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Reportagem
edição 85 - Junho 2009
Escassez de alimentos e ameaças à civilização
O maior risco à estabilidade global é o potencial da crise alimentar de provocar a
derrocada de governos em países pobres. Essa crise está sendo gerada pelo
constante agravamento da degradação ambiental
por Lester R. Brown
Uma das tarefas mais difíceis de fazer é PER-ANDERS PETTERSSON/Getty Images
antecipar mudanças repentinas.
Geralmente projetamos o futuro
extrapolando tendências do passado. Na
maioria das vezes, esse enfoque
funciona. Mas, às vezes, falha
espetacularmente e as pessoas são
simplesmente surpreendidas por eventos
como a atual crise econômica.
Para muitos de nós, a idéia de que a
civilização pode desintegrar-se
provavelmente parece absurda. Quem
não acharia difícil pensar seriamente
sobre abandonar completamente aquilo
que esperamos da vida comum? Que
evidência poderia nos fazer prestar
atenção a um alerta tão terrível – e como
nos comportaríamos para responder a
ele? Estamos tão habituados a uma longa
lista de catástrofes improváveis que
acabamos virtualmente programados a
rejeitá-las num piscar de olhos: claro,
nossa civilização pode ser dissolvida num
caos – e a Terra também pode colidir
com um asteróide!
Durante muitos anos, tenho estudado
tendências agrícolas, populacionais,
ambientais, econômicas e suas
interações. Os efeitos combinados dessas
tendências e as tensões políticas que elas
geram apontam para o colapso de
governos e sociedades. Eu mesmo vinha
resistindo à idéia de que a escassez de
alimentos poderia levar à derrocada não Crianças aguardam a distribuição de alimentos em vilarejo da República do
apenas de governos, isoladamente, mas Congo.
também de nossa civilização global.
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/escassez_de_alimentos_e_ameacas_a_civiliza... 13/04/2012
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Não tenho mais como ignorar esse risco. Nosso reiterado fracasso em lidar com os declínios
ambientais que minam a economia alimentar mundial – e, mais importante, reduzem os níveis dos
lençóis freáticos, erodindo solos e elevando temperaturas – me obriga a concluir que esse colapso é
possível.
O Problema dos Estados Falimentares
Mesmo um olhar superficial sobre os sinais vitais de nossa ordem mundial corrente acaba oferecendo
sustentação, ainda que indesejável, à minha conclusão. E nós, no campo ambiental, entramos na
terceira década de mapeamento de tendências de declínio do ambiente sem que tenhamos
conseguido observar qualquer esforço significativo no sentido de reverter sequer uma delas.
Em seis dos últimos nove anos, a produção mundial de grãos declinou para níveis menores que o
consumo, estabelecendo uma perda acumulada nos estoques. Quando a safra de 2008 começou, os
estoques acumulados de grãos (carryover, a soma de grãos nos silos quando se inicia a nova colheita)
garantiam 62 dias de consumo, algo próximo de um recorde negativo. Como conseqüência, os preços
internacionais dos grãos no 2o e 3o trimestres do ano passado atingiram os níveis mais elevados já
registrados.
Enquanto a demanda por alimentos cresce mais rapidamente que a oferta, a inflação do preço do
alimento resultante exerce pressão severa nos governos dos países que já vinham balançando à beira
do caos. De fato, mesmo antes da subida de patamar nos preços dos grãos, em 2008, o número de
Estados falidos estava em expansão. Muitos de seus problemas decorrem do fracasso em reduzir o
crescimento de suas populações. Mas se a situação alimentar continuar se deteriorando, nações
inteiras irão à bancarrota a taxas sempre crescentes. Entramos em uma nova era geopolítica. No
século 20, a maior ameaça à segurança internacional era o conflito das superpotências; hoje, são os
Estados falimentares. Não é a concentração, mas a ausência de poder que nos coloca em risco.
Estados vão à falência quando governos nacionais não conseguem oferecer segurança pessoal,
segurança alimentar e serviços sociais básicos, como educação e saúde. Eles freqüentemente perdem
o controle de parte ou de todo o território. Quando governos perdem seu monopólio do poder, a lei e
a ordem começam a se desintegrar. Depois de certo ponto, países podem tornar-se tão perigosos que
funcionários do socorro alimentar deixam de ter segurança e seus programas são interrompidos; na
Somália e Afeganistão, condições deterioradas já colocaram esses programas em perigo.
Estados falimentares são alvo da preocupação internacional, pois servem de fonte para o terrorismo,
drogas, armas e refugiados, ameaçando a estabilidade política em todos os lugares. A Somália,
primeira da lista dos Estados falimentares em 2008, tornou-se uma base para a pirataria. O Iraque,
em quinto lugar, é campo fértil para treinamento de terroristas. O Afeganistão, em sétimo, é o
principal fornecedor mundial de heroína. Em seguida ao enorme genocídio de 1994, refugiados de
Ruanda, milhares de soldados armados, ajudaram a desestabilizar a vizinha República Democrática do
Congo (número seis da lista).
Nossa civilização global depende de uma rede funcional de nações saudáveis politicamente para
controlar a disseminação de doenças infecciosas, gerenciar o sistema monetário internacional,
dominar o terrorismo internacional e alcançar resultados em outros objetivos comuns. Se o sistema
para o controle de doenças infecciosas – como pólio, Sars ou gripe aviária – entrar em colapso, a
humanidade estará em apuros. Uma vez que Estados tenham falido, ninguém assumirá a
responsabilidade por seus débitos em relação a credores estrangeiros. Se um número grande de
Estados se desintegrar, sua queda irá ameaçar a estabilidade da civilização global em si.
Uma Nova Forma de Escassez
O surto de alta nos preços internacionais dos grãos em 2007/08 – e a ameaça que ele representou
para a segurança alimentar – tem uma característica diferente e mais problemática do que os
aumentos do passado. Durante a segunda metade do século 20, os preços dos grãos subiram
dramaticamente várias vezes. Em 1972, por exemplo, reconhecendo a pobreza de sua safra anterior,
os soviéticos discretamente provocaram a alta dos preços do arroz e milho, comprando esses
produtos para manipular o mercado. Mas esse e outros choques de preços foram circunstanciais –
seca na União Soviética, deficiência nas monções na Índia e um calor que fez encolher a safra no
Cinturão do Milho, nos Estados Unidos. Além disso, os aumentos tiveram curta duração: os preços
retornaram ao normal nas safras seguintes.
Em contrapartida, a recente onda altista nos preços internacionais de grãos é tipicamente dirigida por
tendência, o que torna improvável sua reversão sem a mudança nas tendências. Pelo lado da
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demanda essas tendências incluem o corrente acréscimo de mais de 70 milhões de pessoas
anualmente; um número crescente de pessoas querendo subir na cadeia alimentar para consumir
produtos de origem animal que utilizam muito grãos de produção intensiva (ver Efeito estufa dos
hambúrgueres, de Nathan Fiala; SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, março de 2009); e o enorme desvio
de grãos voltados às destilarias que produzem o combustível etanol.
A demanda extra de grãos associada à crescente afluência varia amplamente entre países. Pessoas
em países de baixa renda, onde os grãos suprem 60% das calorias, como Índia, consomem
diretamente cerca de 0,5 kg de grãos. Em países afluentes, como Estados Unidos e Canadá, o
consumo de grãos por pessoa é de cerca de 2,0 kg, embora talvez 90% desse consumo se dê por via
indireta, na forma de carne, leite e ovos de animais alimentados com grãos.
O potencial de consumo mais adiante é enorme, na medida em que cresce a renda entre
consumidores pobres. Mas esse potencial fica ofuscado atrás da demanda insaciável por combustíveis
automotivos baseados em biomassa. Um quarto da colheita de grãos deste ano nos Estados Unidos –
suficiente para alimentar 125 milhões de americanos ou meio bilhão de indianos nos atuais níveis de
consumo – será desviado para o abastecimento de automóveis. Apesar disso, mesmo se toda a safra
americana de grãos fosse direcionada para a produção de etanol, ela atenderia no máximo a 18% das
necessidades de combustível americanas. A quantidade de grãos necessários para encher o tanque de
um veículo com tanque de 100 litros com etanol pode alimentar uma pessoa durante um ano.
A recente fusão das economias dos alimentos e combustíveis implica que se o valor do grão destinado
a alimentos é menor que o voltado para produção de combustível o mercado irá impulsionar o grão
para a economia da energia. Essa dupla demanda está levando a uma competição épica entre
automóveis e pessoas pelo abastecimento de grãos e a um problema político e moral de crucial
importância e dimensões sem precedentes. Num esforço enorme para reduzir sua dependência de
petróleo importado e substituí-lo por combustíveis à base de grãos, os Estados Unidos estão gerando
uma insegurança alimentar global em escala nunca antes vista.
Escassez de Água e Escassez de Alimentos
Que dizer sobre suprimentos? As três tendências ambientais que mencionei anteriormente – escassez
de água fresca, perda de solo arável e aumento da temperatura (além de outros efeitos) decorrente
do aquecimento global – estão tornando cada vez mais difícil expandir o fornecimento mundial de
grãos com a velocidade suficiente para torná-lo compatível com a demanda. De todas essas
tendências, entretanto, a mais imediata é a propagação da escassez de água. O maior desafio aqui é
a irrigação, que consome 70% do total de água fresca no mundo. Milhões de poços voltados à
irrigação em muitos países estão agora bombeando água de fontes subterrâneas com velocidade
maior do que a chuva é capaz de reabastecê-los. O resultado é a queda do nível do lençol freático em
países habitados por metade da população mundial, incluindo os três maiores produtores de grãos –
China, Índia e Estados Unidos.
Geralmente, aqüíferos são depósitos de água renováveis, mas isso não ocorre com alguns dos mais
importantes deles: os “aqüíferos fósseis”, assim chamados porque “armazenam água antiga e não
podem ser reabastecidos pelas precipitações”. Por esse motivo – incluindo o vasto Aqüífero Ogallala,
sob as Grandes Planícies dos Estados Unidos, o aqüífero Saudita e o profundo aqüífero sob o norte da
planície da China – o esvaziamento desses reservatórios pode ser o fim do bombeamento. Em regiões
áridas, essa perda também pode colocar um ponto final na agricultura.
Na China, o lençol freático sob a planície do Norte chinês, uma área que produz mais da metade do
trigo e a terça parte do milho, está decrescendo rapidamente. Bombeamento excessivo vem utilizando
a maior parte da água da parte rasa do aqüífero, forçando os perfuradores de poços a recorrer à área
profunda, que não é renovável. Um relatório do Banco Mundial prevê “conseqüências catastróficas
para as futuras gerações”, a menos que o uso e fornecimento de água possam rapidamente voltar ao
equilíbrio.
Ao ritmo em que vêm caindo os níveis dos lençóis freáticos e secam os poços para irrigação, a safra
de trigo da China, a maior do mundo, diminuiu em 8% desde o pico de 123 milhões de toneladas em
1997. No mesmo período, a produção de arroz caiu 4%. A nação mais populosa do mundo pode, em
breve, estar importando quantidades enormes de grãos.
Mas a escassez de água é ainda mais preocupante na Índia. Ali, a margem entre o consumo de
alimentos e a sobrevivência é ainda mais precária. Milhões de poços para irrigação vêm derrubando
os níveis dos lençóis freáticos em quase todos os estados. Como relatou Fred Pearce na New
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Scientist:
Metade dos tradicionais poços perfurados manualmente e milhões de poços com canos de baixa
profundidade já secaram, trazendo uma onda de suicídios entre os que dependiam dessas fontes.
Apagões elétricos estão atingindo proporções epidêmicas em estados onde metade da eletricidade é
usada para bombear água de profundidades superiores a 1 km.
Um estudo do Banco Mundial relata que 15% do suprimento de alimentos na Índia são produzidos
com água de minas superficiais. Em contrapartida, informa que 175 milhões de indianos consomem
grão produzido com água de poços para irrigação que estarão exauridos em breve. A contínua
retração dos suprimentos de água pode levar a inimagináveis escassez de alimentos e conflito social.
Menos Solo, Mais Fome
O escopo da segunda temível tendência – a perda de terras aráveis – também assusta. A camada
arável do solo está se erodindo mais rapidamente que a formação de solos novos em talvez um terço
do solo agriculturável do planeta. Essa fina camada de nutrientes essenciais às plantas, o mais básico
fundamento da civilização, levou longos períodos geológicos para ser formada, embora tenha
geralmente 15 cm de profundidade. Sua perda, devido à erosão por ação do vento e água, já levou
civilizações antigas ao colapso.
Em 2002, uma equipe das Nações Unidas avaliou a situação alimentar no Lesoto, o pequeno lar de
dois milhões de pessoas embutido na África do Sul. A descoberta da equipe foi objetiva: “A agricultura
no Lesoto está diante de um futuro catastrófico; a produção das colheitas está decaindo e pode cessar
simultaneamente em grandes partes do país, se medidas não forem adotadas no sentido de reverter a
erosão, degradação e declínio da fertilidade do solo”.
No hemisfério ocidental, o Haiti – um dos primeiros estados a ser reconhecido como falimentar – era,
com folga, auto-suficiente em grãos há 40 anos. Mas, desde então, o país perdeu quase todas as suas
florestas e muito de seu solo arável, sendo forçado a importar mais da metade de seus grãos.
A terceira e talvez mais difundida ameaça à segurança alimentar – elevação da temperatura da
superfície – pode afetar a produtividade das colheitas em todos os lugares. Em muitos países a
lavoura cresce em seu optimum termal, ou perto dele. Portanto, um pequeno aumento da
temperatura durante o período de crescimento das plantas pode levar à diminuição da safra. Um
estudo publicado pela National Academy of Sciences, dos Estados Unidos, confirmou uma regra
empírica conhecida entre ecologistas das colheitas: para cada aumento de 1oC sobre o patamar-
padrão, trigo, arroz e milho sofrem uma quebra de 10%.
No passado, mais conhecido como o período em que as inovações no uso de fertilizantes, irrigação e
variedades grandemente produtivas de trigo e arroz criaram a “revolução verde” dos anos 1960 e
1970, a resposta à crescente demanda por alimento foi a bem-sucedida aplicação da agricultura
científica: o conserto tecnológico. Nesta época, infelizmente, muitos dos mais produtivos avanços na
tecnologia agrícola já foram colocados em prática, assim como o crescimento de longo prazo na
produtividade da terra está sendo reduzido. Entre 1950 e 1990, os fazendeiros elevaram a
produtividade da cultura de grãos no mundo todo por acre em mais de 2% ao ano, excedendo o
crescimento populacional. Mas, a partir daí, o crescimento anual da produtividade vem sendo reduzido
a pouco mais de 1%. Em alguns países, a produtividade parece próxima de seus limites práticos,
incluindo os níveis de produtividade da cultura do arroz no Japão e China.
Alguns analistas indicam que colheitas de plantas geneticamente modificadas criam linhagens fora de
nossas previsões. Infelizmente, entretanto, nenhuma safra oriunda de plantas geneticamente
modificadas tem elevado significativamente os níveis de produtividade, comparando-se com a
duplicação ou triplicação ocorridas durante a revolução verde com o trigo e o arroz. E também não
parece que isso volte a ocorrer, porque as técnicas convencionais para sementes de plantas já
atingiram a maior parte do potencial para fazer crescer a produtividade das lavouras.
Manobrando pelo Alimento
Na medida em que a segurança alimentar vem à tona, uma perigosa política de redução da oferta
está sendo colocada em jogo: países agindo individualmente, segundo seus próprios interesses
definidos de forma estreita, estão colocando muitos outros em apuros. Essa tendência começou em
2007, quando relevantes países exportadores de trigo, como Rússia e Argentina, limitaram ou
baniram suas exportações na esperança de aumentar a disponibilidade local do fornecimento de
alimentos e, conseqüentemente, reduzir os preços dos produtos alimentares internamente. O Vietnã,
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segundo maior exportador mundial de arroz, depois da Tailândia, baniu suas exportações durante
vários meses pela mesma razão. Esses movimentos podem garantir aqueles que vivem nos países
exportadores, mas acabam criando pânico nos países importadores, que precisam contar com aquilo
que sobrou do grão mundial exportável.
Em resposta a essas restrições, importadores de grãos estão tentando se agarrar a acordos
comerciais bilaterais de longo prazo que podem, eventualmente, amarrar futuros fornecimentos de
grãos. Incapazes de contar com arroz do mercado mundial, as Filipinas recentemente negociaram um
acordo trienal com o Vietnã para garantir a remessa de 1,5 milhão de toneladas de arroz anualmente.
A ansiedade na importação de alimentos está até mesmo gerando esforços inteiramente novos por
parte dos países importadores de comida, no que tange ao aluguel de fazendas em outros países.
Apesar dessas medidas paliativas, preços de alimentos em crescente elevação e propagação da fome
em muitos outros países estão começando a romper a ordem social. Em várias províncias da
Tailândia, as depredações dos “saqueadores de arroz” têm forçado a população das vilas a guardar
com armas carregadas seu alimento durante a noite. No Paquistão, um soldado armado escolta cada
caminhão de grãos. Durante a primeira metade de 2008, 83 caminhões transportando grãos, no
Sudão, foram seqüestrados antes de atingir os campos de refugiados de Darfur.
Nenhum país está imune aos efeitos do estreitamento no fornecimento de suprimentos alimentares,
nem mesmo os Estados Unidos, o maior celeiro mundial. Se a China voltar-se ao mercado mundial em
busca de enormes quantidades de grãos, como fez recentemente em relação à soja, terá de comprar
dos Estados Unidos. Para os consumidores americanos isso significará competir pela colheita de grãos
americana contra 1,3 bilhão de consumidores chineses com rendimentos em rápido crescimento – o
cenário de um pesadelo. Em tal circunstância, poderá ser tentador para os Estados Unidos restringir
as exportações, como foi feito, por exemplo, com grãos e soja durante os anos 70, quando os preços
domésticos ascenderam. Mas essa não é uma opção com a China. Investidores chineses agora têm
cerca de um trilhão de dólares e ocupam uma posição de destaque como compradores de títulos para
financiar o déficit fiscal americano. Gostando ou não, os consumidores americanos irão compartilhar
seus grãos com os consumidores chineses, não importa o quanto aumentem os preços dos alimentos.
Plano B: Nossa Única Opção
Como a atual escassez de alimentos é movida por uma tendência, as razões ambientais por trás dela
devem ser revertidas. Para fazer isso são exigidas medidas extraordinárias na demanda,
redirecionamento dos negócios costumeiros – aquilo que nós do Earth Policy Institute chamamos de
Plano A – para um salvador da civilização Plano B. Similar em escala e urgência à mobilização
americana para a Segunda Guerra Mundial, o Plano B exibe quatro componentes: um enorme esforço
para cortar emissões de carbono em 80% até 2020 a partir dos níveis de 2006; a estabilização da
população mundial em oito bilhões por volta de 2040; a erradicação da pobreza; e a restauração das
florestas, solos e aqüíferos.
As emissões de dióxido de carbono líquido podem ser cortadas sistematicamente ao se aumentar a
eficiência energética e investir significativamente em fontes de energia renováveis. Também devemos
banir o desmatamento mundo afora, assim como o fizeram muitos países, e plantar bilhões de
árvores para seqüestrar carbono. A transição dos combustíveis fósseis para formas de energia
renováveis pode ser conduzida ao impor-se uma taxa sobre o carbono, enquanto se oferece
certificados com uma redução do imposto de renda.
A estabilização da população e erradicação da pobreza seguem de mãos dadas. De fato, a chave para
acelerar a direção rumo a famílias menores é erradicar a pobreza – e vice-versa. Uma forma
assegurar ao menos educação fundamental a todas as crianças. Outra é fornecer atendimento de
saúde básica no nível de pequenas cidades, de forma que as pessoas possam ter confiança em que
suas crianças irão sobre viver até a idade adulta. Mulheres em todos os lugares precisam ter acesso à
saúde reprodutiva e a serviços voltados ao planejamento familiar.
O quarto componente, restaurar os sistemas e recursos naturais da terra, incorpora uma iniciativa em
nível mundial para deter a queda nos níveis dos lençóis freáticos ao aumentar a produtividade da
água: a mais útil atividade que puder ser extraída de cada gota. Isso implica seguir na direção de
sistemas de irrigação mais eficientes e de culturas mais eficientes no uso da água. Em alguns países,
isso implica cultivar (e comer) mais trigo que arroz, considerando que o arroz é uma cultura de uso
intenso da água. E, para indústrias e cidades, implica fazer aquilo que algumas já estão fazendo, ou
seja, reciclar a água continuamente.
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Ao mesmo tempo, precisamos lançar um esforço em escala mundial visando a conservação do solo,
similar à resposta dos Estados Unidos à Dust Bowl dos anos 30. Criar terraços, plantar árvores que
sirvam de cinturão contra a erosão decorrente do sopro dos ventos e praticar o plantio direto, quando
o solo não é arado e os resíduos da cultura são deixados no campo, estão entre as mais importantes
medidas para a conservação do solo.
Não há nada de novo sobre nossos quatro objetivos, todos inter-relacionados. Eles já foram discutidos
individualmente durante anos. De fato, criamos instituições inteiras para lidar com alguns deles, como
o Banco Mundial para aliviar a pobreza. E fizemos progresso substancial em algumas regiões do
mundo em ao menos um deles – a distribuição de serviços ligados ao planejamento familiar associada
a uma orientação voltada a famílias pequenas, capazes de garantir estabilidade populacional.
Para muitos na comunidade do desenvolvimento, os quatro objetivos do Plano B foram vistos como
positivos, promovendo o desenvolvimento desde que não custem muito caro. Outros os encararam
como objetivos humanitários – politicamente corretos e moralmente apropriados. Agora, uma terceira
vertente mais racional e importante se apresenta: atingir esses objetivos pode ser necessário para
prevenir o colapso de nossa civilização. E, além disso, o custo que projetamos para salvar a civilização
não atinge a soma de US$ 200 bilhões anuais, um sexto dos gastos militares globais na atualidade.
Em síntese, o Plano B é o novo orçamento de segurança.
CONCEITOS-CHAVE
- A escassez de alimentos e a resultante alta dos preços dos produtos comestíveis estão levando os
países pobres ao caos.
- Os “Estados falimentares” podem exportar doenças, terrorismo, drogas ilícitas, armas e refugiados.
- Escassez de água, perdas de solo e elevação da temperatura em decorrência do aquecimento global
estão colocando severos limites à produção de alimentos.
- Sem uma intervenção forte e rápida para enfrentar esses fatores, uma série de governos pode
entrar em colapso, ameaçando a ordem mundial.
– Os editores
ESTADOS FALIMENTARES
Todos os anos, o Fund for Peace e a Carnegie Endowment for International Peace analisam em
conjunto e listam países utilizando 12 indicadores sociais, econômicos, políticos e militares de bem-
estar nacional. Abaixo, classificados do pior para o melhor, de acordo com o número de pontos
combinados em 2007, estão os 20 países no mundo mais próximos do colapso:
Somália
Sudão
Zimbabue
Chade
Iraque
República Democrática do Congo
Afeganistão
Costa do Marfim
Paquistão
República Centro-Africana
Guiné
Bangladesh
Birmânia (Myanmar)
Haiti
Coréia do Norte
Etiópia
Uganda
Líbano
Nigéria
Sri Lanka
[ESTRESSE ALIMENTAR EM ALTA] - Números que seguem pelo caminho errado
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/escassez_de_alimentos_e_ameacas_a_civiliza... 13/04/2012
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O número absoluto YASUYOSHI CHIBA/Getty Images
e a porcentagem
de pessoas
subnutridas nos 70
países menos
desenvolvidos do
mundo estão
aumentando,
enquanto a
reserva mundial de
suprimentos
alimentares
remanescente do
período anterior (a
quantidade de
grãos nos silos
quando se inicia a
nova safra) se encontra em declínio.
[CAUSAS E EFEITOS] - Escassez na oferta de alimentos
A escassez de alimentos SAMUEL VELASCO / 5W Infographics
está emergindo como
causa central da falência
de Estados. Carência de
comida surge a partir de
uma rede de causas
entrelaçadas, efeitos e
feedbacks cujas interações
freqüentemente
intensificam os efeitos de
qualquer um dos fatores
isolados. Alguns dos
fatores mais comuns estão
ilustrados no diagrama. De
acordo com o autor, as
diversas carências de
oferta de alimento não
resultam de uma única
falha, determinada pelo
clima, mas resultam de
quatro tendências críticas
de longo prazo: rápido
crescimento populacional,
perda da camada superior
do solo, propagação da
escassez de água e
elevação das
temperaturas.
[LENÇÓIS FREÁTICOS EM DECLÍNIO] - Irrigação pode produzir uma severa
escassez de água
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O grande dreno no suprimento de água FEDERAÇÃO COREANA PARA O MOVIMENTO AMBIENTAL (Brown);
SAMUEL VELASCO 5W Infographics (illustração)
fresca é a irrigação, responsável por 70%
do uso desse líquido. A irrigação é
essencial na maioria das fazendas com alta
produtividade, mas muitos aqüíferos que
abastecem culturas irrigadas estão sendo
esvaziados com maior rapidez que a chuva
é capaz de reabastecê-los. Além disso,
quando fazendeiros ligam torneiras a
aqüíferos fósseis, que armazenam água
antiga em rochas impermeáveis à chuva,
estão minando um recurso não renovável.
Bombear de poços cada vez mais
profundos é problemático também de outra
maneira: consome muita energia. Em
alguns estados da Índia, metade da
eletricidade disponível é usada para
bombeamento de água.
[SOLOS ERODIDOS] - A terra arável está desaparecendo
A camada superior do solo, outro fator SAMUEL VELASCO /5W Infographics
vital para a manutenção do
fornecimento mundial de alimentos, é
também um recurso essencial não-
renovável: mesmo em um saudável
ecossistema que recebe umidade
adequada e materiais orgânicos e
inorgânicos, pode levar séculos para se
gerar uma camada superficial de solo
de 2,5 cm. Se a vegetação
estabilizadora do solo desaparece –
quando existe desmatamento ou a
pastagem excessiva transforma o
capim em deserto – a camada superior
do solo é perdida devido à ação do
vento e da chuva. Terra arável é
também ameaçada por estradas,
edificações e outros usos não
agrícolas.
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COMO ESTADOS FALIDOS AMEAÇAM O MUNDO
Quando o governo de uma nação não consegue mais oferecer segurança ou serviços básicos aos seus
cidadãos, o caos social resultante pode ter sérios efeitos adversos além das próprias fronteiras
nacionais:
Disseminação de doenças
Abrigo a terroristas e piratas
Estímulo ao extremismo político
Geração de violência e refugiados que podem fugir para países vizinhos
APOSTAS NO JOGO DA POLÍTICA ALIMENTAR
Ansiosas por assegurar futuros suprimentos de grãos, várias nações estão silenciosamente fazendo
acordos com países produtores, visando garantir a atividade agrícola nos territórios. A prática deixa
mais escasso o fornecimento a outras nações importadoras e eleva preços. Alguns exemplos:
China: procura alugar terras na Austrália, Brasil, Birmânia (Mianmar), Rússia e Uganda.
Arábia Saudita: procura terra agriculturável no Egito, Paquistão, África do Sul, Tailândia, Turquia e
Ucrânia.
Índia: empresas do agronegócio buscam terras cultiváveis no Paraguai e Uruguai
Líbia: aluga 100 mil hectares na Ucrânia em troca de acesso aos seus campos de petróleo.
Coréia do Sul: busca firmar acordos sobre terras com Madagáscar, Rússia e Sudão.
[TEMPERATURAS EM ELEVAÇÃO] - Clima mais quente reduz a produtividade
A agricultura como existe hoje tem SAMUEL VELASCO /5W Infographics
sido moldada por um sistema climático
que pouco mudou nos últimos 11 mil
anos de história. Como a maioria das
culturas foi desenvolvida visando a
máxima produção sob essas condições
estáveis, as temperaturas mais altas
esperadas em virtude do aquecimento
global irão reduzir a produtividade das
safras em unidades por área.
Ecologistas agrícolas calculam que
para cada aumento de 1o acima do
padrão, trigo, arroz e milho
apresentarão uma queda de 10%.
[SOLUÇÕES] - O QUE DEVE SER FEITO?
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