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Análise do poema "O dia em que eu nasci, moura e pereça"
O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.
A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!
Luís de Camões
● Assunto: o sujeito amaldiçoa o dia em que nasceu e manifesta o desejo de que não volte a
repetir-se.
● Temas:
- a ligação do nascimento e da morte (verso 1);
- as relações ambíguas com a mãe (verso 8);
- a visão de si próprio com um ser desmesurado, mesmo monstruoso (versos 6 e 7);
- a sensação de desgraça maior (versos 13 e 14).
● Estrutura interna
• 1.ª parte (2quadrase 1.º terceto):osujeitopoéticoamaldiçoaodiaem que nasceu,desejando
que ele nunca mais volte, e recria um ambiente monstruoso, apocalíptico, que deseja que se
materialize, caso o dia do seu nascimento se repita.
• 2.ª parte (2.º terceto): justificação do desejo – o «eu» considera-se vítima do destino, que
começou logo no dia em que nasceu: “[…] este dia deitouao mundo a vida / Mais desgraçada
que jamais se viu!”.
● Desenvolvimento do tema
• No verso1,o sujeitopoéticomanifestaumdesejo:que odiaemque nasceudesapareçae que
não se repita.
• Casoesse desejonãose cumprae ele se repita,desejaque sejaumdiahorrível,monstruoso.
• Assim, enumera uma série de maldições que deverãoocorrer caso [o dia em que nasceu] se
repita:
1.ª) Deseja que haja um eclipse, que o sol desapareça e seja um dia de escuridão total.
2.ª) Deseja que o mundo mostre sinais de que vai acabar.
3.ª) Deseja que nasçam monstros.
4.ª) Deseja que chova sangue.
5.ª) Deseja que a mãe não conheça o próprio filho.
Em suma,o «eu» líricoesperaque esse diasejade escuridãototal («Aluzlhe falte»),tenebroso
e monstruoso(«nasçam-lhe monstros») e de alienação(«amãe aoprópriofilhonãoconheça»).
O cenário que constrói é de violência, sofrimento, morte e terror geral.
• Estado de espírito do sujeito poético:
ao manifestaro desejode que o dia do seunascimentonãose volte a repetir,o«eu» expressa
fúria e revolta, bem como desilusão, caso tal não suceda. O seu tom é exaltado e de fúria,em
consonância com o seu estado de revolta e desespero. O «eu» é um ser magoado, mas sem
medo.Apresenta-secomoumserde exceção,umavezque adesgraça o acompanhadesde que
nasceu. A sua excecionalidade culmina com a hipérbole presente nos dois versos finais do
soneto: ele é o ser mais desgraçado que o mundo já viu, o que o deixa irado e revoltado.
• Oprimeirotercetoreflete e areaçãodaspessoasaoambientetenebrosodesejadopelosujeito
poético: espanto (por desconhecerem a causa de tal ambiente catastrófico), angústia, medo,
pavor, desespero, perante a destruição desejada pelo «eu». A enumeração desta terceira
estrofe realçaa antevisãoque o sujeitolíricotemdo ambiente de horror que marcará o dia do
seu nascimento, caso ele volte a repetir-se.
• Nosegundoterceto,o«eu» líricojustificaoamaldiçoamentododiadoseunascimento:dirige-
se à «gente temerosa», incentivando-o a não estranhar («não te espantes» - v. 12) o desejo,
visto que esse dia trouxe ao mundo o mais desgraçado e infeliz dos seres humanos.
• Perceção do destino: no último terceto, o sujeito poético conclui que, desde o dia em que
nasceu, nunca foi feliz. Assim, refletindo sobre a sua vida, considera-se uma vítima do poder
destruidordodestino,que o persegue desde oseunascimento,sendo,porisso,consideradoo
causador do seu infortúnio. Em suma, o destino, para o sujeito lírico, o destino constitui:
▪ a causa do seu infortúnio, da sua vida desgraçada;
▪ o elemento com poder destruidor que o persegue;
▪ o obstáculo à sua felicidade.
• Representação e autoimagem do «eu»:
no poema, o «eu» apresenta-se como um ser «especial», infeliz e egocêntrico. O seu
egocentrismo reside no facto de ele considerar que pode impor aos outros a sua tragédia
pessoal, arrastando-os para um cenário imaginário de terror e cataclismo.
● Recursos expressivos
▪ Ao nível fónico, estamos na presença de um soneto, constituído por duas quadras e dois
tercetos, em versos decassilábicos, com rima interpolada e emparelhada nas quadras (abba) e
interpoladanostercetos(cde/cde),consoante (“pereça”/”padeça”),grave (“pereça”/”padeça”)
e aguda (“dar”/”tornar”), pobre (“dar”/”tornar”) e rica (“acabar”/”ar”). A métrica, como atrás
foi referido, oscila entre o decassílabo heroico e sáfico, o último.
▪ Ao nível morfossintático e ao nível semântico, os recursos utilizados estão ao serviço da
expressão dodesesperodosujeitopoético,amaldiçoando-oodiaemquenasceu,pedindooseu
desaparecimentoe,casooseudesejonãosejacorrespondido,traçandoumquadroapocalíptico
que gostaria de ver materializar-se nessa data.
Há,emsuma,umtomde exagerodadesgraçadosujeito,uma«hipertrofiadoeu»,que pretende
impor à própria natureza e à «gente temerosa» a enormidade da sua tragédia, de uma forma
violenta: eclipse, monstros, chuva de sangue, lágrimas, o medo, a destruição do mundo.
Esta hipertrofia do «eu», conjugada com uma grande dimensão hiperbólica da afirmação da
excecionalidade individual na desgraça, exprime-se através dos seguintes recursos:
. Pleonasmo:«mourae pereça» – exprime odesejododesaparecimentododiaemque nasceu.
. Inversão: «Eclipse nessepassooSol padeça»;«A mãe ao própriofilhonãoconheça»;«Sangue
chova o ar».
. Apóstrofe: «Ó gente temerosa…» – evidencia a distância entre o «eu» e os outros, pois,
enquantoestessemostramtemerosose ignorantes,osujeitonãoreceiae conheceacausapara
o caos.
. Anáfora: «não», «não» – intensifica o desejo do sujeito poético.
▪ Hipérboles – são a expressão do desejo de maldição, de um ambiente de terror:
. “não o queira jamais o tempo dar”;
. “cuidem que o mundo já se destruiu”;
. “a vida / mais desgraçada que jamais se viu!”: o sujeito poético teve e tem uma vida infeliz e
desgraçada, cujo causador é o destino.
▪ Adjetivação: «pasmadas», «perdida» – os adjetivos traduzem a reação das pessoas ao
ambiente de terror, o seu assombro e medo ao serem confrontadas com ele, sem terem
explicações para esse ambiente. Por outro lado, a adjetivação acentua a violência dos
acontecimentos e marca a impotência humana face às forças que regem o mundo.
▪ Metáfora: «nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar» – traduz o delírio emocional do «eu»,
apontando algumas das maldições por si imaginadas / desejadas.
. Modo conjuntivo para traduzir o desejo de amaldiçoar tudo e o conselho dirigido à «gente
temerosa» para que não se espante com o cenário apoclítico.
. Discurso valorativo:«Aspessoaspasmadas»;«gente temerosa»,«avidamaisdesgraçadaque
jamais se viu».
. Alternância das rimas em a aberto e e fechado nas quadras, sugerindo espanto e dor, e em i
nos tercetos como um grito de desespero.
▪ Determinante demonstrativo «este» (v. 13): traduz a proximidade afetiva entre o sujeito
poético e o dia do seu nascimento.
▪ Verbo «chover»:esteverbopressupõe umsujeitonuloexpletivo.Ofactode,nopoema,ocorrer
com um sujeito simples, aliado ao hipérbato, acentua o caos verificado na natureza, que
também se manifesta ao nível da frase que o representa.
▪ Conjunçãosubordinativa causal«que» (v.13):introduza causa do desejoexpressonoverso1
– nodiadoseunascimentofoidadaàluzapessoamaisinfelize desgraçadaqueomundoalguma
vez viu.
● Conclusões
• Esta luta com o destino, a ira, as imprecações, constituem uma revolta falsa e não uma real
tentativa de libertação. A violência das maldições, os gritos de desespero, o desejo de morte
representam uma espécie de desculpa para a vida, um desejo de encontrar um culpado e a
absolvição para a própria derrota.
• Camões apresenta, neste soneto, uma imagem engrandecida de si mesmo com que vai
compensandoahumilhaçãoda derrota:tambémaqui a poesiaé contraditória,oscilandoentre
a autodepreciação e o narcisismo: vai crescendo em si a consciência de ser diferente; a
perseguição do destino, na singular crueldade e estranheza que a caracterizam, acaba por o
tornar singular; o afastamento e o desprezo do vulgo exprime-se na epopeia e na lírica.
Reconhece-se um ser eleito, grandioso, heroico, genial.
● Intertextualidade com o Livro de Job
Este sonetopode relacionar-secomocapítuloIIIdo Livrode Job,intitulado“Aslamentaçõesde
Job”,dadoque ambosos textosrevelamosofrimentode ambosos«eus».A infelicidade sentida
leva-os a amaldiçoarem o dia em que nasceram, recorrendo a imagens e situações sobre a
ausênciadaluzsolare da alegria,emboranotextobíbliconãoestejampresentesasimagensde
terror que é visível na segunda quadra do poema de Camões.

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Analise no dia em que eu nasci moura e pereca

  • 1. Análise do poema "O dia em que eu nasci, moura e pereça" O dia em que nasci moura e pereça, Não o queira jamais o tempo dar; Não torne mais ao Mundo, e, se tornar, Eclipse nesse passo o Sol padeça. A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça, Mostre o Mundo sinais de se acabar, Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar, A mãe ao próprio filho não conheça. As pessoas pasmadas, de ignorantes, As lágrimas no rosto, a cor perdida, Cuidem que o mundo já se destruiu. Ó gente temerosa, não te espantes, Que este dia deitou ao Mundo a vida Mais desgraçada que jamais se viu! Luís de Camões ● Assunto: o sujeito amaldiçoa o dia em que nasceu e manifesta o desejo de que não volte a repetir-se. ● Temas: - a ligação do nascimento e da morte (verso 1); - as relações ambíguas com a mãe (verso 8); - a visão de si próprio com um ser desmesurado, mesmo monstruoso (versos 6 e 7); - a sensação de desgraça maior (versos 13 e 14). ● Estrutura interna • 1.ª parte (2quadrase 1.º terceto):osujeitopoéticoamaldiçoaodiaem que nasceu,desejando que ele nunca mais volte, e recria um ambiente monstruoso, apocalíptico, que deseja que se materialize, caso o dia do seu nascimento se repita. • 2.ª parte (2.º terceto): justificação do desejo – o «eu» considera-se vítima do destino, que começou logo no dia em que nasceu: “[…] este dia deitouao mundo a vida / Mais desgraçada que jamais se viu!”. ● Desenvolvimento do tema • No verso1,o sujeitopoéticomanifestaumdesejo:que odiaemque nasceudesapareçae que não se repita. • Casoesse desejonãose cumprae ele se repita,desejaque sejaumdiahorrível,monstruoso. • Assim, enumera uma série de maldições que deverãoocorrer caso [o dia em que nasceu] se repita: 1.ª) Deseja que haja um eclipse, que o sol desapareça e seja um dia de escuridão total. 2.ª) Deseja que o mundo mostre sinais de que vai acabar. 3.ª) Deseja que nasçam monstros.
  • 2. 4.ª) Deseja que chova sangue. 5.ª) Deseja que a mãe não conheça o próprio filho. Em suma,o «eu» líricoesperaque esse diasejade escuridãototal («Aluzlhe falte»),tenebroso e monstruoso(«nasçam-lhe monstros») e de alienação(«amãe aoprópriofilhonãoconheça»). O cenário que constrói é de violência, sofrimento, morte e terror geral. • Estado de espírito do sujeito poético: ao manifestaro desejode que o dia do seunascimentonãose volte a repetir,o«eu» expressa fúria e revolta, bem como desilusão, caso tal não suceda. O seu tom é exaltado e de fúria,em consonância com o seu estado de revolta e desespero. O «eu» é um ser magoado, mas sem medo.Apresenta-secomoumserde exceção,umavezque adesgraça o acompanhadesde que nasceu. A sua excecionalidade culmina com a hipérbole presente nos dois versos finais do soneto: ele é o ser mais desgraçado que o mundo já viu, o que o deixa irado e revoltado. • Oprimeirotercetoreflete e areaçãodaspessoasaoambientetenebrosodesejadopelosujeito poético: espanto (por desconhecerem a causa de tal ambiente catastrófico), angústia, medo, pavor, desespero, perante a destruição desejada pelo «eu». A enumeração desta terceira estrofe realçaa antevisãoque o sujeitolíricotemdo ambiente de horror que marcará o dia do seu nascimento, caso ele volte a repetir-se. • Nosegundoterceto,o«eu» líricojustificaoamaldiçoamentododiadoseunascimento:dirige- se à «gente temerosa», incentivando-o a não estranhar («não te espantes» - v. 12) o desejo, visto que esse dia trouxe ao mundo o mais desgraçado e infeliz dos seres humanos. • Perceção do destino: no último terceto, o sujeito poético conclui que, desde o dia em que nasceu, nunca foi feliz. Assim, refletindo sobre a sua vida, considera-se uma vítima do poder destruidordodestino,que o persegue desde oseunascimento,sendo,porisso,consideradoo causador do seu infortúnio. Em suma, o destino, para o sujeito lírico, o destino constitui: ▪ a causa do seu infortúnio, da sua vida desgraçada; ▪ o elemento com poder destruidor que o persegue; ▪ o obstáculo à sua felicidade. • Representação e autoimagem do «eu»: no poema, o «eu» apresenta-se como um ser «especial», infeliz e egocêntrico. O seu egocentrismo reside no facto de ele considerar que pode impor aos outros a sua tragédia pessoal, arrastando-os para um cenário imaginário de terror e cataclismo. ● Recursos expressivos ▪ Ao nível fónico, estamos na presença de um soneto, constituído por duas quadras e dois tercetos, em versos decassilábicos, com rima interpolada e emparelhada nas quadras (abba) e interpoladanostercetos(cde/cde),consoante (“pereça”/”padeça”),grave (“pereça”/”padeça”) e aguda (“dar”/”tornar”), pobre (“dar”/”tornar”) e rica (“acabar”/”ar”). A métrica, como atrás foi referido, oscila entre o decassílabo heroico e sáfico, o último. ▪ Ao nível morfossintático e ao nível semântico, os recursos utilizados estão ao serviço da expressão dodesesperodosujeitopoético,amaldiçoando-oodiaemquenasceu,pedindooseu desaparecimentoe,casooseudesejonãosejacorrespondido,traçandoumquadroapocalíptico que gostaria de ver materializar-se nessa data. Há,emsuma,umtomde exagerodadesgraçadosujeito,uma«hipertrofiadoeu»,que pretende impor à própria natureza e à «gente temerosa» a enormidade da sua tragédia, de uma forma violenta: eclipse, monstros, chuva de sangue, lágrimas, o medo, a destruição do mundo.
  • 3. Esta hipertrofia do «eu», conjugada com uma grande dimensão hiperbólica da afirmação da excecionalidade individual na desgraça, exprime-se através dos seguintes recursos: . Pleonasmo:«mourae pereça» – exprime odesejododesaparecimentododiaemque nasceu. . Inversão: «Eclipse nessepassooSol padeça»;«A mãe ao própriofilhonãoconheça»;«Sangue chova o ar». . Apóstrofe: «Ó gente temerosa…» – evidencia a distância entre o «eu» e os outros, pois, enquantoestessemostramtemerosose ignorantes,osujeitonãoreceiae conheceacausapara o caos. . Anáfora: «não», «não» – intensifica o desejo do sujeito poético. ▪ Hipérboles – são a expressão do desejo de maldição, de um ambiente de terror: . “não o queira jamais o tempo dar”; . “cuidem que o mundo já se destruiu”; . “a vida / mais desgraçada que jamais se viu!”: o sujeito poético teve e tem uma vida infeliz e desgraçada, cujo causador é o destino. ▪ Adjetivação: «pasmadas», «perdida» – os adjetivos traduzem a reação das pessoas ao ambiente de terror, o seu assombro e medo ao serem confrontadas com ele, sem terem explicações para esse ambiente. Por outro lado, a adjetivação acentua a violência dos acontecimentos e marca a impotência humana face às forças que regem o mundo. ▪ Metáfora: «nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar» – traduz o delírio emocional do «eu», apontando algumas das maldições por si imaginadas / desejadas. . Modo conjuntivo para traduzir o desejo de amaldiçoar tudo e o conselho dirigido à «gente temerosa» para que não se espante com o cenário apoclítico. . Discurso valorativo:«Aspessoaspasmadas»;«gente temerosa»,«avidamaisdesgraçadaque jamais se viu». . Alternância das rimas em a aberto e e fechado nas quadras, sugerindo espanto e dor, e em i nos tercetos como um grito de desespero. ▪ Determinante demonstrativo «este» (v. 13): traduz a proximidade afetiva entre o sujeito poético e o dia do seu nascimento. ▪ Verbo «chover»:esteverbopressupõe umsujeitonuloexpletivo.Ofactode,nopoema,ocorrer com um sujeito simples, aliado ao hipérbato, acentua o caos verificado na natureza, que também se manifesta ao nível da frase que o representa. ▪ Conjunçãosubordinativa causal«que» (v.13):introduza causa do desejoexpressonoverso1 – nodiadoseunascimentofoidadaàluzapessoamaisinfelize desgraçadaqueomundoalguma vez viu. ● Conclusões • Esta luta com o destino, a ira, as imprecações, constituem uma revolta falsa e não uma real tentativa de libertação. A violência das maldições, os gritos de desespero, o desejo de morte representam uma espécie de desculpa para a vida, um desejo de encontrar um culpado e a absolvição para a própria derrota. • Camões apresenta, neste soneto, uma imagem engrandecida de si mesmo com que vai compensandoahumilhaçãoda derrota:tambémaqui a poesiaé contraditória,oscilandoentre a autodepreciação e o narcisismo: vai crescendo em si a consciência de ser diferente; a perseguição do destino, na singular crueldade e estranheza que a caracterizam, acaba por o
  • 4. tornar singular; o afastamento e o desprezo do vulgo exprime-se na epopeia e na lírica. Reconhece-se um ser eleito, grandioso, heroico, genial. ● Intertextualidade com o Livro de Job Este sonetopode relacionar-secomocapítuloIIIdo Livrode Job,intitulado“Aslamentaçõesde Job”,dadoque ambosos textosrevelamosofrimentode ambosos«eus».A infelicidade sentida leva-os a amaldiçoarem o dia em que nasceram, recorrendo a imagens e situações sobre a ausênciadaluzsolare da alegria,emboranotextobíbliconãoestejampresentesasimagensde terror que é visível na segunda quadra do poema de Camões.