1. Crise Financeira, Recessão e Risco de
Depressão no Capitalismo Globalizado do
Século XXI
Prof. Dr. David Ferreira Carvalho
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2. Esquema de Exposição das Idéias Sobre A Crise Financeira Atual
dos EUA e suas Repercussões na Economia Mundial
• Introdução
• Inovações Financeiras e Desregulamentação Institucional
• Margem de Segurança ex ante e Securitização de Ativos
• Travagem do Crédito e a Ação do Banco Central e do Tesouro como
Emprestadores de Última Instância
• Desequilíbrios Macroeconômicos Estruturais nos EUA e suas
Repercussões na Economia Mundial
• Crise Financeira Sistêmica e as Dívidas Soberanas na Zona do Euro
• Conclusão : Efeitos da Recessão Mundial na Economia Brasileira
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3. Fases da Crise Financeira Internacional: 2008-2012
• Dívida Imobiliária Crise Subprime
(2007-2008) do Setor Imobiliário
• Travagem do Crédito Crise Bancária
• (2009-2010) Sistêmica Mundial
• Dívida Soberana Países Periféricos
(2011-2012) da Zona do Euro e
Guerra Cambial
4. A seqüência de eventos que culminou na crise
financeira
• Em 16 de setembro de 2008, era noticiado que o Lehman Brothers, o quarto maior
banco dos EUA, pedia concordata. O Bank of American, por sua vez, fechou um
acordo de compra do banco de investimento Merril Lynch, que estava sob risco de
falência, por US$ 50 bilhões. O quinto maior banco de investimento dos EUA – o
Bear Steams – recebeu uma proposta de compra do J.P. Morgan para evitar a
falência por causa de empréstimos de alto risco. No mesmo dia, as ações da
grande corporação American International Group Inc. (AIG), a maior empresa de
seguradora dos EUA, caíram 60% na abertura do mercado. Em 17 de setembro de
2008, o FED (Reserve Federal) anunciou um empréstimo de US$ 85 bilhões para
salvar a AIG e em troca o governo assumiu o controle de quase 89% das ações da
empresa e a gestão dos negócios.
• O Citigroup e o Merril Lynch tiveram prejuízos de mais de US$ 10 bilhões cada um,
no quarto trimestre de 2008. Em novembro de 2008, o pacote de resgate do
Citigroup exigia que o governo financiasse US$ 306 bilhões em empréstimos e
títulos e investisse US$ 20 bilhões no grupo.Em dezembro do mesmo ano, o plano
de resgate das montadoras estabelecia um pedido de inicial de US$ 35 bilhões
para a GM, Chrysler e Ford, as duas primeiras foram contempladas com US$ 14
bilhões após um difícil processo de negociação no Congresso norte-americano. A
Ford desistiu de sua demanda inicial.
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5. A seqüência de eventos que culminou na
crise financeira
• Além disso, o “sistema bancário paralelo” (parelled banking system)
ajudava a piorar esse processo de acumulação de dívidas. A crise de
2008, portanto, girou em torno dos riscos assumidos por
instituições financeiras que nunca foram regulamentadas. A bolha
especulativa dos preços dos imóveis residenciais no EUA estourou
no final do segundo mandato do politicamente desgastado
Presidente George W. Busch.
• Entre agosto e setembro de 2008, a crise financeira do setor
imobiliário, que vinha se acumulando desde 2007, se tornou visível
ao público quando a mídia noticiou a intervenção do Tesouro
Nacional dos Estados Unidos nas duas empresas gigantes do setor
financeiro: a Fannie Mae(Federal National Mortgage Association-
FNMA) e Freddie Mac(Federal Home Loan Mortgage Corporation-
FHLMC).
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6. O diagnóstico da crise financeira norte-
americana
• A chamada “crise subprime” é uma crise financeira detonada pela
excessiva especulação sobre ativos de alto risco que foram
financiados por empréstimos bancários.
• Na verdade, os empréstimos de alto risco (que incluem
empréstimos à compra de casas residenciais))foram concedidos a
tomadores (clientes) às vezes, sem comprovação de renda e sem o
necessário histórico de reputação de “bom pagador”. Por esta
razão, com a elevação da taxa de juros nos EUA muitos mutuários
ficaram inadimplentes, isto é, sem condições de pagar os serviços
de suas dívidas (juros) junto aos bancos que, por sua vez, entraram
em estado de falência.
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7. Tabela 1:Evolução da Taxa de Juros dos EUA:
1980-2007
Anos Taxa de Anos Taxa de Anos Taxa de
Juros (%) Juros (%) Juros (%)
1980 13,35 1990 8,10 2000 6,24
1981 16,39 1991 5,69 2001 5,00
1984 10,23 1994 4,21 2004 1,35
1985 8,10 1995 5,83 2005 3,22
1988 7,75 1998 5,35 2006 4,97
1989 9,21 1999 4,97 2007 5,02
FED (2009)
8. Overtrading : processo de aumento do grau de
especulação na fase do boom de prosperidade
• Se o processo de comprometimento de dívidas ganha expressão
incontrolável, chegando ao paroxismo, o resultado é geralmente,
embora não de modo peremptoriamente inevitável, a emergência
do que é chamado de overtrading.
• Overtrading é um processo que ocorre quando algum agente
econômico fecha negócios superiores a sua capacidade de
pagamento, ou seja, quando alguém realiza comércio em excesso
do capital possuído ou dos requisitos do mercado.
• Overtrading pode envolver uma pura especulação com o propósito
de aumentar os preços, uma superestimação dos rendimentos
futuros ou um repasse excessivo que “signifique comprar bens ou
ativos financeiros para revenda no mercado spot com margem de
lucro, ou mesmo a compra excessiva de ativos financeiros em
prestações, sob circunstâncias tais que os agentes possam revender
e transferir títulos e com ele a obrigação de efetuar pagamentos
futuros”.
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9. Desmonte do Sistema Regulatório e as operações
originate and distribute
• O desmonte do marco regulatório ficou conhecido como a política neoliberal dos
três D’s – desregulamentação, desintermediação e desdepartamentalização –
porque resultou da pressão dos poderosos banqueiros sobre o Congresso dos EUA
para anular a lei Glass-Steagal que disciplinava o mercado financeiro desde 1933.
• No seu lugar, o 1Basel Capital Adequacy Accord (Acordo de Basiléia de adequaçao
de capital) de 1988) e a Lei Gramm-Leach-Biley (1999) não só liberaram os bancos
para atuarem em todas as atividades financeiras por meio de suas filiais,
originando os bancos universais, como permitiram que as seguradoras e as
financeiras pudessem adquirir instituições financeiras de depósito e poupança.
• O novo sistema financeiro produziu uma nova forma de operações financeiras,
conhecida como originate and distribute, em que os bancos, além da margem de
lucro (spread), buscavam maximizar os honorários dos executivos que obtinham
polpudas rendas comissionadas com as vendas dos títulos das emissões originais
transacionados no mercado primário – com o registro maquiado das negociatas
nos balancetes das empresas filiais – e subscrevendo a distribuição das securities
(títulos) colaterizadas aos ativos de emissão originais (ações e hipotecas) no
mercado secundário.
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10. O diagnóstico da crise financeira no
modelo de Minsky
• o boom do crescimento econômico puxado pela demanda efetiva
exerce forte pressão sobre a capacidade produtiva das firmas de
produzir mercadorias ou então sobre a oferta dos estoques dos
ativos financeiros existentes. Como conseqüência disso, os preços
dos bens e serviços e dos ativos financeiros sobem, propiciando o
surgimento de novas oportunidades de negócios rentáveis, atraindo
assim mais empresários e investidores financeiros que vão reforçar
o grau de euforia do boom. É nesse estágio de auge da expansão do
boom do crescimento de uma moderna economia de mercado,
como a dos EUA, que se pode compreender o significado do que
Minsky (1982) chamou de estado de euforia.
• No estado de euforia, a especulação com o objetivo de aumentar
os preços dos ativos financeiros poderá somar-se ao aumento do
crédito bancário para financiar os gastos das famílias e das
empresas com a compra de bens de consumo duráveis, de bens
investimentos produtivos ou de ativos financeiros.
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11. O diagnóstico da crise financeira em Minsky
• Minsky (1975) é dos raros estudiosos das crises financeiras que incorpora
no seu modelo o desordenamento institucional como um fator importante
que também deve ser considerado nas interpretações das crises
financeiras.
• A natureza do desordenamento institucional varia de um boom
especulativo a outro: pode ser o fim de uma guerra, uma ótima safra ou
uma péssima colheita, uma inovação tecnológica de grandes efeitos
difusos – a exemplo das manias com as ferrovias, automóveis e hoje com
bens eletro-eletrônicos –, ou algum efeito político ou êxito financeiro
surpreendente, ou ainda uma conversão de dívidas que baixe a taxa de
juros monetária de forma abrupta.
• Também uma mudança inesperada de política monetária ou a introdução
de inovações financeiras podem causar instabilidade financeira.
• Mas seja qual for à gênese da crise, se ela tiver uma ampla abrangência
espacial e setorial e possuir um elevado poder de difusão planetária, de
forma a caracterizar uma crise financeira sistêmica, então, sem dúvida,
provocará efeitos desastrosos nas economias nacionais.
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12. O diagnóstico da crise financeira norte-
americana: o modelo de Minsky
• No modelo clássico de Minsky (1982), o boom é alimentado por uma
expansão do crédito bancário que aumenta a oferta total do dinheiro
disponível;
• Os bancos comerciais podem, por intermédio da abertura de novas contas
correntes (cheques) e de novos empréstimos bancários concedidos (que
geram acréscimo de depósitos) a seus clientes, aumentar a quantidade de
moeda para financiar os gastos de consumo das famílias e também os
gastos de investimento dos empresários;
• Além disso, a oferta de moeda pode também ser expandida não somente
dentro do sistema bancário, mas também por intermédio da constituição
de novos bancos, pela criação outras instituições financeiras, pela
expansão do crédito pessoal fora dos bancos e através das inovações
financeiras;
• Não obstante, qualquer que seja a forma institucional de expansão do
volume de dinheiro, o crédito dos bancos comerciais é instável e o modelo
de Minsky repousa nesse fato.
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13. Margem de segurança e securitização no
mercado financeiro
• A deterioração da cushions of safety (margem de segurança ex ante),
decorrente da avaliação pelos bancos do risco do crédito do tomador, deixou de
ser apreciada com o necessário rigor bancário
• Na verdade, os executivos de alguns bancos comerciais estavam preocupados
muito mais com suas habilidades comerciais de vender ativos de emissão primária,
com o propósito de ganhar polpudos honorários e/ou comissões que não
“seguraram” como ativos primários nos seus livros contábeis de empréstimos por
uma taxa de retorno que considerasse a margem de segurança dos riscos do
credor e devedor;
• A análise da fragilidade financeira das instituições bancárias de Minsky (1987) está
associada ao conceito de margem de segurança de Keynes: a margem de
segurança deve cobrir a margem de erros dos retornos esperados de um projeto
de investimento rentável ou mesmo de um volume muito grande de empréstimos
(sem garantia) para compra de bens de consumo duráveis;
• Minsky (1987) analisou as decisões dos bancos de financiamento dos gastos de
investimentos do ponto de vista da margem de segurança resultante da diferença
entre as receitas esperadas dos ativos reais e as obrigações de pagamentos dívidas
registradas em seus portfólios.
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14. Agencias de riscos e o método de
avaliação das operações financeiras
• Nos EUA não havia garantias a priori de que os títulos das
dívidas hipotecárias pudessem ser revendidos no futuro a
um preço capaz de cobrir os prejuízos dos bancos
emprestadores quando, diante de uma crise geral por não
pagamento dos juros e/ou da amortização por parte dos
tomadores, o montante da dívida dos tomadores atingisse
um valor muito elevado.
• Na verdade, as instituições financeiras do “sistema bancário
sombra” (shadow banking system) que atuavam como
bancos sem serem bancos (bancos investimentos, fundos
de pensão e fundos de investimentos), sem
regulamentação por parte do FED, não dispunham de
nenhuma cobertura do banco central norte-americano.
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15. As SPE (Special Purpose Entity)
• Kregel (2008), um economista pós-keynesiano, observa
que a securitização dos ativos nos EUA era realizada
por uma SPE (Special Purpose Entity).
• Uma SPE é uma instituição financeira autônoma que
compra e revende títulos de dívidas a fim de adquirir
ativos originados dos bancos comerciais;
• Os riscos de crédito dos ativos emitidos pelos bancos
podem ser transferidos à SPE e/ou para o investidor
que o banco financia a compra do título ou a quem
ofereça mais crédito ou garantias de pagamento para o
comprador.
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16. A crise financeira dos EUA e as credit rating
agencies
• A avaliação do grau de inadimplência pelas agências de
risco passou a substituir a tradicional avaliação do risco
de credito do tomador que, no passado, era
formalmente realizada pelos funcionários e comitês de
avaliação dos próprios bancos, isto é, a avaliação do
crédito bancário passou a ser feita pelas credit rating
agencies;
• Esta característica é uma das diferenças entre o atual
modelo de originate and distribute (originar e
distribuir) dos bancos americanos e a análise clássica
de Minsky do declínio da margem de segurança ex
ante do modelo originar e manter.
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18. Desequilíbrios macroeconômicos dos EUA e seus
prováveis efeitos na economia mundial
• A crise do mercado de hipotecas subprime nos EUA foi à
faísca que causou a explosão de todo o mercado financeiro
norte-americano (que levou a quebradeira de bancos e
outras instituições financeiras não-bancárias), mas ela em
si não é a causa fundamental
• Na raiz da crise financeira atual estão os desequilíbrios
macroeconômicos e a subestimação do risco sistêmico que
conduziu a excessiva alavancagem financeira nos anos
anteriores a crise.
• O risco construído poderia ter sido evitado se as políticas
financeiras fossem guiadas mais pelo senso pragmático,
sugerido por Keynes, do que pela ideologia
fundamentalista da crença na eficiência do mercado.
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19. Desequilíbrios macroeconômicos dos EUA e seus
prováveis efeitos na economia mundial
• Há outros ingredientes importantes que não vêm
sendo considerados na análise macroeconômica da
crise econômico-financeira dos EUA no período 2007-
2008:
• o primeiro é a importância assumida pelos gastos de
consumo doméstico em detrimento dos investimentos
reais e das exportações líquidas na economia dos EUA;
• o segundo é a fragilidade do comércio exterior causada
pelo déficit da conta de transações correntes do
balanço de pagamentos da economia dos Estados
Unidos.
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20. Desequilíbrios macroeconômicos dos EUA e seus
prováveis efeitos na economia mundial
• A crise financeira sistêmica nos EUA, Japão e dos países da
Zona do Euro tem causado uma recessão macroeconômica
de grande proporção porque os desequilíbrios são
eventualmente produzidos nos mercados financeiros e
posteriormente transmitidos à economia real.
• A hipótese da instabilidade financeira de Minsky, como
resultado do déficit da conta de transações corrente dos
EUA, aponta à ligação entre desequilíbrio macroeconômico
e a inflação dos preços dos ativos está transmitindo uma
instabilidade ao resto do mundo.
• O crônico desequilíbrio estrutural da economia norte-
americana, dado pelos déficits gêmeos (déficit fiscal e da
conta de transações correntes) está relacionado com a
crise financeiro internacional.
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21. Da crise financeira sistêmica à crise da dívida
soberana da Zona do Euro
• As crises financeiras sistêmicas são seguidas,
geralmente, de crises de dívida soberana;
• O aumento dos gastos do governo para o resgate
de instituições financeiras, num contexto de
recessão, leva ao aumento do grau de
endividamento de governos Ponzi
• As ações de políticas monetárias não são
suficientes para resolver o problema se não
forem tomadas medidas de políticas fiscais
estimuladoras do investimento produtivo.
22. Tabela 2: % dos Gastos do Governo sobre o PNB:
2007-2012
Países da ZE 2007 2008 2009 2010 2011 2012
França 52,6 53,3 56,7 56,7 56,2 55,9
Alemanha 52,6 44,1 48,1 48 45,5 45,3
Grécia 43,5 50,6 53,8 50,2 49,9 49,2
Irlanda 47,6 42,8 48,9 66,8 45 44,1
Itália 36,6 48,6 51,6 50,3 50,1 49,8
Portugal 47,6 44,8 49,9 51,3 49,4 46,9
Espanha 39,2 41,5 46,3 45,6 42,7 41
Reino Unidos 43,9 47,9 51,1 50,6 49,8 48,9
Zona do Euro 46,0 47,2 51,2 51 49,3 48,8
França 52,6 53,3 56,7 56,7 56,2 55,9
Zona do Euro 46,0 47,2 51,2 51 49,3 48,8
23. Dívidas soberanas dos países da periferia da
Zona do Euro (Em % do PNB)
Países 2008 2009 2010 2011
Grécia 118,1 133,5 149,1 165,1
Irlanda 71,1 71,1 98,5 112,6
Itália 114,7 127,1 126,1 127,7
Portugal 80,7 93,3 103,6 111,9
Espanha 47,7 62,9 67,1 74,1
Fonte: OECD (2012)
24. Taxa de Desemprego Efetiva(%)
Países 2011 2012: Mar
França 9,3 12,5
Alemanha 6,2 6,5
Grécia 17,7 22,5
Irlanda 14,4 15,8
Itália 8,9 13,8
Portugal 12,8 16,4
Espanha 21,6 24,5
Inglaterra 8,2 9,2
EUA 9,2 8,5
25. Alto Desemprego nos Países da Europa
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
18.0
16.0
14.0
12.0
10.0
8.0
6.0
4.0
2.0
0.0
France Germany Greece Hungary Ireland Italy Portugal Spain United
Kingdom
26. Tsunami de Dólares e Guerra Cambial
• A Inundação de dólares na economia mundial e as
taxas de juros baixas nos países de economias
avançadas não são suficientes para conduzir a uma
recuperação econômica dessas economias em crise.
• As incertezas e a crise de confiança inibem os
investimentos das empresas nesses países.
• O resultado disso é a imigração dessa massa de
dinheiro para os países emergentes que conduz a
apreciação das moedas dos países emergentes (guerra
cambial) cujo efeito é a redução das exportações e
aumento das importações, além do risco de uma
desindustrialização.