma tragédia e media um acordo entre Joh Fredersen e os trabalhadores. Ele torna-
se o mediador entre “a cabeça” (os Pensadores) e “as mãos” (os Trabalhadores).
A película é uma alegoria sobre o populismo e a conciliação social benéfica aos interesses
apenas dos que estão “acima”. Considerando a época da exibição do filme, a vinculação disso com
o Fascismo e o Nazismo é bem óbvia. Mas a mensagem do filme permanece atual, com o papel de
mediador, em nossa sociedade dominada pelo neoliberalismo e o capitalismo financeiro, sendo
interpretada pela cultura pop alienante e pela mídia de massas.
A obra acabou tendo enorme influência na cultura pop contemporânea. Basta ver as
enumeráveis capas de revistas inspiradas no visual de Metropolis e na aparência do androide/Maria,
ou então no clipe Radio Gaga do grupo Queen, em que são usadas cenas do filme e em que Fred
Mercury assume a aparência de Maria. Vemos a mesma imagem de Maria na estética de Lady Gaga
no clipe Paparazzi. Interessante observar que o nome artístico de Lady Gaga é uma homenagem ao
clipe Radio Gaga. No clipe Material Girl, Madonna reproduz exatamente a cena em que Maria
representa Babalon (LIVINGSTONE, D., 2015).
10. No universo de Star Wars, não podemos esquecer a influência de Maria na aparência do
androide C-3PO, assim como a mão direita mecânica de Darth Vader e Luke Skywalker, uma
referência ao personagem Rotwang.
Além disso, é bem conhecido o envolvimento de diversos artistas pop com o ocultismo. Um
exemplo é o envolvimento de David Bowie com vertentes magickas12
da cabala e Thelema. Ele
nunca escondeu que parte da inspiração para sua obra reside nas ideias de Aleister Crowley. Em
seus clipes, seus gestos, posturas e visual, e as letras das músicas buscam transmitir, mesmo que
subliminarmente, estas concepções thelêmicas. Na sua música “Station to Station”, de 1976, ele faz
referência à Árvore da Vida, descrevendo uma viagem “para baixo”, da divindade para a Terra, ao
dizer na letra da música: “from Kether to Malkuth”. Também envolvidos com o ocultismo estão
Jimmy Page do Led Zeppelin, um estudante de ocultismo, e o escritor de histórias em quadrinhos
Alan Moore, responsável pela criação de sucessos como Watchmen e V de Vingança, assim como
pela nova fase de Batman, que é profundamente envolvido em magia ritualística (LIVINGSTONE,
D., 2015). Interessante lembrar que o selo de gravação do grupo Led Zeppelin assemelha-se a uma
representação de Lúcifer, o anjo caído, e que encartes de álbuns do grupo apresentam símbolos
ocultistas. Sabemos que nos anos 70 Jimmy Page estava obcecado por Crowley. Em todos os casos,
a influência ocultista nas obras é bem clara.
Poderíamos citar inúmeros outros exemplos, mas parece-nos suficiente os apresentados para
comprovar a influência do ocultismo na cultura pop contemporânea.
Na década de 60, esta confluência de sinais e ideias ocultistas na cultura pop acabou
resultando no surgimento do New Age e do Movimento Hippie. O New Age faz parte dos
movimentos de contracultura característicos da época em que surgiu, visando um novo modelo de
consciência moral e social. Ele teve como inspiração princípios teosóficos e escritos ocultistas do
início do século 20. O movimento tem como referência a música Imagine de John Lennon.
7. OS PERIGOS DO TRANS-HUMANISMO
O Humanismo foi um aspecto fundamental do Renascimento, surgindo junto com o
Protestantismo e a revolução científica. Ele teve profunda influência na Revolução Francesa e seus
ideais. O Humanismo valoriza a condição humana e suas potencialidades. Ao longo do século 20, o
Humanismo acabou induzindo a luta pelos direitos humanos e grandes avanços sociais. Sobre isso,
para Norberto Bobbio, “O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar,
com a mudança das condições históricas” (BOBBIO, N., 2004, pág. 13).
A Maçonaria, que recebeu grande influência dos ideais da Revolução Francesa, e a Rosa-
cruz, de inspiração Protestante, nasceram em torno de ideais humanistas. Pelas influências
históricas e contexto em que surgiram, o caráter das organizações maçônicas e rosa-cruzes é místico
e humanístico.
Nos anos recentes tornaram-se populares ideias trans-humanísticas ou pós-humanísticas,
ambos termos de sentido vago, denotando algum tipo de superação da condição humana. Embora o
termo “trans-humanismo” seja aplicado à ciência e tecnologia, ele também aparece como uma
agenda ocultista (LIVINGSTONE, D., 2015). Neste contexto, os perigos da busca do “homem
superior” manifestam-se na desvalorização da condição humana e dos direitos humanos, e na
divisão da humanidade entre os “superiores”, os “acima”, e os “inferiores”, os que vivem nos
subterrâneos, como nos mostra o filme Metropolis. A condição humana já não é mais importante e
12 A palavra “magicka” com “k” é uma indicação que trata-se de uma vertente thelêmica. O uso do “k” na palavra
inglesa “magick” é uma inovação de Crowley.
11. está submetida à um conceito de evolução que a supera e desvaloriza, com todos os problemas
éticos que daí derivam.
Esta agenda pode ser percebida nas relações entre o Nazismo e as ideias de Friedrich
Nietzsche. Para a ideologia nazista, a humanidade se dividiria entre os da “raça superior” e os das
“raças inferiores” (Untermenschen).
As origens ocultistas da ideologia Nazista são bem conhecidas. Seguramente o homem que
mais influenciou Hitler, no período que antecedeu a sua ascensão ao poder, foi o ocultista Johann
Dietrich Eckart. Devemos entender que a Alemanha viveu um renascimento ocultista no período
que antecedeu a ascensão do Nazismo, de 1880 até 1910. Na fundação do partido Nazista aparece
em destaque a Sociedade Thule, uma sociedade ocultista com uma agenda racista e trans-humanista
(GOODRICK-CLARKE, N., 1993). Neste contexto, a SS de Himmler aparece como um novo culto
pagão e ocultista, que encontra inspiração nas lendas arturianas e onde podemos encontrar rituais
iniciáticos e mágicos, tendo o próprio Himmler como um tipo de sumo sacerdote.
Estas concepções trans-humanísticas presentes no ocultismo são transmitidas pela própria
cultura pop, basta citar a letra da música “Quicksand” de David Bowie, de 1971, onde ele diz: “Just
a mortal with potential of a superman.” Interessante complementar que Bowie tinha uma obsessão
pelo Nazismo, e na mesma música ele diz:
“I'm living in a silent film
Portraying
Himmler's sacred realm”
A implicação deste imaginário ocultista trans-humanista é que, sob a influência do sistema
econômico e político atual, o neoliberalismo, os homens sejam divididos entre aqueles que possuem
todos os direitos e aqueles que não possuem nenhum direito. Para o “homem superior” não há Deus
– Deus está morto. A busca do “homem superior” tende a desenvolver ideologias que submetem
largas camadas da população à condição de “sub-humanos”, disseminando intolerância, preconceito
e xenofobia, como vemos hoje nas ruas do nosso país. Esta é uma conveniente situação para a
consolidação do neoliberalismo e do capitalismo financeiro internacional. A progressão de ideias
deste tipo no seio das organizações iniciáticas e ocultistas remete tais organizações ao niilismo e
ateísmo.
8. CONCLUSÃO
Neste artigo apresentamos as ordens iniciáticas modernas, em especial a Maçonaria,
desempenhando o nobre papel de repositório ou contêiner para a preservação do conhecimento
filosófico, iniciático e místico antigo.
Usando uma terminologia teosófica, podemos dizer que as ordens iniciáticas desenvolvem a
síntese do conhecimento antigo e da ciência e filosofia. Como afirma o grande estudioso e místico
muçulmano René Guénon, em aula proferida em 1925: “a pura metafísica está essencialmente
acima e além de toda forma e toda contingência ... sob a aparência de diversidade existe sempre
uma base de unidade, ao menos, onde a verdadeira metafísica existe, pela simples razão de que a
verdade é única.” (citado em CAMPANI, C., 2011, Prefácio, pág. xxii).
A discussão sobre a apropriação de conhecimento antigo nas ordens iniciáticas e no
ocultismo e esoterismo contemporâneo concentra-se em estabelecer a legitimidade desta influência.
Mostramos neste artigo que a expressão “sincretismo”, com o seu sentido pejorativo muitas vezes
induzido, não é a melhor definição. Demonstramos que a presença de elementos judaicos na Oficina
12. moderna, assim como de elementos do misticismo islâmico entre os rosa-cruzes originais, não é
uma influência espúria, mas encontra-se bem fundamentada num contexto histórico bem definido.
O conceito de pureza ritualística e doutrinária aplicado a este caso é, como vimos, vago e subjetivo.
No caso específico da Franco-Maçonaria, a exclusão das influências judaicas e cabalísticas
praticamente faria desaparecer todo o simbolismo e o sentido presente nos graus simbólicos, que
são a base da Maçonaria especulativa, restando apenas muito pouca coisa dos graus filosóficos, que
possuem alguma influência cristã.
Podemos fornecer exemplos de ambas as influências, cristãs e judaicas, nos graus
filosóficos. Basta ver que, no Rito Escocês Antigo e Aceito, o 18º grau, um dos mais profundos e
importantes, tem como emblema a rosa-cruz entre as pernas de um compasso, tendo abaixo a
imagem de um pelicano arrancando pedaços de seu próprio peito para alimentar seus sete filhotes.
No círculo estão as letras I.N.R.I. O grau faz referência ao Monte Calvário. Estes emblemas e
símbolos não são judaicos, mas cristãos. No entanto, no geral, os elementos judaicos prevalecem
nos graus filosóficos, como no 23º grau em que, próximo ao Trono, é posta a Arca da Aliança, onde
se pode ver o Tetragrama, e o avental é decorado com o Candelabro de Sete Braços.
Devemos nos lembrar que estes elementos judaicos são simbólicos, não religiosos,
transmitindo ensinamentos esotéricos e éticos. Assim, estes elementos não são sincréticos, mas
essenciais para o trabalho da Ordem.
No artigo foi feita uma breve discussão das imposturas, charlatanismo e McDonaldização
das ordens iniciáticas e do esoterismo, como definido por Peter Koenig.
Mostramos também que as ordens iniciáticas passam por um processo, em certo sentido
degenerativo, de influência do neoliberalismo em seu “senso comum”, que é consequência das
concepções trans-humanísticas que povoam o imaginário ocultista. Tais elementos acabam
introduzindo nas ordens iniciáticas e no esoterismo contemporâneo concepções niilistas. Nossa
exposição baseia-se no trabalho de David Livingstone.
Em trabalhos futuros pretendemos desenvolver melhor a influência do ocultismo na cultura
pop e suas consequências e um estudo sobre a hipótese feita por este autor de influência da obra “O
Tratado das Letras” do Imam Al Tustari nos trabalhos do Rabino Abraão Abuláfia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONSECA, D. As raízes do sincretismo religioso afro-brasileiro. Revista Língua Viva, Vol. 2, N. 1,
p. 96-136, jul./dez. 2012. ISSN: 2237-9800.
REIS, J. Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos Malês em 1835. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
KOENIG, P. Der O.T.O. Phänomen. München, 2001.
LEADBEATER, C. Pequena História da Maçonaria. 12ª edição, São Paulo: Pensamento, 2012.
ISBN: 978-85-315-0501-0.
MACKEY, A. Encyclopedia of Freemasonry, Vol I (1873) & Vol II (1878). Disponível em:
http://www.themasonictrowel.com/ebooks/freemasonry/eb0091.pdf. Acesso em: 21 de
Fevereiro de 2016.
13. CAMPANI, C. Fundamentos da Cabala: Sêfer Yetsirá – Edição revisada e ampliada. Editora e
Gráfica da Universidade Federal de Pelotas, 2011, 346p. ISBN: 978-85-7192-803-9.
Disponível em: https://archive.org/details/livrocomcapa. Acesso em: 18 de Fevereiro de 2016.
BOUCHER, J. A Simbólica Maçônica. São Paulo: Ed. Pensamento, 1979. ISBN: 85-315-0625-5.
ADOUM, J. Grau do Aprendiz e seus Mistérios. 22ª edição, São Paulo: Ed. Pensamento, 2012.
ISBN: 978-85-315-0277-4.
ANDRAE, J. & VAUGHN, T. & HASELMEYER, A. The Fame and Confession of the Fraternity of
R.C.; Commonly of the Rosie Cross: With a Praeface Annexed Thereto, and a Short
Declaration of Their Physical Work. Societas Rosicruciana in Anglia, 1923. Disponível em:
http://oadriax.net/FTP/Masonic%20Rosicrucian%20Library/fama.pdf. Acesso em: 16 de
Fevereiro de 2016.
AL-TUSTARI, S. Tafsir Al-Tustari: The Great Commentaries on the Holy Qur’an. Series Volume
IV, Tradução de Annabel Keeler e Ali Keeler, Royal Aal al-Bayt Institute for Islamic Thought
& Fons Vitae Publishing, 2011, 478 pp. ISBN-13: 9781891785191.
CARR, T. The Ritual of the Operative Free Masons. Cornell University Library. Tyler Publishing
Co., 1911.
The Chaldean Legend. Theosophy, Vol. 52, No. 6, April, 1964, pp. 175-182. Disponível em:
http://www.wisdomworld.org/additional/ListOfCollatedArticles/TheChaldeanLegend.html#1t
op. Acesso em: 17 de Fevereiro de 2016.
CLEMENTE, P. El Tratado de las Letras (Risalat Al-Huruf) del Sufi Sahl Al-Tustari. Anuario de
Estudios Filológicos, ISSN 0210-8178, vol. XXIX, 2006, p. 87-100.
KOEPNICK, L. Walter Benjamin and the Aesthetics of Power. University of Nebraska Press, 2ª
edição, Series Modern German Culture and Literature, 1999. 277 pp. ISBN-13:
9780803227446. ISBN-10: 0803227442.
LIVINGSTONE, D. Transhumanism: The History of a Dangerous Idea. Sibilillah Publications,
2015. ISBN-10: 1515232573. ISBN-13: 978-1515232575.
BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
GOODRICK-CLARKE, N. The Occult Roots of Nazism: Secret Aryan Cults and Their Influence on
Nazi Ideology. New York University Press, 1993. 293 p. ISBN-13: 978-0814730607 ISBN-10:
0814730604.