1) O documento descreve a aplicação do método de Lee-Carter para modelar a mortalidade e longevidade em Portugal usando dados demográficos de 1940 a 2006.
2) O método de Lee-Carter modela o logaritmo da taxa de mortalidade como uma função linear do tempo e da idade, permitindo prever tendências futuras.
3) Ao aplicar o método a dados portugueses, os resultados mostraram padrões semelhantes a outros países, como redução contínua da mortalidade e alongamento da vida.
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Risco de mortalidade em Portugal
1. 1
Risco de mortalidade e longevidade no
contexto português
Matos, Cristóvão
cristovao.matos@gmail.com
Fevereiro de 2008
de variação para cada idade quando o grau geral da
Abstract — faz-se o enquadramento ao tema da mortalidade e mortalidade varia.
longevidade, descrevendo-se as principais tendências actuais. O modelo de Lee-Carter, como ficou conhecido, é um
Descreve-se e aplica-se o método de Lee-Carter a dados modelo previsional, no sentido em que permite extrapolar
demográficos portugueses verificando-se as conclusões gerais tendências de mortalidade, e a consequente construção de
observadas nas aplicações a outras populações por diversos tábuas de mortalidade. Como todos os modelos extrapolativos,
autores.
padece de algumas das fragilidades dos mesmos: os padrões
históricos podem não se manter no futuro, e alterações
Index Terms—mortalidade, longevidade, modelo de Lee-
Carter, Portugal
estruturais podem escapar (Lee, The Lee-Carter Method for
Forecasting Mortality, With Various Extensions and
Applications, 2000). A análise experimental num conjunto
I. INTRODUÇÃO E MOTIVAÇÃO alargado de países, permitiu concluir, no entanto, que o
modelo de Lee-Carter revela um desempenho bastante
aceitável enquanto modelo previsional.
A esperança de vida nos países industrializados tem Neste trabalho, aplica-se o modelo de Lee-Carter a dados
aumentado progressivamente desde que há registos demográficos de Portugal, para o período entre 1940 e 2006, e
demográficos, para todos os grupos etários. Benjamim & extrapolação até 2050.
Soliman (1993), McDonald (1997) e McDonald et al. (1998)
demonstraram um decréscimo na probabilidade de morte na
idade adulta e na velhice. Em Portugal a esperança de vida à
nascença (total) passou de 51,43 anos em 1940 para 78,92 em
2006, um aumento de 53,5%, registando-se um crescimento
progressivo ao longo desse período (v. Figura 1).
Esta evolução representa uma conquista importante da
humanidade mas simultaneamente coloca desafios complexos
às entidades responsáveis pelo planeamento e gestão de
produtos cujo principal risco associado é a mortalidade, ou,
indirectamente a longevidade, como é o caso das Seguradoras
de Vida e a Segurança Social. Por risco de mortalidade
entende-se o risco de desvio das taxas de mortalidade
agregadas relativamente às antecipadas para diversas idades e
horizontes temporais. O risco de longevidade é o risco de que Figura 1 – Esperança de vida à nascença no período entre 1940 e 2006
(dados de Portugal)
no longo prazo as taxas de sobrevivência para os diversos
coortes sejam superiores às antecipadas (Cairns, Blake, &
II. TENDÊNCIAS ACTUAIS DA MORTALIDADE E
Dowd, 2004).
LONGEVIDADE
Lee & Carter (1992) desenvolveram um método simples
de descrição da tendência secular da mortalidade. Neste Pitacco (2002) descreve as tendências gerais observadas
modelo o logaritmo da força da mortalidade é descrito como nos dados demográficos das populações, a saber:
uma série temporal, com uma componente específica da idade
e uma outra que é o produto de um parâmetro dependente do i) Rectangularização - crescente concentração das
tempo, que reflecte o grau geral da mortalidade, e uma mortes em torno da moda (para idades avançadas),
componente dependente da idade que representa a velocidade o que resulta em que a função de sobrevivência
tenda para um rectângulo, conforme a Figura 2;
ii) Expansão - A moda da curva de mortalidade tende
2. 2
a mover-se para idades muito avançadas, aspecto A evolução de uma população ao longo do tempo pode ser
que se denomina de expansão da função de caracterizada pelo número de vivos com idade , sendo
sobrevivência; que geralmente o número inicial na idade , fixa-
iii) As mortes acidentais em idades mais jovens se em 100,000. O elemento casuístico que influencia a
tendem a apresentar níveis e dispersão mais dimensão de uma população é a morte, a qual provoca uma
elevada, conforme recentemente observado. redução do número de elementos da mesma. A idade da morte
de um indivíduo pode ser modelada por uma variável aleatória
, sendo o número de sobreviventes para uma idade (e ano
) dados pela função de sobrevivência
Geralmente as tábuas actuárias são apresentadas em coortes
(bandas ou intervalos com as mesmas grandezas estatísticas)
de intervalos de idade e de ano , representando-se por um
rectângulo Assim sendo uma grandeza dependente
Figura 2 – Rectangularização (lado esquerdo) e expansão (lado direito) da da idade e do ano , esta será constante no intervalos
função sobrevivência. Adaptado de Pitacco (2002).
. As combinações mais frequentes envolvem o
produto . Por exemplo, uma tábua de
A rectangularização é observada também em Portugal,
mortalidade é aquela em que os grupos de idades variam
conforme mostra o gráfico apresentado na Figura 3. Note-se a
progressiva tendência para que o número de sobreviventes unidade a unidade, ou seja, , sendo a
decaia mais lentamente ao longo da idade, com a progressiva idade limite, e o ano varia em intervalos de 5 unidades,
convergência do gráfico para a idade limite. Verifica-se uma .
redução da taxa de mortalidade ao longo dos grupos etários, Denomina-se o número de mortos registados para a
mas a idade limite não parece expandir-se significativamente. idade e ano , para uma determinada exposição ao risco .
A exposição ao risco consiste no número de indivíduos de um
coorte para os quais ocorreu ou seja, engloba o número de
100000
indivíduos total para esse coorte.
80000
1940
A força da mortalidade é a taxa instantânea de redução de
60000 uma população. Resulta (entre outras expressões) do quociente
1970
lx
entre o número de mortos e a exposição ao risco,
40000
1990
20000
2000
0 O modelo de Lee-Carter propõe uma representação linear
0 5 10 15 20
Idade do logaritmo da força de mortalidade,
Figura 3 – Efeito observável da rectangularização para dados (2.1)
demográficos da população portuguesa, para o número de sobreviventes. Sendo um termo de erro com distribuição normal, ou
seja ruído branco. Os coeficientes estão sujeitos às condições
Na Figura 3 apresentam-se cortes transversais no tempo e . Relativamente aos coeficientes e
(ano) para a probabilidade de morte, e de facto verifica-se que , os primeiros descrevem a média da forma do perfil de
tem havido uma progressiva redução da mortalidade ao longo idade, e os segundos os desvios que ocorrem com a variação
dos diversos grupos etários, para se concentrar em idades mais de . Segundo este modelo, para uma idade , as variações da
avançadas e progressivamente a convergir para a idade limite. força da mortalidade ao longo do tempo são inteiramente
explicadas pelo parâmetro , ou seja, a diferença entre a força
10000
da mortalidade para um indivíduo de 30 anos em 1950 e em
8000 1940
2000 será justificada inteiramente por . Por outro lado, note-
1950
6000 1960 se que a variação de entre anos sucessivos depende
dx
4000
1970 também de ,
1980
2000 1990
2000
0
0 20 40 60 80 100
A determinação dos coeficientes e não se trata de um
Idade problema simples de regressão linear, já que os parâmetros
Figura 4 – Probabilidade de morte em função da idade, para os anos de também são desconhecidos. O problema proposto consiste em
1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. Note-se o desvio progressivo da
determinar , e tais que minimizem a expressão
moda para a direita do gráfico.
III. O MÉTODO DE LEE-CARTER
Note-se que a parametrização (2.1) não é única, uma vez
que é invariante às transformações (Girosi & King, 2007)
3. 3
, Onde é uma variável aleatória com distribuição normal e
é o factor de deriva e o seu estimador de maior
, ,
probabilidade é obtido a partir do declive entre o primeiro e
último ponto da série,
Os passos envolvidos para a aplicação do modelo de Lee-
Carter a uma série de dados demográficos da força da
mortalidade são:
A previsão de dois períodos futuros, segue naturalmente
i) Determinação dos coeficientes . Estes
coeficientes obtêm-se a partir da média dos
logaritmos da força de mortalidade observada De igual forma, para o intervalo infinitesimal temos,
ii) Construção da matriz . Onde a última passagem é possível uma vez que as
variáveis aleatórias são assumidamente independentes com
iii) Os coeficientes e os parâmetros são a mesma variância. Assume-se para uma distribuição
determinados através de uma decomposição de normal , com média
valor singular (SVD - Single Value
Decomposition)
nde a componente representa a
componente da idade, a componente do ano e os majorantes e minorantes de são dados por
(tempo) e o vector são os valores singulares +
(Wang, 2007). -
Os coeficiente obtêm-se a partir de e Onde corresponde a um intervalo de confiança de 95%
. para (obtido a partir da distribuição normal).
iv) Segunda estimativa de . Fixam-se os
coeficientes e determinados no passo IV. APLICAÇÃO A DADOS DEMOGRÁFICOS DE PORTUGAL
anterior e procura-se determinar o valor de
que reproduz, para cada ano t, o número exacto O modelo de Lee-Carter foi aplicado a dados de Portugal,
de mortes observadas , ou seja, procura-se obtidos a partir do site www.mortality.org, para o período
tal que entre 1940 e 2006, usando-se dados de coortes , ou seja,
anuais com intervalos de 5 anos de idade. Usou-se a tábua de
vida * , os dados de exposição ao risco † e taxa de
mortalidade ‡.
Segundo Lee (2000) as vantagens da segunda estimativa Na Figura 5 apresentam-se os coeficientes
são, em primeiro lugar, a garantia de que as tábuas de determinados a partir do modelo. Recorde-se que estes
mortalidade ajustadas a partir das estimativas dos anos de correspondem à média dos valores do logaritmo da força da
amostragem reproduzem o número de mortes e a distribuição mortalidade para o período em análise.
de população observáveis. Uma vez que a primeira estimativa
é efectuada recorrendo a logaritmos da força da mortalidade, é
possível ocorrerem discrepâncias consideráveis. Em segundo
lugar, esta estimativa permite completar dados inexistentes
para uma idade em particular num determinado ano,
fornecendo assim uma estimativa indirecta.
A. Estimativas da força da mortalidade
De forma a produzir previsões da mortalidade, Lee & Carter
(1992) assumem que os coeficientes permanecem
*
constantes ao longo do tempo e usam um modelo de série Disponível no endereço
http://www.mortality.org/PrivRegistered/PRT/STATS/fltper_5x1.txt após
temporal univariada. Após vários testes, concluíram que o registo do utilizador.
modelo de caminho aleatório com deriva é o mais apropriado, †
Idem em
ou seja, uma série ARIMA (0,1,0), http://www.mortality.org/PrivRegistered/PRT/STATS/Exposures_5x1.txt
‡
Idem em
http://www.mortality.org/PrivRegistered/PRT/STATS/Mx_5x1.txt
4. 4
Tabela 1 – Parâmetros resultantes do ajuste à série temporal
ARIMA(0,1,0)
0.3279619 0.1455222 0.56737 -0.140742699
5
0
-5
t
Figura 5- Coeficientes determinados a partir do Modelo de Lee-Carter
para dados demográficos da população portuguesa no período entre 1940 -10
e 2006.
-15
A Figura 6 apresenta os coeficientes . Recorde-se que
estes coeficientes medem a variação para cada idade quando o 1940 1960 1980 2000 2020 2040
t
grau geral da mortalidade varia. Figura 8 – Parâmetros determinados a partir do Modelo de Lee-
Carter para dados demográficos da população portuguesa no período
entre 1940 e 2006.
V. CONCLUSÕES
O modelo de Lee-Carter é simples e permite descrever com
bastante precisão a tendência secular da evolução da
mortalidade. No caso português, a sua aplicação apresenta o
mesmo tipo de resultados de outros estudos anteriores (ver Lee
& Carter, 1992 para dados dos EUA, Lee e Rofman, 1994 para
Figura 6 - Coeficientes determinados a partir do Modelo de Lee- dados do Chile, Lee e Nault, 1993 para dados do Canadá,
Carter para dados demográficos da população portuguesa no período Brouhns, Denuit e Vermunt para dados da Bélgica e Evides,
entre 1940 e 2006.
2001 para dados portugueses).
Na Figura 7 apresenta-se o gráfico com os valores As principais tendências descritas por outros autores foram
estimados através de SVD para , após a segunda estimativa também observadas nos dados demográficos portugueses,
destes parâmetros. nomeadamente a tendência para a rectangularização e
expansão.
A série da Figura 7 parece revelar uma dependência linear
no tempo, o que de facto se verifica, aplicando-se por exemplo
um ajustamento através de regressão linear. Nota-se também
que em diversos períodos o declive parece oscilar segundo
padrões aparentemente cíclicos, nomeadamente até cerca de
1955, depois até cerca de 1970 a redução é mais lenta. Até
cerca de 2000 volta a registar-se nova aceleração e a partir
desse ano o declive ainda é mais acentuado. O modelo de Lee-
Carter não permite acomodar estas variações.
O Método de Lee-Carter não permite acomodar informação
extra que altere as tendências futuras. Como adopta uma
Figura 7 - Parâmetros determinados a partir do Método de Lee-Carter extrapolação linear não tem em conta efeitos de ordem
para dados demográficos da população portuguesa no período entre 1940 superior que possam tornar-se importante à medida que se
e 2006. aproximam os limites, nomeadamente por efeito da
rectangularização e expansão, conforme identificado
anteriormente. Ora, não parece credível que a tendência
Na Figura 8 apresenta-se o gráfico com a previsão para a
secular linear possa manter-se indefinidamente.
evolução de para o período de 2007 a 2050.
Os modelos previsionais de mortalidade (e longevidade)
têm sofrido avanços muito significativos ao longo da última
década, mas estão ainda longe de fornecer respostas
5. 5
definitivas quanto às leis que regem a evolução da mortalidade 1956 2.424
e quais os factores que afectam a mesma. 1957 2.147
1958 1.517
VI. APÊNDICES 1959 1.770
1960 1.566
Nesta secção são apresentados o detalhe dos dados 1961 1.737
obtidos na aplicação do Modelo de Lee-Carter a dados 1962 1.474
demográficos da população portuguesa. 1963 1.478
1964 1.358
A. Apêndice A – Coeficientes e
1965 1.181
1966 1.427
Tabela 2 – Coeficientes e obtidos a partir de 1967 1.134
uma SVD
1968 1.018
1969 1.422
0 -3.4309392 0.4650671
1970 0.925
1-4 -5.9374227 0.5691183
1971 1.189
5-9 -7.1996828 0.34747
1972 0.415
10-14 -7.4302364 0.2670042
1973 0.667
15-19 -6.7905809 0.1892648
1974 0.648
20-24 -6.4850697 0.1874117
1975 0.555
25-29 -6.3731046 0.1801331
1976 0.663
30-34 -6.1996242 0.1606991
1977 0.078
35-39 -5.9481303 0.1513241
1978 -0.079
40-44 -5.6485142 0.1335703
1979 -0.543
45-49 -5.3118661 0.1186189
1980 -0.568
50-54 -4.9524505 0.1122048
1981 -0.669
55-59 -4.5776189 0.1077072
1982 -1.177
60-64 -4.1421409 0.1132281
1983 -1.018
65-69 -3.6765146 0.1109816
1984 -1.119
70-74 -3.140467 0.1122768
1985 -1.287
75-79 -2.5921039 0.1018729
1986 -1.634
80-84 -2.1437367 0.0738919
1987 -1.906
85-89 -1.6740997 0.0546709
1988 -1.857
90-94 -1.284846 0.0342388
1989 -2.285
95-99 -0.9572549 0.0004056
1990 -1.787
100-104 -0.675996 -0.0159818
1991 -1.877
105-109 -0.4587576 -0.0258281
1992 -2.435
110+ -0.3211423 -0.0301166
1993 -2.153
1994 -3.051
B. Parâmetros 1995 -2.881
1996 -2.786
1997 -3.220
Tabela 3 – Coeficientes obtidos a partir
de uma SVD 1998 -3.303
1999 -3.301
1940 3.741 2000 -3.774
2001 -4.045
1941 4.167
1942 3.902 2002 -4.119
2003 -4.062
1943 3.707
1944 3.559 2004 -5.010
1945 3.347 2005 -4.659
2006 -5.548
1946 3.454
1947 3.060 C. Extrapolação de
1948 2.851
1949 3.157
Tabela 4 – Extrapolação de usando
1950 2.591
um modelo ARIMA (0,1,0). Os valores
1951 2.652 entre 1940 e 2006 são reais.
1952 2.330 t
1953 2.134 1940 3.741
1954 1.980 1941 4.167 2.938 4.828
1955 2.125 1942 3.902 3.365 4.564
7. 7
Coelho, E. (n.d.). The Lee - Carter Method for Forecasting
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