1. Tribunal de Justiça
RIO GRANDE DO NORTE
FL.______________
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2010.006976-8
Requerida: Prefeita Municipal de Natal.
Procurador: Fernando Gaburri de Souza Lima. 245125/SP
Relator: Desembargador Amaury Moura Sobrinho.
EMENTA; AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCINALIDADE. LEI MUNICIPAL N. 108
de 02 de junho de 2010, que dispõe sobre a qualificação de
entidades sem fins lucrativos, como organizações sociais.
Inconstitucionalidade do 2.º, I, "d", art. 3.º, e artigo 21 da
Lei vergastada, por ofensa ao artigo 128 da Carta Estadual
que afeta todo o inteiro teor da mencionada lei pelo
instituto da atração ou arrastamento.
Ao estabelecer os requisitos específicos para que as
entidades privadas habilitem-se à qualificação como
organização social, a Lei Municipal 108/2010, desatendeu à
exigência expressa estampada no artigo 128 da Carta
Estadual, eis que às escâncaras, deixou de incluir no rol
respectivo, a participação da comunidade assegurada na
forma da lei, eleição direta e democrática dos diretores das
instituições de saúde como estar a exigir o mencionado
preceito constitucional.
Nesse contexto, forçoso ressaltar que o regime de
contratação das organizações sociais disciplinado pelos
demais artigos do diploma normativo municipal
impugnado, apresentam relação de dependência jurídica e
lógica com as determinações atinentes aos requisitos
específicos para que as entidades privadas referidas no
artigo anterior habilitem-se à qualificação como
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organização social e da composição do Conselho
Administrativo de tais instituições, disciplinadas nos arts.
2. ° 3.° da Lei n.º 6.108/2010.
Vale dizer, a declaração de inconstitucionalidade dos arts.
2.º, I, "d", 3.º, I da Lei n.º 6.108/2010 conduz por atração, à
inconstitucionalidade dos seus demais dispositivos ou da
integralidade da norma, porquanto inviável a qualificação
como organizações sociais a partir da mesma.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, entre partes
acima identificadas.
ACORDAM os Desembargadores do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Norte, em sessão plenária, à unanimidade de votos, em julgar
procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade para declarar a
inconstitucionalidade do inteiro teor da Lei Municipal n.º 6.108/2010 por violação à
Constituição Estadual, nos termos do voto do relator, que fica fazendo parte integrante
deste.
RELATÓRIO
O Exmo. Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio
Grande do Norte propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar,
em face do inteiro teor da Lei Municipal n.º 6.108, de 02 de junho de 2010, que dispõe
sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e pessoas jurídicas de
direito privado, sem fins lucrativos cujas atividades sejam dirigidas à saúde, à
educação, ao desenvolvimento tecnológico, ao desenvolvimento do turismo, à cultura,
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à preservação e proteção do meio ambiente, ou à assistência social.
Asseverou que cabe ao Estado e aos Municípios as
atividades elencadas no artigo 1.° da Lei n.º 6.108/2010, não podendo a iniciativa
privada vir a substituir o Poder Público no cumprimento de seus deveres
constitucionais, mas apenas auxiliá-lo de forma subsidiária e com recursos próprios.
Afirmou que o diploma legal afronta os preceitos
insculpidos nos arts. 19, incisos II e VII, 125, 128, incisos II e III, 129 134, 135,
138,143 144, § 1. °, 147 e 150, todos da Constituição Estadual, vez que autoriza a
transferência de atribuições próprias do Poder Público para instituições regidas pelo
direito privado, bem como de recursos públicos para financiamento das atividades a
serem desenvolvidas por estas instituições, conforme determinado pelo art. 14 do
mesmo diploma legal inquinado.
Reiterou que cabe ao Poder Público o desenvolvimento das
atividades elencadas no art. 1. ° do diploma legal mencionado, não podendo o Estado
transferir a execução das responsabilidades que lhes são atribuídas
constitucionalmente, razão pela qual se mostra inconstitucional a prestação de serviços
nas áreas de saúde, educação, cultura, ciência, desenvolvimento tecnológico e
preservação ao meio ambiente, nos moldes previstos pela Lei n.º 6.108/2010.
Requereu a concessão de liminar, suspendendo os efeitos
do inteiro teor da Lei Municipal 6.108, de 02 de junho de 2010.
Juntou documentos de fls. 14/49.
Nas informações de estilo, a Exma. Prefeita do Município
de Natal rechaçou as inconstitucionalidades apontadas, esclarecendo que a lei
municipal impugnada apenas vem concretizar, em nome do princípio da eficiência, o
que dispõe a Lei Nacional n.º 9.637, de 15 de maio de 1998.
Disse que na Carta Política Estadual não há negação à
participação da iniciativa privada no Sistema Único de Saúde, e a qualificação de
entidades como de interesse social para esses fins não configura afronta ao disposto no
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art. 129 da CE, entendendo ser possível a participação complementar dessas entidades
na prestação de serviços de interesse público, os quais não são exercidos em regime de
monopólio pelo Estado.
Afirmou não ser possível inferir da leitura do art. 1. ° da
vergastada Lei Municipal que sua dicção autoriza transferência integral do patrimônio,
dos recursos e servidores de determinados órgãos integrantes da estrutura do Poder
Público, tais como hospitais ou posto de saúde às instituições de direito privado não
integrantes da Administração Pública.
Conclui que na norma hostilizada não há previsão de
transferência de titularidade dos serviços ali elencados a outrem, tampouco caso de
delegação, vez que se assim o fosse, o Estado estaria deixando de prestar aqueles
temporariamente, o que não ocorre, verificando-se apenas a permissão de atuação de
entes privados em parceria com o Poder Público para que se obtenha uma melhora na
prestação de direitos sociais.
Por sua vez, a Câmara Municipal do Natal, às fls. 60/66,
também apresentou informações expondo suas considerações na mesma linha de
argumentação apresentada pela Exma. Prefeita de Natal.
Indeferida a medida liminar pelo Plenário desta Corte (fls.
70/77).
No parecer de fls. 80/84, o douto Procurador-Geral de
Justiça reiterou as razões lançadas na exordial, com especial destaque e insurgências
ao fato de que a Lei Municipal n.º 6.108/2010, em seu art. 2.º, inciso I, alínea "d" e art.
3.º dispõe acerca da composição do Conselho de Administração com total ausência de
representantes do Poder Público e da sociedade civil, bem como que no seu art. 21
prevê que na hipótese de a entidade pleiteante da habilitação como organização social
existir há mais de 5 anos, contados da data da publicação da lei, fica estipulado o prazo
de 4 anos para adaptação das normas do respectivo estatuto ao disposto no art. 3.°,
inciso I a IV, desta lei.
Às fls. 86/93, o Ministério Público atravessou petição aos
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autos reiterando as alegações de inconstitucionalidade lançadas na exordial, bem como
noticiando, dentre outros fatos, que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas
do RN ingressou com Representação com Pedido Cautelar junto à Primeira Câmara de
Contas Municipais do TCE, no desiderato de ser concedida medida cautelar para
determinar à Secretaria de Saúde Pública do Município de Natal a suspensão da
execução do Contrato de Gestão n.º 002/2011, celebrado com a organização social
Instituto de Tecnologia, capacitação e Integração Social (ITCI).
Narra, ainda, que ingressou com Ação Civil Pública com
Pedido Liminar n.º 0023766-04.20108200001, em desfavor do Município de Natal
colimando a suspensão e apuração da legalidade do Contrato de Gestão celebrado com
o Instituto Pernambucano de Assistência Social (IPAS), para operacionalização da
Unidade de pronto Atendimento (UPA), do bairro de Pajuçara, informando que
naquele feito a liminar fora deferida, em parte, determinando que o Município se
abstenha de qualificar como Organização Social novas empresas, bem como, que não
celebre novos contratos para fins de atuação no Sistema Único de Saúde, nem renove
os já existentes.
No dia 17/05/2011, o Conselho Seccional da Ordem dos
Advogados do Brasil do Rio Grande do Norte protocolou petição pedindo seu ingresso
neste feito, na qualidade de amicus curiae, bem como a possibilidade para que possa
fazer sustentação oral, lançando no petitório suas considerações quanto à
inconstitucionalidade da norma impugnada.
Porém, firme na orientação da Corte Suprema, tendo em
vista que, na espécie, o petitório de ingresso na qualidade de amicus curiae foi
protocolado após a inclusão do feito em pauta ocorrida em 16/05/2011, indeferi o
pedido de ingresso no feito do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil
do Rio Grande do Norte como amigo da corte.
É o relatório.
VOTO
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6. <"Número do processo#Número do processo Tribunal de Justiça
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Trata-se de Ação Direita de Inconstitucionalidade proposta
pelo Procurador-Geral de Justiça com vistas à declaração de inconstitucionalidade do
inteiro teor da Lei Municipal n.º 6.108, de 02 de junho de 2010.
Em primeiro plano, sustenta o legitimado na inicial que se
está diante de uma lei que se revela inconstitucional em todos os seus termos.
De proêmio, esclareço que o artigo 1.° da Lei n.º
6.108/2010, citado na exordial, possui a seguinte redação:
“Art. 1º - O Poder Executivo qualificará como
organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado,
sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas à
saúde, à educação, ao desenvolvimento tecnológico, ao
desenvolvimento do turismo, à cultura, à preservação e
proteção do meio ambiente, ou à assistência social,
atendidos os requisitos previstos nesta Lei.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito privado
cujas atividades sejam dirigidas àquelas relacionadas no
"caput" deste artigo, qualificadas pelo Poder Executivo
como organizações sociais, serão submetidas ao controle
externo da Câmara Municipal, que o exercerá com o
auxílio do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do
Norte, ficando o controle interno a cargo do Poder
Executivo”.
De outra banda, os artigos 2.° e 3.° da lei sob apreciação
dispõem, respectivamente, acerca dos requisitos necessários à qualificação das
entidades privadas referidas no art. 1.°, com vistas a se qualificarem como organização
social e também sobre a forma de estruturação do Conselho de Administração das
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entidades qualificadas.
Por relevante, transcrevo também os artigos 2.° e 3.° da Lei
Municipal n.º 6.108/2010 que dispõe sobre a qualificação de entidades sem fins
lucrativos como organizações sociais no âmbito do Município de Natal e os arts. 2. ° e
3.° da Lei Federal n.º 9.637/97 que como norma de caráter geral, criou o micro regime
jurídico acerca da constituição de pessoas jurídicas qualificadas como organizações
sociais, litteris:
Lei Municipal n.º 6.108/2010
"Art. 2. ° - São requisitos específicos para que as
entidades privadas referidas no art. 1.° desta lei habilitem-
se à qualificação como organização social:
I – comprovar o registro de seu ato contínuo, dispondo
sobre:
a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva
área de atuação;
b) finalidade não lucrativa, com a obrigatoriedade de
investimentos de seus excedentes financeiros no
desenvolvimento das próprias atividades;
c) ter, como órgão de deliberação superior e de direção,
um conselho de administração e uma diretoria definidos
nos termos do estatuto, asseguradas àquela composição e
atribuições normativas e de controle básicas previstas
nesta lei;
d) participação, no órgão colegiado de deliberação
superior, de representantes dos empregados da entidade e
de membros de notória capacidade profissional e
idoneidade moral;
e) composição e atribuição da diretoria;
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8. <"Número do processo#Número do processo Tribunal de Justiça
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f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial
do Município, dos relatórios financeiros e do relatório de
execução do contrato de gestão;
g) no caso de associação civil, a aceitação de novos
associados, na forma do estatuto;
h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do
patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em
razão de desligamento, retirada ou falecimento de
associado ou membro de entidade;
i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos
legados ou das doações que lhe foram destinados, bem
como dos excedentes financeiros decorrentes de suas
atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ou
patrimônio de outra organização social qualificada no
âmbito do Município de Natal, da mesma área de atuação,
ou ao patrimônio do Município, na proporção dos recursos
e bens por ele alocados nos termos do contrato de gestão;
II – haver aprovação, quanto ao cumprimento integral dos
requisitos para sua qualificação, do Secretário ou Titular
do órgão supervisor ou regulador da área de atividade ao
seu objeto social, bem como do Conselho de
Desenvolvimento do Município – CDM.
§ 1.º - Serão qualificadas como organização social as
entidades que, efetivamente, comprovarem o
desenvolvimento da atividade descrita no "CAPUT" do art.
1.° desta Lei há mais de 05 (cinco) anos.
§ 2.° - Será considerado para efeito do tempo previsto no
parágrafo anterior, o tempo de existência da pessoa
jurídica que instituir a nova associação ou que atestar sua
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vinculação a esta, desde que estatutariamente prevista essa
vinculação"
"Art. 3. ° - O Conselho de Administração deve estar
estruturado nos termos do respectivo estatuto, observados,
para fins de atendimento dos requisitos de qualificação, os
seguintes critérios básicos:
I – ser composto por:
a) 55% (cinquenta e cinco por cento), no caso de
associação civil, de membros eleitos dentre os associados
ou provenientes de indicação de representantes de
entidades, conforme estatuto social;
b) 35% (trinta e cinco por cento) de membros eleitos pelos
demais integrantes do Conselho, dentre pessoas de notória
capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral,
na forma do estatuto social;
c) 10% (dez por cento) de membros eleitos pelos
empregados da entidade;”.
Lei Federal n.º 9.637/97
A Lei Federal n. 9.637/97, à sua vez, no que tange a tais
requisitos específicos, assim dispõe:
"Art. 2o- São requisitos específicos para que as entidades
privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à
qualificação como organização social:
I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo
sobre:
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a) natureza social de seus objetivos relativos à respectiva
área de atuação;
b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de
investimento de seus excedentes financeiros no
desenvolvimento das próprias atividades;
c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de
deliberação superior e de direção, um conselho de
administração e uma diretoria definidos nos termos do
estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições
normativas e de controle básicas previstas nesta Lei;
d) previsão de participação, no órgão colegiado de
deliberação superior, de representantes do Poder Público
e de membros da comunidade, de notória capacidade
profissional e idoneidade moral;
e) composição e atribuições da diretoria;
f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial
da União, dos relatórios financeiros e do relatório de
execução do contrato de gestão;
g) no caso de associação civil, a aceitação de novos
associados, na forma do estatuto;
h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do
patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em
razão de desligamento, retirada ou falecimento de
associado ou membro da entidade;
i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos
legados ou das doações que lhe foram destinados, bem
como dos excedentes financeiros decorrentes de suas
atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao
patrimônio de outra organização social qualificada no
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âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao
patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou
dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por
estes alocados;
II - haver aprovação, quanto à conveniência e
oportunidade de sua qualificação como organização
social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou
regulador da área de atividade correspondente ao seu
objeto social e do Ministro de Estado da Administração
Federal e Reforma do Estado.
"Art. 3o O conselho de administração deve estar
estruturado nos termos que dispuser o respectivo estatuto,
observados, para os fins de atendimento dos requisitos de
qualificação, os seguintes critérios básicos:
I - ser composto por:
a) 20 a 40% (vinte a quarenta por cento) de membros
natos representantes do Poder Público, definidos pelo
estatuto da entidade;
b) 20 a 30% (vinte a trinta por cento) de membros natos
representantes de entidades da sociedade civil, definidos
pelo estatuto;
c) até 10% (dez por cento), no caso de associação civil, de
membros eleitos dentre os membros ou os associados;
d) 10 a 30% (dez a trinta por cento) de membros eleitos
pelos demais integrantes do conselho, dentre pessoas de
notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade
moral;
e) até 10% (dez por cento) de membros indicados ou
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eleitos na forma estabelecida pelo estatuto";
É sabido que a competência concorrente é típico caso de
repartição vertical de competência em nosso país, caracterizando-se pela possibilidade
de diferentes entes políticos legislarem sobre determinada matéria, com predominância
da União, que irá legislar normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e aos Estados estabelece-se
a possibilidade, em virtude do poder suplementar, de legislar sobre assuntos referentes
aos seus interesses locais (CF, art. 24, § 2º).
Neste sentido, o escólio do Ministro Celso de Mello que 1
"A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24)
estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os
Estados-membros e o Distrito Federal, daí resultando clara repartição vertical de
competências normativas entre as pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecer normas
gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência
suplementar (CF, art. 24, § 2º,),(...) deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em
inexistindo lei federal sobre normas gerais, a possibilidade de exercer a competência
legislativa plena, desde que para atender as suas peculiaridades (CF, art. 24, § 3º)".
Para o ilustre doutrinador Alexandre de Moraes o
legislador constituinte reservou ao Governo Federal a possibilidade de fixação de
normas gerais (diretrizes fundamentais), sem descer a pormenores, cabendo aos
Estados-membros a adequação da legislação às peculiaridades locais.
Todavia, na ausência da norma geral da União, poderão os
Estados exercer a competência plena ou supletiva (CF, art. 24, § 3º e CE, art. 20, §
2.°), sendo certo que a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspenderá a
eficácia da norma estadual, naquilo que lhe for contrario (CF, art. 24, § 4º e CE, art.
20, §3.°).
Por fim, embora não seja estendida aos Municípios a
competência legislativa concorrente, conforme se observa da redação do art. 24 da
Constituição Federal e art. 20 da Constituição do Estadual, foi-lhes possibilitado
1 4 STF, Medida Cautelar em ADI 2.667/DF, rel. Min. Celso de Mello.
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suplementar a legislação federal e estadual no que couber, observando-se o princípio
da hierarquia das normas, onde a legislação federal tem primazia sobre a estadual e
municipal e, a estadual sobre a municipal.
Pois bem. Volvendo-me às particularidades do caso
presente, necessário ressaltar, por imprescindível, em que pese o acerto do legislador
municipal quanto a necessidade de disciplinar acerca da composição do Conselho de
Administração das entidades de organização social, peca por não fazer constar no art.
2.° previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de
representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória
capacidade profissional e idoneidade moral e, ainda, por não trazer no seu art. 3.°
previsão de participação da comunidade (art. 128, III, da CE) e de representante
dos órgãos do Poder Público na composição daquele Conselho, nos moldes
estabelecidos nos arts. 2. ° e 3.° da Lei Federal n.º 9.637/97, que instituíram as normas
gerais relativamente a tal matéria (CF, art. 24, § 1º), quebrando, por assim dizer o
Pacto Federativo instituído pelo art. 1.° da CF.
Sobre a impossibilidade da competência legislativa
municipal, em caráter suplementar ou para tratar de interesse local suplantar ou alterar
as normas expedidas pela União, colho precedente do Supremo Tribunal Federal:
"EMENTA: Recurso extraordinário. - A competência para
legislar sobre trânsito é exclusiva da União, conforme
jurisprudência reiterada desta Corte (ADI 1.032, ADIMC
1.704, ADI 532, ADI 2.101 e ADI 2.064), assim como é a
competência para dispor sobre a obrigatoriedade do uso
de cinto de segurança (ADIMC 874). - Ora, em se tratando
de competência privativa da União, e competência essa
que não pode ser exercida pelos Estados se não houver lei
complementar - que não existe - que o autorize a legislar
sobre questões específicas dessa matéria (artigo 22 da
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Constituição), não há como pretender-se que a
competência suplementar dos Municípios prevista no
inciso II do artigo 30, com base na expressão vaga aí
constante "no que couber", se possa exercitar para a
suplementação dessa legislação da competência privativa
da União. - Ademais, legislação municipal, como ocorre,
no caso, que obriga o uso de cinto de segurança e proíbe
transporte de menores de 10 anos no banco dianteiro dos
veículos com o estabelecimento de multa em favor do
município, não só não diz respeito, obviamente, a assunto
de interesse local para pretender-se que se enquadre na
competência legislativa municipal prevista no inciso I do
artigo 30 da Carta Magna, nem se pode apoiar, como
decidido na ADIMEC 874, na competência comum
contemplada no inciso XII do artigo 23 da Constituição,
não estando ainda prevista na competência concorrente
dos Estados (artigo 24 da Carta Magna), para se sustentar
que, nesse caso, caberia a competência suplementar dos
Municípios. Recurso extraordinário não conhecido,
declarando-se a inconstitucionalidade da Lei 11.659, de 4
de novembro de 1994, do Município de São Paulo".
(RE 227384, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal
Pleno, julgado em 17/06/2002, DJ 09-08-2002 PP-00068
EMENT VOL-02077-02 PP-00190)
Curial obtemperar, ainda, o que dispõe a norma inquinada,
no seu art. 21, verbis:
Art. 21. "Na hipótese de a entidade pleiteante da
habilitação como organização social existir há mais de 5
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(cinco) anos, contados da data da publicação desta lei,
fica estipulado o prazo de 4 (quatro) anos para adaptação
das normas do respectivo estatuto ao disposto no art. 3.°,
inciso I a IV, desta lei".
Percebo, pois, que ao assim dispor a norma desnatura
integralmente a necessidade de prévia qualificação da organização social,
possibilitando a contratação de organizações sociais no âmbito do Município de Natal
com afronta à norma constitucional que prevê a necessidade de participação da
comunidade e do Poder Público no âmbito do Sistema Único de Saúde (art. 128, da
CE), inovando em matéria legislativa destoando visceralmente da Lei n.º 9.637/98,
violando, assim, os arts. 20 e 128 da CE.
De todo o exposto, parece-me razoável afirmar que ao
estabelecer os requisitos específicos para que as entidades privadas habilitem-se à
qualificação como organização social, a lei ora vergastada, desatendeu à exigência
expressa estampada no artigo 128 da Carta Estadual, eis que às escâncaras, deixou de
incluir no rol respectivo, a participação da comunidade assegurada na forma da lei,
eleição direta e democrática dos diretores das instituições de saúde como estar a exigir
o mencionado preceito constitucional.
Em suma, entendo em desconformidade com a
Constituição Estadual, os artigos 2º, I, “d”, art. 3º, I, e artigo 21 da Lei Ordinária nº
6.108 de 03 de junho de 2010, pelo que se impõe a declaração de sua
inconstitucionalidade.
Nesse contexto, forçoso ressaltar que o regime de
contratação das organizações sociais disciplinado pelos demais artigos do diploma
normativo municipal impugnado, apresentam relação de dependência jurídica e lógica
com as determinações atinentes aos requisitos específicos para que as entidades
privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização
social e da composição do Conselho Administrativo de tais instituições disciplinados
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nos arts. 2. ° 3.° da Lei n.º 6.108/2010.
Vale dizer, a declaração de inconstitucionalidade dos arts.
2.º, I, "d", 3.º, I da Lei n.º 6.108/2010 conduz à inconstitucionalidade dos seus demais
dispositivos ou da integralidade da norma, porquanto inviável a qualificação como
organizações sociais a partir da mesma.
Com efeito, considerando destarte, que a declaração de
inconstitucionalidade dos dispositivos citados, afeta o sistema normativo como um
todo, tornando-os de conseguinte, ineficaz, reconheço a inconstitucionalidade dos
demais, por atração, pelo que julgo procedente a presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade do inteiro teor da Lei
Municipal n.º 6.108/2010 por violação ao art. 20 e 128 da Constituição Estadual.
É como voto.
Natal, 25 de maio de 2011.
Desembargadora JUDITE NUNES
Presidente
Desembargador AMAURY MOURA SOBRINHO
Relator
Doutor MANOEL ONOFRE NETO
Procurador Geral de Justiça
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