3. Introdução
“Bem propriamente, Orpheu, é um exílio de temperamentos de arte que a querem
como a um segredo ou tormento”, com o objectivo de “formar, em grupo ou ideia, um número
escolhido de revelações em pensamentos ou arte, que sobre este princípio aristocrático
tenham em Orpheu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos” - Luís
de Montalvôr
Este trabalho explora a existência da Geração d’Orpheu no seu contexto histórico, e as
suas repercussões que se podem verificar na sociedade contemporânea portuguesa. Mostra
também a importância de um novo pensamento numa época retrógrada, comparativamente
aos restantes países europeus. No entanto, no grupo Geração d’Orpheu estão integradas
personalidades com ideais e objectivos individuais, e não um pensamento comum a todos,
pelo que essas diferenças irão ser estudadas também. Este grupo edita duas publicações da
Revista Orpheu, que também irão ser apresentadas neste trabalho.
3
4. Contextualização Histórica
No início do século XX, instaura-se em Portugal a República. Apesar da mudança de poder
aparentemente positiva, de uma monarquia onde o poder está concentrado numa figura, para
um sistema de eleição democrática, ainda se vivia uma grande tensão e instabilidade social,
maioritariamente causada devido à ruptura radical de sistema político, adjacente a uma
desorganização no poder. Paralelamente sentia-se uma falta de evolução, num país altamente
rural, comparativamente a países vizinhos como a Inglaterra onde a revolução industrial já se
tinha instalado profundamente, evoluindo o país.
Mais recentemente, Portugal participa na Primeira Guerra Mundial, levando a um retrocesso
cultural e social.
O Modernismo em Portugal
No campo artístico ainda se praticava o naturalismo na pintura, tentando retratar valores
genuínos da sociedade rural e apostava-se na cultura típica, como o fado. Na literatura os
movimentos eram muito diferentes, resultando numa contradição. Era necessária uma
mudança dos valores antigos, era preciso um novo pensamento.
4
5. Início do grupo
A viver no Brasil como secretário da embaixada de Portugal entre 1912 e 1915, Luís
Filipe de Saldanha da Gama da Silva Ramos, mais conhecido pelo seu pseudónimo Luís de
Montalvôr, regressa a Portugal com Ronaldo de Carvalho com a ideia de criar uma revista
trimestral.
Reúne-se com Fernando Pessoa e Francisco Sá Carneiro no café Montanha para
apresentar a sua ideia. Esta pretendia comunicar aos portugueses, a nova dinâmica artística e
literária europeia. Tinha também como objectivo a ansiosa busca do “eu”, dentro da agitação
da idade moderna. Luís de Montalvôr pretendia nomear a revista de Orpheu, em consagração
ao mítico músico grego de mesmo nome. Para salvar a sua mulher Eurydice do Deus do Mundo
Inferior e dos mortos, Hades, Orpheu teria de a trazer de volta ao mundo dos vivos sem nunca
olhar para trás. Esta ideia era uma analogia ao objectivo do grupo, um novo renascer da arte,
uma nova direcção, pondo o passado de parte, sem o esquecer totalmente. Começou assim a
avançar a ideia, com grande entusiasmo por parte do grupo.
5
6. Revista Orpheu
Em Abril de 1915, sai a primeira edição da Revista Orpheu, com o propósito de
preencher o desejo de comunicar com a arte. Esgota ao fim de três semanas, mas não devido a
uma aceitação do público. Excluindo o público de eleição, que muito agradado ficou com a
ideia vanguardista, o mesmo não se passou com o público em geral, donde recebeu árduas
críticas. Após o lançamento da segunda edição de Orpheu, eram evidentes as marcas desta
que se notavam no ambiente literário e político português.
Em Julho do mesmo ano, Alfredo Guisado e António Ferro anunciam publicamente o
seu afastamento da revista, e Mário de Sá Carneiro parte precipitadamente para Paris. No
entanto estes acontecimentos não desmotivaram o grupo. Fernando Pessoa e Mário de Sá
Carneiro continuam a trabalhar na publicação da terceira edição da revista, contudo, no final
de Agosto, o pai de Sá Carneiro recusa-se a continuar a financiar as publicações da Revista.
O ano seguinte é marcado pelo suicídio de Mário de Sá Carneiro. Apesar da morte do
seu grande colaborador, Fernando Pessoa não desiste, escreve uma carta a Armando Côrtes-
Rodrigues, onde explica que ia sair a terceira edição da Revista Orpheu. Em Dezembro de
1916, Fernando Pessoa publica 16 poemas de Camilo Pessanha e um seu na revista Centauro, e
é impedido por Luís de Montalvôr a continuar publicar Orpheu. Assim, Orpheu 3 nunca chegaa
ser publicado na íntegra, sendo apenas impressas algumas folhas.
Guilherme de Santa-Rita, ou como vai ser chamado mais tarde Santa-Rita Pintor, dirige em
1917 a publicação do único número da revista Portugal Futurista, que visava a introdução do
movimento futurista em Portugal e de textos literários e imagens provocadoras para os
“ditadores” da época. Este projecto foi apreendido pelas autoridades à saída da tipografia, que
representava a efectiva herdeira de Orpheu.
Em 1918, morre Amadeo de Souza-Cardoso e suicida-se o pintor Santa-Rita. Com eles morre
definitivamente o projecto Revista Orpheu.
O terceiro número de Orpheu foi compilado e publicado por Arnaldo Saraiva em 1984.
Orpheu é considerada o marco inicial do Modernismo em Portugal, tendo marcado a história
da literatura portuguesa do século XX. Os seus protagonistas ficaram conhecidos como A
Geração de Orpheu.
6
7. Biografias
António Ferro
António Ferro nasceu em Lisboa em 1895. Foi um escritor, jornalista e político português.
Aos dezanove anos foi editor da revista Orpheu, escolhido por Fernando Pessoa precisamente
por ser ainda menor e ganhar uma noção de responsabilidade. Em Julho de 1915, afastou-se
da Revista devido a desentendimentos políticos com Fernando Pessoa. Foi jornalista nos
diários O Jornal ainda no mesmo ano. Exerceu ainda a mesma profissão nos jornais O Século de
Diário de Notícias, dirigindo mais tarde a revista Ilustração Portugueza e chegou a fundar uma
revista – Panorama. Em 1921 publicou o manifesto modernista Nós.
Era fascinado por Benito Mussolini e pelo regime fascista, sendo ele quem sugeriu a António
Salazar a criação de um organismo que fizesse propaganda aos feitos do regime. O organismo
teve o nome de Secretariado de Propaganda Nacional até ao final da II Guerra Mundial,
passando a denominar-se de Secretariado Nacional de Informação. António Ferro dirigiu este
organismo até 1949, altura em que partiu para a legação portuguesa em Berna.
Ao longo da sua vida esteve ligado às actividades culturais, turismo e jornalismo. Era um
homem de grande cultura que se serviu do organismo que criou para defender e divulgar
alguns dos artistas mais arrojados do seu tempo, chegando a fundar o Museu de Arte Popular
e o Grupo de Bailado Verde Gaio. Foi um ávido defensor da Arte Moderna.
Morreu a 1956, em Lisboa, deixando na família um legado de artistas literários. Pai do escritor
António Quadros e avô de Rita Ferro, também escritora.
7
8. Alfredo Pedro Guisado
No dia 30 de Outubro de 1891, nasce em Lisboa, Alfredo Guisado que viria a ser um
importante poeta e jornalista.
Estreou-se como poeta publicando um volume de versos intitulado Rimas da Noite e da
Tristeza, em 1913. Alfredo Guisado continuou a escrever poesia usando, por vezes, o
pseudónimo de Pedro de Meneses. No entanto, Pedro de Meneses, apesar de se assemelhar a
Fernando Pessoa na tentativa de uma duplicação da personalidade, seguia de perto a
imagética e o estilo Sá Carneiro. Adoptou sobretudo o vocabulário, as imagens, os giros
estilísticos, a misteriosa e secreta “maiusculização” das palavras-chaves (tal como Mim,
Forma), os verbos intransitivos com complemento e a formação de palavras compostas.
Colaborou no primeiro número da Revista Orpheu com uma série de treze sonetos. Colaborou
ainda no jornal Debate e foi subdirector do jornal República que juntamente com o Diário de
Lisboa, constituía um dos órgãos da oposição possível ao regime de Salazar. Desempenhou
vários cargos político-administrativos, entre os quais o de governador civil de Lisboa.
“Pedro Guisado foi um poeta heráldico que cultivava uma imagem luxuosa e aristocrática.”
Faleceu em Lisboa a 2 de Dezembro de 1975.
Fernando António Nogueira Pessoa
Nasce a 13 de Junho de 1888 em Lisboa, Fernando Pessoa, famoso poeta e escritor.
Fernando Pessoa seguiu um percurso literário muito influenciado pela infância, que passou na
África do Sul. Aí aprende a dominar fluentemente o inglês, onde começa a escrever prosa e
poesia. Para além da escrita, tinha trabalhos como tradutor, jornalista, crítico literário ou
mesmo astrólogo. Estes trabalhos serviam para “pôr o pão na mesa”, mas é na sua escrita que
se vai distinguir de outros seus contemporâneos, pela sua capacidade de criar outras
personalidades na escrita (heterónimos). Dentro deste grupo três heterónimos destacam-se:
Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Não se limitando a variar na forma de
escrever entre os heterónimos, teve a astúcia de criar personalidades para cada um.
No primeiro número da Revista Orpheu, publica em seu nome, e como Álvaro de Campos,
escrevendo algum dos poemas mais controversos desta edição com este seu heterónimo. Na
segunda edição vai contribuir não só como escritor, mas assume-se como director da revista
8
9. em conjunto com Mário de Sá-Carneiro.
Mário de Sá-Carneiro
Nasce a 19 de Maio de 1890, em Lisboa, Mário de Sá-Carneiro, famoso poeta, escritor ficcional
e de contos, e um dos expoentes do Modernismo em Portugal.
Mário de Sá-Carneiro levou uma vida muito curta, viveu apenas 25 anos, no entanto neste
curto espaço de tempo foi uma figura importante e influente na escrita portuguesa. Tendo
decidido abandonar os estudos tanto em Coimbra, como depois em França, inicia uma vida
boémia em Paris. Começa a sentir uma inadaptação na vida quotidiana e social, e
psicologicamente fragilizado, inicia a sua carreira literária, em 1912, onde descreve este todo
ambiente, tanto na poesia, na prosa, ou na sua correspondência com Fernando Pessoa. Um
dos divulgadores do Modernismo em Portugal, junta-se à Revista Orpheu.
Na primeira edição, publica um dos mais escandalosos poemas, 16, no seu conjunto Indícios de
Oiro, e na segunda edição junta-se a Pessoa para dirigir a revista.
José Sobral de Almada Negreiros
Nasce a 7 de Abril de 1893, em Trindade (S. Tomé e Príncipe), Almada Negreiros, brilhante
pintor, poeta, dramaturgo, entre outras actividades multifacetadas.
Almada Negreiros vem para Portugal com apenas 3 anos, e depois de uma passagem por um
Colégio de Jesuítas vais estudar para a Escola Internacional de Lisboa, onde começa a escrever
e a desenhar desde muito novo. Inicia uma revista onde era o único membro, A Paródia,
satírica por natureza, onde o seu estilo se começa a reflectir, um ataque à burguesia e figuras
de alto nível. Júlio Dantas uma das figuras mais respeitada e intelectuais da época, crítica esta
revista, ao que Almada Negreiros responde com Manifesto Anti-Dantas, onde sugere mesmo
“Morra o Dantas, morra!”. O seu trabalho, tanto literário como plástico, capta a atenção de
Pessoa, e Almada Negreiros junta-se a este para a publicação da Revista Orpheu. Continua a
publicar obras, e muda-se para Paris e depois Espanha. Em Portugal, já no regime fascista, vai
fazer alguns trabalhos para o Estado, pois era apoiante dos ideais de Salazar, e a partir desta
época começa a trabalhar mais nas artes plásticas. É também o autor do famoso retrato de
Fernando Pessoa.
Contribuiu para a Revista Orpheu com diversos textos de prosa.
9
10. Amadeo de Souza-Cardoso
Nasce a 14 de Novembro de 1887, em Amarante, Amadeo de Souza-Cardoso, um vanguardista
pintor português, sempre incluído nos movimentos de vanguarda seus contemporâneos.
Amadeo tira o curso em Belas-Artes, contudo interrompe-o para ir para Paris em 1906, onde
trava conhecimento com diversas escolas da pintura, como o Impressionismo e o
Expressionismo. Durante dez anos anda entre países como a França e a Espanha em
experimentações como pintor assumido, até que regressa a Portugal para montar uma grande
exposição apelidada de “Abstraccionismo”. Vai desenvolver e pintar sobretudo influenciado
pelo cubismo dos maiores artistas europeu, desenvolvendo o seu cubismo analítico. Levou
também uma vida muito curta morrendo aos 30 anos em Espinho.
Santa-Rita Pintor
Guilherme Augusto Cau da Costa de Santa Rita nasce em 1889, em Lisboa, e torna-se um
pintor e escritor, creditado como fundador do Futurismo em Portugal.
Santa-Rita Pintor, tal como os seus dois outros colegas, morre prematuramente, vivendo
apenas 29 anos, contudo muito importante na implementação de escolas vanguardistas, neste
caso o Futurismo, nos solos nacionais. Em 1910 torna-se bolseiro da Academia de Belas Artes
de Paris, cargo que vai perder devido às suas opiniões políticas. De regresso a Portugal
participa na Revista Orpheu, mas novamente devido às suas diferentes opiniões, sai da revista
e publica a sua própria, Portugal Futurista.
Contribui para a segunda edição da revista com 4 desenhos.
10
11. O Legado e Razões de Separação
A Revista Orpheu conta apenas com duas publicações e acaba por razões nunca muito
explícitas. Uma delas é a falta de dinheiro. De facto, Amadeo Souza-Cardoso pediu ao pai para
lhe fornecer dinheiro para a publicação da primeira edição, no entanto nenhum deles tinha
muito dinheiro para dispensar. Além disso o grupo não tinha uma única ideia, e os seus
diferentes membros tinham diferentes opiniões e defendiam diferentes correntes artísticas,
uns defendiam o “sensacionalismo”, outros, intenções de comédia crítica e os restantes uma
junção de tudo, ou diferentes opiniões políticas, como apoiantes da monarquia, ou apoiantes
de Salazar.
Todas estas discussões ajudaram o grupo a entrar em decadência, tanto que o terceiro
número da revista, já pronto, não foi publicado. Mas o que ainda mais degradou a situação foi
a morte de Mário de Sá Carneiro em 1916, seguida da de Amadeo de Souza-Cardoso e Santa-
Rita em 1918.
O que este grupo deixou para a população portuguesa foi subtil, mas significativa: uma nova
visão. Por terem demonstrado as novas correntes artísticas, deram uma nova mentalidade e
pensamentos antes nunca concebidos, estimulando a intelectualidade.
11
12. Conclusão
Tal como a Revista acabou, este trabalho acaba também. Esperemos que com um
ponto de distinção, que este trabalho não tenha uma morte prematura, como teve a Revista
Orpheu. Explorámos a revista e os seus autores, assim como o ambiente em que esta se
inseriu. Afinal se removermos a Revista da sua época esta pode parecer não conter grande
valor, mas foi o facto de ter sido lançada numa fase em que tudo parecia estagnado no nosso
País, e que meia-dúzia de pessoas tenham sido as únicas com capacidade ou coragem para
avançar, que todo o seu mérito é merecido e de louvar. Esperamos que este trabalho o
elucide.
“Cá estamos sempre. Orpheu acabou. Orpheu continua.” Fernando Pessoa
12