1) A Secretaria de Educação do Recife realizou contratações diretas de empresas para reformas em escolas em 2006, totalizando R$2 milhões, sem planejamento adequado e utilizando fracionamento para dispensar licitações.
2) Os depoimentos reconhecem a ausência de planejamento e controle sobre as obras, em desacordo com a lei de licitações.
3) O MPPE abriu processo contra gestores da Secretaria por desvio na execução das contratações sem licitação.
1. Ministério Público do Estado de Pernambuco
Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital
Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Capital.
Ministério Público do Estado de Pernambuco, representado pelos Promotores de
Justiça que a presente subscrevem, no uso de suas atribuições legais em defesa dos
interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, notadamente do patrimônio
público, diante do que consta das peças de informação em anexo (Inquérito Civil
Conjunto nº 04/2007), na forma e com fundamento nos artigos 37, 127 e 129, III, da
Constituição da República combinados com os artigos 1º, inciso IV e 5º da Lei nº 7.347,
de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública); 1º e 25, inciso IV, alínea a da Lei nº
8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); 1º e
4º, inciso IV, alínea a da Lei Complementar nº 12, de 27 de dezembro de 1994 (Lei
Orgânica do Ministério Público do Estado de Pernambuco) e nos dispositivos legais
adiante invocados, vem a presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO
CIVIL PÚBLICA pelas razões de fato e de direito adiante aduzidas contra
Maria Luiza Martins Aléssio, Secretária de Educação, Esporte e Lazer do Município
do Recife, casada, inscrita no CPF/MF sob o número 074.706.494-68;
Edna Maria Garcia da Rocha Pessoa, Assessora Executiva da Secretaria de
Educação, Esporte e Lazer do Município do Recife, casada, inscrita no CPF/MF sob o
número 166.336.444-34;
Marília Lucinda Santana de Siqueira Bezerra, ex-Diretora Administrativa e
Financeira da Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do Município do Recife, casada,
inscrita no CPF/MF sob o número 024.918.314-57;
Rua 1º de Março nº 100 – Santo Antonio – Recife/PE – CEP: 50010-070 – Fone (81) 3419-7195
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1. DOS FATOS
Em face de representação formulada pelo Sindicato dos Professores da Rede Municipal
do Recife - Simpere, a Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania – Defesa e
Proteção do Patrimônio Público e Promoção e Defesa do Direito Humano à Educação –
instaurou o Inquérito Civil Conjunto nº 04/2007 para apurar as condições em que se
encontravam a estrutura física (conservação e adequação) dos prédios onde funcionam
as escolas e creches da rede pública municipal de ensino; a superlotação das salas de
aula (m2 por aluno); o fornecimento e a qualidade da merenda oferecida aos alunos da
rede pública municipal de ensino.
Na instrução do citado procedimento, foram requisitadas à Secretaria de Educação,
Esporte e Lazer do Município do Recife informações sobre os processos de reforma
de escolas e creches municipais, bem como foram ouvidos os engenheiros Alexandre El
Deir e Gustavo Luiz Leite, além das gestoras Maria Luiza Martins Aléssio e Marília
Lucinda Santana de Siqueira Bezerra.
De igual modo, foram solicitados documentos constantes da Auditoria Especial nº
0602025-2 (Relatório Preliminar de Auditoria - DOC. 01), ora em tramitação no
Tribunal de Contas do Estado, a qual tem por objeto a contratação direta de empresas de
engenharia para serviços de reformas das escolas e creches municipais no exercício
financeiro de 2006. Tal solicitação foi atendida através do Processo de Destaque nº
0704182-2 (Decisão TC nº 1402/07- DOC. 02).
Do conjunto probatório verifica-se que, no exercício financeiro de 2006, a Secretaria de
Educação emitiu 239 Notas de Empenho em favor de 92 empresas para a reforma de
195 unidades educacionais, no valor total de R$ 2.010.921,14 (dois milhões, dez mil,
novecentos e vinte e um reais e catorze centavos), conforme relação de notas de
empenho emitidas no referido exercício financeiro para contratação direta de serviços e
obras de engenharia com fundamento no art. 24, inciso I, da Lei nº 8.666/93 (DOC. 03).
Contudo, tais contratações foram realizadas com a absoluta ausência de planejamento de
obras e serviços de engenharia e, de igual modo, mediante fracionamento de
procedimento licitatório, que possibilitava a realização de dispensa de licitação.
Conforme a Lei Orçamentária Municipal para o Exercício Financeiro de 2006 (DOC.
04), a Secretaria de Educação tinha – dentro da Atividade 1401.12.361.1.207.2.131 –
Adequação e Manutenção Física da Rede Municipal de Ensino – as seguintes metas:
• Recuperar e Manter as Unidades Educacionais da Rede Municipal de
Ensino – 30 Unidades Educacionais
• Reformar e Ampliar Unidades Educacionais da Rede Municipal de
Ensino – 10 Unidades Educacionais
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• Realizar Serviços de Manutenção Preventiva das Unidades Educacionais
– 300 Unidades Educacionais.
Para tanto, conforme consignado na referida Lei de Meios, dispunha de R$
3.370.000,00 (três milhões, trezentos e setenta mil reais).
Porém, malgrado a previsão orçamentária, a Secretaria de Educação, Esporte e Lazer do
Município do Recife não realizou nenhum planejamento de obras e serviços de
engenharia para a adequação e manutenção física da Rede Municipal de Ensino.
Ao contrário, os gestores passaram a realizar as obras diretamente, sempre mediante
dispensa de licitação em razão do valor.
O Quadro abaixo demonstra a quantidade de dispensas realizadas e o valor pago
mensalmente pela Secretaria de Educação no exercício financeiro de 2006:
Mês Dispensas Valor
março 16 134.811,27
abril 36 294.528,07
maio 20 155.018,48
junho 25 227.195,80
julho 31 266.954,35
agosto 18 206.092,13
setembro 30 247.297,61
outubro 31 231.206,22
novembro 24 222.454,91
dezembro 8 25.362,30
Total geral 239 2.010.921,14
Ressalte-se ainda que a prática de serviços de engenharia sem o devido planejamento é
reconhecida pelos engenheiros Gustavo Luiz Leite e Alexandre El Deir.
Consta do depoimento de Gustavo Leite (DOC. 05) que as solicitações de reformas à
época dos fatos mencionados na auditoria do TCE não havia uma sistemática periódica
de definição de quais escolas seriam objeto de reforma; que esclarece o depoente que
as solicitações seguiam para o Gabinete da Secretária com cópia para sua gerência,
sendo a autorização para a execução do serviço das ordenadoras de despesas Maria
Luiza Martins Aléssio, Edna Maria Garcia da Costa Pessoa e Marília Lucinda Santana
de Siqueira Bezerra, respectivamente Secretária de Educação, Assessora Executiva e
Diretora Administrativa Financeira.
Já Alexandre El Deir (DOC. 06) informa que não havia uma periocidade
preestabelecida para a definição das escolas objeto de reforma, cabendo tal decisão a
partir do fluxo de solicitações recebidas; que afirma ter sido a decisão tomada a partir
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da análise conjunta ente a gerência do declarante, a gerência de engenharia e obras,
através de seu superior imediato, Dr. Gustavo Leite, e a diretora administrativa
financeira geral setorial, Dra. Marília Bezerra; que o plano de trabalho decorria
destas reuniões.
Como conseqüência, restou o absoluto descontrole sobre o que, quanto, onde e quando
foi feito em termos de manutenção física das unidades de ensino municipais.
Tais fato são reconhecidos inclusive nos próprios depoimentos prestados por Maria
Luiza Martins Aléssio1
(DOC. 07) e Marília Lucinda Santana de Siqueira Bezerra2
(DOC. 08) perante esta Promotoria de Justiça.
2. DO DIREITO
O artigo 37, XXI, da Constituição da República, dispõe que as obras, serviços, compras
e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure
igualdade de condições a todos os concorrentes.
Conforme leciona Lucas Rocha Furtado, além da busca pela proposta mais vantajosa, a
licitação deve realizar o princípio da isonomia. É evidente que a Administração deverá
buscar nas propostas apresentadas pelos licitantes aquela que melhor realize seus
interesses imediatos. Porém, a busca deste fim, isto é, a busca de maiores vantagens,
não autoriza a violação das garantias individuais ou o tratamento mais favorecido a
determinada empresa ou a particular em detrimento dos demais interessados em
participar do processo. A lei, ao afirmar que a licitação visa igualmente à realização
do princípio da isonomia, procura evitar tratamento discriminatório injustificado entre
os possíveis interessados3
.
No entanto, ao se contrastar as contratações empreendidas pela Secretaria de Educação,
Esporte e Lazer do Município do Recife com as normas pertinentes contidas no Estatuto
de Licitações, observa-se o acentuado desvio empreendido por aquele órgão nas
referidas contratações.
1
Depoimento prestado por Maria Luiza Martins Aléssio: que a depoente não recorda se junto com a
defesa do TCE consta cópia de ofício de diretores das unidades escolares referidas no Quadro 1
solicitando reparos de engenharia nos respectivos prédios.
2
Depoimento prestado por Marília Lucinda Santana de Siqueira: que a depoente não recorda se tais
relatórios de engenharia fora anexados à Auditoria Especial do TC quando da apresentação da sua
defesa (...)
Que em relação às medições relativas aos serviços elencados na Auditoria Especial do TC acima
referida, a depoente esclarece que os controles provavelmente se davam de maneira interna do Setor
de Engenharia, não acompanhando os documentos de liquidação de despesas; que não sabe informar
como se dava exatamente o ajuste entre o valor constante nas notas de empenho e o valor do serviço
efetivamente executado nas outras escolas.
3
Lucas Rocha Furtado, in Curso de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Fórum, 2007,
página 31
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O Art. 8º determina que a execução das obras e dos serviços deve programar-se,
sempre, em sua totalidade, previstos seus custos atual e final e considerados os prazos
de sua execução.
Conforme jurisprudência firmada pelo TCU4
, tal programação deve abranger todo o
exercício financeiro, de modo que a administração pública promova a modalidade
licitatória mais adequada às metas e ao montante destinado para tal atividade no seu
orçamento anual.
Ora a aprovação da Lei Municipal nº 17.158 (Lei Orçamentária para o Exercício
Financeiro de 2006) se deu em 21 de dezembro de 2005, portanto a Secretaria de
Educação da Cidade do Recife, quando do início da sua execução orçamentária já
conhecia o montante disponível e as metas físicas a serem atingidas.
Registre-se ainda que a primeira Nota de Empenho para serviços de engenharia de
reforma e manutenção de Escola Municipal só veio a ser emitida em 08 de março de
2006 – Neop nº 2006NE01508000 – mais de sessenta dias após o início da execução do
orçamento de 2006.
Cumpre ressaltar que tal ausência de planejamento, conforme demonstrado, revela um
propósito: a utilização de modo largo do permissivo contido no artigo 24, I, da Lei de
Licitações5
.
Tal dispositivo em sua parte final ressalva a sua inaplicabilidade para contratações que
se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da
mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e
concomitantemente.
4
TCU – Tomadas de Contas Simplificada – Acórdão nº 2970/07
1.8.- observar rigorosamente os limites estabelecidos pela Lei nº 8.666/93 para enquadramento das
despesas na correta modalidade de procedimento licitatório, observar que o planejamento deverá
abranger todo o exercício em curso;
TCU – Relatório de Auditoria – Decisão nº 253/1998
d) quando da realização de suas despesas, proceda a um adequado planejamento de seus
procedimentos licitatórios, em conformidade com a disponibilidade de créditos orçamentários e
recursos financeiros, objetivando contratações mais abrangentes e abstendo-se de proceder a
sucessivas contratações de serviço e aquisições de pequeno valor, de igual natureza, semelhança ou
afinidade, realizadas por dispensa de licitação fundamentada no inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666/93;
5
Art. 24. É dispensável a licitação:
I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea
"a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço
ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas
conjunta e concomitantemente;
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão
determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
I - para obras e serviços de engenharia:
a) convite - até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);
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A esse respeito, Lucas Rocha Furtado observa que, sendo o reduzido valor do contrato
um dos fundamentos que legitimam a contratação direta, estar-se-ia diante da
possibilidade de administradores, fraudulentamente, fracionarem ou desmembrarem
todos os seus contratos de modo que as parcelas pudessem ser contratadas sem
licitação. A esse respeito, a lei veda o fracionamento ou desmembramento de obra,
compra ou serviço cujo propósito seja o de enquadrar o valor dentro dos limites de
dispensa.6
.
Com propriedade, o artigo 23, § 5º, dispõe que é vedada a utilização da modalidade
"convite" ou "tomada de preços", conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra
ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que
possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus
valores caracterizar o caso de "tomada de preços" ou "concorrência", respectivamente,
nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser
executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da
obra ou serviço.
Adiante, salienta o mesmo autor que essa situação, de se procurar fugir ao dever de
licitar ou de se adotar modalidade de licitação menos rigorosa do que a determinada
em lei por meio de fracionamento ou parcelamento de objetos de contratos que
poderiam ser celebrados conjuntamente, tem sido verificada, infelizmente, com certa
freqüência pelo Tribunal de Contas da União, cuja atuação tem-se dado no sentido de
punir os responsáveis por referida prática7
.
Da Improbidade Administrativa
O artigo 37, da Constituição Federal dispõe que a administração pública direta,
indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados e dos
Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e também que (...) § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão
a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo
da ação penal cabível.
Regulamentando citado dispositivo constitucional, foi promulgada em 02 de junho de
1992, a Lei nº 8.429/92, que, em seu artigo 11 afirma que constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação
6
Lucas Rocha Furtado, in Curso de Licitações e Contratos Administrativos, Editora Fórum, 2007,
página 72
7
TCU – Tomada de Contas – Acórdão nº 696/2003 – Primeira Câmara – nas contas da
Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em Pernambuco relativas ao
exercício de 1999
Quanto à ocorrência de fracionamento de despesas para fugir à obrigatoriedade de licitar, concordo
com a Unidade Técnica, pois tanto nas despesas relativas à manutenção e conservação de veículos
(R$15.970,00 em 30/12/1999) quanto nas relativas aos serviços gráficos (R$11.363,00, também em
30/12/1999), foram prestados serviços de mesma natureza de valores iguais ou menores que o limite
de dispensa de licitação (R$8.000,00), expresso no inciso II, do art. 24 da Lei nº 8.666/93 (fls. 25/26).
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ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade
às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência.
O ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11, I, da citada lei deve ser
interpretado em consonância com o que dispõe o artigo 24 e seus incisos da Lei nº
8.666/93.
Vale salientar, que as hipóteses nele inseridas são taxativas, não sendo possível que a
Administração Pública dispense o processo licitatório além daqueles casos, sob pena de
se configurar uma dispensa indevida e, conseqüentemente, ato de improbidade
administrativa.
O Superior Tribunal de Justiça, examinando a dita questão através do Recurso Especial
nº 685.325 PR, firmou o seguinte decisum:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. COMPRA DE
MATERIAIS. FRACIONAMENTO DE NOTAS FISCAIS. IMPROBIDADE.
I - A Lei de Improbidade Administrativa considera ato de improbidade aquele tendente
a frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente. Foi
exatamente o que ocorreu na hipótese dos autos quando restou comprovado, de acordo
com o circunlóquio fático apresentado no acórdão recorrido, que houve burla ao
procedimento licitatório, atingindo com isso os princípios da legalidade, da moralidade
e da impessoalidade.
II - O artigo 11 da Lei 8.429⁄92 explicita que constitui ato de improbidade o que atenta
contra os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.
Na hipótese presente também se tratou de atentado, ao menos, contra os deveres de
imparcialidade e legalidade, em face do afastamento da norma de regência, in casu, a
Lei nº 8.666⁄93.
III - Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO: Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas,
prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro TEORI ALBINO
ZAVASCKI, decide a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, na forma do relatório e notas
taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado. Os Srs. Ministros LUIZ FUX, TEORI ALBINO ZAVASCKI (voto-vista) e
DENISE ARRUDA votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, ocasionalmente, os
Srs. Ministros Relator e JOSÉ DELGADO. Custas, como de lei. Brasília(DF), 13 de
dezembro de 2005 (data do julgamento). MINISTRO FRANCISCO FALCÃO Relator
No presente caso, observamos que as dispensas indevidas redundaram na realização de
serviços de engenharia no montante de R$ 2.010.921,14 (dois milhões, dez mil,
novecentos e vinte e um reais e catorze centavos).
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A realização por parte das demandadas das dispensas de licitação, ora questionadas,
atentaram contra os princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam, o da
legalidade, e impessoalidade, inobservando, desta feita, o art. 4º da Lei nº 8.429/92.
Quanto à legalidade, resume-se ao dever do agente público de atuar em conformidade
com os ditames legais, ou seja, respeitando o ordenamento jurídico vigente,
constatando-se sua violação no caso em comento no preciso instante em que foram
feitas dispensas de licitação por parte da Secretaria de Educação, em desobediência as
exceções ao dever de licitar previsto na Lei de Licitações, conforme acima
demonstrado.
Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, o princípio da legalidade explicita a
subordinação da atividade administrativa à lei e surge como decorrência natural da
indisponibilidade do interesse público, noção esta que, conforme foi visto, informa o
caráter da relação de administração.
Em outra oportunidade, obtempera: fora da lei, portanto, não há espaço para atuação
regular da Administração. Donde, todos os agentes do Executivo, desde o que lhe
ocupa a cúspede até o mais modesto dos servidores que detenha algum poder decisório,
hão de ter perante a lei - para cumprirem corretamente seus misteres - a mesma
humildade e a mesma obsequiosa reverência para com os desígnios normativos. É que
todos exercem função administrativa, a dizer, função subalterna à lei, ancilar - que vem
de ancilla, serva, escrava8
.
Da mesma forma, também restou violado o princípio da impessoalidade em face da não
deflagração do processo licitatório, permitindo assim que a Administração escolhesse
diretamente as empresas contratadas, sem que fosse dada a oportunidade de que fossem
oferecidas diferentes propostas de preços e de qualidade dos bens adquiridos,
inviabilizando a concorrência entre os pretensos licitantes e possibilitando a atuação
imparcial da Administração.
À vista do relatado, a contratação direta de serviços de engenharia através das Notas de
Empenho 2006NE01508, 2006NE01510, 2006NE01618, 2006NE01619,
2006NE01620, 2006NE01621, 2006NE01674, 2006NE01675, 2006NE01763,
2006NE01764, 2006NE01882, 2006NE01893, 2006NE01894, 2006NE01949,
2006NE01950, 2006NE02177, 2006NE02220, 2006NE02221, 2006NE02222,
2006NE02223, 2006NE02224, 2006NE02304, 2006NE02305, 2006NE02306,
2006NE02307, 2006NE02308, 2006NE02309, 2006NE02601, 2006NE02711,
2006NE02712, 2006NE02713, 2006NE02779, 2006NE02780, 2006NE02781,
2006NE02782, 2006NE02850, 2006NE02851, 2006NE02852, 2006NE02853,
2006NE02854, 2006NE02855, 2006NE02856, 2006NE02857, 2006NE02892,
2006NE02909, 2006NE02954, 2006NE02992, 2006NE02993, 2006NE02994,
2006NE02995, 2006NE03045, 2006NE03071, 2006NE03097, 2006NE03098,
2006NE03099, 2006NE03100, 2006NE03101, 2006NE03102, 2006NE03303,
2006NE03396, 2006NE03397, 2006NE03781, 2006NE03856, 2006NE03956,
2006NE03957, 2006NE04092, 2006NE04275, 2006NE04286, 2006NE04291,
8
Celso Antonio Bandeira de Mello in “Desvio de Poder”, in RDP 89/24, p. 24. e “Discricionariedade
e Controle Jurisdicional”, Malheiros Editores, 2ª ed., 1993, p. 50.
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2006NE04303, 2006NE04308, 2006NE04317, 2006NE04365, 2006NE04372,
2006NE04373, 2006NE04374, 2006NE04375, 2006NE04450, 2006NE04451,
2006NE04452, 2006NE04453, 2006NE04454, 2006NE04509, 2006NE04613,
2006NE04614, 2006NE04615, 2006NE04616, 2006NE04618, 2006NE04619,
2006NE04634, 2006NE04638, 2006NE05221, 2006NE05222, 2006NE05387,
2006NE05388, 2006NE05444, 2006NE05608, 2006NE05720, 2006NE05876,
2006NE05877, 2006NE05878, 2006NE05879, 2006NE05882, 2006NE05883,
2006NE05884, 2006NE05885, 2006NE05886, 2006NE05887, 2006NE05888,
2006NE06479, 2006NE06488, 2006NE06489, 2006NE06490, 2006NE06492,
2006NE06493, 2006NE06494, 2006NE06495, 2006NE06496, 2006NE06497,
2006NE06498, 2006NE06499, 2006NE06500, 2006NE06501, 2006NE06506,
2006NE06596, 2006NE06730, 2006NE06731, 2006NE06732, 2006NE06768,
2006NE06791, 2006NE06793, 2006NE06851, 2006NE06852, 2006NE06893,
2006NE06894, 2006NE06895, 2006NE06968, 2006NE07068, 2006NE07627,
2006NE07628, 2006NE07629, 2006NE07630, 2006NE07631, 2006NE07782,
2006NE07783, 2006NE07829, 2006NE07988, 2006NE07989, 2006NE07995,
2006NE07998, 2006NE07999, 2006NE08787, 2006NE08788, 2006NE08789,
2006NE08790, 2006NE08791, 2006NE08792, 2006NE08793, 2006NE08794,
2006NE08819, 2006NE08967, 2006NE08968, 2006NE09011, 2006NE09017,
2006NE09018, 2006NE09019, 2006NE09041, 2006NE09042, 2006NE09043,
2006NE09044, 2006NE09045, 2006NE09046, 2006NE09047, 2006NE09048,
2006NE09049, 2006NE09050, 2006NE09106, 2006NE09637, 2006NE09650,
2006NE10187, 2006NE10188, 2006NE10189, 2006NE10199, 2006NE10226,
2006NE10227, 2006NE10228, 2006NE10229, 2006NE10233, 2006NE10234,
2006NE10235, 2006NE10236, 2006NE10239, 2006NE10240, 2006NE10241,
2006NE10365, 2006NE10366, 2006NE10367, 2006NE10386, 2006NE10387,
2006NE10624, 2006NE10625, 2006NE10626, 2006NE10627, 2006NE10628,
2006NE10644, 2006NE10695, 2006NE10696, 2006NE11147, 2006NE11150,
2006NE11279, 2006NE11280, 2006NE11310, 2006NE11311, 2006NE11312,
2006NE11313, 2006NE11314, 2006NE11315, 2006NE11325, 2006NE11326,
2006NE11344, 2006NE11385, 2006NE11386, 2006NE11387, 2006NE11438,
2006NE11447, 2006NE11482, 2006NE11483, 2006NE11569, 2006NE11570,
2006NE11837, 2006NE12101, configuram ato de improbidade administrativa, previstos
no artigo 11, Inciso I, da Lei 8.429/92.
A punição para aqueles que cometem atos de improbidade administrativa como os
mencionados acima está definida no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações:
III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil
de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Rua 1º de Março nº 100 – Santo Antonio – Recife/PE – CEP: 50010-070 – Fone (81) 3419-7195
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10. Ministério Público do Estado de Pernambuco
Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital
Da Responsabilidade das Rés
As demandadas, na qualidade de servidoras públicas, respondem por todos os atos de
improbidades administrativas praticados por força dos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.429/92.
As demandadas Maria Luiza Martins Aléssio, Edna Maria Garcia da Rocha Pessoa
e Marília Lucinda Santana de Siqueira Bezerra, na qualidade de ordenadoras de
despesas determinaram e autorizaram a realização das despesas sem prévia licitação e
em desconformidade com as normas orçamentárias.
3. DOS PEDIDOS
1. Do Pedido de Mérito
Ante todo o exposto, depois de autuada e recebida a presente petição inicial com os
documentos que a instruem (arts. 282/283 do Código de Processo Civil), requer o
Ministério Público a Vossa Excelência seja julgada procedente a presente pedido para:
i. nos termos art. 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, para condenar:
1. as demandadas Maria Luiza Martins Aléssio e Edna Maria Garcia da
Rocha Pessoa, na qualidade de servidoras, na perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa
civil equivalente a cem vezes o valor da remuneração percebida e
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo
de três anos;
2. a demandada Marília Lucinda Santana de Siqueira Bezerra, na
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa
civil equivalente a cem vezes o valor da remuneração percebida pelo
agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de três anos;
ii. Sejam os valores relativos às multas civis destinados aos cofres da Fazenda do
Município do Recife
2. Dos Requerimentos Finais
Como medida de ordem processual, requer a notificação e posterior citação para que,
querendo, apresentem respostas, no prazo legal, sob pena de presumirem-se verdadeiros
os fatos ora alegados (art. 17 da Lei nº 8.429/1992) das demandadas:
Maria Luiza Martins Aléssio, com endereço na Estrada de Aldeia, Km 6, Loteamento
Chã de Peroba, Granja Maturi, s/nº, Aldeia, Camaragibe, PE;
Rua 1º de Março nº 100 – Santo Antonio – Recife/PE – CEP: 50010-070 – Fone (81) 3419-7195
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11. Ministério Público do Estado de Pernambuco
Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania da Capital
Edna Maria Garcia da Rocha Pessoa, com endereço na Rua Teles Júnior, nº 155,
Bloco B, apartamento 201, Rosarinho, Recife;
Marília Lucinda Santana de Siqueira Bezerra, com endereço na Rua Casa Forte, 65,
apartamento 801, Casa Forte, Recife;
A intimação do Município do Recife, com sede no Cais do Apolo, 925, Bairro do
Recife, nesta cidade, na pessoa do seu Procurador-Chefe, para que, querendo,
intervenha nos autos no pólo ativo ou passivo desta ação;
Requer, por derradeiro:
1. O recebimento da presente ação sob o rito ordinário;
2. Isenção de custas, emolumentos, honorários e outras despesas na conformidade
do que dispõe o artigo 18 da LACP;
3. Condenação dos Réus no pagamento das custas processuais, honorários
advocatícios, estes calculados à base de 20% (vinte por cento) sobre o valor total
da condenação e demais cominações de direito decorrentes da sucumbência;
4. A produção de todos os meios de prova em direito permitidos.
Dá à causa o valor de R$ 186.575,07 (cento e oitenta e seis mil, quinhentos e setenta
e cinco reais e sete centavos).
Nestes Termos
P. Deferimento
Recife, 15 de dezembro de 2008.
Charles Hamilton Santos Lima
26º Promotor de Justiça de Defesa da
Cidadania da Capital
Lucila Varejão Dias Martins
15ª Promotora de Justiça de Defesa da
Cidadania da Capital
Eleonora Marise Silva Rodrigues
28ª Promotora de Justiça de Defesa da
Cidadania da Capital
Katarina Morais de Gusmão
29ª Promotora de Justiça de Defesa da
Cidadania da Capital com exercício cumulativo
no cargo de 22º Promotor de Justiça de Defesa
da Cidadania da Capital
Rua 1º de Março nº 100 – Santo Antonio – Recife/PE – CEP: 50010-070 – Fone (81) 3419-7195
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