O documento descreve as esperanças judaicas da Nova Jerusalém no período intertestamentário e analisa as visões de João sobre a Nova Jerusalém em Apocalipse 21-22. João vê a Nova Jerusalém descendo do céu como uma criação nova de Deus, diferente da antiga Jerusalém, e como a consumação da esperança dos mártires e do plano de Deus.
1. O SIGNIFICADO DA NOVA JERUSALÉM
Apocalipse 21 e 22
"Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra
passaram, e o mar já não existe. Vi também a cidade santa, a nova
Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva
adornada para o seu esposo. Então, ouvi grande voz vinda do trono,
dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com
eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes
enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá
luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. E aquele
que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E
acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Disse-
me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu,
a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. O vencedor
herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho. Quanto,
porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos
impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que
lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda
morte" (Apoc. 21:1-8).
Esta visão de João continua a série de visões ("Vi") que começaram
com a do segundo advento em Apocalipse 19:11. Alguns inclusive
consideram Apocalipse 21:1-8 como "a parte mais importante de seu
livro".1 Apocalipse 20 e 21 estão unidos por muitos elos. Ambos falam
de "céu e terra" (20:11; 21:1), do "mar" (20:13; 21:1), do "livro da vida"
(20:12; 21:17), do "trono" de Deus (20:11; 21:3), da "segunda morte"
(20:14; 21:8) e do "lago de fogo" (20:15; 21:8). Estas conexões
confirmam que a visão da Nova Jerusalém é a culminação da longa
cadeia de visões que aparecem em Apocalipse 19:11 a 21:8. Em outras
palavras, a visão de "um novo céu e uma terra nova" (21:1) segue à
segunda vinda de Cristo (19:11-16) e ao milênio.
A descida da presença constante de Deus sobre a terra renovada é o
propósito do plano de Deus e de seus juízos sobre a humanidade
pecadora. Por conseguinte, a visão de Deus morando com os homens em
2. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 2
Apocalipse 21:1-8 forma o ponto culminante de todas as visões
anteriores de João, e a consumação da esperança dos mártires. Roy
Naden diz bem. "Sob a inspiração do Espírito Santo, os dois últimos
capítulos de seu livro [o de João] formam o cântico mais sublime".2
Agora João recebe visões repetidas da Nova Jerusalém (Apoc.
21:1-8, 10-27; 22:1-6), que revelam progressivamente o esplendor da
cidade de Deus. O fato de que João volta a ouvir a voz de Deus desde
seu trono ordenando que escrevesse palavras que são "fiéis e
verdadeiras" (21:5) é significativo. Desta maneira Deus autentica a
veracidade do que João viu. As palavras de Deus estão formuladas nas
promessas do Antigo Testamento que eram familiares ao povo de Israel.
João usa estas alusões para enfatizar a continuidade do pacto de Deus.
Destaca seu cumprimento repetindo sete vezes que Deus e o Cordeiro
estão unidos inseparavelmente com a Nova Jerusalém (21:9, 14, 22, 23,
27; 22:1, 3). Dessa maneira João informa à igreja que suas visões da
Nova Jerusalém são em essência diferentes das esperanças nacionais
judaicas de seu tempo. Sua esperança futura se centraliza em Cristo
Jesus e em seu povo universal.
Ao adotar a linguagem gráfica de Isaías e Ezequiel, João descreve
"a realidade indescritível do céu... o quadro mais detalhado que alguma
vez se deu na Escritura da realidade incomparável que Deus preparou
para seus filhos".3
O Significado Religioso de Jerusalém no Antigo Testamento
Os nomes de Jerusalém e o monte Sião são usados em forma
sinônima no Antigo Testamento (ver Miq. 3:12; 4:8; Isa. 10:12).
Jerusalém devia sua santidade ao traslado que fez Davi da arca de Jeová,
o símbolo do trono de Deus ao monte Sião (2 Sam. 6; Sal. 132:13-16).
Sião funcionou como o centro da inspiração, salvação e adoração divinas
(vejam-se os salmos 46, 48, 76). O Salmo 46 não glorifica a Jerusalém
em si, exceto como o lugar onde Deus mora:
3. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 3
"Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas
tribulações... Há um rio, cujas correntes alegram a cidade de Deus, o
santuário das moradas do Altíssimo. Deus está no meio dela; jamais será
abalada; Deus a ajudará desde antemanhã" (Sal. 46:1, 4, 5).
O Salmo 46 termina com uma perspectiva escatológica da
majestade de Deus:
"Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; sou exaltado entre as nações,
sou exaltado na terra" (Sal. 46:10).
Espraiando-se sobre esta esperança paradisíaca, o salmista descreve
a Jerusalém em termos ideais: "Há um rio, cujas correntes alegram a
cidade de Deus, o santuário das moradas do Altíssimo" (Sal. 46:4).
Como pôde o salmista dizer que Jerusalém tinha um "rio" quando não
possui nenhum arroio, exceto um pequeno manancial perto de Giom?
(ver 1 Reis 1:33, 38). Sua visão percebeu o tempo de salvação
messiânico.
Vários profetas também descreveram a Jerusalém escatológica
como possuindo uma correnteza no marco do paraíso restaurado (ver Isa.
33:21; 35:6, 7; Joel 3:18; Ezeq. 47:1-12; Zac. 14:8). Dessa maneira, a
cidade histórica de Davi chegou a ser na "teologia de Sião" de Jerusalém
um símbolo da esperança escatológica, um tipo profético do reino
messiânico. Dois profetas fizeram de Jerusalém a parte central de seu
panorama futuro e portanto merecem nossa atenção.
Ezequiel mostrou que Deus não estava atado incondicionalmente a
Jerusalém, mas sim a julgaria por sua apostasia religiosa, moral e social
(Ezeq. 8-11). Deus abandonaria o templo e voltaria só para um Israel
renovado moralmente (36:24-28; 37:26, 27), promessa que se amplia na
descrição do novo templo em Ezequiel 40 a 48. Esse templo da visão de
Ezequiel é de origem divina. É "uma realidade celestial criada pelo
próprio Jeová e transplantada para permanecer na terra".4 Virá à terra só
quando o Israel de Deus seja purificado e quando o Messias tenha vindo
a Israel (37:24, 25). A característica do novo templo será um rio doador
de vida fluindo debaixo do templo (47:1-12). Este característico forma
um elo com o jardim do Éden (ver Gên. 2:8-14).
4. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 4
Isaías viu, em sua perspectiva profética, como os gentios irão à
Nova Jerusalém com a confissão religiosa: "Só contigo está Deus, e não
há outro que seja Deus" (Isa. 45:14; cf. 1 Cor. 14:25). Tudo estará unido
por sua fé messiânica antes que por laços étnicos ou políticos. Isaías
emprega os símbolos das pedras preciosas e jóias resplandecentes para
descrever a beleza de seus muros e portas (Isa. 54:12), desenho que
evoca a volta da opulência paradisíaca (ver Ezeq. 28:11-15; Isa. 51:3).
Embora isto assinala a uma qualidade transcendente da Nova Jerusalém,
não há indicação em Isaías de que esta cidade tem uma origem
extraterrestre. Sua glória sobrenatural emana da presença de Deus. A
essência de seu atrativo único não é tanto sua beleza externa como a
promessa de que Jeová voltará e de novo estará unido com seu povo (Isa.
60:1, 2, 19; 62:11 ).
Portanto, a cidade recebe um nome novo (Isa. 62:2). Já não
necessitará mais a luz do sol ou a da lua, porque "o Senhor será a tua luz
perpétua, e o teu Deus, a tua glória" (60:19; cf. Apoc. 21:23; 22:5). Isaías
mescla seu conceito da Sião do tempo do fim com seu motivo de uma
nova criação usando as cores realistas de um paraíso terrestre (Isa.
65:17-25). Embora tenha anunciado mais explicitamente que nenhum
outro profeta a criação de "novos céus e terra nova" (v. 17), esta
descrição poética da Jerusalém renovada permanece em continuidade
com o contexto histórico (v. 20). Permanece como uma realidade
terrestre embora transformada. Sua bênção mais rica não será a
longevidade ou a prosperidade, a não ser a presença de Jeová para
responder suas orações (v. 24). Mas também estará presente o Messias,
porque terá chegado o jubileu messiânico (61:1-3, 10; cf. Luc. 4:17-21).
Por esta análise breve do panorama profético de Jerusalém que
temos nos salmos, no Isaías e no Ezequiel, sabemos que a cidade de
Jerusalém desempenha o papel de tipo de uma Jerusalém futura e mais
gloriosa. No Apocalipse de João vemos como se cumprirá esta promessa,
muito além das expectativas dos profetas hebreus, na Nova Jerusalém de
Apocalipse 21 e 22. Roberto Badenas o resumiu bem nestas palavras:
5. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 5
"Como uma recapitulação mestra da história humana e da história da
salvação, a Nova Jerusalém chega a ser a realização da teocracia ideal de
Deus, o símbolo perfeito da reunião do povo de Deus, o lugar da
comunicação perfeita entre o Criador/Redentor e suas criaturas redimidas. A
Nova Jerusalém será para os novos céus e nova terra o que a antiga
Jerusalém nunca conseguiu ser para o Israel e o mundo".5
Depois de tudo, a Nova Jerusalém desce de cima, como uma criação
nova de Deus, e por conseguinte será completamente diferente da velha
Jerusalém.
Esperanças Judaicas Durante o Período Intertestamentário
Muito pouco tempo depois da revolta macabéia (168-164 a.C.), os
"sonhos-visão" do Apocalipse Etiópico de Enoc, escrito por volta dos
anos 165-161 a.C., predisseram que com a aparição do Messias e a
ressurreição dos justos mortos se construiria uma Nova Jerusalém, "uma
casa nova, maior e mais alta que a primeira, e a pôs no lugar da que tinha
sido recolhida" (1 Enoc 90:29).6 Alguns escritos apocalípticos judeus
depois de 70 d.C. expressaram a esperança de uma Nova Jerusalém
"preparada antes", quando Deus decidiu criar o paraíso (2 Baruc 4:3).7
"Aparecerá a esposa como uma cidade e se verá a terra que está
atualmente oculta... Com efeito, se manifestará meu Filho o Messias com
os que estão com ele, e encherá de gozo os (justos) que sobrevivam
durante quatrocentos anos" (4 Esdras 7:26-28).8
Aparentemente, alguns conciliábulos de judeus piedosos contavam
com que Deus havia "preparado e edificado" (4 Esdras 13:36) uma Sião
ou Nova Jerusalém no céu que desceria à terra com o amanhecer do novo
mundo. O autor do livro Apocalipse Eslavônico de Enoc (2 Enoc 55:2),
também afirmou que a Nova Jerusalém estava situada no céu.
A literatura rabínica não continuou com estas expectativas judaicas,
exceto na época posterior dos Midrash.9 Os rabinos em general
acreditavam que imediatamente depois do juízo dos ímpios, Deus ou o
6. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 6
Messias edificariam uma Nova Jerusalém sobre a terra. 10 Eduard Lohse
declara que "nenhum rabino diz que a Jerusalém celestial descerá à
terra".11
As portas e as muralhas da Nova Jerusalém seriam construídas com
safiras e com pedras preciosas e suas ruas com puro mármore branco
(Tobias 13:16, 17). A cidade seria tão grande, que sua grande muralha se
estenderia tão longe como Jope ou Damasco para albergar a "a raça
celestial dos judeus bem-aventurados" no futuro (Oráculos sibilinos
5:250-252).12 Deus viveria na cidade que levaria o nome de Deus.13 A
característica central desta Jerusalém reconstruída seria o novo templo.14
Comentam Strack-Billerbeck: "Para o pensamento judeu, era
completamente patente que a Nova Jerusalém não careceria de templo. A
declaração do vidente cristão, 'e não vi nela templo' (Apoc. 21:22) teria
sido inconcebível na velha sinagoga".15
Esta recapitulação das diversas esperanças no judaísmo tardio
indica que a esperança apocalíptica de João em uma Nova Jerusalém sem
um templo é uma esperança distintivamente cristã, que se centraliza na
presença de Cristo.
A Teologia de Paulo de uma Jerusalém Celestial
Paulo continuou o ensino de Cristo, de que Jerusalém e seu templo
já não eram o lugar onde Deus habitava (ver Mat. 23:38; Gál. 4:25;
também Heb. 12:22). Paulo escreveu que a igreja apostólica tinha
chegado a ser o templo terrestre onde Deus estava presente: "Porque nós
somos santuário do Deus vivente, como ele próprio disse: Habitarei e
andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (2 Cor.
6:16; cf. Lev. 26:12; Jer. 32:38; Ezeq. 37:27; também Ef. 2:19-21).
Esta verdade do evangelho não compete com a eficácia do templo
do novo pacto no céu, onde Cristo ministra como nosso Sumo Sacerdote
e intercessor e de onde envia seu Espírito vivificante (Heb. 7:25; 8:1, 2;
7. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 7
10:19; Rom. 8:34; 1 João 2:1). Paulo cria que a Jerusalém "de cima" é a
"mãe" de todos os crentes cristãos, porque todos são renascidos por seu
Espírito (Gál. 4:26, 29).
Enquanto que no judaísmo rabínico a idéia de uma Jerusalém
celestial se concebia em termos de um equivalente da Jerusalém terrestre
em topografia e mobiliário, Paulo contempla a Jerusalém celestial como
isenta de todas as noções geográficas, étnicas e nacionais. A Jerusalém
celestial é a pátria dos cristãos, onde Cristo está e em que todos os
cristãos têm sua cidadania (políteuma) registrada no livro da vida do
Cordeiro (Filip. 3:20; 4:3; também Heb. 12:22, 23; Apoc. 21:27). Por
Apocalipse 21:27 chega a ser evidente que o livro da vida do Cordeiro é
a lista dos que estão inscritos como cidadãos da Jerusalém celestial.
A cidade celestial não é uma estrutura vazia; é a comunidade
adoradora da igreja na terra com os anjos e os redimidos no céu (Heb.
12:22). Alguns identificaram a Nova Jerusalém com a igreja. Entretanto,
deve conservar-se a distinção entre a cidade celestial e a igreja na terra,
da mesma maneira que Hebreus 12 declara que a igreja se aproximou
hoje a Cristo e à Jerusalém celestial (vs. 22-24). Como Cristo está ao
mesmo tempo no céu e (por meio de seu Espírito) na terra, assim
também existe uma relação espiritual íntima entre a Jerusalém celestial e
a igreja sobre a terra. Assim como Cristo, que descerá fisicamente do céu
à terra (Filip. 3:20), assim também a Jerusalém celestial descerá do céu à
terra (Apoc. 21:2)! O objeto da esperança cristã não é meramente o "céu"
e sim a cidade celestial: a Nova Jerusalém. Nossa cidadania atual nesta
santa cidade representa mais que a segurança da salvação presente.
Também nos dá a certeza de nossa entrada na cidade de descanso e gozo
eternos (ver Heb. 4:9; 11:13-16). Assim como Abraão, os cristãos têm
confiança absoluta procurando a "cidade... por vir" (Heb. 13:14). Virá
depois do juízo final.
É chamativo que a esperança de uma Jerusalém celestial se descreva
no contexto de uma polêmica antijudaica, não só no Gálatas 4:26 e 27 e
em Hebreus 12:18-24, mas também em Apocalipse 3:9 e 12. João
8. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 8
destaca a verdade evangélica de que só o Cristo ressuscitado "tem a
chave de Davi, que abre e ninguém fecha, e fecha e ninguém abre"
(Apoc. 3:7). À luz de seu significado original em Isaías 22:22, esta
declaração ensina "que a Cristo pertence toda a autoridade com respeito
à admissão ou exclusão da cidade de Davi, a Nova Jerusalém". 17 Cristo é
a fonte de segurança para os crentes fiéis de que herdarão a cidade
celestial. Diz Jesus:
"Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais
sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade
do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu
Deus, e o meu novo nome" (Apoc. 3:12).
A Nova Jerusalém em Contraste com Babilônia
A Nova Jerusalém de Apocalipse 21 e 22 se descreve com a mesma
imagem simbólica de uma "mulher" ou "esposa" como se tem descrito a
igreja no Novo Testamento (ver 2 Cor. 11:2; Ef. 5:25-27). A visão que
teve João da Jerusalém celestial como a "a noiva, a esposa do Cordeiro"
(Apoc. 21:9), conecta a Jerusalém vindoura com a formosa "mulher" que
aparece em Apocalipse 12:1 e 2. Na Nova Jerusalém a igreja já não
sofrerá por causa da perseguição ou da adoração apóstata. Por isso
Apocalipse 12 e 21 representam duas eras consecutivas: a era atual da
igreja e a era por vir.
A Nova Jerusalém está colocada em contraste com Babilônia, a
cidade prostituta. A prostituta tem gravado sobre sua fronte as palavras
"mistério: Babilônia, a grande" (Apoc. 17:5), e está representada em
Apocalipse 18 como a cidade condenada. "A mulher que viste é a grande
cidade que domina sobre os reis da terra" (v. 18). Este simbolismo duplo
de Babilônia (Apoc. 17, 18) contrapõe-se com o da Nova Jerusalém em
Apocalipse 21 e 22 por meio de uma antítese perfeita.
9. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 9
Todos os habitantes da terra que não procurem refúgio no monte
Sião (Apoc. 14:1), pertencem a Babilônia; seus nomes não estão escritos
no livro da vida do Cordeiro (13:8). Estão obrigados a beber não só do
cálice do vinho de Babilônia mas também do cálice do vinho da ira de
Deus sem mescla de misericórdia (14:10). Esta ira divina a descreve
simbolicamente com a imagem da condenação de Sodoma e Gomorra
("com fogo e enxofre") (14:1; cf. Gên. 19:24), e a de Edom ("a fumaça
de sua tortura sobe pelos séculos dos séculos", Apoc. 14:11; cf. Isa. 34:9,
10). Esta linguagem figurada expressa a finalidade do juízo de Deus. Os
impenitentes nunca entrarão no descanso de Deus (Apoc. 14:11 ; cf. Sal.
95:11 ).
O Apocalipse de João põe em contraste a Jerusalém como a cidade
do Cordeiro (Apoc. 21:2, 9) com Babilônia como a cidade da besta
(caps. 17 e 18). É significativa a forma idêntica como as introduz o anjo
do juízo:
APOCALIPSE 17:1 APOCALIPSE 21:9
"Veio um dos sete anjos que têm as "Então, veio um dos sete anjos que
sete taças e falou comigo, dizendo: têm as sete taças cheias dos últimos
Vem, mostrar-te-ei o julgamento da sete flagelos e falou comigo, dizendo:
grande meretriz que se acha sentada Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa
sobre muitas águas". do Cordeiro".
Este arranjo literário ensina que a Nova Jerusalém é a única
alternativa para Babilônia. Ambas as visões desenvolvem mais
correspondências opostas (ver Apoc. 17:3-5 e 21:10-14). Ambas as
seções literárias sobre Babilônia (17:1-19:10) e a Nova Jerusalém
(21:9-22:6) concluem com a mesma segurança de que estas revelações
descansam não meramente sobre a autoridade de um anjo e sim sobre
Deus mesmo e, portanto, são "fiéis e verdadeiras":
10. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 10
APOCALIPSE 19:9 APOCALIPSE 22:6
"Então, me falou o anjo: Escreve: "Disse-me [o anjo] ainda: Estas
...São estas as verdadeiras palavras de palavras são fiéis e verdadeiras".
Deus".
A reação de João de adorar ao anjo depois de cada visão recebe a
mesma exortação: "Adora a Deus!" (Apoc. 19:10; 22:8, 9). Enquanto que
tanto as seções sobre Babilônia e sobre Jerusalém começam e terminam
da mesma forma, seus contextos ampliam os contrastes entre a cidade
prostituta e a cidade santa.
A Segurança e Consolo Final do Apocalipse
Em Apocalipse 21 e 22 João revela "o último das últimas coisas", o
ponto culminante de todas suas visões e de toda a Bíblia. A revelação
principal é a aparição de uma nova criação e o descida da Nova
Jerusalém (21:1, 2), que será a consumação do propósito eterno de Deus
para o planeta terra. Deus garante de uma maneira explícita a
confiabilidade de suas promessas (v. 5). Uma voz que sai do trono de
Deus explica seu significado para a humanidade:
"Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de
Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e
Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a
morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as
primeiras coisas passaram" (vs. 3, 4).
Estas palavras resumem a essência da esperança de todos os
profetas e santos. Disse um comentador a respeito desta passagem:
"Na verdade, é gozo inefável, porque aqui se descreve o propósito final
da igreja sofredora e a única recompensa que desejam realmente os
mártires de Cristo, quer dizer, o próprio Deus na companhia de todos os que
o amam".18
As palavras de João, "Vi novo céu e nova terra; porque o primeiro
céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe" (Apoc. 21:1),
11. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 11
apontam ao novo ato criador de Deus que está confirmado por sua
declaração: "Eis que faço novas [kainá] todas as coisas!" (v. 5). O termo
grego kainós ("novo"), que se emprega 4 vezes nos versículos 1-5,
significa algo fundamentalmente novo, e enfatiza com mais vigor que o
termo néos o caráter de cumprimento escatológico.
Em sua visão anterior do grande trono branco, João declarou: "Vi
um grande trono branco e aquele que nele se assenta, de cuja presença
fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles" (Apoc. 20:11).
João já declara que a velha terra e seus céus atmosféricos serão
substituídos por uma nova criação. A nova característica dominante será
a cidade santa, a Nova Jerusalém. Sua perspectiva está afiançada sobre
este centro de existência para os redimidos. Vê a cidade Nova Jerusalém
"que descia do céu, da parte de Deus" (21:2). Portanto, não é uma velha
Jerusalém reconstruída na Palestina, e sim uma nova criação. Cumprirá a
esperança de Abraão, "que esperava a cidade que tem fundamentos, cujo
arquiteto e construtor é Deus" (Heb. 11:10). Pedro acrescenta a
esperança de uma sociedade transformada: "Atendo-nos a sua promessa,
aguardamos um céu novo e uma terra nova nos que habite a justiça" (2
Ped. 3:13, NBE).
Tanto Pedro como João fundamentam suas expectativas nas
predições de Isaías (ver Isa. 65:17-19; 66:22, 23). A promessa do pacto
de Deus será levada a cabo na Nova Jerusalém sobre a terra feita nova:
"Eis o tabernáculo [skené] de Deus com os homens [anthrópon]. Deus
habitará [literalmente, 'tabernaculará'] com eles. Eles serão povos de Deus
[literalmente 'povos'], e Deus mesmo estará com eles" (Apoc. 21:3).
A expressão que diz que Deus "habitará" com os "homens" é
profunda, porque recorda a presença redentora de Deus no antigo
tabernáculo [skené] de Israel: "E me farão um santuário, e habitarei no
meio deles" (Êxo. 25:8). Em segundo lugar, o verbo "habitar, fazer
morada" recorda João 1:14, onde se expressa a encarnação do Verbo de
Deus com as palavras: "Habitou [literalmente, 'acampou', 'pôs seu
tabernáculo'] entre nós".
12. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 12
Dessa maneira a promessa da Nova Jerusalém conecta a glória de
Deus com a glória de Cristo e assegura à igreja que Deus deverá habitar
entre os "homens" em cumprimento de sua promessa do pacto, o que
significa que o primeiro advento de Cristo é a garantia da futura vinda de
Deus com os seres humanos. As expressões "homens" e "seus povos"
(em plural no texto original) indicam a inclusão de todos os crentes em
Cristo na sociedade do futuro. Inclusive serão abolidos os limites da
igreja e de todas as denominações religiosas. A raça humana sobre a
terra nova será o povo de Deus porque todos são "seus povos" (Apoc.
21:3). E ele estará "com eles" sempre como o "Deus-com-eles" (v. 3,
BJ).
O resultado desta comunhão com Deus é: "E lhes enxugará dos
olhos toda lágrima" (Apoc. 21:4). Aqui se repetem as promessas divinas
de Isaías 25:8, 35:10 e 65:19 para indicar seu cumprimento dramático na
Nova Jerusalém. Então se cumprirá a esperança mais elevada de todos os
santos: "Verão seu rosto..." (Apoc. 22:4). Este ver a Deus dos seres
humanos foi a esperança dos crentes hebreus:
"Quanto a mim, contemplarei a tua face na justiça; eu me satisfarei da
tua semelhança quando acordar" (Sal. 17:15).
"Depois que me arranquem a pele, já sem carne, verei deus; eu mesmo
o verei, e não outro, meus próprios olhos o verão. O coração me desfaz no
peito!" (Jó. 19:26, 27, NBE).
Esta foi a promessa explícita de Cristo: "Bem-aventurados os
limpos de coração, porque eles verão a Deus" (Mat. 5:8). Esta foi a
segurança do Paulo: "Então veremos face a face" (1 Cor. 13:12). E a de
João: "Haveremos de vê-lo como ele é" (1 João 3:2). A confiabilidade
desta promessa está recalcada por Deus: "Tudo está feito. Eu sou o Alfa
e o Ômega, o Princípio e o Fim... " (Apoc. 21:6).
Só o Criador pode pronunciar palavras que criarão uma realidade
nova (ver Gên. 1). Disse Cristo na cruz: "Está consumado!" (João
19:30), e sua missão de oferecer sua vida em expiação pela raça humana
ficou consumada. No fim das 7 últimas pragas a voz de Deus voltará a
dizer: "Feito está!" (Apoc. 16:17), e então se consumará o juízo de
13. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 13
Babilônia. Quando a Nova Jerusalém descenda sobre a terra e Deus
morre com os redimidos, voltará a dizer: "Feito está!" (21:6).
Então se cumprirá a oração do Pai nosso: "Venha o teu reino; faça-
se a tua vontade, assim na terra como no céu" (Mat. 6:10). Como "o Alfa
e o Ômega", Deus é o iniciador e aperfeiçoador da criação. Apenas Ele
dá à história humana seu começo e seu objetivo. O objetivo se realizará
tão certamente como seu começo. Outras duas promessas de Deus
também nos afetam hoje em dia:
"Ao que tiver sede, eu lhe darei gratuitamente [doreán] da fonte da
água da vida. Quem vencer herdará todas as coisas, e eu serei seu Deus, e
ele será meu filho" (Apoc. 21:6, 7).
A linguagem figurada de "estar sedento" era familiar para os santos
hebreus (ver Isa. 55:1). Para eles significava gozar de comunhão com
Deus. Colocaram um valor mais elevado neste companheirismo com
Deus que no da própria vida física. Davi descarregou seu coração neste
cântico poético:
"Ó Deus, tu és meu Deus, eu te procuro. Minha alma tem sede de ti,
minha carne te deseja com ardor, como terra seca, esgotada, sem água...
Valendo teu amor mais que a vida, meus lábios te glorificarão" (Sal. 63:1, 3,
BJ).
"Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó
Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo;
quando irei e me verei perante a face de Deus?" (Sal. 42:1, 2).
Esta experiência da alma foi realizada só de maneira intermitente e
parcial. Pela fé em Cristo está à nossa disposição uma nova comunhão
com Deus para todos os que a busquem: "Se alguém tem sede, venha a
mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior
fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que
haviam de receber os que nele cressem" (João 7:37-39).
Quando Deus promete no Apocalipse de João que nos dará
"gratuitamente da fonte da água" (Apoc. 21:6), oferece-nos o Espírito de
Cristo, quem pagou o preço definitivo por nós. Esta comunhão também
14. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 14
oferece aos vencedores "gratuitamente" [doreán: "livremente" ], um
termo muito importante em Paulo (ver Rom. 3:24).
O paraíso, como a presença de Deus, é oferecido a todos os
vencedores pela graça de Deus. Este caráter-de-graça volta-se a recalcar
na segurança de que o vencedor "herdará todas as coisas" (Apoc. 21:7).
Uma herança nunca se pode ganhar, só pode receber-se pela vontade do
testador. Paulo explicou esta condição de herdeiro ao conectar a herança
futura de uma forma indissolúvel com Cristo como o dom maior de
Deus. "Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus
e co-herdeiros com Cristo... Aquele que não poupou o seu próprio Filho,
antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente
com ele todas as coisas?" (Rom. 8:17, 32). A. Pohl observou o seguinte:
"O Apocalipse não é menos cristocêntrico que Paulo".19 Isto é evidente
pelas sete vezes que o Cordeiro é mencionado em Apocalipse 21 e 22. A
entrada na Nova Jerusalém é dada só a "os que estão inscritos no livro da
vida do Cordeiro" (21:27).
Este é o propósito pastoral que João também indicou em seu
contraste entre as duas mulheres simbólicas: a meretriz (Apoc.
17:1-19:5) e a esposa de Cristo (19:6-10; 21:1-22:17). O interesse
pastoral de João para a era atual é alertar a cada crente a permanecer fiel
no Senhor. Elmer M. Rusten o explica assim: .
"A razão pela qual dedica tanta ênfase à meretriz e à noiva é que nas
sete cartas escritas às sete igrejas (Apoc. 1:4, 11) a alternativa básica a que
tinham que fazer frente [os membros] era se iriam formar parte da verdadeira
igreja, a noiva, ou da falsa igreja, a meretriz ".20
É nosso privilégio escutar o testemunho final de Cristo às igrejas:
"Eis que venho sem demora. Bem-aventurado aquele que guarda as
palavras da profecia deste livro" (Apoc. 22:7).
"Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do
Cordeiro, para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade
pelas portas" (Apoc. 22:14).
15. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 15
O Interesse Pastoral de João para com a Igreja da Atualidade
João usa um estilo interessante para descrever a novidade da era
futura. Define a nova criação em termos negativos. Badenas nota-o como
7 vezes: (1) não haverá mais mar (21:1); (2) não haverá mais morte,
lágrimas, pranto, clamor ou dor (v. 4); (3) não haverá mais templo (v.
22); (4) não haverá mais necessidade do Sol ou da Lua (21:23; 22:5); (5)
não haverá noite, nem as portas nunca serão fechadas (21:25; 22:5); (6)
não haverá mais pecado (21:27); e (7) não haverá mais maldição
(22:3).21 Este estribilho de coisas que na última visão de João "não serão
mais", indica quanto relaciona suas visões às necessidades presentes de
seus membros de igreja. Escreve com um profundo interesse pastoral
para seus leitores que estavam sofrendo perseguição e estavam
ameaçados pelos poderes anticristãos do mar,
João não escreve simplesmente para nos informar a respeito dos
acontecimento futuros ou para satisfazer nossa curiosidade a respeito de
realidades futuras. Seu propósito prático é respirar os crentes que deviam
passar por provas a perseverar na Palavra de Deus e no testemunho de
Jesus apesar da cruel oposição. Insiste com cada crente para que faça sua
decisão final entre a fidelidade ou a deslealdade a Cristo Jesus. Este
requerimento se apresentou primeiro nas sete cartas de Cristo às igrejas
(Apoc. 2, 3). A promessa da recompensa descreveu-a na visão dos selos
(6:9-11; 7) e na das trombetas (cap. 11). João assume constantemente
que a causa de Cristo triunfará porque o Cordeiro de Deus é "o Rei dos
reis e Senhor dos senhores" (17:14; 19:16). A hora da restauração do
reino de Deus virá no próprio tempo de Deus durante a última trombeta:
"E o sétimo anjo tocou a trombeta, e houve grandes vozes no céu, que
diziam: Os reino do mundo veio a ser de nosso Senhor e de seu Cristo; e ele
reinará pelos séculos dos séculos" (Apoc. 11:15).
O propósito de João é animar a cada cristão a fazer um
compromisso total com Cristo. João trata de obter este objetivo
colocando em contraste o Cordeiro e a besta, a esposa e a prostituta, e a
16. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 16
Nova Jerusalém e Babilônia. Este dilema de pertencer a uma
comunidade ou à outra, insiste conosco a fazer agora uma eleição
existencial porque nela estão envoltos destinos eternos. Badenas fez uma
lista dos surpreendentes contrastes entre Babilônia e a Nova Jerusalém
no marco das visões onde aparecem, sua descrição e seu destino.22
Conclui dizendo:
"Estes paralelos mostram que a relação humana para com Deus e o
Cordeiro pode ser só de fidelidade (a noiva) ou de infidelidade (a meretriz).
Como Deus é ao mesmo tempo justo e misericordioso, a salvação ou a
condenação são os dois resultados possíveis da decisão humana, ou a
cidade celestial ou a cidade terrestre, a Nova Jerusalém ou Babilônia".23
João não proporciona informação abstrata para as predições
especulativas. Apresenta claramente sua preocupação pastoral quando
destaca que há só duas classes de pessoas: os salvos ou os perdidos, os
vencedores e os perdedores (ver Apoc. 21:7, 8; 22:11, 14, 15), os que
"têm sede" da água de vida e os que não a têm (21:6; 22:17). Esta última
distinção aponta à necessidade espiritual das pessoas antes que à sua
conduta moral. Os que procuram a Deus em primeiro lugar para
satisfazer sua sede espiritual comparam-se com os vencedores:
"Ao que tiver sede, eu lhe darei gratuitamente da fonte da água da vida.
Quem vencer herdará todas as coisas, e eu serei seu Deus, e ele será meu
filho" (Apoc. 21:6, 7).
É iluminador descobrir que as características dos que são excluídos
da Nova Jerusalém são as mesmas com as que se define a Babilônia e a
seus habitantes: imundos (Apoc. 21:27; 18:2); abomináveis, que faz
abominação, abominações (21:8, 27; 17:4, 5); homicidas (17:6; 18:24;
21:8); fornicários (17:1, 2, 5, 15, 16; 18:3, 9; 21:8); feiticeiros, feitiçarias
(18:23; 21:8); idólatras (19:20; 21:8); e mentirosos (19:20; 21:8).
Badenas vê estas listas de vícios (Apoc. 21:8 e 22:15) como uma
admoestação pastoral "contra os que preferem outras relações à relação
com Deus. Isto é o que os exclui da santa cidade (cf. 21:27)".24 Em
outras palavras, João não se está referindo a feitos isolados de pecado a
não ser à atitude de maldade e idolatria que separa o pecador de Deus.
17. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 17
Não deveria escapar à nossa atenção o fato de que João começa a
lista com "os covardes" (Apoc. 21:8). Os "covardes" são os que fogem
de confessar a Cristo na hora de prova e por isso falham em perseverar
na fé (ver Heb. 10:36-39). Quando Paulo se referiu à ameaça de
"covardia" [deilías], admoestou imediatamente a Timóteo dizendo: "Não
te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor..." (2 Tim. 1:7,
8), e lhe assinalou o dom do "espírito... de poder".
Em Apocalipse 21:8, João menciona pelo menos sete classes de
pessoas que serão excluídas da santa cidade. Como uma oitava classe
menciona a "todos os mentirosos", Pohl considera que se refere a uma
recapitulação das sete anteriores. A lista dos perdedores que João
menciona, cumpre a função da contraparte dramática das sete classes de
vencedores mencionados nas cartas às igrejas nos capítulos 2 e 3. A
designação dos "mentirosos" é significativa, porque assinala a mentira
religiosa que perverte a verdade a respeito de Deus e do Cordeiro. Giblin
denomina a esta mentira "a mentira definitiva", porque "a mentira é a
negação da verdade, preeminentemente como a falsificação de Deus e do
que deve a ele".25 Os mentirosos estão em notório contraste com os
144.000 israelitas que seguem ao Cordeiro, de tal maneira que "em suas
bocas não foi achada mentira" (Apoc. 14:5).
Desde a primeira característica (a covardia) até a última (a mentira),
o interesse de João aponta à elevada vocação do crente de atestar de
Cristo, de seguir ao Cordeiro e de confessar seu senhorio. A lista mais
pequena dos vícios em Apocalipse 22 conclui outra vez com "todo
aquele que ama e pratica a mentira" (v. 15), o que indica que tais pessoas
vivem a "mentira" como uma filosofia de vida, de caráter e de adoração.
A mentira como a contraparte da verdade foi também a recapitulação que
faz Paulo da apostasia final em 2 Tessalonicenses 2:9-12.
18. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 18
O Significado do Esplendor da Nova Jerusalém
Apocalipse 21:9 a 22:5 contêm uma descrição da Jerusalém
celestial. O anjo a compara com sua interpretação da condenação de
Babilônia em Apocalipse 17:1 a 19:10. Reconhece-se que as duas seções
são contrapartes intencionais. Felizmente, a visão que João teve da Nova
Jerusalém é a mais longa e elaborada do Apocalipse. Amplia as profecias
gráficas de uma Nova Jerusalém que apresenta Isaías 54 a 60 e Ezequiel
40 a 48.
Assim como Ezequiel, João vê sua visão em "um monte muito alto"
(Ezeq. 40:2; Apoc. 21:10). A glória de Deus na Nova Jerusalém (Apoc.
21:11) corresponde à glória do Jeová que vem do oriente no novo templo
da visão do Ezequiel (Ezeq. 43:1, 2). A diferença é que agora Deus
mesmo é a glória constante da santa cidade (Apoc. 21:11). Ezequiel se
concentra sobre o novo templo, mas João descreve uma cidade
imensamente maior sem um templo particular (Apoc. 21:22).
João dedica uma atenção especial a suas amplas muralhas e a suas
doze portas. Usa o número "doze" doze vezes em Apocalipse 21, cifra
que está carregada de significado. O anjo tem uma vara de medir, de
ouro, "para medir a cidade, suas portas e seu muro" (Apoc. 21:15). A
cidade é descrita como um cubo perfeito medindo cada lado doze mil
estádios, que literalmente seriam 2.400 quilômetros em cada direção, até
para cima, muito além da estratosfera! Não é maravilha que os
intérpretes responsáveis tenham advertido contra um dogmático
literalismo com respeito às visões de Apocalipse 21 e Ezequiel 40 a 48.
Nestas profecias tão gráficas, "o grau de identificação segue sendo
um problema que deverá ainda ser interpretado".26 Giblin declara que
João "tenta evocar a imagem de um gigantesco 'lugar muito santo' que
era um cubo perfeito, recoberto de ouro (1 Reis 6:20)".27 As dimensões
de cubo da cidade sugerem claramente que toda a "santa cidade" é o
lugar santíssimo sobre a terra, o trono de Deus. Isto transcende a
necessidade de ter qualquer templo local. O apóstolo o explica assim:
19. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 19
"E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor, Deus Todo-
poderoso, e o Cordeiro...
"E tinha a glória de Deus. A sua luz era semelhante a uma pedra
preciosíssima, como a pedra de jaspe, como o cristal resplandecente" (Apoc.
21:22, 11).
Não pode haver dúvida de que o propósito de João em Apocalipse
17 e 18 é colocar esta cidade de Jerusalém em contraste direto com a
cidade de Babilônia. A beleza sobressalente da Nova Jerusalém consiste
na presença de Deus e a dos redimidos. As incríveis dimensões dos doze
mil estádios têm um claro significado simbólico: a cidade contém o
Israel de Deus de toda a história da salvação. Badenas o explica assim:
"Eclipsando Babilônia e Roma, a Nova Jerusalém é a cidade verdadeira,
e a única cidade universal".28
Os muros da cidade têm uma altura de 144 côvados (Apoc. 21:17),
literalmente 66 metros, destacando outra vez o número 12 (12 x 12 =
144). Por definição, uma muralha não só significa segurança, mas
também separação do "exterior" (Apoc. 22:15), o que se refere
basicamente ao lugar do "lago de fogo" (21:8). Este símbolo pode
entender-se melhor como uma referência ao juízo pós-milenial de
Apocalipse 20:7-15. A muralha é feita de jaspe cristalino (21:18) e brilha
como um diamante. Está assentada sobre doze fundamentos de pedras
preciosas, cada uma das quais é uma gema enorme (vs. 19, 20), cada
uma com um nome escrito com um nome de "os doze apóstolos do
Cordeiro" (v. 14). Entretanto, sobre as doze portas estão os nomes das
"doze tribos dos filhos do Israel" (v. 12). Tudo em seu conjunto significa
que o Israel profético de Deus inclui a todos os seguidores do Cristo, o
que constitui a mensagem fundamental da visão de João a respeito da
vida na Nova Jerusalém.
As características das doze pedras preciosas e das doze portas de
pérola complementam a mensagem básica de que Deus unirá a todos os
seus filhos em um rebanho enquanto reconhece que também
permanecem diversificados em seus caracteres individuais. Cada tipo de
20. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 20
caráter refletirá a natureza divina, assim como cada pedra preciosa
refletirá a glória de Deus em sua própria forma. Entretanto, a
investigação mostra que "as pedras do Apocalipse não podem
correlacionar-se com tribos específicas, apóstolos, signos do zodíaco ou
direções geográficas".29
As doze pedras preciosas da Nova Jerusalém simbolizam
basicamente "a presença de Deus, a origem divina da cidade, e o novo
povo de Deus".30 As doze pedras preciosas também cumprem a função
de ser contrapartes das pedras preciosas que adornam a Babilônia a
prostituta (Apoc. 17:4; 18:12, 16). Desde esta perspectiva, as pedras
preciosas da santa cidade são "um emblema para sustentar a fé na vitória
final de Deus".31
O esplendor da Nova Jerusalém, com o trono de Deus e a árvore da
vida, transmite esta mensagem: O paraíso será restaurado com uma
glória maior que a do jardim do Éden porque o Criador estabelecerá sua
presença e seu trono ali para sempre. Cada crente pode cobrar ânimo e
saber que as promessas do pacto que Deus fez com o Israel se cumprirão
em uma manifestação gloriosa inimaginável no futuro.
A profecia categórica que diz que "as nações caminharão à sua luz,
e até ela os reis da terra levarão seu esplendor... E levarão até ela o
esplendor e a honra das nações" (Apoc. 21:24, 26, CI), é provocadora, já
que esta predição usa a descrição de Isaías 60 mas a adapta ao estado
eterno. Agora os reis da terra já não desfilarão como conquistadores (Isa.
60:10, 11) ou como trazendo tributo (vs. 5-7). Virão antes como gentios
redimidos para contribuir com sua glória em sua adoração a Deus e ao
Cordeiro durante o festival de louvor e ação de graças na Nova
Jerusalém. Ellul explica que "tudo o que foi a obra cultural, científica,
técnica, estética e intelectual; toda a música e a escultura; toda a poesia e
a matemática; toda a filosofia e o conhecimento em todos as ordens,
todos entrarão nesta Jerusalém, e serão empregados por Deus para
estabelecer esta obra perfeita final".32
21. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 21
Que conceito emocionante! Quem não desejará ser parte desta
educação superior na vida futura do povo de Deus? Cristo e a Nova
Jerusalém convidam a cada pessoa que procura Deus a formar parte do
estado eterno onde reinará a felicidade:
"E o Espírito e a esposa dizem: Vem! E quem ouve diga: Vem! E quem
tem sede venha; e quem quiser tome de graça da água da vida" (Apoc.
22:17).
Para uma exposição de passagens problemáticas como Apocalipse
21:1 ("...e o mar já não existia mais" ), Apocalipse 21:9 ("...a desposada,
a noiva do Cordeiro") e Apocalipse 22:2 ("...e as folhas da árvore eram
para a sanidade das nações" ), ver o APÊNDICE B.
Referências
Para a Bibliografia, ver na página 603-605.
1 Caird, The Revelation of St. John the Divine, p. 261.
2 Naden, The Lamb Among the Beasts. Finding Jesus in the Book of
Revelation, p. 289.
3 Badenas, "New Jerusalem - The Holy City", Simpósio sobre o
Apocalipse, t. 2, p. 244.
4 Eichrodt, Ezekiel, p. 542.
5 Badenas, Ibid., t. 2, p. 252.
6 Aranda Pérez-García Martínez-Pérez Fernández, Literatura judía
intertestamentaria, p. 288.
7 Ibid., p. 319.
8 Ibid., p. 330.
9 Toda esta documentação está no Strack-Billerbeck, Comentario
del Nuevo Testamento con el Talmud y la Midrás, t. 3, p. 796.
10 Ibid., v. 3, p. 573.
11 Lohse, "Sión - Jerusalem" [Sião - Jerusalém], Dicionário
teológico do Novo Testamento, t. 7, p. 326, nota 204.
22. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 22
12 Ver Ibid.
13 Strack-Billerbeck, Comentario del Nuevo Testamento con el
Talmud y la Midrás, t. 4, pp. 922, 923.
14 Ibid., v. 4, pp. 932, 933.
15 Ibid., v. 4, p. 884.
16 Ibid., v. 3, p. 573.
17 Charles, The Revelation of St. John, t. 1, p. 86.
18 Beasley-Murray, Revelation, p. 305.
19 Pohl, Die Offenbarung des Johannes [O Apocalipse de João], p.
275.
20 Rusten, A Critical Evaluation of Dispensational Interpretations of
the Book of Revelation, t. 2, pp. 620, 621.
21 Badenas, "New Jerusalem - The Holy City", Simpósio sobre o
Apocalipse, t. 2, p. 249.
22 Ibid., v. 2, p. 256.
23 Ibid., v. 2, pp. 255, 257.
24 Ibid., v. 2, p. 263.
25 Giblin, The Book of Revelation. The Open Book of Prophecy, p.
196.
26 4 CBA 744. Ver também 7 CBA 904, 905.
27 Giblin, The Book of Revelation. The Open Book of Prophecy, p.
205.
28 Badenas, "New Jerusalem - The Holy City", Simpósio sobre o
Apocalipse, t. 2, p. 259.
29 Reader, "The Twelve Jewels of Revelation 21:19, 20: Tradition
History and Modern Interpretation", JBL 100 (1981), p. 455.
30 Ibid., p. 456.
31 Ibid., p. 457.
32 Ellul, . Apocalypse, The Book of Revelation, p. 225.
23. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 23
FONTES BIBLIOGRÁFICAS PARA APOCALIPSE 21 E 22
Livros
Beasley-Murray, George R. Revelation [O Apocalipse]. New Century
Bible Commentary [Comentário da Bíblia do Novo Século].
Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1983.
Beckwith, Isbon T. The Apocalypse of John [O Apocalipse de João].
Grand Rapids, MI: Baker, 1979 (reimpressão de 1919).
Böcher, O. Die Johannes-Apokalypse [O Apocalipse de João]. Erträge
der Forschung, Bd. 41. Darmstag: Wisschenschaftl. Buchges.,
1988.
Bratcher, R. G. A Translator's Guide to the Revelation of John [Guia
do Tradutor para o Apocalipse de João]. Nova York: United Bible
Societies, 1944.
Caird, George B. The Revelation of St. John the Divine [O Apocalipse
de São João o Teólogo]. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans,
1977.
Charles, R. H. The Revelation of St. John [O Apocalipse de São João],
2 ts. ICC. Edimburgo: T & T Clark.
Eichrodt, W. Ezekiel [Ezequiel]. The O.T. Library. Filadélfia: The
Westminster Press, ET, 1970.
Ellul, Jacques. Apocalypse, The Book of Revelation [Apocalipse, o
Livro da Revelação]. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans,
1986.
Giblin, Charles H. The Book of Revelation. The Open Book of
Prophecy [O Livro do Apocalipse. O Livro Aberto da Profecia].
Good News Studies 34. Collegeville, MN: The Liturgical Press,
1991.
Kraft, Heinrich. Die Offenbarung des Johannes [O Apocalipse de
João]. Handbuch z. NT 16a. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1974.
24. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 24
Lohse, Eduard. "Sión - Jerusalem" [Sião - Jerusalém], Dicionário
teológico do Novo Testamento. Ed. por G. Kittel. T. 7, pp.
319-338.
Naden, R. C. The Lamb Among the Beasts. Finding Jesus in the Book
of Revelation [O Cordeiro Entre as Bestas. Encontrando a Jesus
no Livro do Apocalipse] (Hagerstown, Maryland: Review and
Herald, 1996).
Nichol, Francis D., ed. Comentario bíblico adventista. vs. 4 a 7.
Pohl, A. Die Offenbarung des Johannes [O Apocalipse de João]. 2
Teil. Wuppertaler Studienbibel von F. Rienecker y W. de Boor.
Berlin: Evang. Haupt-Bibelgesellschaft, 1974.
Rusten, Elmer M. A Critical Evaluation of Dispensational
Interpretations of the Book of Revelation [Uma Avaliação Crítica
das Interpretações Dispensacionalistas do Livro do Apocalipse].
Tese doutoral, Universidade de Nova York, 1977. Ann Arbor:
University Microfilms International 1980. 2 ts.
Strack, H. L. y Billerbeck, P., eds. Comentario del Nuevo Testamento
con el Talmud y la Midrás.
Swete, Henry B. Commentary on Revelation [Comentário sobre o
Apocalipse]. Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1980
(reimpressão de 1977).
Artigos
Badenas, Roberto. "New Jerusalem - The Holy City", Simpósio sobre
o Apocalipse. v. 2, cap. 8.
Gundry, R. H. "The New Jerusalem: People as Place, not Place for
People" ["A Nova Jerusalém: Pessoas como Lugar, não Lugar para
Pessoas"], Novum Testamentum 29 (1987), pp. 254-264.
Jeremias, Joachim. "Nunfe" [Noiva], Diccionario teológico del Nuevo
Testamento. Ed. por G. Kittel. v. 4, pp. 1092-1099.
LaRondelle, Hans K. "Die Theologische Bedeutung von Jerusalem
und Babylon" [O Significado Teológico de Jerusalém e Babilônia],
25. O Significado da Nova Jerusalém. Apoc. 21, 22 25
Studien Zur Offenbarung [Estudos sobre o Apocalipse]. Ed. J.
Mager. Berna: Euro-Africa Division, Band 2, pp. 119-168.
Lohse, Eduard. "Sión - Jerusalem" [Sión - Jerusalén], Diccionario
teológico del Nuevo Testamento. Ed. por G. Kittel. T. 7, pp.
319-338.
Reader, W. W. "The Twelve Jewels of Revelation 21:19, 20: Tradition
History and Modern Interpretation" [As Doze Pedras Preciosas de
Apocalipse 21:19 e 20: História da Tradição e Interpretação
Modernas], JBL 100 (1981), pp. 433-457.