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Um quebra-cabeça chamado obesidade
Por Psicóloga Daniela Souza
A obesidade é provavelmente o mais antigo distúrbio metabólico, havendo relatos da ocorrência
desta doença em múmias egípcias e em esculturas gregas. Antigamente chegou a ser sinal de saúde e
beleza. Recentemente, a obesidade é abordada como uma doença multicausal e considerada a mais
importante desordem nutricional nos países desenvolvidos, tendo em vista o aumento de sua
incidência: o excesso de peso hoje no Brasil atinge aproximadamente 48,6% da população brasileira.
Atualmente, observa-se em diversos estudos o termo “transição nutricional”. O conceito é
utilizado, por Oliveira & Thébaud-Mony (1997) para abordar as transformações sociais, econômicas,
demográficas e ligadas à saúde, observadas ao longo deste século. Há a evolução das necessidades
alimentares, dos modelos de consumo e dos estilos de vida: dieta mais rica em gorduras
(particularmente as de origem animal), açúcares e alimentos refinados, reduzida em carboidratos
complexos e fibras associada ao sedentarismo.
Vários estudos têm demonstrado que a obesidade está fortemente associada a um risco maior de
desfechos, sejam cardiovasculares, câncer ou mortalidade. Condições crônicas, como a síndrome
metabólica, doenças cardiovasculares, diabetes, dislipidemais, esteatose hepática, osteoartrose,
câncer, apneia do sono e doença renal.
Como se tentassem montar um jogo de quebra-cabeça, sem ter a mínima ideia de como essa
figura ficará uma vez encaixadas todas as peças, autores argumentam e investigam a influência
genética, outros buscam hormônios e substâncias reguladoras do metabolismo lipídico e da
saciedade (leptina, adiponectina, grelina, pYY), mutações genéticas, e outros investigam o estilo de
vida, atividade física, tipos de alimentos e as interações entre eles, influência do peso ao nascer,
tempo em frente à televisão e assim por diante (Barros Filho, 2004).
Embora ainda muitas peças precisem ser identificadas para se compor este quebra-cabeça, um
conceito já está bem definido: o peso corporal é regulado por vários mecanismos que procuram
manter um equilíbrio entre a energia ingerida e a energia gasta, e esses mecanismos são bastante
precisos em condições normais.
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Pesquisas e identificação de variantes genéticas relacionadas à obesidade em grandes populações
têm sido desenvolvidas e facilitadas através dos avanços na tecnologia de genotipagem e de
mapeamentos genéticos, a exemplo dos estudos de associação e rastreamento do genoma - Genome
Wide Association, GWA- que permitem a varredura de milhares de polimorfismos de nucleotídeo
único (Single Nucleotide Polymorphisms, SNPs) em grandes populações (Fernandes et al., 2011).
Pacientes obesos com diagnóstico de mutação em um único gene ou que preencham critérios
para alguma síndrome genética representam apenas uma pequena fração da população obesa.
Assim, para a maioria dos pacientes tais achados genéticos não explicam a magnitude do problema
de saúde pública que essa doença representa (Fernandes et al., 2011).
Ou seja, a obesidade é um fenótipo complexo e multifatorial e a variação interindividual desses
fenótipos resulta da ação e interação de múltiplos genes e fatores ambientais. As estratégias que têm
sido utilizadas na pesquisa de variantes genéticas que predisponham à obesidade comum e a
Psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental; Obesidade e Emagrecimento, atuando no
tratamento clínico e cirúrgico da obesidade.
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Contato: daniela.souzao@yahoo.com.br
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variações na quantidade e distribuição da gordura corporal, comparam grupos de indivíduos de
acordo com algumas variáveis, que podem ser medidas antropométricas, medidas bioquímicas,
achados de exames de imagem ou avaliação de gasto metabólico. É esperado que, no futuro, os
testes genéticos possam rastrear a população para predizer o nível de risco individual para o
desenvolvimento da doença.
2. A Hipótese Neuroendócrina
A obesidade pode ser secundária a várias disfunções, seja através de maus funcionamentos do
sistema nervoso (hipotálamo) ou endócrino (hormônios liberados pela tireoide e tecido adiposo).
Esses distúrbios interferem diretamente na regulação da ingestão de alimentos e de armazenamento
de energia, contribuindo para o surgimento e a manutenção da obesidade. Entre eles, fatores
neuronais, fatores endócrinos e adipocitários e fatores gastrointestinais.
Nos últimos dez anos, avanços consideráveis foram obtidos na caracterização dos mecanismos
hipotalâmicos de controle da fome e da homeostase energética. Em grande parte, tais avanços foram
possíveis graças à identificação do hormônio leptina e do estudo de sua ação no sistema nervoso
central (Velloso, 2006).
Segundo Halpern et al (2004), o controle da ingestão de nutrientes e o decorrente estado de
equilíbrio homeostático dependem de uma série de sinais periféricos que atuam diretamente sobre o
sistema nervoso central. O entendimento atual do sistema envolvido nesta regulação sugere que, no
hipotálamo, há dois grandes grupos de neuropeptídeos envolvidos nos processos orexígenos ( NPY e
AgRP) e anorexígenos (Alfa-MSH e o transcrito relacionado à cocaína e à anfetamina - CART).
A homeostase energética é controlada por um sistema neuro-humoral que minimiza o impacto de
pequenas flutuações no balanço energético, sendo que a leptina e a insulina são elementos críticos
desse controle e são secretados em proporção à massa adiposa. A leptina, atua nos receptores
expressos no hipotálamo para promover a sensação de saciedade e regular o balanço energético
(Halpern et al., 2004).
A insulina é produzida pelas células beta do pâncreas, e a sua concentração sérica também é
proporcional à adiposidade. Com seu efeito anabólico, a insulina aumenta a captação de glicose, e a
queda da glicemia é um estímulo para o aumento do apetite. Estudos experimentais demonstraram
que a insulina tem uma função essencial no sistema nervoso central para estimular a saciedade,
aumentar o gasto energético e regular a ação da leptina. A insulina ainda interfere na secreção de
entero-hormônios como glucagon-like-peptide (GLP 1), que atua inibindo o esvaziamento gástrico e,
assim, promovendo uma sensação de saciedade prolongada. (Halpern et al., 2004).
O tecido adiposo é o principal reservatório energético do organismo. Em decorrência de estudos
mais recentes, com a descoberta da propriedade de secretar substâncias com importantes efeitos
biológicos, grande importância foi atribuída ao seu papel endócrino. É capaz de regular o seu próprio
metabolismo, número de células e o respectivo volume mediante a ação de fatores neuroendócrinos,
parácrinos e autócrinos e a influência de nutrientes tendo ainda um papel na regulação de
mecanismos da fome e saciedade quer pela leptina e outras citoquinas como o TNF e com efeitos
anorexigénicos (FONSECA-ALANIZ et al, 2006)
A absorção, ou mesmo a presença de alimento no trato gastrintestinal, contribui para modulação
do apetite e para regulação de energia. O trato gastrintestinal possui diferentes tipos de células
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secretoras de peptídeos que, combinados a outros sinais, regulam o processo digestivo e atuam no
sistema nervoso central para a regulação da fome e da saciedade (Halpern et al., 2004).
Evidências demonstram que a saciedade prandial é atribuída predominantemente à ação da CCK
que é liberada pelas células do trato gastrintestinal, em resposta à presença de gordura e proteína.
Outro inibidor da ingestão alimentar é o peptídeo YY, ou PYY, expresso pelas células da mucosa
intestinal, e sugere-se que a regulação é neural, já que seus níveis plasmáticos aumentam quase que
imediatamente após a ingestão alimentar (Obesos apresentam menor elevação dos níveis de PYY
pós-prandial, especialmente em refeições noturnas, levando a uma ingestão calórica maior). A
grelina é secretada por células da mucosa gástrica e é um dos mais importantes sinalizadores para o
início da ingestão alimentar. Sua concentração mantém-se alta nos períodos de jejum e nos períodos
que antecedem as refeições, caindo imediatamente após a alimentação, o que também sugere um
controle neural. A grelina, além de aumentar o apetite, também estimula as secreções digestivas e a
motilidade gástrica (Halpern et al., 2004)..
3. Fatores Psicológicos e Psiquiátricos
Por fim, existem os fatores psicossociais. Vale ressaltar a dificuldade em descrevê-los de uma
forma clara, concreta e sucinta diante da complexidade do tema e a não conformidade na literatura
das diversas abordagens. Esses fatores manifestam-se por meio de um conjunto complexo de
sintomas e queixas expressas de forma subjetiva, sendo muitas vezes de difícil compreensão para o
profissional que pretenda realizar uma intervenção.
Os fatores psicológicos e psiquiátricos são de fundamental importância para o entendimento e
manejo clínico do paciente obeso. De início, é necessário afirmar que a obesidade não é
classificada como um transtorno psiquiátrico. Alguns estudos documentam a maior incidência de
psicopatologia em obesos, mas há muitos desentendimentos quanto à sua extensão e natureza.
Essas discrepâncias ocorrem por serem estudos de amostras regionais, com idade restrita a
pequenas faixas etárias, com apenas mulheres, ou diagnósticos não baseados no DSM-IV-TR.
(Costa et al., 2009).
Porém, vários estudos controlados demonstram que pessoas obesas, que procuram por
tratamento, apresentam mais distúrbios emocionais do que pessoas obesas que não procuram
tratamento ou controles não-obesos, em consonância com outros estudos epidemiológicos que
demonstram que a população que busca tratamento apresenta formas mais graves da patologia
de base e maior prevalência de co-morbidez (Segal et al., 2002).
Segundo Vasques et al. (2002) os problemas emocionais são geralmente percebidos como
consequências da obesidade, embora conflitos e problemas psicológicos de autoconceito possam
preceder o desenvolvimento da obesidade. A depressão e a ansiedade são os sintomas comuns;
depressão maior pode ser frequente nos gravemente obesos. Pacientes obesos emocionalmente
instáveis podem experienciar aumento na ansiedade e depressão quando fazem dietas. Portanto,
o obeso apresenta aspectos emocionais e psicológicos identificados como causadores ou
consequências ou retroalimentadores da sua condição de obeso, concomitante a uma condição
clínica e educacional alterada.
Duchesne (1995) menciona a importância (em função do prognóstico) de fatores como a
depressão, a ansiedade e a compulsão nos quadros de Obesidade e Transtorno da Compulsão
Alimentar Periódica (TCAP), sendo essas as comorbidades mais amplamente investigadas. A
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compulsão alimentar é frequentemente desencadeada por estados de humor disfóricos, estados
ansiosos, intensa fome e grande dificuldade no controle dos impulsos. Pacientes portadores desse
problema apresentam baixa autoestima e aumento da ansiedade interpessoal, percebendo-se
como inadequados tanto no seu funcionamento social como no pessoal. Possuem significativo
comprometimento da saúde, sendo que com frequência se observa a comorbidade de
transtornos de personalidade.
Com efeito, a existência de alterações psicopatológicas com significado clínico têm sido
descritas como podendo comprometer o tratamento, nomeadamente através da não-adesão. Os
estudos sobre as características psicológicas desta população referem como alterações mais
frequentes, a nível psicopatológico e de personalidade, a perturbação borderline e a nível
emocional, as de tipo depressivo, sendo as de tipo ansioso as segundas mais prevalentes.
(Travado et al., 2002).
A dificuldade em manter o peso perdido a longo prazo e a frustração face a estes regimes de
tratamento são partilhados por quase todos os obesos que deste modo continuam a ganhar peso.
Este tipo de insucesso no tratamento desta patologia deve-se em grande parte ao seu carácter
unimodal, em que se privilegia uma intervenção biológica, bioquímica e prescritiva, característica
do modelo biomédico, em detrimento dos aspectos psicossociais do indivíduo no seu processo de
doença e de tratamento.
Diante de tantos olhares, abordagens e recursos para compreender a complexidade do
adoecer, ainda ficam inúmeras questões, relacionadas principalmente com o estilo de vida desses
indivíduos. O que os levam a permanecerem com hábitos alimentares hipercalóricos e com um
gasto calórico insuficiente, levando a um balanço energético positivo e consequente ganho de
peso? Qual a motivação para a mudança em seu estilo de vida?
Inúmeras hipóteses são levantadas: desde hipóteses biológicas até psicossociais. Infelizmente
o quebra cabeça ainda não foi montado. Verifica-se que faltam peças e algumas ainda estão mal
formuladas. Como pode observar, embora a obesidade seja o distúrbio metabólico mais antigo e
mais estudado, os estudos são inconclusivos e consequentemente resultam em tratamentos
ineficazes.
Diante dessas hipóteses, a afirmação mais concreta é a necessidade de uma equipe
multidisciplinar acompanhando esse indivíduo em sua jornada. Dessa forma, garante-se um olhar
multifacetado para o indivíduo, propiciando modificações em seu estilo de vida e melhora tanto
da sua qualidade como expectativa de vida.
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