Este resumo em três frases:
O detetive Cristóvão acorda com sua casa alagada e decide se mudar. Ele recebe um trabalho de um jornalista amigo e leva seu cachorro com ele. Cristóvão compra café em uma padaria e conversa com o dono, enquanto espera por pistas sobre seu novo caso, que é seguir um homem idoso.
1. Detetive Cristóvão - Primeira Parte
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O Cara do Espelho apresenta:
Texto de
Diogo Souza
O cara do Espelho
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2. Detetive Cristóvão - Primeira Parte
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Primeira Parte
Detetive Cristóvão
O Detetive Cristóvão era um homem perto dos 37 anos, embora aparentasse
ter muito mais idade. Tinha a pele queimada de Sol, já apareciam no rosto as
primeiras marcas do tempo, tinha também manchas e pequenas cicatrizes nas
bochechas e do lado das sombracelhas, talvez causadas pelas espinhas no tempo
da adolescência. A barba estava sempre por fazer, fios brancos surgiam,
costumava usar camisas casuais desgastadas e calças jeans desbotadas. Não era
vaidoso e nem queria ser. Estava mais do que satisfeito com o seu QI e pouco se
importava com sua aparência e muito menos com o que os outros fossem dizer
dele. Outro dia, discutiu com um cliente, pois este lhe disse que seu modo de
vestir estava ultrapassado. Respondeu lhe jogando na cara seus dois diplomas, o
de História e o de Jornalismo, alegando/berrando que ele não havia estudado tanto
para que qualquer fútil e imbecil afeminado viesse lhe julgar pelo modo de vestir.
Perdeu a cabeça, perdeu o cliente, foi processado, perdeu grana encheu a cara com
os amigos dos tempos de jornalista e fez um discurso inflamado sobre a
supervalorização da forma sobre o conteúdo.
Naquele dia estava numa maré de azar, concluiu isso muito cedo. Logo
quando acordou, às seis, viu que seu cachorro, o Dom Pepe, estava na cama com
ele. Tentou fazer o vira-latas cor de caramelo descer da cama, mas ele não saía,
desistiu e se levantou. Quando colocou os pés o chão entendeu o porque de Pepe
estar na cama, a sua casa estava alagada e a água estava a uns 15 cm de altura e
pelas marcas nas paredes o nível esteve bem mais alto na madrugada. "De novo
não", foi o que pensou. Andou pela casa e deu uma olhada nos estragos. Adeus
sofá, aparentemente adeus geladeira, adeus a um monte de coisa. Foi até perto da
porta e desligou a energia da casa. Olhou em volta com desânimo.
– Mas que merda de vida! É o que dá alugar esses muquifos. De que adianta
ser barato se se perde tudo? Porra, minhas coisas de novo! Até a sua ração foi
alagada Pepe – disse abrindo a parte de baixo do armário onde estava a ração do
cachorro que fungou ao ouvir o dono.
Naquele momento, decidiu ir embora daquele lugar, pois não dava para
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morar numa porcaria daquela. A casa era uma merda, a rua era cheia de putas e
marginais, era muito barulhenta e o bairro tinha o maior número de homicídios da
cidade. Esta era a segunda enchente no ano. Isso porque ele só estava morando ali
há menos de 4 meses.
Percebeu no que sua vida tinha se tornado desde o divórcio. Olhou para uma
foto da ex que ainda mantinha num porta retrato, foi até ele e o tirou da parede.
Olhou para a foto e o sorriso da ex mulher. Achou-se ridículo por guardar a foto
daquela mulher que não estava nem aí para ele. Riu de si mesmo e, por dentro, se
chamou de idiota. Jogou o porta retrato no chão alagado, sorriu ao ver o objeto
afundar e a imagem ser distorcida pela água barrenta. Jogou seu passado fora.
Foi até o pequeno quarto e pegou alguns objetos, poucas peças de roupas,
notebook, documentos e jogou tudo numa mochila. Tirou a calça e a camisa.
Pegou uma bermuda e uma camisa no guarda roupas, sentou-se na cama e se
vestiu. Levantou-se e calçou os chinelos de dedo da cor preta que boiavam pelo
cômodo apertado. Dirigiu-se até a cama, colocou a mochila nas costas, pegou
Dom Pepe com o braço esquerdo, a chave do carro com a mão direita e saiu da
casa. Tinha que dar um jeito nisso.
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Comprando o café da manhã na Dona Cida
Cristóvão saiu de casa com seu cachorro Pepe no braço. A manhã estava
nublada e um vento cortante aumentava o frio, ele ainda estava de cara inchada e
colocou seus óculos escuros para esconder. A rua ainda estava um pouco alagada,
ali perto um carro preto estava com marcas d'água até metade da porta e ele ficou
feliz por ter estacionado o carro numa outra rua mais alta e nem se lembra o
porquê, afinal devia estar bêbado. Foi andando com cuidado pela calçada
inundada, pois não queria escorregar, aproximou-se de alguns moradores que
estavam limpando suas casas e jogando para fora toda a lama que invadiu aquela
rua baixa .
– Noite difícil, hein? – perguntou olhando os móveis molhados dos vizinhos.
– Difícil mesmo, vizinho! – foi dizendo uma senhora negra, ainda trajada de
camisola e de toca na cabeça. – A noite toda nessa agonia e a água só subia.
– Pois... eu dormi tanto que só fui ver o estrago agora de manhã.
– É porque na sua rua tem mais lugares pra água escoar. – Explicou o coroa
que saía de dentro da casa com uma poltrona ensopada sobre os ombros. – Aqui é
que tem essa baixa que a água vem direto. E é sempre assim!
– É verdade... – concordou Cristóvão, olhando impacientemente em volta. –
Preciso ir, vizinhos. Boa sorte aí! – Andou mais um pouco e chegou ao seu carro
que estava intacto, colocou o cachorro, entrou e deu a partida. Estava aliviado por
não ter que voltar para aquele lugar, mas lhe incomodava a situação daquelas
famílias. Todos trabalhadores e honestos, vítimas de tantas coisas e que nem
podem dormir direito com a chuva ameaçando os seus poucos bens, quando não,
suas vidas. E todos os anos as coisas só pioravam porque o governo simplesmente
se esquece daquelas pessoas que só lhe são úteis nas eleições.
Depois de cinco minutos estava chegando ao centro comercial de Aracaju,
parou numa padaria e desceu levando consigo o cachorro. Entrou e cumprimentou
Dona Cida, uma senhora muito extrovertida e escandalosa. Ao vê-lo, ela saiu de
dentro da cozinha e veio até ele sorridente e maliciosa.
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– Mas Cristóvão, meu amor, deu formiga na cama foi? Que foi que teve que
até o cachorro você trouxe?
– Ah, Cida... Alagou geral lá no bairro! – Disse e se afastou do balcão para
que um cliente fosse atendido por Cida. – Não vou mais pra lá...
– Mas bem que eu te falei seu besta – dizia e atendia o cliente que levava pão,
manteiga e leite em saquinho – que ali não era bom negócio pra morar. E vai pra
onde agora?
– Eu vou pro escritório, lá tem um quarto que eu nem uso mesmo, tem
banheiro... Tudo que eu preciso!
– Não é muito pequeno, não? – perguntou incisiva.
– É o suficiente para um homem, seu cachorro e seus problemas morarem. –
riu e pegou o celular do bolso que vibrava numa chamada de um velho amigo, o
Pedro. – Alô, Pedrão! E aí o que ta pegando?... To bem, to na padaria e vou para o
escritório daqui a pouco... sei... tudo bem, eu faço. To precisando de um extra
mesmo... É, como sempre mermão. Me manda a pauta por e-mail, beleza? Claro,
te envio isso até às 12, ok?... beleza então, valeu! ... Tá, eu digo sim. Tchau!
– Do jornal? – perguntou Cida.
– Sim, e o Pedro mandou um beijo molhado pra você.
– Aquele safado nunca mais veio aqui! O que queria?
– Um freela... pra melhorar o dia. Alagamentos e tragédias sempre salvando
a vida dos jornalistas!
– Valei-me, Senhor! Oh povinho estranho é jornalista! Parece urubu atrás de
carniça.
– Quase! – completou Cristóvão. – É que tragédia chama mais atenção, dona
Cida... Vende mais.
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– Pior que é isso mesmo. – Concordou ela organizando os pães nas
prateleiras. – Mas e por que você não volta a trabalhar como jornalista de vez?
– Ah, Cidinha... O jornal não vai me readmitir fichado como antes, meu
trabalho como detetive me dá um bom retorno e eu completo com uns freelas.
Uma boa graninha.
– Uma merreca, isso sim! O que custa ter uma vida estável?
– Estabilidade não é meu forte, nunca foi – disse ele rindo.
– Você é um caso perdido... Vou ver se seu café já está pronto. – disse,
virou-se e foi para a cozinha. – Pra comer, vai querer o de sempre?
– É, mas faça dois... Aliás, três! Um para o Dom Pepe. Para viagem, ok?
Dona Cida entrou e seu sobrinho Jeferson se aproximou do caixa perto de
Cristóvão, ele era um jovem de 17 anos, moreno, magro e alto. Tinha o bom
humor da tia, foi criado por ela e trabalhava na padaria a ajudando. O trabalho de
Cristóvão sempre lhe despertou curiosidade e sonhos e por isso sempre
perguntava ao detetive particular sobre os casos investigados.
– E aí Cris, qual a boa da semana? – perguntou o jovem curioso.
– Alagamento, Jeferson! Trabalho para jornalista! – riu e tomou um gole do
café.
– Mas tem alguma investigação maneira?
– Ah, esta semana estou na cola de uma quadrilha de tráfico de orgãos
humanos! – Disse ironicamente e sorriu. – Nada de extraordinário Jeferson, como
sempre, apenas um coroa que a família desconfia estar com uma amante...
– Ah, e o que você acha? – Disse Cida vindo com um saco de pão, daqueles
de papel da cor madeira.
– Muito provavelmente ele não tem uma amante...– soltou uma suspeita de
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modo misterioso e humorado.
– Então? – perguntou Jeferson franzindo a testa.
– Acho que ele tem mesmo é UM amante! – concluiu Cristóvão e os três
caíram na risada.
– Oh, esse mundo tá perdido mesmo! – exclamou Cida rindo. – Tá aqui, oh! –
colocou o saco de pão em frente do detetive. – Pra você e seu cachorro!
– Por que trouxe o cachorro? – perguntou o jovem.
– Minha casa alagou, vou me mudar e não ia deixar o Dom Pepe lá. Aliás,
Jeferson, você pode me ajudar na mudança? Depois da aula...
– Hoje não tenho aula – disse Jeferson empolgado.
– Ótimo, você pode me ajudar no trabalho também.
– Como detetive?! – perguntou o jovem eufórico com a possibilidade.
– É, eu preciso de uma ajuda hoje. Tenho que fazer o freela do jornal, ficar na
cola do coroa e ainda me mudar. Ah, claro, isso se tua tia deixar...
– Por mim tudo bem... Mas olha, vê lá onde vai meter esse moleque! –
advertiu a padeira. – Isso aí não tem juízo não.
– Relaxa! Tá comigo... Tá com Deus, dona Cida.
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Na cola do Seu Pereira no trânsito
Cristóvão estava numa rua do bairro Inácio Barbosa, em Aracaju, naquela
rua moravam famílias ricas e de classe média alta, as casas eram belas e com
carrões nas garagens ou estacionados na rua. Um lugar bem tranquilo, pensou.
Andou e foi de encontro a uma árvore caída sobre um muro de uma casa. Falou
com as pessoas presentes e conversou com o dono da casa que se disse
impressionado com a chuva da última noite e que nunca havia visto nada como
aquilo. Agradeceu por não ter acontecido nada de mais grave e que seu único
prejuízo havia sido material. Cristóvão ouviu atentamente e anotou as respostas
que o proprietário da casa lhe deu. Tirou algumas fotos da cena e voltou andando
para seu carro preto de vidros escurecidos que estava estacionado no começo da
rua.
Jeferson estava no banco do passageiro do carro, ele ficou ali espiando a
terceira casa da rua. A casa tinha um muro alto e pintado de laranja, havia dois
portões sendo um maior para a garagem, à esquerda, e um outro menor, à direita.
Pelo pouco que dava para ver da construção, deu para notar que quem morava ali
era gente bem de vida. Nos vinte minutos que Cristóvão esteve fora fazendo seu
trabalho jornalístico nada aconteceu, para infelicidade de Jeferson que queria
ação.
– E aí? Nada? – perguntou o detetive entrando no carro.
– Nada! Ninguém deu as caras – disse o jovem frustado.
– Paciência, moleque!
Os dois se mantiveram em silêncio por algum tempo. Cristóvão ajeitou a
câmera que estava colocada no painel do carro mirando a casa laranja e organizou
alguns papéis, alguns bloquinhos de papel e fotos do senhor investigado. O
sobrinho de Dona Cida pegou uma das fotos do velho e ficou a olhá-las, atento aos
detalhes, como se quisesse memorizar, a todo custo, o rosto daquele homem. Sem
se distrair em nenhum momento, o dedicado ajudante percebeu que nem sabia
quem era o tal investigado.
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– Escuta, Cristóvão, quem é esse tiozinho que você tá investigando?
– Ah, esse é o Seu Pereira, um aposentado da Petrobrás. A família anda
desconfiada de que ele está torrando a grana com alguma vadia por aí. A esposa e
a filha me procuraram para investigar se é verdade.
– Será que é um amante mesmo, como você falou?
– Isso é só uma suspeita, já que no fim de semana ele fo a uma festa que
parecia ser de aniversário de algum adolescente. Vamos ter que descobrir,
moleque.
Jeferson sorriu se sentindo útil, aquilo era bem diferente do que imaginava
ser o trabalho de um detetive, diferente dos filmes e das séries que via, mas até
que era divertido. Claro, tirando a parte de ficar um tempão esperando alguma
coisa acontecer. Passaram-se alguns outros momentos de tédio até que o portão
maior da casa laranja se abriu e em seguida um carro prata ganhou a rua. Os
detetives a espreita só esperaram uma pequena prova para confirmar se era, ou
não, o Seu Pereira. Sim, era ele! O vidro do carro estava baixo e ambos o
reconheceram. Cristóvão acionou a câmera do painel e ligou seu carro, mandou o
ajudante anotar a placa e, assim que o coroa se afastou um pouco, passou a
seguí-lo.
Os carros entraram na avenida Tancredo Neves, Cristóvão tentava ficar a
pelo menos dois carros do velho, para não levantar suspeitas. O trânsito estava
ficando congestionado e a atenção tinha de estar redobrada. Foram ultrapassados
e ficaram mais atrás e, para o desespero da dupla, o sinal fechou e o carro de Seu
Pereira seguiu. Não tinha como furar o sinal vermelho, pois estavam cercados de
carros e ali era um cruzamento movimentado. O detetive bufou de raiva, bateu no
volante e mandou seu ajudante ficar de olho e tentar não perder o velho de vista.
Jeferson se ergueu no banco do passageiro e viu que mais a frente o sinal também
estava fechado e que, provavelmente, o investigado ainda estaria lá. Só restava
esperar o sinal abrir e correr. Pareceu uma eternidade.
O sinal abriu e o detetive pisou fundo, cortou os carros à frente e avançou
para onde o carro prata estava. Jeferson sorria, estava empolgado. Aquilo era
como nos filmes de perseguição policial, pura adrenalina, pelo menos na cabeça
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dele. Novamente ficaram parados no trânsito, mas agora sem perder o alvo de
vista. Entraram na Avenida Beira-Mar, seguiram no sentido Centro e Cristóvão se
manteve na cola de seu investigado. Depois de algum tempo no trânsito, o velho
virou à direita, subindo a ponte Godofredo Diniz, que vai para a Coroa do Meio.
Ele deve ir ao shopping, imaginaram os dois. Dito e feito, o carro prata entrou no
Shopping.
– Agora a gente pega esse velho! – disse Cristóvão com um sorriso de lado. –
Fica de olho nele, moleque, não vá perder de vista!
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Na cola do Seu Pereira no Shopping
Os carros entraram no shopping e o detetive procurou estacionar
relativamente próximo de Seu Pereira. Ele saiu em direção à entrada principal e
foi seguido pela dupla que mantinha certa distância. Adentraram no shopping, o
coroa pegou o celular e fez uma ligação rápida.
– Ele deve estar avisando que já chegou – disse Jeferson tomado de uma
imensa curiosidade.
– Provavelmente – disse Cristóvão observando os passos de seu investigado.
– Mas olha só! – exclamou ao ver Seu Pereira entrar em uma loja de roupas para
jovens. – Então ele está numa loja de artigos juvenis. Interessante. Jeferson, quero
que você vá lá na loja, entre, dá uma disfarçada e fica na cola do velho, beleza?
– Beleza!
– Ah, e já sabe: discrição total. Pega o seu celular e tira umas fotos. Eu vou
ficar por aqui perto, qualquer coisa você me manda uma mensagem.
– Pode deixar! – assentiu o jovem detetive.
Jeferson foi em direção à loja, parou em frente às vitrines e fingiu interesse
em alguns produtos. Entrou e viu que Seu Pereira estava olhando alguns bonés,
teve certeza que ele compraria aquilo para seu amante e, pelo visto, o velho era
um papa anjo, talvez um pedófilo. Deu mais uma volta pela loja e parou numa
posição onde podia espiar melhor. O velho estava com o vendedor, tentou ouvir o
que falavam, mas estava bem debaixo da caixa de som que tocava alto. Quando
estava quase ouvindo a conversa, uma vendedora perguntou se poderia ajudá-lo,
sentiu ódio, respirou fundo e a dispensou. Com algum esforço ouviu algo, o
vendedor perguntou sobre a idade do rapaz, a resposta foi 16. Pedófilo, pensou.
No mais, só ouviu sobre o tamanho das roupas e calçados, nada de útil. Disfarçou
e tirou algumas fotos. Ao concluir a compra, Seu Pereira se retirou, em seguida
Jeferson também saiu, Cristóvão o acompanhou e tornaram a seguir o coroa pelo
shopping.
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Os dois andavam no encalço do velho que nem imaginava que estava sendo
seguido. Seu Pereira se dirigiu até um stand onde se vendia ingressos VIPs para
um show de Paolo, um jovem cantor do Estado que fazia muito sucesso e
despontava no cenário pop nacional. Ele conversava com as vendedoras que
estavam trajadas de fãs com camisas e bonés com o nome e fotos de Paolo.
Cristóvão decidiu se aproximar mais, mas quando começava a andar ouviu uma
série de gritos e olhou para trás. Estava acontecendo alguma coisa e uma grande
movimentação se formava no corredor. Jeferson veio para seu lado para ver do
que se tratava.
Eram centenas de garotas e garotos que gritavam histericamente e corriam
em direção a um grupo maior que se movimentava em direção a eles. A
aglomeração passou pelos dois detetives que tiveram de se afastar para não serem
derrubados. Viram que havia alguém no centro de toda aquela confusão, ele
estava cercado de seguranças que faziam um cordão de isolamento e abriam o
caminho. Depois que ouviram os gritos das meninas, perceberam que se tratava
de Paolo, o mesmo cantor do stand onde Seu Pereira estava. A praça de
alimentação foi completamente tomada, uma algazarra. As lojas esvaziaram e os
vendedores foram às portas tentar ver algo, o barulho era infernal, as pessoas
tiravam fotos e faziam vídeos. Cristóvão olhou em volta, esticou-se, mas não
encontrou quem procurava.
– Merda! Perdemos o coroa de vista – resmungou o detetive.
– Velho, o Paolo tá aqui! – disse Jeferson empolgado.
– Foda-se esse Paolo! Preciso concluir esse caso logo e com um resultado
satisfatório. E esse Paolo vem atrapalhar... Será que ele não tem o que fazer, não?
Eu preciso de grana.
– Ah, ele está divulgando o show que vai rolar na sexta-feira. Você não viu o
palco lá na praça dos mercados?
– Hum, eu vi... Grande merda! Mas, pelo visto, o Seu Pereira ou o provável
amante dele curte esse tal de Paolo...
– É, ele pode ter comprado os ingressos para o show.
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– Não ia ser um show aberto?
– Vai sim, mas tem os camarotes e acho que visita aos bastidores, essas
coisas.
– Então, Jeferson, provavelmente ele estará lá. Precisamos descobrir.
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Paolo – O fenômeno pop sergipano
Paolo nunca teve medo de desafios e começou a se aventurar na música
desde que completou 8 anos, um ano após o falecimento de seus pais em um
acidente. Seu pai e sua mãe também eram cantores, faziam muito sucesso no
interior de Sergipe cantando músicas sertanejas, românticas, forrós, rock e o que
mais o público quisesse. O sucesso regional estava crescendo e as viagens
tornaram-se constantes. O filho pequeno ficava com seus tios, Almir e Flora,
enquanto seus pais viajavam nos fins de semana em turnê. Numa dessas viagens
um acidente na estrada acabou com a carreira e a vida dos pais de Paolo o menino
ficou sob os cuidados dos tios. Com o trauma, o garoto ficou sem falar e todos
achavam que ele estava mudo, mas sua voz voltou depois de um ano da tragédia e
foi cantando Tim Maia que se mostrou recuperado.
"Não sei por que você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
Aquele adeus não pude dar
Você marcou em minha vida
Viveu morreu na minha história
Chego a ter medo do futuro e da solidão que em minha porta bate"
Foi ali que Almir viu no sobrinho a oportunidade de retornar ao mundo da
música. Decidiu montar uma banda com as crianças: o sobrinho, o filho Eduardo
e Suzi, filha de amigos. "Os Gigantes", como chamaram o grupo, faziam
pequenas apresentações em escolas e quermesses no interior cantando do forró ao
arrocha que Almir os impunha. A medida que foram crescendo, a popularidade foi
aumentando e, com a adolescência, a música mudou de acordo com os gostos de
cada um deles. Paolo colocou um ritmo latino e trouxe o pop que se misturaram
bem ao dance de Suzi, ao rap e hip-hop de Eduardo e ao rock trazido por
Fernando, o guitarrista que entrou um ano após a formação do grupo. A mistura de
todas estas influências lhes abriu o mercado do Estado e de outros como a Bahia,
Alagoas e Pernambuco. Com a internet, tornaram-se conhecidos por todo o país,
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mas havia uma certa resistência do mercado do sul e sudeste.
Paolo queria quebrar esta barreira, por isso buscava melhorar seu trabalho e
desta forma foi se tornando grande. Criava músicas, coreografias, cenários, e
vídeos para o aprimoramento do grupo. Tanto fez, que a banda era um fenômeno
há mais de um ano. E ele queria mais. Seu objetivo era conseguir entrar de vez no
eixo Rio/São Paulo e conseguir investimento suficiente para poder realizar uma
grandiosa turnê que o consagraria. À esta altura, só o que pensava era em sua
carreira solo. Já tinha conseguido autonomia quanto aos integrantes do grupo,
pois era o ponto forte da banda, o público que ia aos shows dos "Gigantes" queria
ver o Paolo. E ele sabia muito bem disso e se aproveitava.
Anda era muito jovem, havia completado seus 18 anos recentemente e estava
fazendo muito sucesso. Tinha a pele muito branca, era esbelto e tinha estatura
mediana, ainda era um adolescente, por dentro e por fora. Tinha grandes olhos
negros, um sorriso largo e sempre mantinha a cabeça erguida imprimindo um ar
forte e seguro. Seus cabelos pretos tinham um penteado moderno, desfiados à
altura das orelhas e sempre caíam no seu rosto, principalmente quando cantava e
dançava. Por isso, tinha a mania de jogar a cabeça para o lado e fazer o cabelo sair
de sua cara. Isto acabou virando uma de suas marcas registradas. Era humilde,
mas sabia se impor. Era arrogante para alguns, simpático com outros, mas era
totalmente devotado para com os fãs.
Não era de ter muitos amigos, até porque sua rotina e o temperamento
instável nunca lhe permitiam. Curiosamente sua relação com tio Almir e o primo
Eduardo era estritamente profissional, para não dizer apenas financeira. Não eram
uma família, mas sim uma empresa. O seu amigo de todas as horas era Fernando,
o guitarrista. Ele que entrou no grupo depois dos outros, mas logo se tornou o
amigo de Paolo. Estava com 20 anos, era alto e forte. Tinha uma grande tatuagem
tribal no bíceps direito, os cabelos faziam um topete, costumava usar roupas
pretas com referências ao rock. Mas, apesar de tudo, não era metaleiro. Gostava
de música e não importava o gênero, desde um forró dos tempos de Gonzagão ao
samba, do pop, da MBP até o seu favorito, o rock. Um cara aberto, brincalhão e de
bem com a vida que se dava bem com todo mundo, principalmente com Paolo,
uma tarefa nada fácil.
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Escritório/Casa
Cristóvão abriu a porta do escritório e entrou, já era quase fim de tarde
daquela segunda-feira, estava chovendo de novo e finalmente havia terminado
sua mudança para o escritório. Sentou-se confortavelmente atrás de sua velha
escrivaninha, aquela velharia toda lhe fazia bem, gostava do ambiente sombrio e
preferia dias chuvosos e frios como aquele, dias ensolarados lhe traziam más
lembranças. Pepe, o cachorro, estava deitado numa velha poltrona marrom,
Jeferson veio de dentro da casa trazendo um pequeno relógio quadrado que
marcava 16h:27min e o colocou sobre o móvel e também sentou-se. Ambos
ficaram calados, pensado e olhando para o nada ao som seco do tic-tac.
– Hey, Cris, por que você não tinha vindo morar aqui antes? – perguntou
Jeferson. – Quer dizer, você tem essa casa há anos e só a usava como escritório...
– Ah, não sei – ergueu os olhos voltando ao mundo.
– E você ainda gastava dinheiro com aluguel tendo isso aqui.
– Pois é – disse olhando em volta. – Eu ganhei esse prédio do meu sogro, ex
sogro. Foi presente de casamento, para que eu e a Carla abríssemos algum tipo de
negócio, um comércio. Até montamos um escritório de contabilidade, era a área
dela, mas não deu certo, fechamos. Segui com o jornalismo e ela na área de
administração de empresas.
– Você não queria vir para cá antes por isso?
– Quando fui demitido do jornal não consegui arrumar outro emprego, então,
lembrei daqui, poderia recomeçar. Mas tinha que ser algo que me agradasse e que
pudesse ser rentável. Foi quando um amigo jornalista estava desconfiado que a
irmã mais nova estava metida com drogas e me pediu para investigar.
– E ela estava?
– Sabe a expressão "boca de fumo", pois era literalmente isso – disse e deu
uma gargalhada alta e Jeferson fez o mesmo.
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– Foi aí que você decidiu montar este escritório e virar detetive particular?
– Sim, e não foi fácil – tirou e acendeu um cigarro. – Todos me chamaram de
louco, a Carla ficou com raiv e com o tempo aceitou. Mas, como você viu hoje,
detetive e jornalista não tem rotina, grana, luxo nenhum. Isso que me falta é
justamente o que as mulheres querem num homem. E, num belo dia ensolarado,
ela veio até aqui e disse que estava indo morar com outro, que ficaria com a casa e
o carro, que levaria as crianças, mas que este prédio era meu, pois, segundo ela,
tinha pena de mim, pois com este meu emprego eu acabaria morando na rua. Vir
morar aqui era como cofirmar o que ela achava – riu, tragou o cigarro e calou-se
mergulhado nestas lembranças que mais cedo estava disposto a esquecer.
– Sei – disse Jeferson sem saber o que dizer.
– Mas me fala, o que você conseguiu tirar das moças do stand do shopping?
Fez o que pedi?
– Claro, depois que você teve que sair, fiquei por lá esperando o evento do
Paolo acabar. Falei com as vendedoras e perguntei sobre o seu Pereira, no começo
elas nem lembravam, mas mostrei uma das fotos que eu tinha tirado na loja e elas
lembraram. Elas me contaram que aquele stand era apenas para retirada dos
ingressos e pulseiras para o camarote VIP do show e que a compra era feita
somente pela internet.
– Sendo assim, ele já teria comprado o ingresso e só foi lá retirar.
– Sim, mas ele comprou dois ingressos.
– Dois? – o detetive deu uma gargalhada. – Então, provavelmente, ele vai ao
show.
– E eu perguntei sobre a presença de menores na área VIP do show:
"menores somente acompanhados dos pais ou de responsáveis" – concluiu o
jovem orgulhosamente.
– Elas te disseram algo sobre o Pereira ir ao show?
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– Um dos ingressos estava em nome dele... O que quer dizer que ele vai.
– Jeferson, meu caro, na sexta-feira vamos a esse show do Paolo! E vamos
descobrir quem é esse cara que o seu Pereira tanto "estima".
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Continua...
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Aguarde!
O Cara doEspelho
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