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LER PLANTAS E APRENDER ARQUITETURA
Enrique Browne
Em uma entrevista, perguntaram a um diretor de orquestra se ouvia muita música.
Ele respondeu o que fazia tanto quanto qualquer aficionado, mas que lia muita música.
Algo semelhante acontece com os desenhos de arquitetura: ao lê-los aparece
mentalmente a imagem construída, os espaços, os percursos. Ler desenhos
é uma maneira profunda de aprender; mas é um costume que se está perdendo.
A publicação de projetos em livros e revistas repousa cada vez mais nas fotografias. A maioria das vezes, tudo se
reduz ao consumo de imagens sem conteúdo; as obras são mediadas pelas imagens a ponto de não se distinguir se as
virtudes ou defeitos são da arquitetura ou da fotografia. Com os desenhos, essa confusão não existe.
Entre os diferentes tipos de desenhos, as plantas ocupam um lugar de destaque. Não oferecem toda a explicação de
um projeto, mas a essência de sua intenção. As bem-sucedidas exercem um estranho fascínio, tal como uma fórmula
elegante sobre um matemático. As plantas são cortes horizontais dos edifícios que detalham sua localização no terreno
e a distribuição interna dos recintos. Sem elevações e, sobretudo, sem cortes verticais, essa informação é insuficiente
para entender bem uma obra. Podem existir notáveis projetos de arquitetura cujas plantas não sejam excepcionais e
vice-versa. Por exemplo, as plantas de Casa Gilardi (Cidade do México, 1976/80), de Luís Barragán, não fazem
vislumbrar a emoção que suscitam a cor e a luz da obra. Ao contrário, a extraordinária planta do edifício habitacional
Neue Vahr (Bremen, Alemanha, 1958/62), de Alvar Aalto, não correspondem a um edifício no mesmo nível. Mas em
geral os resultados coincidem.
Todos os grandes arquitetos modernos criaram belas plantas a par de belos edifícios. Afastando-se da tradição,
encontraram fórmulas inovadoras para adequar-se a diferentes lugares e programas. Mas muitas de suas propostas
deram origem a um fato contraditório: tal é o atrativo e a flexibilidade de várias de suas plantas que estas se tornaram
válidas para outros lugares e programas (o que contrasta com o dogma funcionalista que a maioria deles professou).
Tais plantas adquiriram certo valor por si mesmas. Estabeleceram tipologias modernas capazes de desenvolver
variações , produzidas por eles ou outros. É nesse sentido, sobretudo, que iniciaram uma tradição moderna.
Entre outros temas centrais da nova arquitetura estavam a planta livre, a fluides espacial e a integração interior/exterior
que obviamente comparecem nas plantas; mas existem outros, menos comentados, tal como a tendência para a
assimetria. Trata-se de uma reação lógica contra as plantas centrais ou axiais de tradição acadêmica, mas coincide,
dessa vez, com o funcionalismo, dado raramente o programa de uma obra se decompõe em partes equivalentes. Além
disso, as condições específicas de localização de cada obra (acessos, topografia, visuais, insolação,etc), são irrepetíveis
e raramente simétricas. Por isso mesmo era factível esperar inúmeras plantas, peculiares a cada situação. Na prática
houve bastante dispersão, mas, como assinalei, certos traçados foram utilizados repetidas vezes. A busca de equilíbrios
simétricos se converteu muitas vezes em um valor em si, reproduzindo uma tendência de outras artes plásticas
modernas. Outro tema, não necessariamente novo, nas plantas contemporâneas é o contraste entre opostos: aberto
versus fechado, expandido versus compacto, etc. Grande parte da sedução e força de muitas plantas modernas reside
nesses contrapontos e na surpresa que provocam.
Sem pretender chegar a uma história das plantas modernas, nem ao menos a uma análise exaustivas de algumas
delas, proponho-me aqui desenvolver sequências de raciocínio vindas da releitura de determinadas plantas que mais
têm me atraído durante minha formação e desenvolvimento profissional.
Claustros corbusierianos
As obras de Le Corbusier foram tão copiosamente esmiuçadas que não vale a pena deter-se nelas. Convém apenas
sublinhar como seu afã inovador transformava plantas aparentemente tradicionais em soluções inéditas. Um exemplo é
o convento de La Tourette, próximo a Lyon (França, 1952/57), dos padres dominicanos.
À primeira vista, nada mais convencional que a planta do quinto pavimento: um esquema de pátio formando um
claustro retangular onde as repetitivas celas dos monjes ocupam três lados e a igreja o quarto (figura 1).
Mas a análise da planta do segundo nível revela surpresas. Devido à inclinação, o claustro fica sobre pilotis, enquanto
a igreja se ancora firmemente no terreno (figura 2).
1. Convento de La Tourette, quinto pavimento, Le Corbusier
2. Convento de La Tourette, segundo pavimento, Le Corbusier
Para reforçar, as circulações não são perimetrias: dão-se por passarelas que cruzam o vazio central. Alguns programas
especiais, como uma capela ou a sacristia, se inserem dentro desse vazio. Le Corbusier retoma essa planta, com
variações, num programa e lugar totalmente distintos: o Palácio da Assembleia de Chandigarh (Punjab, Índia, 1961,
figura 3). Novamente um claustro com três lados contendo programas repetitivos (agora escritórios) e um quarto lado
com o monumental pórtico de acesso.
Outra vez também a transformação se opera basicamente sobre o espaço central. Agora é coberto como uma sala
hipostila, dentro da qual se situa a Câmara dos Deputados e a planta quadrada do Senado simbolicamente elevada
sobre pilotis.
3. Palácio da Assembleia de Chandigarh, Le Corbusier
Uma profusão de escadas e rampas anima o espaço intersticial da sala hispotila. Em pouco tempo, variações dessa
planta de difundiram em diferentes continentes para programas diversos: desde faculdades universitárias até centros
cívicos. Um dos exemplos mais bem sucedidos é o Edifício Cepal, projetado por Emílio Duhart em Santiago do Chile
(1960/64, figura 4).
4. Edifício Cepal, Emílio Duhart
A mais brusca transformação qualitativa dessa planta é a efetuada por Louis Kahn no convento para as irmãs
dominicanas, em Media (Pensilvânia, Estados Unidos, 1965/68). Seu projeto parece ter dupla origem. Por um lado, o
mencionado mosteiro de La Tourette; por outro, uma casa projetada por ele em Hatboro (Pensilvânia, Estados Unidos,
1960/67). Sete anos Kahn dedicou a essa modesta moradia (figura 5). Aparentemente elementar, consiste em dois
quadrados de madeira (um deles disposto a 45 graus) que colidem violentamente. As circulações se reduzem a um
mínimo e a casa é insolitamente compacta e abstrata. A planta de altura dupla aloja estar, jantar e cozinha. A outra, os
dormitórios. Para uma mente tão analítica como a de Kahn, essa rotação devia ter uma explicação racional: o estar é
paralelo à rua, enquanto os dormitórios se alinham com o eixo de insolação leste-oeste. No convento das irmãs
dominicanas, Kahn distribui as celas repetitivas em U à maneira de La Tourette, deixando as salas de reunião nos
cantos e extremos (figura 6).
5. Casa em Hatboro, Louis Kahn
6. Convênio para as irmãs dominicanas, Louis Kahn
Mas suprime o quarto lado do perímetro. Diversas plantas peculiares, dispostas aparentemente ao acaso, colidem com
o U e entre si. Adquirem uma posição ambígua: estão dentro do pátio, mas, por sua vez, fecham o pátio. Sua
distribuição não é tão arbitrária como parece. Cada elemento aloja um programa especial: hall, capela, refeitório,
serviços, aulas etc. Ocupando um lugar central e proeminente desde a chegada está o hall de entrada. O resto dos
elementos se distribui ao redor de um pátio menor, interceptando o U em seu centro e extremos para formar outros dois
pátios. Com essa distribuição, Kahn faz dos percursos uma surpresa contínua. A rigidez do perímetro com seus
percursos lincates versus a liberdade agregadora das plantas interiores dá origem a um contraponto notável. A planta
geral pode ser vista como algo totalmente novo ou totalmente antigo, como um castelo medieval ou uma cidade
murada.
James Stirling deu um passo além, tanto na novidade como nas reminiscências. No projeto para o Centro de Estudos
Científicos (Berlim, Alemanha, 1979/87), devia reutilizar um edifício beaux-arts e ampliá-lo várias vezes. Remodelou
o velho prédio para secretárias e salas de reuniões, destinando-o a escritórios. Colocou um longo edifício no lado
oposto ao existente. Para fechar um pátio central instalou entre ambos uma série de edifícios dos vários departamentos,
posicionados em diferentes ângulos e conectados entre si e por seus vértices. Cada um tem uma forma que recorda
plantas tradicionais: uma cruz latina de igreja, um hexágono de campanário, um hemiciclo e uma planta de castelo
(este último não construído). Ao nível do solo aproveitou a forma das diferentes plantas para colocar acessos e
programas especiais, tais como auditórios (figura 7). Nos pavimentos superiores dos diferentes edifícios são
introduzidos os repetitivos escritórios. Stirling evita e monotonia e uniformidade burocrática, mas não perde o sentido
de unidade do conjunto, através de um animado pátio central e de um contínuo anel de percussos. Por suas referências
históricas, o conjunto denota influências pós-modernistas, mas é sobretudo antifuncionalista. Os edifícios têm
hierarquia similar e os programas se adaptam à vontade formal por trás das plantas. Isto é, a função segue a forma.
7. Centro de estudos científicos, James Stirling
Mies e Wright
A casa Robie, de Frank Lloyd Wright (Chigado, EUA, 1908), bem pode ser considerada a primeira casa moderna
(figura 8). Localizada em um terreno de esquina, sua planta de desenvolve ao redor da escada e lareira, centro da vida
familiar. As plantas tem nem duas faixas construídas, paralelas imbricadas. No térreo, a parte posterior contém o hall,
com garagem e uma entrada de serviço no outro extremo. Este duplo acesso reconhecia a incipiente importância do
automóvel na vida doméstica. Acima estão os serviços. A segunda faixa contém os espaços comuns. Ali Wright
utilizou o tradicional recurso do piano nobile, com o estar e sala de jantar em segundo nível, aumentados por amplas
janelas e terraços voltados para as duas ruas. O terceiro nível gira perpendicularmente ao redor da chaminé e contém
os dormitórios. Temas queridos para a arquitetura moderna, como a fluidez espacial e a integração interior com o
exterior, ficam magistralmente enunciados nessa casa. Se a Casa Robie é famosa, a Cada da Cascata (Bear Run,
Pensilvânia, 1936, figura 9) é mais, levando a um ponto mais alto ideias ensaiadas por Wright três décadas antes.
Pediram-lhe uma casa ao “lado” de uma cascata, mas ele fez “sobre” a cascata. As saliências em diferentes direções
fazem contraponto com os espessos muros de pedra encravados na rocha. O pavimento principal é ocupado quase
inteiramente por um grande e variado estar/sala de jantar. Abre-se para terraços em balanço sobre o riacho, ao qual se
chega por uma escada. Os pavimentos superiores possuem dormitórios com terraços.
8. Casa Robie, Frank Lloyd Wright
9. Casa Cascata
Ecos das propostas do De Stijl (do qual Wright teve influências de ida e volta) podem ser encontrados no jogo dos
planos que se expandem em diferentes direções. De qualquer modo, as plantas da Casa da Cascata resumem seus
postulados de integração com a natureza: a tocha viva que simbolicamente aparece no lugar da chaminé, o som e a
umidade da cascata, os terraços entre árvores que mudam com as estações. Mies van der Rohe havia conhecido a
primeira obra de Wright através de sua exposição em Berlim, em 1911. A fluidez espacial e a ibtegração
interior/exterior foi levada por Mies a um extremo radicalmente abstrato no projeto da Casa de Campo em Tijolos
(1924, figura 10). Sabe-se também que há nessa obra influências da pintura De Stijl, especialmente de Van Doesburg.
De fato, a planta é quase uma pintura abstrata. Mies não especifica o lugar nem o programa, mas se distinguem
“espaços de vivência” e “espaços de serviços.” A planta é conformada por uma série de paredes soltas de tijolos.
Figura 10. Casa de campo em tijolos, Mies van der Rohe
A chaminé é o único elemento reconhecível, mas não ocupa um lugar central. Não existe nenhum centro. O
conjunto consiste em um jogo de linhas ortogonais em equilíbrio dinâmico que se expande em distintas direções, entre
os quais fluem os espaços. Os vidros de fechamento têm um papel mínimo, desaparecendo praticamente toda distinção
entre interior e exterior. Para reforçar a ideia (e a abstração do plano), três paredes avançam até os limites do papel,
dando a impressão que poderiam continuar até o infinito. Em certa medida, essa planta coloca um paradoxo: é uma
casa, mas não simboliza os limites, a proteção nem programa de uma casa. Consta de apenas dois elementos: paredes e
espaços, prescindindo de qualquer outro elemento associado a uma casa, tais como tetos, pilares, janelas e portas.
O Pavilhão de Barcelona (Espanha,1928), por destinar-se a uma exposição, tem também um programa difuso
(figura 11). Mies utiliza ali mais elementos. As paredes se estendem entre superfícies horizontais bem delimitadas: um
pódio e dois tetos planos. Destaca o caráter não portante das paredes, função que cumprem os pilares cruciformes. Mas
a mudança mais profunda tem a ver com a forma das paredes. Em ambos os extremos da planta longitudinal estas se
dobram formando um pátio fechado e outro semi-aberto e abraçam espelhos d’água, confinando a obra em seus
extremos, insinuando a inclusão de um elemento adicional, o pátio (talvez por estar na Espanha?), ao tema da
integração com o exterior. Já não é a expansão indefinida, mas em direção a espaços controlados.
Figura 11. Pavilhão de Barcelona, Mies van der Rohe
Figura 12. Casas com pátio, Mies van der Rohe
No projeto das Casas com Pátio (1931, figura 12), leva à conclusão final o que estava insinuado no Pavilhão de
Barcelona. Uma parede de tijolos rodeia todo o terreno enquanto paredes internas o dividem em três pátios de
superfícies e formas dissímeis. Mies mostra assim a flexibilidade da proposta e a busca de privacidade. Uma parte de
cada pátio está protegida por uma laje sustentada por pilares, formando pátios menores. Sob as lajes estão as
residências. Interiormente, paredes ortogonais conformam espaços à maneira de sua Casa de Campo em Tijolos. Com
exceção das chaminés, a separação com o exterior consiste em meras membranas de vidro. Casa e terreno são
praticamente a mesma coisa. Mas o espaço fluido não se expande até o infinito, e sim até pátios internos e privados,
próprios da tradição mediterrânea. A síntese entre opostos (expansão e confinamento) dá origem a um modelo
totalmente novo. Já não são as Casas da Pradaria de Wright, mas casas com forte sentido urbano.
Leques de Aalto
Talvez o mais plástico desenhista de plantas da arquitetura moderna seja Alvar Aalto. Elaborou as mais variadas
soluções. Mas durante uma dúzia de anos esteve obcecado com um tipo que é quase sua marca registrada. Trata-se do
contraponto entre uma “faixa” retangular (onde coloca programas repetitivos) e um “leque” com os espaços mais
significativos da obra, os quais se abrem até a luz ou as vistas. Existem antecedentes em seu próprio trabalho, mas a
série se inicia com a notável planta do edifício habitacional Neue Vahr (Bremem, Alemanha, 1958/62, figura 13).
Trata-se de um prédio de 22 andares com apartamentos de um único ambiente. Aalto colocou as circulações verticais
na parte posterior, enquanto os apartamentos se abrem como flor para o sol. O “leque” se desenvolve em uma elegante
curva e contracurva.
13. Edifício habitacional, Neue Vahr, Alvar
Aalto
Aalto utiliza uma planta semelhante no edifício residencial Torre Schonbuhl (Lucerna, Suíça, 1965/68), para
apartamentos com mais quartos. O resultado é menos claro. Mas onde consegue resultados extraordinários é com um
programa totalmente distinto: bibliotecas. Em Seinajoki (Finlândia, 1963/65), a biblioteca é parte do centro cívico
(figura 14). Dado o programa, Aalto ampliou a “barra” da planta, localizando ali o acesso, os escritórios e outros. Tal
“barra” se converte na fachada principal do conjunto fazendo frente para a praça central ampliada. O “leque” se abre
para um ensolarado parque na parte posterior contendo a grande sala com dupla altura da biblioteca. Aalto não só
muda o programa e o peso relativo de seus elementos.
Adota uma solução similar na biblioteca de
Rovaniemi (Finlândia, 1963/68). Mas a curva dá para
o lado sem sol e se faceta em pétalas, multiplicando
as zonas de dupla altura para leitores (figura 15). Na
Biblioteca do Colégio Benedicto de Mount Angel
(Oregon, EUA, 1965/70), a “barra” tem um nível,
mas o “leque” escorrega para uma ladeira abrupta,
adquirindo três pisos (figura 16).
14. Biblioteca de Seinajoki, Alvar Aalto
15. Biblioteca de Rovaniemi,
Alvar Aalto
16. Biblioteca em Mount Angel, Alvar Aalto
As belas variações anteriores falam da flexibilidade desse tipo de planta em relação a diferentes condições de
programa, acesso e lugar. Aalto tentou também aplicá-la em uma moradia unifamiliar em seu primeiro anteprojeto para
a Villa Erica (perto de Turim, Itália, 1967). Esta se localizava em um grande terreno em aclive. Ele colocou o acesso
em diagonal e localizou o “leque” na extremidade menor da “barra”, com o que o conjunto se assemelha a uma tocha.
Na parte inferior da “barra” situou a garagem e os serviços, enquanto o piso superior abriga os dormitórios. Dado o
desnível, estes sobrem diretamente ao jardim na parte posterior. O “leque” se abre para as vistas longínquas, contendo
sucessivamente a sala de jantar, uma piscina coberta e o estar. Cada uma dessas dependências dá para em pequeno
pátio, captando fragmentos particulares da vista panorâmica (figura 17).
17. Villa Erica, Alvar
Aalto
Parece que o cliente era difícil. Aalto propôs mais três opções, mas, lamentavelmente, não construiu nenhuma. É
natural que essa solução de planta tenha atraído, consciente ou inconscientemente, a imaginação de destacados
arquitetos, aplicando-a com variações a outros programas e lugares. Um com exemplo é a Fundação Pilar e Joan Miró
(Palma de Maiorca, Espanha, 1987/93), de Rafael Moneo (figura 18), em uma encosta. A planta sugere espaços de
grande emoção. O acesso se dá pela parte superior, através de uma “barra” de três níveis que contém a recepção e
outros programas. Dali avista-se um espelho d’água sobre o “leque” onde está a sala de exposições, conectando-se
visualmente com o mar ao longe. Na forma do “leque” Moneo introduziu importantes variações. Assemelha-se mais a
uma estrela. Sendo um museu, requer paredes e luz natural controlada. Assim, ele bloqueou boa parte das vistas para o
exterior, introduzindo paredes perpendiculares aos limites e janelões de alabastro que lançam uma luz dourada.
18. Fundação Pilar e Joan Miró, Rafael
Moneo
Frank Gehry também retomou alguns aspectos desse esquema na Sede da Vitra (Birsfelden, Basiléia, Suíçça, 1988/94).
Instalou o escritório em uma “barra”. O hall e as salas de reuniões (de diferentes tamanhos e formas expressionistas)
foram concentrados em um explosivo núcleo adjacente (figura 19). A separação entre esse núcleo e a “barra” se explica
pela necessidade de criar uma grande viseira que protege a “barra” do sol, introduzindo um interessante conector. Mas
ao agregar esse novo elemento a “barra” e o núcleo colidem, razão pela qual o modelo aaltiano perde suas
características.
19. Sede da Vitra, Frank Gehry
Jogo de espelhos
Posteriormente aos primeiros modernos, vários arquitetos desenvolveram plantas criativas que também merecem
maiores análises. Por exemplo, aquela elaborada por James Stirling para a ampliação e reutilização de um moinho do
século 16 para o Banco Dresdner (Marburg, Alemanha, 1977, figura 20).
20. Banco Dresdner, James Stirling
Nele Stirling realiza um truque espacial semelhante aos truques visiaus de M.C. Escher. Propôs demolir as ampliações, com
exceção de um portal renascentista. O velho moinho ficava assim liberado para usos múltiplos. Stirling propôs uma pequena
pracinha como anfiteatro na esquina que prossegue numa passagem de pedestres, à semelhança de outras na cidade. A passagem é
interceptada por uma faixa transversal de circulações verticais. O banco dá as costas à rua, abrindo-se para a passagem. Ao
ultrapassar a faixa transversal, a fachada curvilínea continua como portal de uma pequena loja no lado contrário que
surpreendentemente reverte a situação espacial, dando para a rua. Esse tipo de planta oferece excelentes possibilidades de
utilização para outras finalidades. Acontece o mesmo com a planta da Casa Stern (Woodbridge, Connecticut, EUA, 1970) de
Charles Moore e William Turnbull. A casa (figura 21), localizada em um terreno cheio de bosques, possui três andares. Tem um
acesso duplo a partir da garagem. Daí partem dois corredores de alturas diferentes e 30m de comprimento, os quais se
interceptam em ângulo agudo no meio do plano. Nesse ponto a casa tem menos de 2m de largura. Anexas à garagem, as
circulações se ampliam para das lugar a uma sala de jogos e à sala de jantar. Depois do cruzamento terminam no estar e, acima,
com o dormitório principal. O esquema produz dinâmicos jogos de altura e de percurso, ao mesmo tempo que distintos lugares de
descanso. Por sua vez, oferece variadas visões do bosque que o circunda. Sem dúvida, outra planta apta para múltiplas
readaptações.
21. Casa Stern, Charles Moore

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A ARQUITETURA POPULAR COMO TRANSIÇÃO ENTRE O VERNÁCULO E O ERUDITO
 

Ler plantas e aprender arquitetura

  • 1. LER PLANTAS E APRENDER ARQUITETURA Enrique Browne Em uma entrevista, perguntaram a um diretor de orquestra se ouvia muita música. Ele respondeu o que fazia tanto quanto qualquer aficionado, mas que lia muita música. Algo semelhante acontece com os desenhos de arquitetura: ao lê-los aparece mentalmente a imagem construída, os espaços, os percursos. Ler desenhos é uma maneira profunda de aprender; mas é um costume que se está perdendo. A publicação de projetos em livros e revistas repousa cada vez mais nas fotografias. A maioria das vezes, tudo se reduz ao consumo de imagens sem conteúdo; as obras são mediadas pelas imagens a ponto de não se distinguir se as virtudes ou defeitos são da arquitetura ou da fotografia. Com os desenhos, essa confusão não existe. Entre os diferentes tipos de desenhos, as plantas ocupam um lugar de destaque. Não oferecem toda a explicação de um projeto, mas a essência de sua intenção. As bem-sucedidas exercem um estranho fascínio, tal como uma fórmula elegante sobre um matemático. As plantas são cortes horizontais dos edifícios que detalham sua localização no terreno e a distribuição interna dos recintos. Sem elevações e, sobretudo, sem cortes verticais, essa informação é insuficiente para entender bem uma obra. Podem existir notáveis projetos de arquitetura cujas plantas não sejam excepcionais e vice-versa. Por exemplo, as plantas de Casa Gilardi (Cidade do México, 1976/80), de Luís Barragán, não fazem vislumbrar a emoção que suscitam a cor e a luz da obra. Ao contrário, a extraordinária planta do edifício habitacional Neue Vahr (Bremen, Alemanha, 1958/62), de Alvar Aalto, não correspondem a um edifício no mesmo nível. Mas em geral os resultados coincidem. Todos os grandes arquitetos modernos criaram belas plantas a par de belos edifícios. Afastando-se da tradição, encontraram fórmulas inovadoras para adequar-se a diferentes lugares e programas. Mas muitas de suas propostas deram origem a um fato contraditório: tal é o atrativo e a flexibilidade de várias de suas plantas que estas se tornaram válidas para outros lugares e programas (o que contrasta com o dogma funcionalista que a maioria deles professou). Tais plantas adquiriram certo valor por si mesmas. Estabeleceram tipologias modernas capazes de desenvolver variações , produzidas por eles ou outros. É nesse sentido, sobretudo, que iniciaram uma tradição moderna. Entre outros temas centrais da nova arquitetura estavam a planta livre, a fluides espacial e a integração interior/exterior que obviamente comparecem nas plantas; mas existem outros, menos comentados, tal como a tendência para a assimetria. Trata-se de uma reação lógica contra as plantas centrais ou axiais de tradição acadêmica, mas coincide, dessa vez, com o funcionalismo, dado raramente o programa de uma obra se decompõe em partes equivalentes. Além disso, as condições específicas de localização de cada obra (acessos, topografia, visuais, insolação,etc), são irrepetíveis e raramente simétricas. Por isso mesmo era factível esperar inúmeras plantas, peculiares a cada situação. Na prática houve bastante dispersão, mas, como assinalei, certos traçados foram utilizados repetidas vezes. A busca de equilíbrios simétricos se converteu muitas vezes em um valor em si, reproduzindo uma tendência de outras artes plásticas modernas. Outro tema, não necessariamente novo, nas plantas contemporâneas é o contraste entre opostos: aberto versus fechado, expandido versus compacto, etc. Grande parte da sedução e força de muitas plantas modernas reside nesses contrapontos e na surpresa que provocam. Sem pretender chegar a uma história das plantas modernas, nem ao menos a uma análise exaustivas de algumas delas, proponho-me aqui desenvolver sequências de raciocínio vindas da releitura de determinadas plantas que mais têm me atraído durante minha formação e desenvolvimento profissional. Claustros corbusierianos As obras de Le Corbusier foram tão copiosamente esmiuçadas que não vale a pena deter-se nelas. Convém apenas sublinhar como seu afã inovador transformava plantas aparentemente tradicionais em soluções inéditas. Um exemplo é o convento de La Tourette, próximo a Lyon (França, 1952/57), dos padres dominicanos. À primeira vista, nada mais convencional que a planta do quinto pavimento: um esquema de pátio formando um claustro retangular onde as repetitivas celas dos monjes ocupam três lados e a igreja o quarto (figura 1).
  • 2. Mas a análise da planta do segundo nível revela surpresas. Devido à inclinação, o claustro fica sobre pilotis, enquanto a igreja se ancora firmemente no terreno (figura 2). 1. Convento de La Tourette, quinto pavimento, Le Corbusier 2. Convento de La Tourette, segundo pavimento, Le Corbusier Para reforçar, as circulações não são perimetrias: dão-se por passarelas que cruzam o vazio central. Alguns programas especiais, como uma capela ou a sacristia, se inserem dentro desse vazio. Le Corbusier retoma essa planta, com variações, num programa e lugar totalmente distintos: o Palácio da Assembleia de Chandigarh (Punjab, Índia, 1961, figura 3). Novamente um claustro com três lados contendo programas repetitivos (agora escritórios) e um quarto lado com o monumental pórtico de acesso.
  • 3. Outra vez também a transformação se opera basicamente sobre o espaço central. Agora é coberto como uma sala hipostila, dentro da qual se situa a Câmara dos Deputados e a planta quadrada do Senado simbolicamente elevada sobre pilotis. 3. Palácio da Assembleia de Chandigarh, Le Corbusier Uma profusão de escadas e rampas anima o espaço intersticial da sala hispotila. Em pouco tempo, variações dessa planta de difundiram em diferentes continentes para programas diversos: desde faculdades universitárias até centros cívicos. Um dos exemplos mais bem sucedidos é o Edifício Cepal, projetado por Emílio Duhart em Santiago do Chile (1960/64, figura 4). 4. Edifício Cepal, Emílio Duhart
  • 4. A mais brusca transformação qualitativa dessa planta é a efetuada por Louis Kahn no convento para as irmãs dominicanas, em Media (Pensilvânia, Estados Unidos, 1965/68). Seu projeto parece ter dupla origem. Por um lado, o mencionado mosteiro de La Tourette; por outro, uma casa projetada por ele em Hatboro (Pensilvânia, Estados Unidos, 1960/67). Sete anos Kahn dedicou a essa modesta moradia (figura 5). Aparentemente elementar, consiste em dois quadrados de madeira (um deles disposto a 45 graus) que colidem violentamente. As circulações se reduzem a um mínimo e a casa é insolitamente compacta e abstrata. A planta de altura dupla aloja estar, jantar e cozinha. A outra, os dormitórios. Para uma mente tão analítica como a de Kahn, essa rotação devia ter uma explicação racional: o estar é paralelo à rua, enquanto os dormitórios se alinham com o eixo de insolação leste-oeste. No convento das irmãs dominicanas, Kahn distribui as celas repetitivas em U à maneira de La Tourette, deixando as salas de reunião nos cantos e extremos (figura 6). 5. Casa em Hatboro, Louis Kahn 6. Convênio para as irmãs dominicanas, Louis Kahn
  • 5. Mas suprime o quarto lado do perímetro. Diversas plantas peculiares, dispostas aparentemente ao acaso, colidem com o U e entre si. Adquirem uma posição ambígua: estão dentro do pátio, mas, por sua vez, fecham o pátio. Sua distribuição não é tão arbitrária como parece. Cada elemento aloja um programa especial: hall, capela, refeitório, serviços, aulas etc. Ocupando um lugar central e proeminente desde a chegada está o hall de entrada. O resto dos elementos se distribui ao redor de um pátio menor, interceptando o U em seu centro e extremos para formar outros dois pátios. Com essa distribuição, Kahn faz dos percursos uma surpresa contínua. A rigidez do perímetro com seus percursos lincates versus a liberdade agregadora das plantas interiores dá origem a um contraponto notável. A planta geral pode ser vista como algo totalmente novo ou totalmente antigo, como um castelo medieval ou uma cidade murada. James Stirling deu um passo além, tanto na novidade como nas reminiscências. No projeto para o Centro de Estudos Científicos (Berlim, Alemanha, 1979/87), devia reutilizar um edifício beaux-arts e ampliá-lo várias vezes. Remodelou o velho prédio para secretárias e salas de reuniões, destinando-o a escritórios. Colocou um longo edifício no lado oposto ao existente. Para fechar um pátio central instalou entre ambos uma série de edifícios dos vários departamentos, posicionados em diferentes ângulos e conectados entre si e por seus vértices. Cada um tem uma forma que recorda plantas tradicionais: uma cruz latina de igreja, um hexágono de campanário, um hemiciclo e uma planta de castelo (este último não construído). Ao nível do solo aproveitou a forma das diferentes plantas para colocar acessos e programas especiais, tais como auditórios (figura 7). Nos pavimentos superiores dos diferentes edifícios são introduzidos os repetitivos escritórios. Stirling evita e monotonia e uniformidade burocrática, mas não perde o sentido de unidade do conjunto, através de um animado pátio central e de um contínuo anel de percussos. Por suas referências históricas, o conjunto denota influências pós-modernistas, mas é sobretudo antifuncionalista. Os edifícios têm hierarquia similar e os programas se adaptam à vontade formal por trás das plantas. Isto é, a função segue a forma. 7. Centro de estudos científicos, James Stirling
  • 6. Mies e Wright A casa Robie, de Frank Lloyd Wright (Chigado, EUA, 1908), bem pode ser considerada a primeira casa moderna (figura 8). Localizada em um terreno de esquina, sua planta de desenvolve ao redor da escada e lareira, centro da vida familiar. As plantas tem nem duas faixas construídas, paralelas imbricadas. No térreo, a parte posterior contém o hall, com garagem e uma entrada de serviço no outro extremo. Este duplo acesso reconhecia a incipiente importância do automóvel na vida doméstica. Acima estão os serviços. A segunda faixa contém os espaços comuns. Ali Wright utilizou o tradicional recurso do piano nobile, com o estar e sala de jantar em segundo nível, aumentados por amplas janelas e terraços voltados para as duas ruas. O terceiro nível gira perpendicularmente ao redor da chaminé e contém os dormitórios. Temas queridos para a arquitetura moderna, como a fluidez espacial e a integração interior com o exterior, ficam magistralmente enunciados nessa casa. Se a Casa Robie é famosa, a Cada da Cascata (Bear Run, Pensilvânia, 1936, figura 9) é mais, levando a um ponto mais alto ideias ensaiadas por Wright três décadas antes. Pediram-lhe uma casa ao “lado” de uma cascata, mas ele fez “sobre” a cascata. As saliências em diferentes direções fazem contraponto com os espessos muros de pedra encravados na rocha. O pavimento principal é ocupado quase inteiramente por um grande e variado estar/sala de jantar. Abre-se para terraços em balanço sobre o riacho, ao qual se chega por uma escada. Os pavimentos superiores possuem dormitórios com terraços. 8. Casa Robie, Frank Lloyd Wright 9. Casa Cascata
  • 7. Ecos das propostas do De Stijl (do qual Wright teve influências de ida e volta) podem ser encontrados no jogo dos planos que se expandem em diferentes direções. De qualquer modo, as plantas da Casa da Cascata resumem seus postulados de integração com a natureza: a tocha viva que simbolicamente aparece no lugar da chaminé, o som e a umidade da cascata, os terraços entre árvores que mudam com as estações. Mies van der Rohe havia conhecido a primeira obra de Wright através de sua exposição em Berlim, em 1911. A fluidez espacial e a ibtegração interior/exterior foi levada por Mies a um extremo radicalmente abstrato no projeto da Casa de Campo em Tijolos (1924, figura 10). Sabe-se também que há nessa obra influências da pintura De Stijl, especialmente de Van Doesburg. De fato, a planta é quase uma pintura abstrata. Mies não especifica o lugar nem o programa, mas se distinguem “espaços de vivência” e “espaços de serviços.” A planta é conformada por uma série de paredes soltas de tijolos. Figura 10. Casa de campo em tijolos, Mies van der Rohe A chaminé é o único elemento reconhecível, mas não ocupa um lugar central. Não existe nenhum centro. O conjunto consiste em um jogo de linhas ortogonais em equilíbrio dinâmico que se expande em distintas direções, entre os quais fluem os espaços. Os vidros de fechamento têm um papel mínimo, desaparecendo praticamente toda distinção entre interior e exterior. Para reforçar a ideia (e a abstração do plano), três paredes avançam até os limites do papel, dando a impressão que poderiam continuar até o infinito. Em certa medida, essa planta coloca um paradoxo: é uma casa, mas não simboliza os limites, a proteção nem programa de uma casa. Consta de apenas dois elementos: paredes e espaços, prescindindo de qualquer outro elemento associado a uma casa, tais como tetos, pilares, janelas e portas. O Pavilhão de Barcelona (Espanha,1928), por destinar-se a uma exposição, tem também um programa difuso (figura 11). Mies utiliza ali mais elementos. As paredes se estendem entre superfícies horizontais bem delimitadas: um pódio e dois tetos planos. Destaca o caráter não portante das paredes, função que cumprem os pilares cruciformes. Mas a mudança mais profunda tem a ver com a forma das paredes. Em ambos os extremos da planta longitudinal estas se dobram formando um pátio fechado e outro semi-aberto e abraçam espelhos d’água, confinando a obra em seus extremos, insinuando a inclusão de um elemento adicional, o pátio (talvez por estar na Espanha?), ao tema da integração com o exterior. Já não é a expansão indefinida, mas em direção a espaços controlados.
  • 8. Figura 11. Pavilhão de Barcelona, Mies van der Rohe Figura 12. Casas com pátio, Mies van der Rohe No projeto das Casas com Pátio (1931, figura 12), leva à conclusão final o que estava insinuado no Pavilhão de Barcelona. Uma parede de tijolos rodeia todo o terreno enquanto paredes internas o dividem em três pátios de superfícies e formas dissímeis. Mies mostra assim a flexibilidade da proposta e a busca de privacidade. Uma parte de cada pátio está protegida por uma laje sustentada por pilares, formando pátios menores. Sob as lajes estão as residências. Interiormente, paredes ortogonais conformam espaços à maneira de sua Casa de Campo em Tijolos. Com exceção das chaminés, a separação com o exterior consiste em meras membranas de vidro. Casa e terreno são praticamente a mesma coisa. Mas o espaço fluido não se expande até o infinito, e sim até pátios internos e privados, próprios da tradição mediterrânea. A síntese entre opostos (expansão e confinamento) dá origem a um modelo totalmente novo. Já não são as Casas da Pradaria de Wright, mas casas com forte sentido urbano.
  • 9. Leques de Aalto Talvez o mais plástico desenhista de plantas da arquitetura moderna seja Alvar Aalto. Elaborou as mais variadas soluções. Mas durante uma dúzia de anos esteve obcecado com um tipo que é quase sua marca registrada. Trata-se do contraponto entre uma “faixa” retangular (onde coloca programas repetitivos) e um “leque” com os espaços mais significativos da obra, os quais se abrem até a luz ou as vistas. Existem antecedentes em seu próprio trabalho, mas a série se inicia com a notável planta do edifício habitacional Neue Vahr (Bremem, Alemanha, 1958/62, figura 13). Trata-se de um prédio de 22 andares com apartamentos de um único ambiente. Aalto colocou as circulações verticais na parte posterior, enquanto os apartamentos se abrem como flor para o sol. O “leque” se desenvolve em uma elegante curva e contracurva. 13. Edifício habitacional, Neue Vahr, Alvar Aalto Aalto utiliza uma planta semelhante no edifício residencial Torre Schonbuhl (Lucerna, Suíça, 1965/68), para apartamentos com mais quartos. O resultado é menos claro. Mas onde consegue resultados extraordinários é com um programa totalmente distinto: bibliotecas. Em Seinajoki (Finlândia, 1963/65), a biblioteca é parte do centro cívico (figura 14). Dado o programa, Aalto ampliou a “barra” da planta, localizando ali o acesso, os escritórios e outros. Tal “barra” se converte na fachada principal do conjunto fazendo frente para a praça central ampliada. O “leque” se abre para um ensolarado parque na parte posterior contendo a grande sala com dupla altura da biblioteca. Aalto não só muda o programa e o peso relativo de seus elementos. Adota uma solução similar na biblioteca de Rovaniemi (Finlândia, 1963/68). Mas a curva dá para o lado sem sol e se faceta em pétalas, multiplicando as zonas de dupla altura para leitores (figura 15). Na Biblioteca do Colégio Benedicto de Mount Angel (Oregon, EUA, 1965/70), a “barra” tem um nível, mas o “leque” escorrega para uma ladeira abrupta, adquirindo três pisos (figura 16). 14. Biblioteca de Seinajoki, Alvar Aalto
  • 10. 15. Biblioteca de Rovaniemi, Alvar Aalto 16. Biblioteca em Mount Angel, Alvar Aalto As belas variações anteriores falam da flexibilidade desse tipo de planta em relação a diferentes condições de programa, acesso e lugar. Aalto tentou também aplicá-la em uma moradia unifamiliar em seu primeiro anteprojeto para a Villa Erica (perto de Turim, Itália, 1967). Esta se localizava em um grande terreno em aclive. Ele colocou o acesso em diagonal e localizou o “leque” na extremidade menor da “barra”, com o que o conjunto se assemelha a uma tocha. Na parte inferior da “barra” situou a garagem e os serviços, enquanto o piso superior abriga os dormitórios. Dado o desnível, estes sobrem diretamente ao jardim na parte posterior. O “leque” se abre para as vistas longínquas, contendo sucessivamente a sala de jantar, uma piscina coberta e o estar. Cada uma dessas dependências dá para em pequeno pátio, captando fragmentos particulares da vista panorâmica (figura 17). 17. Villa Erica, Alvar Aalto
  • 11. Parece que o cliente era difícil. Aalto propôs mais três opções, mas, lamentavelmente, não construiu nenhuma. É natural que essa solução de planta tenha atraído, consciente ou inconscientemente, a imaginação de destacados arquitetos, aplicando-a com variações a outros programas e lugares. Um com exemplo é a Fundação Pilar e Joan Miró (Palma de Maiorca, Espanha, 1987/93), de Rafael Moneo (figura 18), em uma encosta. A planta sugere espaços de grande emoção. O acesso se dá pela parte superior, através de uma “barra” de três níveis que contém a recepção e outros programas. Dali avista-se um espelho d’água sobre o “leque” onde está a sala de exposições, conectando-se visualmente com o mar ao longe. Na forma do “leque” Moneo introduziu importantes variações. Assemelha-se mais a uma estrela. Sendo um museu, requer paredes e luz natural controlada. Assim, ele bloqueou boa parte das vistas para o exterior, introduzindo paredes perpendiculares aos limites e janelões de alabastro que lançam uma luz dourada. 18. Fundação Pilar e Joan Miró, Rafael Moneo Frank Gehry também retomou alguns aspectos desse esquema na Sede da Vitra (Birsfelden, Basiléia, Suíçça, 1988/94). Instalou o escritório em uma “barra”. O hall e as salas de reuniões (de diferentes tamanhos e formas expressionistas) foram concentrados em um explosivo núcleo adjacente (figura 19). A separação entre esse núcleo e a “barra” se explica pela necessidade de criar uma grande viseira que protege a “barra” do sol, introduzindo um interessante conector. Mas ao agregar esse novo elemento a “barra” e o núcleo colidem, razão pela qual o modelo aaltiano perde suas características. 19. Sede da Vitra, Frank Gehry
  • 12. Jogo de espelhos Posteriormente aos primeiros modernos, vários arquitetos desenvolveram plantas criativas que também merecem maiores análises. Por exemplo, aquela elaborada por James Stirling para a ampliação e reutilização de um moinho do século 16 para o Banco Dresdner (Marburg, Alemanha, 1977, figura 20). 20. Banco Dresdner, James Stirling Nele Stirling realiza um truque espacial semelhante aos truques visiaus de M.C. Escher. Propôs demolir as ampliações, com exceção de um portal renascentista. O velho moinho ficava assim liberado para usos múltiplos. Stirling propôs uma pequena pracinha como anfiteatro na esquina que prossegue numa passagem de pedestres, à semelhança de outras na cidade. A passagem é interceptada por uma faixa transversal de circulações verticais. O banco dá as costas à rua, abrindo-se para a passagem. Ao ultrapassar a faixa transversal, a fachada curvilínea continua como portal de uma pequena loja no lado contrário que surpreendentemente reverte a situação espacial, dando para a rua. Esse tipo de planta oferece excelentes possibilidades de utilização para outras finalidades. Acontece o mesmo com a planta da Casa Stern (Woodbridge, Connecticut, EUA, 1970) de Charles Moore e William Turnbull. A casa (figura 21), localizada em um terreno cheio de bosques, possui três andares. Tem um acesso duplo a partir da garagem. Daí partem dois corredores de alturas diferentes e 30m de comprimento, os quais se interceptam em ângulo agudo no meio do plano. Nesse ponto a casa tem menos de 2m de largura. Anexas à garagem, as circulações se ampliam para das lugar a uma sala de jogos e à sala de jantar. Depois do cruzamento terminam no estar e, acima, com o dormitório principal. O esquema produz dinâmicos jogos de altura e de percurso, ao mesmo tempo que distintos lugares de descanso. Por sua vez, oferece variadas visões do bosque que o circunda. Sem dúvida, outra planta apta para múltiplas readaptações. 21. Casa Stern, Charles Moore