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PENSAMENTO NACIONAL




Cai o pano
                       Os presidentes de empresas no Brasil incorporaram
                       tanto o personagem corporativo que parecem ter
                       perdido a si mesmos, o que com freqüência se
                       converte em razão de sofrimento. É o que mostra este
                       artigo baseado em pesquisa realizada entre 2006 e
                       2007 pelos professores Mariá Giuliese e Léo Bruno,
                       da Fundação Dom Cabral

     “Não existo.      uem são, de fato, os presidentes de empresas do Brasil? O que pensam e sentem aqueles
  Sou o intervalo      que alcançaram o degrau mais alto da carreira, modelo e inspiração de todos os gestores




                       Q
entre o que desejo     e leitores de revistas de management? Já conhecemos e acompanhamos muitos desses in-
   ser e os outros                     divíduos no palco dos negócios, mas o que será que lhes acontece quando
      me fizeram”                      descem as cortinas e eles ficam sós?
Álvaro de Campos                           A pesquisa Contexto dos Presidentes, que realizei em conjunto com o pro-
  (heterônimo de                       fessor Léo Bruno para o Centro de Tecnologia Empresarial da Fundação
Fernando Pessoa)                       Dom Cabral (CTE-FDC), veio responder a essas perguntas. Investigamos
                       dirigentes de 40 das 500 maiores e melhores empresas do País de acordo com a revista
                       Exame, buscando um escopo de informações suficientemente abrangente para construir
                       seu verdadeiro perfil. Em vez de nos limitarmos a ras­trear e mapear as práticas que dizem
                       adotar na condução dos negócios, analisamos aspectos do indivíduo, tais como crenças,
                       valores e modo de agir no que tange a trabalho, carreira, família, participação na socie-
                       dade e visão de mundo. Para tanto, mesclamos questionários auto-aplicados e entrevistas
                       pes­soais; realizamos ampla análise da literatura técnica na área de negócios e da exposição
                       desses executivos na mídia impressa.
                           O alto preço que o sucesso lhes cobra foi o principal resultado: o sedentarismo apareceu
                       no topo da lista dos efeitos mais nefastos de sua ascensão profissional sobre a vida pessoal
                       (70% dos entrevistados o admitiram), seguido do adiamento dos projetos particulares
                       (54%), outro grande motivo de frustração. Dificuldades de relacionamento familiar e
                       comprometimento da saúde derivado de distúrbios do sono e instabilidade emocional
                       também surgiram de modo expressivo. A declaração de um dos entrevistados sintetiza
                       as expectativas desses CEOs: “Presidente tem a morte anunciada. Sabe que vai morrer,
                       que o preço é alto e a pressão intensa. Em alguns casos, mesmo antes de começar, já sabe
                       quando e como morrerá, resta só definir quanto receberá por isso”. E o que está por trás
                       do fenômeno? Apenas excesso de trabalho e de cobrança? Acredito que não.

                       Personagem corporativo x eu
                          A verdadeira origem do problema é que muitos presidentes de empresas localizadas no
                       Brasil incorporaram seus personagens. Evidência disso é que, na etapa dos questionários
                       auto-aplicados, a maior parte dos entrevistados (80%) limitou-se a fornecer respostas ideais,
                       em consonância com as principais linhas teóricas de gestão de negócios e de pessoas e,
                       sobretudo, compatíveis com os preceitos do mercado e das organizações que esses exe-

                       HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
cutivos dirigem –respostas “by the book”. A performance continuou no início das entrevistas
                               pessoais, quando os presidentes pareciam estar falando em teses gerenciais, não nas práticas
                               reais do dia-a-dia. Abordavam assuntos da moda, como inovação, responsabilidade social,
                               transparência, gestão por projetos e processos, foco nas pessoas e comprometimento, e
                               alguns chegaram a expressar o desejo de serem os “melhores entrevistados”, como se
                               estivessem em uma competição.
                                   Algo acontecia, no entanto, à medida que as conversas evoluíam; os personagens
                               davam vez às personalidades –não em todos os casos, naturalmente, mas em proporção
                               sintomática. Se se tratasse da investigação de um crime por um detetive de literatura
                               policial, dir-se-ia que a principal pista surgiu da incoerência entre duas respostas espe-
                               cíficas. Cinqüenta e cinco por cento deles afirmaram que suas maiores conquistas na
                               carreira foram as capacidades de relacionamento e de negociação. No entanto, 45%
                               avaliaram que era o aprimoramento dessas capacidades o que mais tinham por con-
                               quistar. Os presidentes perceberam tanto a importância do relacionamento interpes-
                               soal como sua dificuldade em desenvolvê-lo. Por que a dificuldade? Eles estão longe
                               de si mesmos. E, assim, não conseguem estar perto de ninguém. Ou seja, se não se
                               relacionam consigo e se abandonam para atender à ideologia do mundo corporativo,
                               naturalmente afastam-se dos outros. Concentrar-se no personagem faz o executivo se
                               perder de si e ficar só.
                                   Um depoimento ilustra o fenômeno. “Sempre achei que ia ser feliz com uma conta
                               bancária polpuda, mas isso não é verdade. Tenho 42 anos, mais da metade da minha vida
                               se passou, sou respeitado, mas não acho graça em nada. Passo o tempo todo fazendo per-
                               formances e amarrando pontas. Nem eu sei quem sou. Parece que estou no vácuo.” Esse é o
                               melhor dos casos, na verdade, porque já há uma conscientização do problema. A maioria
                               ainda não tem consciência disso; apenas sente um desconforto inexplicável.




Quem são eles                                                             6%
                                                                                              Quantidade de
                                                                   8%
                                                                                              empresas trabalhadas
D     os 40 participantes da pesquisa,
      92% encontram-se casados e
85% têm filhos. Predominam os pro-
                                                                                     31%
                                                                                                 Cinco
                                                       20%
fissionais na faixa de 51 a 60 anos de                                                           Quatro
idade (56%), 41% têm entre 41 e 50                                                               Três
anos e 3%, entre 31 e 40 anos. Todos
                                                                                                 Duas
possuem pós-graduação latu sensu,
experiência internacional e inglês                                                               Uma
fluente, e 77% também se comunicam                                                               Só a atual
em espanhol. Na formação profissional                           15%              20%
básica, 54% são engenheiros.
    A maioria dos executivos (51%) já
atuou em, no mínimo, quatro empresas,                                          16%
registrando mais de oito anos na função
                                                                                             Tempo no cargo
de principal gestor. Entre as organiza-                                                      de presidente
ções que presidem atual­mente, 65% são
                                                                                                 Acima de 15 anos
multinacionais e 35% de capital nacional
–58% da área industrial, 25% do setor                                                            8 a 14 anos
                                                     49%
de serviços e 17% de outros ramos.                                                               1 a 7 anos
Em 40% dos casos, as companhias
apresentam vendas anuais superiores                                                    35%
a US$ 1 bilhão; das restantes, metade
fatura entre US$ 100 milhões e US$ 1
bilhão, e a outra metade, menos de US$
100 milhões.

                               HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
De quem é a responsabilidade pelo vácuo ou pelo desconforto? Não é só das em-
                            presas, embora elas usem um conjunto de “ferramentas” para manter seus profissionais
                            quase 24 horas por dia sob seu controle (leia quadro na página 31); afinal, empresas não
                            têm obrigação de gerar felicidade para ninguém, apenas devem oferecer um ambiente
                            propício para seus funcionários crescerem e fazerem acontecer. A responsabilidade
                            cabe também aos presidentes, que escolheram abrir mão de sua identidade em prol
                            do personagem. Por não conseguirem, ao mesmo tempo, escrever sua história dentro
                            da companhia e desenvolver a identidade pessoal, eles se concentraram no primeiro
                            processo, como em um trade-off. Oitenta por cento sentem muito orgulho da posição
                            que alcançaram, mas...
                                Se, um dia, são demitidos, percebem o que ocorreu, sentem culpa, entram em depressão,
                            mas podem tentar consertar os erros. Contudo, se o sucesso se mantém, eles simplesmente
                            ficam no vácuo ou sentem desconforto. Isso não ocorre apenas com os presidentes de em-
                            presas, é claro, e sim com todos os executivos, porém, com os ocupantes do cargo número
                            um, atinge proporções maiores, pois alienam-se na ideologia do mundo corporativo e por
                            conseguinte –inconscientemente– alienam seus colaboradores. Quando, enfim, entram
                            em contato com a realidade, percebem-se ingênuos por terem acreditado na promessa
                            do paraíso e culpados por passarem a promessa adiante.

                            Dilemas no ambiente empresarial
                                O que mais nos chamou a atenção na relação dos presidentes com o ambiente empre-
                            sarial foi o fato de que eles parecem cada vez mais solitários e isolados. O medo de serem
                            destituídos da posição que ocupam e de perderem o poder e a visibilidade que adquiriram
                            funciona como fator de pressão e opressão permanente para que se mantenham reféns
                            da situação e evitem, a qualquer custo, manifestar oposição ao establishment.
                                Sua interface com o conselho de administração constitui fonte de estresse particular.
                            Os presidentes parecem ir ao board mais para dar satisfação do que para expor problemas
                            e pedir ajuda para solucioná-los. Embora cerca de 80% dos entrevistados compartilhem a
                            missão e discutam a cultura da empresa com o conselho, pelo menos 20% revelam forte
                            dissonância entre os desejos e as decisões do board e o que é possível realizar, indicando
                            que a mesma instância que pactua a missão solicita práticas incompatíveis com as diretrizes
                            apontadas.
                                Na verdade, os fatores políticos têm exigido grande atenção dos presidentes, que afir-
                            mam utilizar a maior parte de seu tempo gerenciando “egos”, “administrando interesses
                            e cuidando para não melindrar os interlocutores (pares, acionistas, fornecedores)”.
                                A globalização é percebida por eles como tendência inevitável, que interfere sobrema-
                            neira em sua privacidade, pois, em razão dos fusos horários mundo afora, exige que os
                            canais de comunicação fiquem abertos a qualquer hora do dia ou da noite. Com isso, os
                            profissionais acabam levando os negócios para casa e isso, automaticamente, interfere nas
                            relações e nas rotinas familiares. É fato, também, que a globalização diminuiu o poder
                            que esses executivos detinham, e tal esvaziamento contribui para o sentimento de
                            frustração.

                                                                             Gestão estratégica
                                                                                Nesse quesito, fez-se uma descoberta
Conseqüências para a vida pessoal                                            interessante. Nota-se imensa preocupação
Sedentarismo	                                                          70%   nas respostas dos presidentes de empresas
                                                                             quando o assunto é gestão estratégica.
Realizações adiadas	                                                   54%
                                                                             Todos os entrevistados afirmaram com-
Problemas no relacionamento familiar	                                  39%
                                                                             partilhar missão e visão com os colabo-
Comprometimento da saúde	                                              39%   radores, 89% disseram que a visão e a
Distúrbios no sono	                                                    31%   missão de suas empresas são claras, 89%
Instabilidade emocional	                                               23%   revelaram que elas são alcançadas com
Outros	                                                                19%   ações e práticas, 89% declararam que
                                                                             a cultura organizacional é discutida no

                            HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
planejamento e 85% garantiram que os principais gestores de suas organizações têm
                               consciência da cultura em que operam.

                               Maturidade para a mudança
                                  Embora 76% dos pesquisados considerem sua empresa no nível mais alto de
                               maturidade organizacional, todos parecem temer que seja vista como conser-
                               vadora ou estagnada, o que certamente deporia contra sua gestão. Esse aspec-
                               to pôde ser mais bem explorado nas entrevistas, e em alguns poucos casos foi
                               relatado que a cultura da empresa dificulta as mudanças e a modernização necessárias.

                               Desafios da gestão
                                   Observa-se que questões como adversidades, burocracia e ambiente global ainda
                               não são percebidas como desafios da gestão de negócios para a maioria dos presidentes
                               que participaram da pesquisa. Sua maior preocupação está associada aos concorrentes e
                               stakeholders (acionistas, funcionários, fornecedores), com 31% cada um, e a inovações e
                               mudanças do mercado, com 28%.

                               Tomada de decisão
                                   Os fatores considerados mais importantes para a tomada de decisão estão relacionados
                               principalmente com a ética (citada por 41% dos entrevistados), seguida de conhecimento,
                               experiência e valores (28%) e bom senso (17%). Esses dados parecem refletir a crescente
                               preocupação com o cuidado e correção na apresentação dos números e balanços à matriz
                               e à opinião pública.
                                   O recurso mais importante para a tomada de decisão é a equipe gerencial, de acordo
                               com 33% dos entrevistados. O conselho de administração foi mencionado por 25% deles
                               e os pares de outras empresas, por 16%, mais ou menos o mesmo número de consultores
                               contratados externamente (18%). Isso parece indicar a necessidade de apresentar soluções
                                                                              prontas para o board.
Respostas “by the book” sobre                                                         Principais capacidades de gestão
gestão de carreira                                                                       Entre as capacidades mais importantes
                                                                                      para a gestão dos negócios, os executivos
Foi notável o predomínio de respostas politicamente corretas nesse caso. Embora
                                                                                      apontaram: habilidade de relacionamento
73% dos presidentes tenham afirmado possuir plano de continuação de carreira e
                                                                                      interpessoal (72%), habilidades estraté-
fonte alternativa de renda, quando esses aspectos foram aprofundados na entrevista,
                                                                                      gicas (41%), habilidade de negociação
ficou claro que contam apenas com idéias do que fazer. Não há nada ainda em
                                                                                      (41%), habilidade de execução (38%),
andamento, apesar de todos, sem exceção, admitirem que estão na fase madura
                                                                                      sensibilidade, flexibilidade e equilíbrio
de seu ciclo de carreira.
                                                                                      (21%), conhecimento, inovação e criati-
Gestão da carreira                                                                    vidade (10%).
Projeto de continuação de carreira	                                          73%         Entretanto, 80% dos presidentes con-
Recorre a gerenciadores de carreira	                                         73%      sultados afirmaram que estão cansados
Fonte alternativa	                                                           65%      de teorias, fórmulas, métricas e modelos
Plano B	                                                                     58%      de gestão que dizem exatamente como as
                                                                                      coisas devem ser, mas não levam em conta
                                                                                      como elas efetivamente são.
Recursos utilizados para o desenvolvimento pessoal e profissional
Leitura	                                                                     70%
                                                                                      Formação de sucessores
Cursos	                                                                      70%         No que se refere a preparar o sucessor,
Networking	                                                                  55%      outro dado que caracteriza a maturida-
Participação em eventos	                                                     23%      de pessoal e profissional, a maior parte
Grupos	                                                                      27%      dos entrevistados (55%) afirmou não
Aconselhamento de carreira	                                                  15%      ter dificuldade em fazê-lo, mas poucos
Férias/acompanhamento familiar	                                              15%      (20%) demonstraram que efetivamente
                                                                                      se preocupam com esse preparo ou o
Colocando em prática a experiência profissional	                             12%
                                                                                      estão realizando. “Preparar sucessor? Não

                               HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
há tempo para isso. Além do mais, nós, presidentes, precisamos tratar de manter nossa
                               posição pelo maior tempo possível e isso se faz cuidando da média gerência e não pre-
                               parando sucessor.”

                               Dilemas na vida pessoal
                                   Entre as razões para alcançar o posto de primeiro mandatário, 60% dos participantes
                               da pesquisa apontaram os desejos de sucesso, poder e status social, e a razão por trás das
                               razões, em 60% dos casos, foi uma infância limitada por dificuldades econômicas e a von-
                               tade de recompensar os pais pelo sacrifício de educá-los. No entanto, eles não parecem
                               seguros de que seu sacrifício compensou. A maioria (70%) considerou o sedentarismo
                               o preço mais alto pago na vida pessoal, mas as conseqüências relativas ao adiamento de
                               projetos pessoais também têm importante papel no sofrimento admitido por pelo menos
                               54% dos presidentes –isso nos questionários auto-aplicados, respondidos by the book, o que
                               nos leva a pensar que o número seja bem maior. Trata-se de uma frustração que acompanha
                               o adiamento, por tempo indeterminado, de projetos e sonhos pessoais, ou seja, prevalece
                               a priorização dos desejos da empresa em detrimento dos desejos pessoais de seu gestor.
                                   Também foram conseqüências muito citadas as dificuldades de relacionamento familiar
                               (39%) e o comprometimento da saúde (39%), decorrente de distúrbios do sono (31%) e
                               instabilidade emocional (23%). Apesar das queixas, a melhora das condições físicas apare-
                               ceu em apenas 10% das respostas sobre competências a serem adquiridas. Eles realmente
                               não são a prioridade para si mesmos.
                                   Outra questão que se evidenciou nas entrevistas diz respeito à falta de segurança. Pelo
                               menos 30% dos executivos se referiram à falta de segurança como um dos fatores que
                               vêm interferindo em sua qualidade de vida. Sentem-se reféns no carro, em casa e no es-
                               critório. Acham que precisam estar sempre alertas e desconfiar de tudo e de todos, pois a
                               qualquer momento poderão ser alvo de algum ataque. Essa questão revela a insegurança
                               em que vivem, o que os leva a estabelecer relacionamentos superficiais, formais e distantes,
                               promovendo aumento de ansiedade e tensão.

                               Dilemas na carreira
                                    Que características os tornaram executivos de tanto sucesso, em sua opinião? Deter-
                                minação e motivação, com 30% das escolhas cada uma, seguidas de conhecimento, com
                                20%, conduziram-nos ao topo da carreira, segundo sua percepção. Mas os atributos que
                                elegeram como fundamentais à carreira foram outros: ética, valores e princípios (59%),
                                habilidade de relacionamento interpessoal (21%) e disciplina (10%).
                                    Mas, se ética e habilidade de relacionamento interpessoal ganham importância, o au-
                                toconhecimento perde, lamentavelmente. Ele não apareceu em nenhuma das entrevistas
                                como fator relevante para o desenvolvimento pessoal e profissional. Para o desenvolvimento
                                da carreira, eles mencionaram apenas recursos externos, como cursos (feitos regularmente
                                                                                    por 70% deles) e networking (prática co-
                                                                                    mum em 55% dos casos). Vale observar,
    Ênfase no marketing pessoal                                                     contudo, que estão descontentes com

D   os presidentes entrevistados, 73%     concorrentes, clientes e, principalmente, os recursos priorizados, principalmente
    recorrem a outras pessoas para        mídia. Para cuidar do assunto, 25% dizem  com o networking feito de modo selvagem
gerenciar sua carreira (consultores, pa-  contar com assessoria de imprensa e di-   e utilitarista.
res etc.); 31% o fazem com freqüência      retoria de comunicações e 20% afirmam
mensal e 41%, de modo formal. Os que       que é preciso sempre atender a mídia,      Que contexto é esse?
despendem uma hora de sua disputada        querem ser consultados freqüentemente          Nossa pesquisa mostra, sem dúvida,
agenda nesse tipo de aconselhamento        e ficam muito aborrecidos quando um        que a ênfase e os ideais do mundo corpo-
de carreira somam 38%.                     importante veículo fala de assunto de      rativo levam o profissional a se distanciar
   Um total de 69% afirma fazer gestão     seu domínio e não toma seu depoimento.     de si mesmo, a postergar a concretização
pessoal da própria imagem. Nota-se         Mas a maioria (55%) se declara reservada   de seus projetos, a vivenciar a frustração e
grande preocupação com a imagem            e cuidadosa no relacionamento com          o sentimento de não ser suficientemente
projetada no mercado ao público externo,   jornalistas e repórteres.                  bom, a se defender por meio da alienação
                                                                                      –privilegiando os desejos do outro e dele-

                               HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
gando ao outro a gestão de seu pensar. Assim, eles passam a usar uma máscara, a escon-
                                der-se atrás de um pano, em detrimento de si mesmos, e com boa dose de sofrimento, o
                                que compromete seu papel de líder nas empresas.
                                    Não é à toa que, para o psicanalista Otto Kernberg, das cinco características de um
                                bom líder, as três últimas dependem do autoconhecimento, da proximidade consigo
                                mesmo: ser realmente inteligente, gostar de gente de verdade, ser sincero consigo mes-
                                mo, ter paranóia saudável (o que significa saber ler as entrelinhas e se proteger daqueles
                                que apenas fingem lhe dar apoio) e ter um narcisismo saudável (gostar muito de si e ter
                                distanciamento da opinião alheia, para garantir autonomia). Se não tiverem o conjunto
                                completo, os líderes empresariais dificilmente conseguirão cumprir seu papel diante
                                dos liderados: orientar, ensinar e estimular. E é exatamente isso que está acontecendo.
                                Eles despendem tanto tempo tratando da imagem pessoal e do networking e amarrando
                                pontas do personagem corporativo que lhes sobra pouco tempo para ouvir e desenvolver
                                os liderados, tarefa que delegam a profissionais de coaching –daí a febre do coaching a que
                                estamos assistindo.
                                    Haverá solução para a dor que os primeiros mandatários das empresas parecem estar
                                sentindo? Sim, autoconhecimento. Pode-se depreender de suas respostas à pesquisa a
                                necessidade de aprimorá-lo, no desejo de terem alguém que os ouça e com que possam
                                compartilhar suas experiências. Um ponto de partida para isso é que respondam a ques-
                                tões críticas como:
                                   Quem sou eu?
                                   Em que me transformei e para onde vou?
                                                                                        Como me sustentar nessa posição?
                                                                                        Como me preparar para futuros pro-
         A evolução do contrato                                                      jetos?
                                                                                        Como resgatar os projetos pessoais?
          empresa–funcionário                                                           Como cuidar da saúde e evitar que os

O     mundo corporativo é um dos           ruptura do segundo contrato. Desilu-      prejuízos que causei a ela se agravem?
      grandes objetos de desejo das        didos, eles se sentiram liberados do         Como enfrentar a vulnerabilidade que
pessoas, até por ser uma das melhores      vínculo de lealdade para buscar o melhor  acabo de descobrir em mim e na vida que
maneiras de ascender socialmente. Só       caminho para si.                          construí?
que o contrato social estabelecido entre       Quarta fase – Ferramentas de             Como aprimorar meu relacionamento
as empresas e os indivíduos mudou          retenção. As empresas passaram            interpessoal e minha comunicação com os
muito nos últimos 15 anos, atravessando    a perder seus profissionais e ficaram     superiores imediatos, com os pares e com
cinco fases distintas:                     aflitas. Para retê-los, criaram contratos os colaboradores?
   Primeira fase – “Até que a morte        por tempo determinado, financiaram            Os presidentes de empresas do Brasil
nos separe”. Há 15 anos, o acordo era      cursos em troca de permanência            já perceberam que o adiamento dessas
de eterna lealdade entre as partes.        garantida por um período, distribuíram    perguntas e respostas acaba gerando dis-
   Segunda fase – “Até que a vida          bônus vinculados também a tempo de        túrbios do sono, problemas na família e
nos separe”. Em meados da década de        permanência e usaram processos de         assim por diante. No entanto, talvez lhes
1990, as empresas romperam unilateral      sedução variados como iniciativas de      falte enxergar-se como seres humanos,
e arbitrariamente esse contrato: “Se       qualidade de vida, programas de arte      com deveres e, também, com direitos.
você funcionar para mim, eu encho seu      e esporte etc.                                É inegável que precisam descobrir-se.
bolso de dinheiro; se não, adeus”. Os         Quinta fase – Conscientização.         Se for necessário, que contratem um “de-
profissionais viveram momentos de an-      É o que se vislumbra atualmente.          tetive” para ajudá-los nessa aventura, como
gústia e desconforto. Essa fase também     Os profissionais começam a se dar         Hercule Poirot, personagem da escritora
pode ser chamada de “exterminador do       conta do preço pago por aceitarem         inglesa Agatha Christie, cuja obra-prima
futuro”, uma vez que os profissionais se   dedicar 16 horas de seu dia, ou mais,     segundo a crítica internacional é o livro
concentraram apenas na performance         às empresas. Mesmo os que têm             que dá título a este artigo. Um processo
presente, para cumprir metas e reduzir     enorme prazer em trabalhar se sentem      de fora para dentro não resolverá; eles têm
custos.                                    frustrados. Todo ser humano possui        de resgatar a si mesmos. Nunca é tarde
  Terceira fase – “Fui”. Mesmo atingin-    vários talentos e vocações; dedicar-se    demais. Que deixem o pano cair.
do as metas, os profissionais passaram    apenas a um e abrir mão dos outros
a ser descartados pelas empresas, na      traz sofrimento.                       O artigo é de Mariá Giuliese, com base em pesquisa
                                                                                 realizada por ela e Léo Bruno.

                              HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
Saiba mais sobre os autores da pesquisa
M      ariá Giuliese é diretora-executiva da
       Lens & Minarelli, empresa especiali-
zada em outplacement e aconselhamento
                                               de Vida e Carreira (ed. Qualitymark).
                                               Atuou como professora e consultora em
                                               cursos e projetos de especialização e
de executivos. É também professora e pes-      pós-graduação em instituições como
quisadora da Fundação Dom Cabral (FDC),        PUC, Mackenzie, Faculdade de Enge-
especialista em psicoterapia, psicologia       nharia Industrial (FEI), Fundação Armando
clínica e organizacional, aconselhamento       Álvares Penteado (FAAP) e Universidade
de carreira e coaching para diretores e        Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
presidentes de empresas. Tem mestrado          Foi gestora de recursos humanos e con-
em psicanálise pela Pontifícia Universidade    sultora de grandes organizações. Realiza
Católica de São Paulo (PUC-SP) e escreveu      anualmente pesquisa sobre práticas de
o livro Desenhando o Futuro – Transições       demissão nas maiores e melhores empre-
                                               sas do Brasil, com o objetivo de orientar
                                               demitidos, demissores e profissionais de
                                               recursos humanos, auxiliando executivos a
                                               gerir com autonomia a carreira e a transitar
                                               com mais liberdade e independência no          Mariá Giuliese
                                               mundo corporativo.
                                                   Léo Castelhano Bruno é professor da        atuou como executivo em diversas compa-
                                               FDC na área de organizações e com-             nhias do ramo de consumo e tecnologia,
                                               portamento organizacional e membro do          como Ford, Embraer, Philips, Brastemp,
                                               Núcleo de Desenvolvimento de Liderança         Consul, Samsung e Gradiente. Membro
                                               da instituição, além de professor dos cursos   do comitê executivo do Global Leader-
                                               de mestrado da Universidade Estadual de        ship Forum da Unesco, tem doutorado
                                               Campinas (Unicamp) e da Universidade           em ciências comportamentais aplicadas
                                               Federal do Amazonas (Ufam). Foi diretor-       com especialização em comportamento
                                               superintendente do Genius Instituto de         organizacional pela California American
                                               Tecnologia, a já célebre organização sem       University e especialização em gestão da
                                               fins lucrativos que desenvolve soluções        qualidade pela University of California at
 Léo Castelhano Bruno                          tecnológicas inovadoras para empresas, e       Los Angeles (UCLA).




                                HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008

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O personagem corporativo

  • 1. PENSAMENTO NACIONAL Cai o pano Os presidentes de empresas no Brasil incorporaram tanto o personagem corporativo que parecem ter perdido a si mesmos, o que com freqüência se converte em razão de sofrimento. É o que mostra este artigo baseado em pesquisa realizada entre 2006 e 2007 pelos professores Mariá Giuliese e Léo Bruno, da Fundação Dom Cabral “Não existo. uem são, de fato, os presidentes de empresas do Brasil? O que pensam e sentem aqueles Sou o intervalo que alcançaram o degrau mais alto da carreira, modelo e inspiração de todos os gestores Q entre o que desejo e leitores de revistas de management? Já conhecemos e acompanhamos muitos desses in- ser e os outros divíduos no palco dos negócios, mas o que será que lhes acontece quando me fizeram” descem as cortinas e eles ficam sós? Álvaro de Campos A pesquisa Contexto dos Presidentes, que realizei em conjunto com o pro- (heterônimo de fessor Léo Bruno para o Centro de Tecnologia Empresarial da Fundação Fernando Pessoa) Dom Cabral (CTE-FDC), veio responder a essas perguntas. Investigamos dirigentes de 40 das 500 maiores e melhores empresas do País de acordo com a revista Exame, buscando um escopo de informações suficientemente abrangente para construir seu verdadeiro perfil. Em vez de nos limitarmos a ras­trear e mapear as práticas que dizem adotar na condução dos negócios, analisamos aspectos do indivíduo, tais como crenças, valores e modo de agir no que tange a trabalho, carreira, família, participação na socie- dade e visão de mundo. Para tanto, mesclamos questionários auto-aplicados e entrevistas pes­soais; realizamos ampla análise da literatura técnica na área de negócios e da exposição desses executivos na mídia impressa. O alto preço que o sucesso lhes cobra foi o principal resultado: o sedentarismo apareceu no topo da lista dos efeitos mais nefastos de sua ascensão profissional sobre a vida pessoal (70% dos entrevistados o admitiram), seguido do adiamento dos projetos particulares (54%), outro grande motivo de frustração. Dificuldades de relacionamento familiar e comprometimento da saúde derivado de distúrbios do sono e instabilidade emocional também surgiram de modo expressivo. A declaração de um dos entrevistados sintetiza as expectativas desses CEOs: “Presidente tem a morte anunciada. Sabe que vai morrer, que o preço é alto e a pressão intensa. Em alguns casos, mesmo antes de começar, já sabe quando e como morrerá, resta só definir quanto receberá por isso”. E o que está por trás do fenômeno? Apenas excesso de trabalho e de cobrança? Acredito que não. Personagem corporativo x eu A verdadeira origem do problema é que muitos presidentes de empresas localizadas no Brasil incorporaram seus personagens. Evidência disso é que, na etapa dos questionários auto-aplicados, a maior parte dos entrevistados (80%) limitou-se a fornecer respostas ideais, em consonância com as principais linhas teóricas de gestão de negócios e de pessoas e, sobretudo, compatíveis com os preceitos do mercado e das organizações que esses exe- HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
  • 2. cutivos dirigem –respostas “by the book”. A performance continuou no início das entrevistas pessoais, quando os presidentes pareciam estar falando em teses gerenciais, não nas práticas reais do dia-a-dia. Abordavam assuntos da moda, como inovação, responsabilidade social, transparência, gestão por projetos e processos, foco nas pessoas e comprometimento, e alguns chegaram a expressar o desejo de serem os “melhores entrevistados”, como se estivessem em uma competição. Algo acontecia, no entanto, à medida que as conversas evoluíam; os personagens davam vez às personalidades –não em todos os casos, naturalmente, mas em proporção sintomática. Se se tratasse da investigação de um crime por um detetive de literatura policial, dir-se-ia que a principal pista surgiu da incoerência entre duas respostas espe- cíficas. Cinqüenta e cinco por cento deles afirmaram que suas maiores conquistas na carreira foram as capacidades de relacionamento e de negociação. No entanto, 45% avaliaram que era o aprimoramento dessas capacidades o que mais tinham por con- quistar. Os presidentes perceberam tanto a importância do relacionamento interpes- soal como sua dificuldade em desenvolvê-lo. Por que a dificuldade? Eles estão longe de si mesmos. E, assim, não conseguem estar perto de ninguém. Ou seja, se não se relacionam consigo e se abandonam para atender à ideologia do mundo corporativo, naturalmente afastam-se dos outros. Concentrar-se no personagem faz o executivo se perder de si e ficar só. Um depoimento ilustra o fenômeno. “Sempre achei que ia ser feliz com uma conta bancária polpuda, mas isso não é verdade. Tenho 42 anos, mais da metade da minha vida se passou, sou respeitado, mas não acho graça em nada. Passo o tempo todo fazendo per- formances e amarrando pontas. Nem eu sei quem sou. Parece que estou no vácuo.” Esse é o melhor dos casos, na verdade, porque já há uma conscientização do problema. A maioria ainda não tem consciência disso; apenas sente um desconforto inexplicável. Quem são eles 6% Quantidade de 8% empresas trabalhadas D os 40 participantes da pesquisa, 92% encontram-se casados e 85% têm filhos. Predominam os pro- 31% Cinco 20% fissionais na faixa de 51 a 60 anos de Quatro idade (56%), 41% têm entre 41 e 50 Três anos e 3%, entre 31 e 40 anos. Todos Duas possuem pós-graduação latu sensu, experiência internacional e inglês Uma fluente, e 77% também se comunicam Só a atual em espanhol. Na formação profissional 15% 20% básica, 54% são engenheiros. A maioria dos executivos (51%) já atuou em, no mínimo, quatro empresas, 16% registrando mais de oito anos na função Tempo no cargo de principal gestor. Entre as organiza- de presidente ções que presidem atual­mente, 65% são Acima de 15 anos multinacionais e 35% de capital nacional –58% da área industrial, 25% do setor 8 a 14 anos 49% de serviços e 17% de outros ramos. 1 a 7 anos Em 40% dos casos, as companhias apresentam vendas anuais superiores 35% a US$ 1 bilhão; das restantes, metade fatura entre US$ 100 milhões e US$ 1 bilhão, e a outra metade, menos de US$ 100 milhões. HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
  • 3. De quem é a responsabilidade pelo vácuo ou pelo desconforto? Não é só das em- presas, embora elas usem um conjunto de “ferramentas” para manter seus profissionais quase 24 horas por dia sob seu controle (leia quadro na página 31); afinal, empresas não têm obrigação de gerar felicidade para ninguém, apenas devem oferecer um ambiente propício para seus funcionários crescerem e fazerem acontecer. A responsabilidade cabe também aos presidentes, que escolheram abrir mão de sua identidade em prol do personagem. Por não conseguirem, ao mesmo tempo, escrever sua história dentro da companhia e desenvolver a identidade pessoal, eles se concentraram no primeiro processo, como em um trade-off. Oitenta por cento sentem muito orgulho da posição que alcançaram, mas... Se, um dia, são demitidos, percebem o que ocorreu, sentem culpa, entram em depressão, mas podem tentar consertar os erros. Contudo, se o sucesso se mantém, eles simplesmente ficam no vácuo ou sentem desconforto. Isso não ocorre apenas com os presidentes de em- presas, é claro, e sim com todos os executivos, porém, com os ocupantes do cargo número um, atinge proporções maiores, pois alienam-se na ideologia do mundo corporativo e por conseguinte –inconscientemente– alienam seus colaboradores. Quando, enfim, entram em contato com a realidade, percebem-se ingênuos por terem acreditado na promessa do paraíso e culpados por passarem a promessa adiante. Dilemas no ambiente empresarial O que mais nos chamou a atenção na relação dos presidentes com o ambiente empre- sarial foi o fato de que eles parecem cada vez mais solitários e isolados. O medo de serem destituídos da posição que ocupam e de perderem o poder e a visibilidade que adquiriram funciona como fator de pressão e opressão permanente para que se mantenham reféns da situação e evitem, a qualquer custo, manifestar oposição ao establishment. Sua interface com o conselho de administração constitui fonte de estresse particular. Os presidentes parecem ir ao board mais para dar satisfação do que para expor problemas e pedir ajuda para solucioná-los. Embora cerca de 80% dos entrevistados compartilhem a missão e discutam a cultura da empresa com o conselho, pelo menos 20% revelam forte dissonância entre os desejos e as decisões do board e o que é possível realizar, indicando que a mesma instância que pactua a missão solicita práticas incompatíveis com as diretrizes apontadas. Na verdade, os fatores políticos têm exigido grande atenção dos presidentes, que afir- mam utilizar a maior parte de seu tempo gerenciando “egos”, “administrando interesses e cuidando para não melindrar os interlocutores (pares, acionistas, fornecedores)”. A globalização é percebida por eles como tendência inevitável, que interfere sobrema- neira em sua privacidade, pois, em razão dos fusos horários mundo afora, exige que os canais de comunicação fiquem abertos a qualquer hora do dia ou da noite. Com isso, os profissionais acabam levando os negócios para casa e isso, automaticamente, interfere nas relações e nas rotinas familiares. É fato, também, que a globalização diminuiu o poder que esses executivos detinham, e tal esvaziamento contribui para o sentimento de frustração. Gestão estratégica Nesse quesito, fez-se uma descoberta Conseqüências para a vida pessoal interessante. Nota-se imensa preocupação Sedentarismo 70% nas respostas dos presidentes de empresas quando o assunto é gestão estratégica. Realizações adiadas 54% Todos os entrevistados afirmaram com- Problemas no relacionamento familiar 39% partilhar missão e visão com os colabo- Comprometimento da saúde 39% radores, 89% disseram que a visão e a Distúrbios no sono 31% missão de suas empresas são claras, 89% Instabilidade emocional 23% revelaram que elas são alcançadas com Outros 19% ações e práticas, 89% declararam que a cultura organizacional é discutida no HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
  • 4. planejamento e 85% garantiram que os principais gestores de suas organizações têm consciência da cultura em que operam. Maturidade para a mudança Embora 76% dos pesquisados considerem sua empresa no nível mais alto de maturidade organizacional, todos parecem temer que seja vista como conser- vadora ou estagnada, o que certamente deporia contra sua gestão. Esse aspec- to pôde ser mais bem explorado nas entrevistas, e em alguns poucos casos foi relatado que a cultura da empresa dificulta as mudanças e a modernização necessárias. Desafios da gestão Observa-se que questões como adversidades, burocracia e ambiente global ainda não são percebidas como desafios da gestão de negócios para a maioria dos presidentes que participaram da pesquisa. Sua maior preocupação está associada aos concorrentes e stakeholders (acionistas, funcionários, fornecedores), com 31% cada um, e a inovações e mudanças do mercado, com 28%. Tomada de decisão Os fatores considerados mais importantes para a tomada de decisão estão relacionados principalmente com a ética (citada por 41% dos entrevistados), seguida de conhecimento, experiência e valores (28%) e bom senso (17%). Esses dados parecem refletir a crescente preocupação com o cuidado e correção na apresentação dos números e balanços à matriz e à opinião pública. O recurso mais importante para a tomada de decisão é a equipe gerencial, de acordo com 33% dos entrevistados. O conselho de administração foi mencionado por 25% deles e os pares de outras empresas, por 16%, mais ou menos o mesmo número de consultores contratados externamente (18%). Isso parece indicar a necessidade de apresentar soluções prontas para o board. Respostas “by the book” sobre Principais capacidades de gestão gestão de carreira Entre as capacidades mais importantes para a gestão dos negócios, os executivos Foi notável o predomínio de respostas politicamente corretas nesse caso. Embora apontaram: habilidade de relacionamento 73% dos presidentes tenham afirmado possuir plano de continuação de carreira e interpessoal (72%), habilidades estraté- fonte alternativa de renda, quando esses aspectos foram aprofundados na entrevista, gicas (41%), habilidade de negociação ficou claro que contam apenas com idéias do que fazer. Não há nada ainda em (41%), habilidade de execução (38%), andamento, apesar de todos, sem exceção, admitirem que estão na fase madura sensibilidade, flexibilidade e equilíbrio de seu ciclo de carreira. (21%), conhecimento, inovação e criati- Gestão da carreira vidade (10%). Projeto de continuação de carreira 73% Entretanto, 80% dos presidentes con- Recorre a gerenciadores de carreira 73% sultados afirmaram que estão cansados Fonte alternativa 65% de teorias, fórmulas, métricas e modelos Plano B 58% de gestão que dizem exatamente como as coisas devem ser, mas não levam em conta como elas efetivamente são. Recursos utilizados para o desenvolvimento pessoal e profissional Leitura 70% Formação de sucessores Cursos 70% No que se refere a preparar o sucessor, Networking 55% outro dado que caracteriza a maturida- Participação em eventos 23% de pessoal e profissional, a maior parte Grupos 27% dos entrevistados (55%) afirmou não Aconselhamento de carreira 15% ter dificuldade em fazê-lo, mas poucos Férias/acompanhamento familiar 15% (20%) demonstraram que efetivamente se preocupam com esse preparo ou o Colocando em prática a experiência profissional 12% estão realizando. “Preparar sucessor? Não HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
  • 5. há tempo para isso. Além do mais, nós, presidentes, precisamos tratar de manter nossa posição pelo maior tempo possível e isso se faz cuidando da média gerência e não pre- parando sucessor.” Dilemas na vida pessoal Entre as razões para alcançar o posto de primeiro mandatário, 60% dos participantes da pesquisa apontaram os desejos de sucesso, poder e status social, e a razão por trás das razões, em 60% dos casos, foi uma infância limitada por dificuldades econômicas e a von- tade de recompensar os pais pelo sacrifício de educá-los. No entanto, eles não parecem seguros de que seu sacrifício compensou. A maioria (70%) considerou o sedentarismo o preço mais alto pago na vida pessoal, mas as conseqüências relativas ao adiamento de projetos pessoais também têm importante papel no sofrimento admitido por pelo menos 54% dos presidentes –isso nos questionários auto-aplicados, respondidos by the book, o que nos leva a pensar que o número seja bem maior. Trata-se de uma frustração que acompanha o adiamento, por tempo indeterminado, de projetos e sonhos pessoais, ou seja, prevalece a priorização dos desejos da empresa em detrimento dos desejos pessoais de seu gestor. Também foram conseqüências muito citadas as dificuldades de relacionamento familiar (39%) e o comprometimento da saúde (39%), decorrente de distúrbios do sono (31%) e instabilidade emocional (23%). Apesar das queixas, a melhora das condições físicas apare- ceu em apenas 10% das respostas sobre competências a serem adquiridas. Eles realmente não são a prioridade para si mesmos. Outra questão que se evidenciou nas entrevistas diz respeito à falta de segurança. Pelo menos 30% dos executivos se referiram à falta de segurança como um dos fatores que vêm interferindo em sua qualidade de vida. Sentem-se reféns no carro, em casa e no es- critório. Acham que precisam estar sempre alertas e desconfiar de tudo e de todos, pois a qualquer momento poderão ser alvo de algum ataque. Essa questão revela a insegurança em que vivem, o que os leva a estabelecer relacionamentos superficiais, formais e distantes, promovendo aumento de ansiedade e tensão. Dilemas na carreira Que características os tornaram executivos de tanto sucesso, em sua opinião? Deter- minação e motivação, com 30% das escolhas cada uma, seguidas de conhecimento, com 20%, conduziram-nos ao topo da carreira, segundo sua percepção. Mas os atributos que elegeram como fundamentais à carreira foram outros: ética, valores e princípios (59%), habilidade de relacionamento interpessoal (21%) e disciplina (10%). Mas, se ética e habilidade de relacionamento interpessoal ganham importância, o au- toconhecimento perde, lamentavelmente. Ele não apareceu em nenhuma das entrevistas como fator relevante para o desenvolvimento pessoal e profissional. Para o desenvolvimento da carreira, eles mencionaram apenas recursos externos, como cursos (feitos regularmente por 70% deles) e networking (prática co- mum em 55% dos casos). Vale observar, Ênfase no marketing pessoal contudo, que estão descontentes com D os presidentes entrevistados, 73% concorrentes, clientes e, principalmente, os recursos priorizados, principalmente recorrem a outras pessoas para mídia. Para cuidar do assunto, 25% dizem com o networking feito de modo selvagem gerenciar sua carreira (consultores, pa- contar com assessoria de imprensa e di- e utilitarista. res etc.); 31% o fazem com freqüência retoria de comunicações e 20% afirmam mensal e 41%, de modo formal. Os que que é preciso sempre atender a mídia, Que contexto é esse? despendem uma hora de sua disputada querem ser consultados freqüentemente Nossa pesquisa mostra, sem dúvida, agenda nesse tipo de aconselhamento e ficam muito aborrecidos quando um que a ênfase e os ideais do mundo corpo- de carreira somam 38%. importante veículo fala de assunto de rativo levam o profissional a se distanciar Um total de 69% afirma fazer gestão seu domínio e não toma seu depoimento. de si mesmo, a postergar a concretização pessoal da própria imagem. Nota-se Mas a maioria (55%) se declara reservada de seus projetos, a vivenciar a frustração e grande preocupação com a imagem e cuidadosa no relacionamento com o sentimento de não ser suficientemente projetada no mercado ao público externo, jornalistas e repórteres. bom, a se defender por meio da alienação –privilegiando os desejos do outro e dele- HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
  • 6. gando ao outro a gestão de seu pensar. Assim, eles passam a usar uma máscara, a escon- der-se atrás de um pano, em detrimento de si mesmos, e com boa dose de sofrimento, o que compromete seu papel de líder nas empresas. Não é à toa que, para o psicanalista Otto Kernberg, das cinco características de um bom líder, as três últimas dependem do autoconhecimento, da proximidade consigo mesmo: ser realmente inteligente, gostar de gente de verdade, ser sincero consigo mes- mo, ter paranóia saudável (o que significa saber ler as entrelinhas e se proteger daqueles que apenas fingem lhe dar apoio) e ter um narcisismo saudável (gostar muito de si e ter distanciamento da opinião alheia, para garantir autonomia). Se não tiverem o conjunto completo, os líderes empresariais dificilmente conseguirão cumprir seu papel diante dos liderados: orientar, ensinar e estimular. E é exatamente isso que está acontecendo. Eles despendem tanto tempo tratando da imagem pessoal e do networking e amarrando pontas do personagem corporativo que lhes sobra pouco tempo para ouvir e desenvolver os liderados, tarefa que delegam a profissionais de coaching –daí a febre do coaching a que estamos assistindo. Haverá solução para a dor que os primeiros mandatários das empresas parecem estar sentindo? Sim, autoconhecimento. Pode-se depreender de suas respostas à pesquisa a necessidade de aprimorá-lo, no desejo de terem alguém que os ouça e com que possam compartilhar suas experiências. Um ponto de partida para isso é que respondam a ques- tões críticas como:  Quem sou eu?  Em que me transformei e para onde vou?  Como me sustentar nessa posição?  Como me preparar para futuros pro- A evolução do contrato jetos?  Como resgatar os projetos pessoais? empresa–funcionário  Como cuidar da saúde e evitar que os O mundo corporativo é um dos ruptura do segundo contrato. Desilu- prejuízos que causei a ela se agravem? grandes objetos de desejo das didos, eles se sentiram liberados do  Como enfrentar a vulnerabilidade que pessoas, até por ser uma das melhores vínculo de lealdade para buscar o melhor acabo de descobrir em mim e na vida que maneiras de ascender socialmente. Só caminho para si. construí? que o contrato social estabelecido entre Quarta fase – Ferramentas de  Como aprimorar meu relacionamento as empresas e os indivíduos mudou retenção. As empresas passaram interpessoal e minha comunicação com os muito nos últimos 15 anos, atravessando a perder seus profissionais e ficaram superiores imediatos, com os pares e com cinco fases distintas: aflitas. Para retê-los, criaram contratos os colaboradores? Primeira fase – “Até que a morte por tempo determinado, financiaram Os presidentes de empresas do Brasil nos separe”. Há 15 anos, o acordo era cursos em troca de permanência já perceberam que o adiamento dessas de eterna lealdade entre as partes. garantida por um período, distribuíram perguntas e respostas acaba gerando dis- Segunda fase – “Até que a vida bônus vinculados também a tempo de túrbios do sono, problemas na família e nos separe”. Em meados da década de permanência e usaram processos de assim por diante. No entanto, talvez lhes 1990, as empresas romperam unilateral sedução variados como iniciativas de falte enxergar-se como seres humanos, e arbitrariamente esse contrato: “Se qualidade de vida, programas de arte com deveres e, também, com direitos. você funcionar para mim, eu encho seu e esporte etc. É inegável que precisam descobrir-se. bolso de dinheiro; se não, adeus”. Os Quinta fase – Conscientização. Se for necessário, que contratem um “de- profissionais viveram momentos de an- É o que se vislumbra atualmente. tetive” para ajudá-los nessa aventura, como gústia e desconforto. Essa fase também Os profissionais começam a se dar Hercule Poirot, personagem da escritora pode ser chamada de “exterminador do conta do preço pago por aceitarem inglesa Agatha Christie, cuja obra-prima futuro”, uma vez que os profissionais se dedicar 16 horas de seu dia, ou mais, segundo a crítica internacional é o livro concentraram apenas na performance às empresas. Mesmo os que têm que dá título a este artigo. Um processo presente, para cumprir metas e reduzir enorme prazer em trabalhar se sentem de fora para dentro não resolverá; eles têm custos. frustrados. Todo ser humano possui de resgatar a si mesmos. Nunca é tarde Terceira fase – “Fui”. Mesmo atingin- vários talentos e vocações; dedicar-se demais. Que deixem o pano cair. do as metas, os profissionais passaram apenas a um e abrir mão dos outros a ser descartados pelas empresas, na traz sofrimento. O artigo é de Mariá Giuliese, com base em pesquisa realizada por ela e Léo Bruno. HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008
  • 7. Saiba mais sobre os autores da pesquisa M ariá Giuliese é diretora-executiva da Lens & Minarelli, empresa especiali- zada em outplacement e aconselhamento de Vida e Carreira (ed. Qualitymark). Atuou como professora e consultora em cursos e projetos de especialização e de executivos. É também professora e pes- pós-graduação em instituições como quisadora da Fundação Dom Cabral (FDC), PUC, Mackenzie, Faculdade de Enge- especialista em psicoterapia, psicologia nharia Industrial (FEI), Fundação Armando clínica e organizacional, aconselhamento Álvares Penteado (FAAP) e Universidade de carreira e coaching para diretores e Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). presidentes de empresas. Tem mestrado Foi gestora de recursos humanos e con- em psicanálise pela Pontifícia Universidade sultora de grandes organizações. Realiza Católica de São Paulo (PUC-SP) e escreveu anualmente pesquisa sobre práticas de o livro Desenhando o Futuro – Transições demissão nas maiores e melhores empre- sas do Brasil, com o objetivo de orientar demitidos, demissores e profissionais de recursos humanos, auxiliando executivos a gerir com autonomia a carreira e a transitar com mais liberdade e independência no Mariá Giuliese mundo corporativo. Léo Castelhano Bruno é professor da atuou como executivo em diversas compa- FDC na área de organizações e com- nhias do ramo de consumo e tecnologia, portamento organizacional e membro do como Ford, Embraer, Philips, Brastemp, Núcleo de Desenvolvimento de Liderança Consul, Samsung e Gradiente. Membro da instituição, além de professor dos cursos do comitê executivo do Global Leader- de mestrado da Universidade Estadual de ship Forum da Unesco, tem doutorado Campinas (Unicamp) e da Universidade em ciências comportamentais aplicadas Federal do Amazonas (Ufam). Foi diretor- com especialização em comportamento superintendente do Genius Instituto de organizacional pela California American Tecnologia, a já célebre organização sem University e especialização em gestão da fins lucrativos que desenvolve soluções qualidade pela University of California at Léo Castelhano Bruno tecnológicas inovadoras para empresas, e Los Angeles (UCLA). HSM Management 66 janeiro-fevereiro 2008