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r e v i s ta
               direitos
               humanos
                   Ilustração: Maria da Luz




                                                     Martin UhoMoibhi

                                                       Edson Carvalho

                                               bElisário dos santos Jr.

                                                            Ela WiECko

                                                    Carlos JaMil CUry

                                                      GUstavo vEntUri

                                                    alExandrE kalaChE

                                                       thiaGo dE MEllo

                                                        nair bEnEdiCto




                                              03
                                              setembro 2009
Ilustração por Arlindo
Apresentação
      O diplomata nigeriano Martin Uhomoibhi, então presidente do Conselho de            O cientista político Gustavo Venturi, professor da USP e especialista em
Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, é o primeiro destaque deste           pesquisas de opinião, traça um painel geral sobre a construção de Direitos Hu-
número 3 da revista. Seu artigo resume a aula que ministrou aos estudantes do       manos universais. Em 2008, ele coordenou importante pesquisa nacional enco-
Instituto Rio Branco, em abril, quando visitava o país.                             mendada pela SEDH/PR para atualizar a percepção dos cidadãos e cidadãs do
      Em síntese clara, mostra os desafios do Conselho em seu terceiro ano de       Brasil a respeito das ideias mais comuns a respeito do que sejam esses direitos.
vida. Quando a polarização vivida no interior da antiga Comissão de Direitos             O médico brasileiro Alexandre Kalache já é considerado no ambiente das
Humanos, fundada em 1946, chegou a caracterizar uma verdadeira situação de          Nações Unidas um dos mais importantes especialistas mundiais sobre a ques-
impasse, a Assembleia Geral da ONU decidiu, em 2006, elevar seu status e            tão do envelhecimento. Seu artigo enfoca argumentos e dados consistentes em
garantir maior estrutura para suas atividades, com a elevação a Conselho.           favor da construção de uma nova convenção da ONU, agora para proteger os di-
      Mas este também nasceu enfrentando desconfianças de alguns países mais        reitos da pessoa idosa, segmento vulnerável em todo o planeta, cuja importância
desenvolvidos, sentimento repercutido por setores da imprensa brasileira. Entre     numérica, econômica e política crescerá nas próximas décadas.
as ações condenadas por eles, incluem-se a realização de uma sessão especial             Thiago de Mello, na brancura de seus densos cabelos e de suas roupas
em fevereiro deste ano para prevenir sobre o impacto da crise econômica atual       largas, projeção viva da Amazônia no mundo da poesia e dos Direitos Humanos,
na proteção aos Direitos Humanos em todo o planeta. Ou a recente resolução          é o artista convidado nesta edição para ser entrevistado pelos artistas do MHuD
condenando o golpe de Estado em Honduras. Por sinal, as duas iniciativas foram      – Movimento Humanos Direitos.
propostas pela missão brasileira em Genebra.                                             Entremeada de poemas, declamações e memórias fortes do tempo em que
      O professor Edson Ferreira de Carvalho, da Universidade Federal de Viçosa     viveu exilado no Chile de Neruda e de Salvador Allende, a entrevista resgata
(MG), classifica como gigantesca e assustadora a crise ambiental vivida hoje        sua trajetória de militância política na resistência ao regime ditatorial de 1964 e
pelo planeta. Seu texto realça os fortes nexos entre a busca do equilíbrio ecoló-   reafirma a importância da arte, da música, da beleza e da sensibilidade poética
gico e a proteção universal aos direitos humanos.                                   na afirmação histórica dos Direitos Humanos.
      O tema Direito à Memória e à Verdade, sempre presente nessa revista, é             O ensaio fotográfico apresentado por Nair Benedicto não lembra seus tem-
abordado por Belisário dos Santos Júnior. Advogado de presos políticos já em        pos de Presídio Tiradentes, em São Paulo, a partir de 1969, nem a dor da tortura
1970, o autor foi secretário de Justiça do governador Mário Covas entre 1995        ou a angústia da prolongada apartação de suas crianças.
e 2000, sendo o mais antigo membro da Comissão Especial sobre Mortos e                   As fotos captam luz, muita luz, luminosidade infinita, nos tufos de sisal
Desaparecidos Políticos.                                                            empunhados pela mulher baiana, nas pinturas corporais da pequena cunhatã,
      Com sólida fundamentação jurídica, ele aborda as dívidas que o Estado         ou nos laços de fita de três pequenas garotas. Também no corte feminino da
brasileiro ainda não saldou na questão dos mortos e desaparecidos políticos,        cana-de-açúcar, no olhar da quilombola ribeirinha. Presente também se faz a luz
incluindo a busca de restos mortais de guerrilheiros na região do Araguaia.         reversa de uma criança perambulando no lixo.
      Ela Wiecko, respeitada militante dos Direitos Humanos, sempre apoiada pe-          As ilustrações desta edição dialogam com uma das mais importantes trin-
los movimentos sociais como candidata favorita ao cargo de procuradora-geral        cheiras de afirmação dos Direitos Humanos no Brasil de 2009. Os avanços da
da República, escreve sobre a situação dos índios no Brasil.                        Lei nº 10.216, de 2001, sofrem nos dias de hoje um contra-ataque desfechado
      Defende os avanços contidos na Declaração das Nações Unidas sobre os          pela velha psiquiatria defensora dos manicômios, com apoio da grande indústria
Direitos dos Povos Indígenas, exorcizando os fantasmas tão alardeados por aqui,     farmacêutica. Querem retornar aos tempos em que pessoas eram segregadas
de que seus 46 artigos trariam ameaça à integridade territorial brasileira. Tese    em instituições totais e, diariamente, impregnadas por medicamentos tão discu-
que foi alardeada pelos inimigos da homologação definitiva da Terra Indígena        tíveis em seus efeitos quanto causadores do torpor que as cenas do filme Bicho
Raposa Serra do Sol.                                                                de Sete Cabeças mostraram com tanta força.
      Educação em Direitos Humanos, assunto que a Secretaria Especial dos Di-            Seus atores são usuários dos Caps – Centros de Atendimentos Psicossocial
reitos Humanos da Presidência da República escolheu como prioridade estrutu-        e verdadeiros artistas ligados ao projeto Arte na Saúde Mental em Minas Gerais,
rante entre 2009 e 2010, recebe nesta edição reflexões de Carlos Roberto Jamil      selecionados por Carlos Eduardo Nunes Pereira, o Caco, coordenador do Serviço
                                                                                                                                                                                    3
Cury, professor da PUC e da Universidade Federal de Minas Gerais.                   de Saúde Mental de Ouro Preto, e por Rosemeire Aparecida da Silva, à frente do
                                                                                                                                                                          Revista Direitos Humanos




      Seu texto focaliza os vínculos do tema com princípios básicos da Consti-      Serviço de Saúde Mental de Belo Horizonte.
tuição brasileira, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e com a
própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para ele, “educação para os                                                         Brasília, setembro de 2009
Direitos Humanos é uma formação cultural que busca nessa essência igualitária                                                                       Paulo Vannuchi
o reconhecimento e o valor das diferenças. Tal formação visa a fazer do diálogo                                                Ministro da Secretaria Especial dos
a forma suprema de aproximação entre os povos e as pessoas.”                                                        Direitos Humanos da Presidência da República
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sumário   Arquivo pessoal
                            6    Desafios do Conselho de
                                 Direitos Humanos da ONU

                                 Martin UhoMoibhi




                            11   Direitos Humanos e
                                 Meio Ambiente


                                 Edson FErrEira dE Carvalho




          Adriana Bertier




                            15   Direito à Memória e à Verdade


                                 bElisário dos santos Jr.




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                            19   Direitos Humanos
                                 das Populações Indígenas

                                 Ela WiECko v. dE Castilho




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                            23   Da Educação para os
                                 Direitos Humanos.

                                 Carlos robErto JaMil CUry
Ilustração de fundo por Arlindo


                                                                                Expediente
                                                                                Presidente da República:
                                                                                Luiz Inácio Lula da Silva

                                                                                Ministro da Secretaria Especial dos Direitos
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                                                                                Humanos da Presidência da República:
                                                                                Paulo Vannuchi




                   26
                                                                                Secretário Adjunto:
                            A Construção de Direitos                            Rogério Sottili
                            Humanos Universais                                  Conselho editorial:
                                                                                Paulo Vannuchi (Presidente)
                                                                                Aída Monteiro
                                                                                André Lázaro
                            GUstavo vEntUri                                     Carmen Silveira de Oliveira
                                                                                Dalmo Dallari
                                                                                Darci Frigo
                                                                                Egydio Salles Filho
                                                                                Erasto Fortes Mendonça
                                                                                Izabel de Loureiro Maior
Google Imagens                                                                  José Geraldo de Sousa Júnior
                                                                                José Gregori
                                                                                Marcos Rolim



                   30
                                                                                Marília Muricy
                         O Século do Envelhecimento                             Maria Victoria Benevides
                         e a Sociedade que Queremos                             Matilde Ribeiro
                                                                                Nilmário Miranda
                         Construir                                              Oscar Vilhena
                                                                                Paulo Carbonari
                         alExandrE kalaChE                                      Paulo Sérgio Pinheiro
                                                                                Perly Cipriano
                                                                                Ricardo Brisolla Balestreri
                                                                                Samuel Pinheiro Guimarães
                                                                                Coordenação editorial:
                                                                                Erasto Fortes Mendonça
                                                                                Mariana Carpanezzi
Google Imagens                                                                  Paulo Vannuchi
                                                                                Patrícia Cunegundes



                   36    Entrevista
                                                                                Tradução:
                                                                                Mariana Carpanezzi
                                                                                Revisão:
                                                                                Bárbara de Castro e Joíra Coelho

                         thiaGo dE MEllo                                        Colaboração:
                                                                                Fernanda Reis Brito, Carlos Eduardo Nunes Pereira,
                                                                                Rosemeire Aparecida da Silva
                                                                                Projeto gráfico e diagramação:
                                                                                Wagner Ulisses
                                                                                Capa:
                                                                                Maria da Luz
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                                                                                Ilustrações:
                                                                                Laurandi Pereira da Silva, Euler Brito dos Reis,
                                                                                Alexander Santos Evangelho, Almerindo José de



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                                                                                Oliveira, Raul Assad, Daniel Alves da Cruz, Victor
                                                                                Martins dos Santos, Antônio Eustáquio Guedes, Sel-
                         Imagens                                                ma Rocha, Cristiano de Oliveira, Cidilaine Aparecida
                                                                                Nascimento, Maria José Rodrigues, Ronaldo Xavier
                                                                                da Cruz e Sebastiana de Paula Soares
                                                                                Produção editorial:
                         nair bEnEdiCto                                         Liberdade de Expressão – Agência
                                                                                e Assessoria de Comunicação



                                                                                Secretaria Especial dos Direitos Humanos
                                                                                Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício Sede,
                                                                                sala 424
                                                                                70.064-900 Brasília – DF



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                                                                                direitoshumanos@sedh.gov.br
                                                                                www.direitoshumanos.gov.br
                         Serviços                                               ISSN 1984-9613
                                                                                Distribuição gratuita
                                                                                Tiragem: 10.000 exemplares
                                                                                                                                                            5
                                                                                                                                                  Revista Direitos Humanos




                                                                                Direitos Humanos é uma revista de distribuição gratuita,
                                                                                publicada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos
                                                                                da Presidência da República.

                                                                                As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade
                                                                                exclusiva dos autores e não representam necessariamente a
                                                                                posição oficial da Secretaria Especial dos Direitos Humanos
                                                                                da Presidência da República ou do Governo Federal.

                                                                                Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial
                                                                                ou total desta obra, exceto de fotografias e ilustrações, desde
                                                                                que citada a fonte e não seja para venda ou qualquer fim
                                                                                comercial.
Laurandi Pereira da Silva



                    artigo




                                                                                  Desafios do
                                                                                  Conselho de
                           Martin UhoMoibhi foi presidente
                           do Conselho de Direitos Humanos da
                                                                                  Direitos Humanos
                           Organização das Nações Unidas (ONU)
                           entre junho de 2008 e junho de 2009.
                           Formado em História pela Universidade
                                                                                  da ONU
                           de Ibadan, 1976, e detentor de título de
                           doutor em História Moderna e Relações



                                                                                  G
                           Internacionais pela Universidade                                ostaria de compartilhar minha per-      eminente que lhes foi reservada pela Carta
                           de Oxford, Uhomoibhi é diplomata,                               cepção sobre as perspectivas e os       das Nações Unidas. Como sabemos, Direi-
                           exercendo atualmente o posto de                                 desafios que se põem diante do          tos Humanos, segurança e desenvolvimento
                           embaixador da Nigéria na Suíça.                        Conselho de Direitos Humanos das Nações          constituem os três pilares da ONU.
                                                                                  Unidas (CDH) no momento em que a ins-                Valorizar os Direitos Humanos nunca
                                                                                  tituição completa seu terceiro ano de exis-      é demais, e a razão para tanto é óbvia. Em
        6                                                                         tência. Optei por enfatizar os desafios que se   se tratando deles, o que está em questão
                           Tradução por Mariana Carpanezzi                        colocam à frente, uma vez que, após haver        é nada menos do que a vida, a dignidade,
Revista Direitos Humanos




                           Artigo transcrito a partir da palestra proferida por   completado seu processo de construção ins-       a integridade e o bem-estar individual. O
                           Martin Uhomoibhi, presidente do Conselho de            titucional, o Conselho está atualmente em        ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan,
                           Direitos Humanos da ONU, aos estudantes do
                                                                                  condições de realizar sua missão, qual seja,     ressaltou a centralidade desses direitos em
                           Instituto Rio Branco, em 29 de abril de 2009.
                                                                                  conduzir os Direitos Humanos à posição pro-      relatório que elaborou a respeito da reforma
das Nações Unidas, sob o título In larger                 avançar com os ideais de uma sociedade                    maior para a instituição, traço positivo de seu
freedom: towards development, security and                pacífica e justa, uma sociedade na qual os                funcionamento. Cito como exemplo o pacote
human rights for all1, apresentado na Cúpula              direitos universais inerentes a cada ser hu-              de construção institucional, aprovado depois
Mundial havida na sede das Nações Unidas,                 mano são respeitados. Em segundo lugar, o                 de longas negociações sob a sábia lideran-
em Nova Iorque, em setembro de 2005. No                   Conselho se projeta como espaço único para                ça do embaixador Luís Alfonso de Alba, do
documento, afirma:                                        expressão e promoção de perspectivas diver-               México, que estabeleceu as principais dire-
                                                          sas e pontos de vista divergentes.                        trizes institucionais e os métodos de trabalho
        “Não desfrutaremos desenvolvimen-                      Lembremos que o CDH foi criado para                  do Conselho. Tal pacote também reafirmou
        to se não tivermos segurança, não                 substituir a anterior Comissão de Direitos                assertivamente os princípios da objetivida-
        desfrutaremos segurança se não                    Humanos, duramente criticada por agir de                  de, equidade e não seletividade, inclusive o
        tivermos desenvolvimento, e não                   forma seletiva, empregar critérios dúbios                 imperativo de despolitização e de eliminação
        desfrutaremos nem segurança e nem                 e concentrar atenção excessiva em casos                   de critérios dúbios nos trabalhos do CDH.
        desenvolvimento sem respeito pelos                particulares de violação, ao tempo em que                      Em minha avaliação, a atual estrutura do
        Direitos Humanos”.                                ignorava outros. Justa ou não, a crítica foi              Conselho foi bem-concebida e responde po-
                                                          tão severa e ácida que atingiu a reputação da             sitivamente às necessidades advindas de sua
    Além de autoexplicativa, a observação de              Comissão de modo irreparável.                             missão. Ela compreende:
Annan sinaliza que possíveis contestações                      Em face dessa conjuntura, é compre-
podem ser levantadas opondo os Direitos                   ensível que a criação do Conselho de Di-                       1) O Mecanismo de Revisão Periódica
Humanos aos demais pilares das Nações                     reitos Humanos, em 2006, tenha gerado                     Universal (RPU), para o qual o Brasil vem
Unidas, ou seja, à segurança e ao desen-                  grandes expectativas entre os membros                     contribuindo de forma consistente. Por
volvimento. Ao adotar a resolução 60/251,                 da comunidade internacional. A resolução                  meio desse instrumento único, cada mem-
que criou há apenas três anos o CDH, a As-                60/251 da Assembleia Geral definiu as                     bro das Nações Unidas, e todo o grupo
sembleia Geral procurou criar uma institui-               responsabilidades e os desafios que se lhe                de países, coletivamente, terá a situação
ção realmente capaz de fazer a diferença no               colocavam à frente, referindo-se indireta-                dos Direitos Humanos em suas socieda-
exercício desses direitos por todos os povos,             mente à experiência anterior de descrédito                des nacionais analisada. Na esfera global,
em todos os lugares, ao redor do globo. A                 da Comissão. A esse respeito, a resolução                 não existe nenhum outro mecanismo dessa
resolução refletiu o compromisso e a dis-                 define, na seção preambular, que a nova                   estatura. Esse instrumento revolucionário
posição dos Estados-Membros das Nações                    instituição há de orientar suas atividades                garante não apenas objetividade, não se-
Unidas de revitalizar o papel da organização              pelo princípio de “reconhecer também a                    letividade e universalidade, como também
na garantia desse objetivo elevado.                       importância de garantir a universalidade,                 uma exposição sem precedentes dos Esta-
    O filósofo Patrick Hauden apresenta uma               objetividade e não seletividade na consi-                 dos ao escrutínio internacional.
perspectiva dual dos Direitos Humanos, ao                 deração dos temas de Direitos Humanos,                         2) Os Procedimentos de Reclamação,
caracterizá-los a um só tempo como “de-                   bem como eliminar os critérios dúbios e a                 uma espécie única de ferramenta que pos-
mandas morais justificáveis” e “realidades                politização de suas atividades”.                          sibilita acesso das vítimas de violação pro-
políticas contestadas”. No CDH, essas pers-                    Atentos ao nível de excelência que lhes              venientes de todos os lugares do mundo ao
pectivas conflitantes frequentemente se colo-             foi reservado, os membros do Conselho ra-                 sistema de proteção dos Direitos Humanos
cam em evidência. Na condição de órgão in-                pidamente colocaram em marcha a criação                   das Nações Unidas.
tergovernamental, o Conselho está envolvido               de estruturas e mecanismos para atender                        3) Os Procedimentos Especiais – inves-
em atividades de natureza política que visam              às altas expectativas dos Estados-Membros                 tigações independentes realizadas por um                    7
ao objetivo agregado de promoção e defesa                 das Nações Unidas, da sociedade civil e de                perito, individualmente, ou por um grupo
                                                                                                                                                                      Revista Direitos Humanos




dos Direitos Humanos. A esse respeito, faço               todos os demais atores envolvidos com o                   de especialistas, a depender dos termos do
duas observações breves e esclarecedoras                  tema dos Direitos Humanos. Desde então,                   mandato. Há dois tipos de procedimentos
sobre o Conselho. Em primeiro lugar, ele é                a busca pela objetividade e pela não sele-                especiais. Os mandatos por país buscam
o fórum no qual os participantes procuram                 tividade tem permanecido uma preocupação                  investigar situações específicas relaciona-

  1. Em tradução livre: “Por um conceito mais amplo de liberdade: rumo ao desenvolvimento, à segurança e aos Direitos Humanos para todos”.
artigo           Desafios do Conselho de Direitos Humanos da onu

                           das aos Direitos Humanos em determina-          ciais e a excelência do Comitê de Assesso-




                                                                                                                          Euler Brito dos Reis
                           dos Estados ou regiões. Há atualmente oito      ramento. Não há dúvida de que existe, ainda,
                           mandatos dessa natureza, cobrindo Burundi,      espaço para aperfeiçoamento, mas é preciso
                           Somália, o território ocupado da Palestina,     reconhecer que o sucesso até o momento
                           a República Democrática da Coreia, o Cam-       conquistado nos dá razão para encorajamen-
                           boja, Mianmar, o Haiti e o Sudão. No outro      to. Partindo de minha experiência pessoal,
                           vértice, há os mandatos temáticos, dedica-      diria que, no ponto em que estamos, em vez
                           dos à pesquisa e análise de certos tópicos.     de nos perguntar como melhorar a estrutura
                           Existem hoje 30 mandatos dessa espécie,         institucional, mais útil seria que nos colo-
                           compreendendo direito à alimentação, aces-      cássemos outra questão: em que medida os
                           so à água e ao saneamento básico, liberdade     Estados-Membros, observadores e demais
                           religiosa e de pensamento, liberdade de ex-     atores interessados vêm efetivamente fazen-
                           pressão e direito à moradia adequada, entre     do uso dos mecanismos disponíveis?
                           outros. O mandato para o direito à moradia           Os desafios que se colocam ao Conselho
                           está hoje em mãos de uma brasileira, a se-      não podem ser superados apenas por meio
                           nhora Raquel Rolnik. Relembro que o Estado      de reformas institucionais. As soluções de-
                           brasileiro estendeu convite aberto a todos os   vem ser encontradas em outras instâncias.
                           relatores especiais.                            Uma das áreas que requerem aperfeiçoa-


                           Valorizar os Direitos Humanos nunca é demais, e
                           a razão para tanto é óbvia. Em se tratando deles, o
                           que está em questão é nada menos do que a vida, a
                           dignidade, a integridade e o bem-estar individual.
                               4) O Comitê de Assessoramento, núcleo       mento é a da cultura política das delegações
                           de excelência composto por personalidades       e grupos de países no Conselho. Assim
                           destacadas e de pensamento autônomo,            como é certo que poucos temas interna-
                           provenientes de todas as regiões do mun-        cionais suscitam tamanha paixão quanto
                           do. Esses especialistas produzem estudos        o dos Direitos Humanos, sabemos, igual-
                           a partir de demandas advindas do Conselho       mente, que a politização e a confrontação
                           de Direitos Humanos, sem prejuízo daqueles      não eram incomuns na extinta Comissão.
                           surgidos por iniciativa própria.                O Conselho foi criado precisamente para
                                                                           superar o sistema anterior de trabalho, que
                               Esses mecanismos demonstram o alto          ao longo do tempo revelou falhas insupe-
                           grau de cuidado envolvido na elaboração do      ráveis. Ousemos a pergunta: quais são as
                           desenho institucional do CDH. Com efeito,       razões para as aparentes divisões políticas
        8                  um de seus méritos consiste na combina-         no CDH? Como enfrentar o problema para
                           ção entre a universalidade que caracteriza o    garantir a confiança e a cooperação?
Revista Direitos Humanos




                           Mecanismo de Revisão Periódica Universal,           Há pouca controvérsia relacionada com
                           a acessibilidade característica dos Proce-      a premissa de que todas as pessoas são ti-
                           dimentos de Reclamação, a independência         tulares de direitos fundamentais. Não há en-
                           dos mandatários dos Procedimentos Espe-         gano maior do que a ideia segundo a qual os


                                                                      Euler Brito dos Reis
                                                                          Sem Título, 2001
Direitos Humanos constituem uma criação         Direitos Humanos. Entretanto, às vezes per-
do Ocidente, inaplicável ao resto do mundo.     cebo que, no calor de um debate competiti-
Países de todas as partes do globo vêm to-      vo, alguns delegados perdem a dimensão do
mando iniciativas importantes para fazer face   objetivo nobre da proteção desses direitos, e
aos problemas cruciais no campo desses          isso acontece dentro do próprio órgão cujo
direitos. A América Latina e, dentro dela, o    objetivo é promovê-los”.
Brasil, oferecem exemplos de reflexão de             O Conselho é um encontro de Estados. É,
ponta e de engajamento robusto. Os países       portanto, um espaço suscetível à expressão
ocidentais vêm aportando ao mundo contri-       de ênfases e perspectivas diferentes relacio-
buições memoráveis nessa área, ao passo         nadas ao modo de garantir os Direitos Huma-
que África, Ásia, o mundo árabe, o mundo        nos, o que reflete a existência de diferentes
islâmico e outros vêm agindo enormemen-         modos de entender a melhor maneira para
te, também, para a melhoria e o aperfeiçoa-     promover o bem comum. Se devidamente
mento da estrutura de proteção das garantias    coordenados, os diferentes olhares oferecem
fundamentais. O Conselho, na condição de        aportes úteis e benéficos, baseados na expe-
órgão das Nações Unidas, não constitui fó-      riência de cada um dos países. Na posição
rum para testar a força de grupos ou de blo-    de presidente do Conselho, minha principal
cos: ele é a soma da contribuição de todos.     tarefa consiste em construir pontes, transpor
Se seu propósito é afastar-se das políticas     divergências e superar interesses políticos,


            Não há dúvida de que existe, ainda, espaço
                  para aperfeiçoamento, mas é preciso
                            
             reconhecer que o sucesso até o momento
         conquistado nos dá razão para encorajamento.
de blocos, é preciso que cultive perspectivas   os quais tendem a colocar em risco o traba-
amplas e uma visão de mundo que abarque a       lho do CDH. A diversidade de visões existe e
universalidade dos Direitos Humanos.            continuará a existir. Entretanto, o presidente,
    Gostaria de destacar que, algumas vezes,    que administra de fato o cotidiano do Conse-
a densa atmosfera política que envolve o        lho, deve garantir a prevalência de um am-
Conselho não é mero resultado de oposição       biente construtivo, de respeito e cooperação.
entre “países com altos padrões morais” e           Para realizar a missão que lhe foi in-
“países que se eximem de suas responsabi-       cumbida, é preciso que o CDH supere as
lidades”. Analogamente, não se trata de uma     polarizações. Na promoção e defesa dos
competição entre “campeões da civilização”      Direitos Humanos não há mocinhos ou
e “renitentes violadores de direitos”. Um       bandidos. A decisão de outorgar poder
notável brasileiro, a certa época alto-comis-   ao Conselho para avaliar a situação dos                     9
sário para os Direitos Humanos das Nações       Direitos Humanos em todos os países por
                                                                                                  Revista Direitos Humanos




Unidas, Sérgio Vieira de Mello, estava certo    meio do Mecanismo de Revisão Periódica
ao dizer, em 2003, alguns meses antes de        Universal não apenas reforça o princípio
seu trágico falecimento no Iraque, que “não     de igualdade entre Estados, como também
há nada mais sério do que a proteção dos        sublinha o tema da universalidade desses
artigo           Desafios do Conselho de Direitos Humanos da onu

                           direitos. Portanto, em lugar de acusar-se        globo. Sem todos esse atores, o trabalho do    o Conselho, é uma ameaça à sua sustenta-
                           umas às outras, as delegações têm a chan-        Conselho estaria incompleto. A sociedade       bilidade. O Fundo Voluntário de Assistência,
                           ce de lançar seus olhares para o futuro,         civil é certamente um elemento fundamental     criado com o fim de apoiar pequenos países
                           demonstrando solidariedade às vítimas de         dentro do CDH, um elemento cuja partici-       em desenvolvimento no processo de parti-
                           violações, e não a si próprias. É dessa úni-     pação muitas vezes também contribui para       cipação na Revisão Periódica Universal, não
                           ca maneira que se pode alcançar o respeito       gerar impasses.                                tem contado com colaborações generosas,
                           universal pela vida humana; é dessa única             O Conselho de Direitos Humanos en-        para dizer o mínimo.
                           maneira que se pode afirmar a dignidade.         frenta outros inúmeros desafios. Um deles           Apesar de estar apenas em seu terceiro
                               O bom funcionamento do Conselho de-          é a implementação das resoluções adota-        ano de existência, o CDH vem efetivamente
                           pende do funcionamento adequado de todas         das pelo órgão em benefício daqueles a         construindo uma história de promoção e de-
                           as suas partes. Desde sua concepção, ONGs,       quem deve servir. Sejamos honestos: por        fesa dos Direitos Humanos. Ele não é perfei-
                           instituições nacionais vinculadas aos direitos   que adotar resoluções que não serão im-        to. Como já apontei, desafios permanecem.
                           fundamentais e demais atores interessados        plementadas?                                   Apesar disso, sua breve trajetória é marcada
                           vêm se envolvendo em seu trabalho, voca-              O Mecanismo de Revisão Periódica Uni-     por realizações e por iniciativas de sucesso.
                           lizando mensagens importantes, marcando          versal é um diferencial positivo do CDH, mas   Cabe a todos os atores continuar avançando
                           posição em defesa das vítimas de violações       ele também tem seus próprios desafios. A       e conquistando novos sucessos, construindo
                           e alimentando discussões sobre situações         escassez de recursos para financiá-lo, um      pontes para diminuir as diferenças e tradu-
                           significativas relacionadas aos Direitos Hu-     problema que decorre em parte da inexis-       zindo esses sucessos alcançados em bene-
                           manos que vêm acontecendo ao redor do            tência de um orçamento independente para       fícios para as vítimas de violações.




                                                                                                                      Algumas vezes, a densa
                                                                                                                      atmosfera política que
                                                                                                                      envolve o Conselho não
                                                                                                                      é mero resultado de
                                                                                                                      oposição entre “países
                                                                                                                      com altos padrões
                                             Alexander Santos Evangelho




                                                                                                                      morais” e “países que
                                                                                                                      se eximem de suas
    10
                                                                                                                      responsabilidades”
Revista Direitos Humanos
Direitos Humanos
                             e Meio Ambiente
                             Edson FErrEira dE Carvalho

                                                                                            1. INTRODUÇÃO
Almerindo José de Oliveira




                                                                                                A humanidade encontra-se num mo-
                                                                                            mento crucial na história da Terra. Vista do
                                                                                            espaço, a fotografia do planeta revela o azul
                                                                                            profundo dos oceanos, que encanta e deixa
                                                                                            atônito todo ser humano. Essa imagem pro-
                                                                                            picia à humanidade os sentidos de singela
                                                                                            beleza, singularidade, fragilidade e finitude
                                                                                            de seu lar.
                                                                                                Mais que bela, a mater Terra representa o
                                                                                            maior enigma do universo. Os esforços cien-
                                                                                            tíficos, até o presente momento, foram inca-
                                                                                            pazes de fornecer explicações plenamente
                                                                                            satisfatórias sobre sua origem e existência.
                                                                                            Por que a vida teria surgido e se desenvol-
                                                                                            vido neste, relativamente, pequeno planeta
                                                                                            e não em outro ambiente do universo? Ao
                                                                                            lado de outras, essa é uma das questões
                                                                                            transcendentais que desafiam a inteligência
                                                                                            humana. O certo é que se conhece apenas
                                                                                            uma Terra e que a humanidade necessita de
                                                                                            uma biosfera para preservar seu sonho de
                                                                                            eternidade. Hoje, a perpetuação dessa saga
                              Edson FErrEira dE Carvalho é professor do
                                                                                            depende da racionalidade e do engenho hu-
                              Departamento de Direito da Universidade Federal de
                                                                                            manos. O futuro está, literalmente, nas mãos
                              Viçosa (MG), pós-doutor em Direitos Especiais pela Notre
                              Dame University (Estados Unidos), ganhador do prêmio          dos seres humanos.
                                                                                                                                                   11
                              internacional Gilles Boulet, da Inter-American Organization       O ecossistema terrestre vem sofrendo
                                                                                                                                            Revista Direitos Humanos




                              for Higher Education (Canadá) e de menção honrosa por         gravíssimas lesões, cujas consequências
                              trabalho apresentado ao Human Rights Award da Academy         têm potencial para afetar toda a humanida-
                                                                                                          Almerindo José de Oliveira
                              on Human Rights and Humanitarian Law do Washington            de. Os 6,7 bilhões de seres humanos, suas
                                                                                                         Sem Título
                              College of Law – American University (USA).                   organizações Acrílica empreendimentos exer-
                                                                                                         e seus sobre tecido
                                                                                                          48,5 x 39cm
                                                                                            cem – uns mais,C. Arthurmenosdo gigantesca
                                                                                                        C. outros Bispo – Rosário
artigo             Direitos Humanos e Meio Ambiente

                           pressão sobre os recursos naturais, e provo-                    O governo britânico publicou, em 2006,                  mundo cerca de 22 milhões de refugiados e
                           cam poluição da atmosfera, dos oceanos e                   importante estudo sobre os efeitos econô-                    30 milhões de desalojados ambientais den-
                           dos rios, colocando em risco a capacidade                  micos do aquecimento global e os custos                      tro das fronteiras dos Estados3.
                           de produção dos ecossistemas e a sobrevi-                  para mitigá-lo. De acordo com o relatório                         Relatório divulgado pelo Fórum Huma-
                           vência das espécies.                                       coordenado pelo economista do governo                        nitário Global (FHG)4, entidade presidida
                              À medida que a ciência e a tecnologia                   britânico, Nicholas Stern, o mundo tem de                    por Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU,
                           avançam, o mundo toma consciência da                       agir rápido para enfrentar o problema da                     mostra que a mudança do clima da Terra mata
                           fragilidade do ecossistema Terra, mostrando                mudança climática, ou então enfrentar con-                   de fome, enfermidades ou desastres naturais
                           que o futuro enfrenta colossais riscos, sendo              sequências econômicas devastadoras. O                        cerca de 315 mil pessoas por ano. Pior, esse
                           o maior deles a mudança do clima.                          relatório estima que os eventos climáticos                   número deve ascender a 500 mil até 2030.
                              No que concerne ao aquecimento glo-                     extremos poderão reduzir o Produto Mundial                   Estima-se que o fenômeno afete gravemente
                           bal, o Painel Intergovernamental sobre Mu-                 Bruto (PMB) em cerca de 1%. O aumento de                     325 milhões de pessoas por ano, e que em
                           danças Climáticas (IPCC), da Organização                   2ºC na temperatura poderá reduzir a produ-                   20 anos esse número duplicará, alcançando
                           das Nações Unidas (ONU), publicou relató-                  ção econômica em 3%. O incremento de 5ºC                     o equivalente a 10% da população mundial.
                           rio alarmante sobre mudança climática. Os                  resultará na perda de até 10% da produção                    Segundo o estudo, os prejuízos decorrentes
                           especialistas do IPCC afirmam, com 90% de                  global, e os países mais pobres perderão                     do aquecimento global já superam 125 bi-
                           probabilidade de segurança, que o aqueci-                  cifras maiores. No pior cenário projetado, o                 lhões de dólares por ano – cifra superior à
                           mento do planeta é atribuível às emissões                  declínio da economia global em 20% causa-                    ajuda dos países ricos para os pobres –, e
                           de dióxido de carbono resultantes das ati-                 rá efeitos sociais catastróficos para todos os               devem alcançar 340 bilhões de dólares por
                           vidades humanas. De acordo com o estu-                     povos. Mais que isso, se nenhuma ação for                    ano até 2030. Embora não tenham criado o
                           do, houve, nos últimos 100 anos, aumento                   tomada, a mudança do clima poderá extin-                     problema, os mais pobres serão os mais pre-
                           de 1ºC na temperatura média da Terra. Se                   guir mais de 40% das espécies, e a eleva-                    judicados. De acordo com o relatório, os paí-
                           mantido o ritmo atual, estima-se que au-                   ção do nível dos oceanos poderá desalojar                    ses em desenvolvimento arcam com mais de
                           mentará entre 2ºC e 4,5ºC até 2050, o que                  200 milhões de pessoas, permanentemente.                     90% do ônus humano e econômico da mu-
                           provocará elevação do nível dos oceanos                    Stern conclui que o problema, embora glo-                    dança climática, embora os 50 países mais
                           entre 18cm e 59cm. Essa variação resultará                 bal e urgente, ainda não atingiu o ponto de                  pobres respondam por menos de um 1% das
                           em modificações profundas nas condições                    irreversibilidade. Para enfrentá-lo, as emis-                emissões de gases de efeito estufa.
                           climáticas do planeta, prevendo-se incre-                  sões devem ser estabilizadas nos próximos                         O furacão Katrina ilustra as enormes
                           mento na intensidade das ondas de calor,                   20 anos e decrescer entre 1% e 3% depois                     perdas humanas e econômicas que os de-
                           inundações mais frequentes, diminuição                     desse período, o que custará 1% do PMB .             2
                                                                                                                                                   sastres relacionados com o clima podem
                           da disponibilidade de água potável, eleva-                      A mudança climática será responsável                    causar. Embora o evento não possa ser atri-
                           ção do nível do mar, desaparecimento de                    pela expulsão de milhares de pessoas de                      buído exclusivamente à alteração do clima,
                           algumas ilhas e perda de solos férteis, bem                suas residências, fazendo com que o nú-                      serve para ilustrar o que pode vir a aconte-
                           como ciclones tropicais, tufões e furacões                 mero de refugiados climáticos seja superior                  cer, à medida que a intensidade e a frequ-
                           mais intensos .  1
                                                                                      aos de guerras. Estima-se que já existem no                  ência de tais eventos aumentem no futuro.

    12
                             1. IPCC. Climate change 2007: the physical science bases. Summary for policy makers. [S. l.], IPCC, 2007. Disponível em: http://www.ipcc.ch/SPM2feb07.pdf. Acesso
Revista Direitos Humanos




                             em: 22 jun. 2009.
                             2. STERN, Nicholas. Stern review: the economics of climate change: executive summary. BBC News website, Londres, out. 2006. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/
                             hi/business/6098362.stm. Acesso em: 30 jun. 2009.
                             3. PENTINAT, Susana Borràs. Refugiados ambientales: el nuevo desafío del derecho internacional del medio ambiente. Revista de Derecho, vol. XIX, n. 2: 85-108, 2006, p. 86.
                             4. GLOBAL HUMANITARIAN FORUM. Human Impact Report Climate Change: The Anatomy of a silent crisis. Genebra: Global Humanitarian Forum, 2009. Disponível em:
                             http://ghfgeneva.org/Portals/0/pdfs/human_impact_report.pdf, Acesso em: 3 jul. 2009. p. 12 a 15.
Raul Assad









                 O Katrina ceifou a vida de cerca de 1,8 mil               tanos e a agricultura da Flórida, e a elevação              quantidade de esgotos é lançada direta-
                 pessoas e causou perdas econômicas es-                    dos oceanos poderá submergir parcialmente                   mente no ambiente. Aproximadamente 1,3
                 timadas em aproximadamente 100 bilhões                    as cidades de Nova Iorque e Los Angeles.                    bilhão de pessoas respiram ar de qualidade
                 de dólares. A nação mais rica e poderosa                       Nos últimos anos, a degradação am-                     fora dos padrões internacionais e cerca de
                                                                                                                                                                                        Raul Assad
                 do mundo simplesmente não soube o que                     biental passou a constituir não apenas                      700 mil pessoas morrem por ano,Sem Título, 2006
                                                                                                                                                                       por mo-
                                                                                                                                                                                  Acrílica sobre tela
                 fazer com milhares de desabrigados pela                   catástrofe ecológica, mas, principalmente,                  tivo de exposição à poluição atmosférica.x A
                                                                                                                                                                             30 40cm
                                                                                                                                                                                         C. C. Oeste
                 enorme catástrofe ambiental5.                             humanitária, ameaçando a fruição dos di-                    diminuição da camada de ozônio é respon-
                    Os Estados Unidos, um dos líderes                      reitos mais essenciais da pessoa humana.                    sável, anualmente, por 300 mil a 700 mil
                 mundiais na emissão de gases de efeito es-                Dados amplamente divulgados mostram                         casos de câncer e 1,7 milhão de casos de
                 tufa, divulgou, em junho de 2009, relatório               que 1 bilhão de pessoas, a cada dia, be-                    cataratas7.
                 no qual afirma que o país já sofre os efei-               bem água contaminada, e em torno de 3                            Deflui das observações anteriores que a
                 tos do aquecimento global, com impactos                   milhões de crianças morrem a cada ano                       promoção dos Direitos Humanos, a elevação
                 concretos em diversas regiões do país . Os      6
                                                                           em razão do consumo de água insalubre.                      da qualidade de vida e o atendimento das
                 cenários desenhados pelos cientistas são                  Quase um terço da população mundial não                     necessidades e aspirações humanas so-
                 calamitosos. O aumento da temperatura em                  tem acesso à infraestrutura de saneamento                   mente poderão ser efetivados em ambiente                               13
                 4ºC acima da média poderá destruir os pân-                básico, o que equivale a dizer que grande                   sadio e ecologicamente equilibrado8.
                                                                                                                                                                                                        Revista Direitos Humanos




                   5. Ibid., p. 21.
                   6. USA. Global Climate Change Impacts in the United States. Thomas R. Karl, Jerry M. Melillo, and Thomas C. Peterson, (eds.). New York: Cambridge University Press, 2009.
                   Disponível em: http://downloads.globalchange.gov/usimpacts/pdfs/climate-impacts-report.pdf. Acesso em: 20 jun. 2009.
                   7. SAMPAIO, José Adércio; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio José da Fonseca. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 6.
                   8. Para saber mais, consulte CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente como patrimônio da humanidade. Curitiba: Juruá, 2008.
artigo                                        Direitos Humanos e Meio Ambiente

                                                         A crise ambiental é gigantesca e assus-                 postas simples e fáceis, mas cabe indagar com                o fortalecimento da cultura de paz e do espírito
                                               tadora. Modificar os padrões dominantes de                        quê o Direito Internacional dos Direitos Huma-               de solidariedade nas relações internacionais e
                                               distribuição de poder, produção e consumo,                        nos pode contribuir para a proteção ambiental.               na universalização da educação de qualidade.
                                               que estão na raiz da devastação ambiental,                        Não se tem a resposta exata, mas, com certeza,               Nesse contexto, vale repetir9 que a efetivação
                                               não é tarefa fácil. É notório que os benefí-                      é preciso evitar o comprometimento do futuro.                do direito à educação é de fundamental impor-
                                               cios do desenvolvimento não podem conti-                          É preciso cuidar, simultaneamente, do am-                    tância na evolução do Homo Sapiens a Homo
                                               nuar a concentrar-se nas mãos de poucos e                         biente e dos seres humanos. Somar mentes                     Sapiens Frater. Pode parecer mais uma utopia,
                                               a ampliar o fosso entre ricos e pobres.                           e corações para criar uma sociedade susten-                  mas é uma necessidade imperiosa. De outro
                                                         As bases da segurança planetária estão                  tável global, fundada na proteção da natureza,               modo, pode-se esperar a barbárie ou a elimi-
                                               ameaçadas, mas isso não significa que a ten-                      no respeito aos Direitos Humanos universais e                nação de sociedades perdulárias, centradas
                                               dência ao colapso não possa ser revertida.                        na justiça econômica. Com certeza, a proteção                no egoísmo, na desconsideração das leis am-
                                               Problemas complexos, em geral, não têm res-                       ambiental será efetivada mais facilmente com                 bientais e no superconsumismo.
                           Almerindo José de Oliveira




    14
Revista Direitos Humanos




                                                        9. Cf. CARVALHO, Edson Ferreira de. La contribución de Derecho Internacional de los Derechos a la protección ambiental: integrar para mejor cuidar la Tierra e la humanidad.
                                                        American International Law Review, 24:141-180, 2008. p. 180.
Direito À
                                                                                       “Quando um muro separa, uma ponte une
                                                                                       Se a vingança encara, o remorso pune
                                                                                       Você vem me agarra, alguém vem me solta




                       memÓria e
                                                                                       Você vai na marra, ela um dia volta
                                                                                       E se hoje a força é tua, ela um dia é nossa
                                                                                       Olha o muro, olha a ponte,
                                                                                       Olha o dia de ontem chegando




                       À verDaDe
                                                                                       Que medo você tem de nós. Olha aí!”

                                                                                       Versos de Pesadelo, de Maurício Tapajós
                                                                                       e Paulo César Pinheiro



                       bElisário dos santos Jr. é advogado. Foi



                                                                                       M
                       secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado                    emória não é simples retenção do
                       de São Paulo (1995-2000) e membro da Comissão                               passado na representação mental.
                       Internacional de Juristas. Integra a Comissão Especial do                   Memória é também a transmissão
                       Estado brasileiro para mortos e desaparecidos políticos.        do passado às gerações vindouras. Assim,
                                                                                       memória está totalmente associada com o
                                                                                       direito à liberdade de pensamento e de ex-
                                                                                       pressão. Esse direito compreende a liberda-
                                                                                       de de buscar, receber e difundir informações
                                                                                       e ideias de toda natureza, sem consideração
                                                                                       de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou
                                                                                                 
                                                                                       em forma impressa ou artística, ou por qual-
                                                                                       quer outro processo de sua escolha.1
                                                                                            Não se trata só do direito a obter a infor-
                                                                                       mação, mas, tal como se explicita na Decla-
                                                                                       ração Universal dos Direitos Humanos e na
                                                                                       Convenção Americana de Direitos Humanos,
                                                                                       de um direito de acesso à verdade, que se
Daniel Alves da Cruz




                                                                                       manifesta no direito de acesso à informação
                                                                                       – o que dá ao cidadão garantias de pedir,
                                                                                       buscar e difundir a informação. Direito a co-
                                                                                       nhecer a história de seu país e de seu povo,
                                                                                       o que está associado à garantia de acesso à
                                                                                       justiça, ou seja, ao direito e à garantia de, em
                                                                                       juízo, buscar essa previsão legal. É isso que
                                                                                       temos chamado de “direito à verdade”, sobre
                                                                                       o qual se trabalha atualmente, com base no               15
                                                                                       artigo 19 da Declaração Universal dos Direi-
                                                                                                                                          Revista Direitos Humanos




                                                                                       tos Humanos e no artigo 13 da Convenção
                                                                                       Americana de Direitos Humanos (Pacto de
                                                                                       São José da Costa Rica).

                        1. Cf. artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
artigo             Direito à memória e à verdade

                                Os antigos gregos, como nos recorda                     Mercosul adotaram declaração reafirmando                           A primeira grande iniciativa, no Brasil,
                           Rollo May, acreditavam que o homem desco-                    o direito à verdade de que são titulares as                   para conhecimento da verdade dos fatos
                           bre a verdade por meio da “reminiscência”,                   vítimas de violações de Direitos Humanos e                    passados durante a ditadura militar foi da
                           isto é, “recordando”, intuitivamente pesqui-                 seus familiares.                                              sociedade civil: o Projeto Brasil Nunca Mais,
                           sando sua experiência2. A memória é, assim,                      A Comissão Interamericana de Direitos                     que, sob a liderança de Dom Paulo Evaristo
                           um instrumento na busca da verdade.                          Humanos desenvolveu sua doutrina sobre o                      Arns, reuniu cópias de centenas de proces-
                                O direito à verdade encontra historica-                 direito à verdade, com base nos fundamentos                   sos políticos, comparando o que as próprias
                           mente suas primeiras fontes normativas no                    do Direito Internacional dos Direitos Huma-                   leis vigentes à época da ditadura diziam e
                           direito internacional humanitário e inicial-                 nos, fundando-o na Declaração Americana                       o que realmente acontecia nos inquéritos e
                           mente esteve circunscrito à situação de                      de Direitos Humanos (artigo 1.1 – obriga-                     processos judiciais.
                           pessoas mortas e desaparecidas em confli-                    ção de respeitar os direitos; 8.1 – acesso                         Outra iniciativa importante e digna de
                           tos armados3.                                                à justiça; 13 – liberdade de pensamento e                     nota foi a elaboração do Dossiê dos Mortos
                                Fruto da evolução da doutrina e da juris-               expressão e 25 – proteção judicial). Hoje, a                  e Desaparecidos Políticos, a partir de 1964,
                           prudência dos tribunais, o direito à verdade                 comissão define esse direito: “conhecer a                     pela Comissão de Mortos e Desaparecidos
                           foi reconhecido como um dos direitos fun-                    verdade íntegra, completa e pública sobre os                  Políticos, e publicado em 1995 pelo Gover-
                           damentais das vítimas de graves violações                    fatos ocorridos, suas circunstâncias especí-                  no do Estado de Pernambuco. Esse dossiê
                           de Direitos Humanos. Esse direito – e a cor-                 ficas e quem participou deles” 6.                             foi reeditado pelo Governo do Estado de São
                           respondente obrigação do Estado – está hoje                      A Corte Interamericana de Direitos Hu-                    Paulo em 1996 e em 2009, já agora como
                           consagrado em vários instrumentos interna-                   manos sempre reconheceu o direito dos                         Dossiê Ditadura, atualizado pela Comissão
                           cionais de Direitos Humanos4.                                familiares de conhecer o ocorrido com as                      de Familiares.
                                A Assembleia Geral da Organização dos                   vítimas de desaparições forçadas. A partir                         O Estado brasileiro apenas começou a
                           Estados Americanos, em sua Resolução “O                      de 2006, a Corte Interamericana passou a se                   se redimir de sua atitude omissiva a partir
                           direito à verdade”, de 2006, reconheceu “o                   referir ao direito a conhecer a verdade, cujo                 de 1995, com a Lei nº 9.1409, e com os es-
                           direito que assiste às vítimas de violações                  exercício, em uma dada situação concreta,                     forços para estabelecimento de consensos
                           manifestas aos Direitos Humanos e violações                  constitui um meio importante de reparação,                    com a sociedade civil, que precederam sua
                           graves ao direito internacional humanitário,                 expectativa que o Estado deve satisfazer7. A                  edição. Constitui fato notável, senão inédito,
                           assim como às suas famílias e à sociedade,                   Corte, ademais, assinalou que o estabele-                     que a lei tenha tomado o trabalho da socie-
                           em seu conjunto, de conhecer a verdade so-                   cimento da verdade a respeito de todas as                     dade civil e a ele atribuído foros de veros-
                           bre tais violações da maneira mais completa                  circunstâncias em que se cometeram graves                     similhança, fazendo constar como anexo da
                           possível, em particular a identidade dos au-                 violações “constitui uma forma de contribuir                  própria lei a relação elaborada pelos familia-
                           tores e as causas, os fatos e as circunstân-                 para a preservação da memória histórica, de                   res no dossiê.
                           cias em que se produziram”.5                                 reparação para os familiares das vítimas e,                        A Lei nº 9.140/95 teve grandes acertos
                               Na 28ª Conferência de Chefes de Esta-                    também, de contribuir para evitar que se re-                  e erros fatais. Entre os acertos, o reconhe-
                           do, os Estados-membros e associados do                       pitam fatos similares8”.                                      cimento, pelo Estado, da morte de pessoas


                             2. ROLLO MAY. O Homem à procura de si mesmo. Vozes. 1971, p. 208.
                             3. Cf. Impunidad y graves violaciones de derechos humanos. Guia para Professionales n. 3; Ed. Comisión Internacional de Juristas, Genebra, 2008.
                             4. Cf. Resolução 60/147 da Assembleia Geral da ONU, de 16/12/2005, sobre Princípios e diretrizes básicos sobre o direito das vítimas de violações manifestas de normas
                             internacionais e de violações graves do direito internacional humanitário a interpor recursos e obter reparações. Princípios reitores das Nações Unidas para Migrações Forçadas
    16                       Internas (documento Nações Unidas E/CN. 4/1998/53/Add. 2) e Conjunto atualizado de princípios para promoção e proteção dos direitos humanos mediante a luta contra a
                             impunidade.
Revista Direitos Humanos




                             5. Resolução AG/RES. 2175 (XXXVI-0/06), O direito à verdade, de 6 de junho de 2006.
                             6. Informe n. 37/00, de 13 de abril de 2000, caso 11.481, Monsenhor Oscar Romero.
                             7. Impunidade e Graves Violações de Direitos Humanos. ICJ, Guia para Profissionais n.3, p. 86.
                             8. Corte IDH , caso Goiburu e oo. vs Paraguai.
                             9. Não seria injusto com ninguém denominar a Lei nº 9.140/95 de Lei José Gregori, tantos os esforços que esse notável brasileiro empreendeu para a edição da lei, para a
                             integração do Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos como um anexo à lei e para que da comissão criada pela lei participassem representantes da sociedade civil, entre
                             eles representantes de familiares de mortos e desaparecidos políticos.
desaparecidas por motivos políticos, cons-              silenciar e amedrontar a sociedade civil,                 seja ampliando as possibilidades de reco-
tantes de seu Anexo 1, e a criação de comis-            perpetuando a ilícita apropriação de poder                nhecimento.
são especial para operar o reconhecimento               realizada pela ilegítima destituição de um                     Mas as alterações não consertaram as
de pessoas mortas ou desaparecidas e não                presidente eleito, em 1964.                               principais falhas da lei: a falta de autonomia
mencionadas na lei. O pagamento de inde-                    O livro relata, outrossim, a heroica e de-            financeira e administrativa da Comissão e a
nização, ainda que tarifada, trazida pela lei,          sigual luta entre militantes políticos e a re-            impossibilidade de convocar pessoas para
é importante medida a integrar a necessária             pressão militar. O livro expõe, às escâncaras,            prestar depoimento. Para isso não houve
reparação às vítimas, ainda que não a esgote,           a prática da tortura e da desaparição forçada             vontade política. Claro que a situação se
funcionando também como reconhecimento                  como instrumentos daquela política e reco-                torna muito mais grave com a recusa dos
da responsabilidade do Estado por tais mor-             nhece que, em nenhum momento histórico,                   órgãos de segurança em apresentar docu-
tes e desaparições políticas. Essa lei incenti-         sob qualquer regime político ou sob quais-                mentos da época, sob o falso pretexto de
vou várias leis estaduais para indenização de           quer condições, essas práticas podem ser                  que foram todos incinerados, com base
prisão e tortura políticas.                             aceitas e restar impunes.                                 em um simples decreto. Não se esclareceu
    Dos trabalhos da Comissão Especial,                     Houve sensibilidade de governos e par-                jamais de que forma isso ocorreu, quem
além do Banco de DNA10, das várias tentati-             lamentares para alterar algumas vezes a lei,              autorizou ou se houve punição a quem pro-
vas de busca de corpos, algumas com êxito,              seja dilatando o prazo para a solicitação do              cedeu ilegalmente.
outras não, fica o impressionante legado do             reconhecimento da morte e do pedido de                         Essa situação persiste até hoje, sendo
exame de todos os processos de pedido de                indenização, seja ampliando o período em                  emblemática a forma recente de se condu-
indenização, restabelecendo a verdade em                que o reconhecimento poderia se operar,                   zir as investigações sobre desaparecidos e
casos em que o realmente sucedido nem                                                                             mortos na guerrilha do Araguaia. Em 2003,
sequer era imaginado, assentando os fun-                                                                          um decreto11 constituiu uma comissão in-
damentos para essa outra importante contri-                                                                       terministerial para conduzir a investigação
buição do Estado brasileiro para a memória                                                                        que a lei atribuíra à Comissão Especial,

dos fatos recentes que foi a edição, pela                                                                         sem qualquer resultado concreto além da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da                                                                       recomendação de que os chefes das Forças
Presidência da República, da obra Direito à                                                                       Armadas fornecessem as informações requi-
Memória e à Verdade, título ora emprestado                                                                        sitadas pela Justiça Federal, em ação contra
a este artigo.                                                                                                    a União movida pelos familiares de mortos e
    Essa obra, Direito à Memória e à Ver-                                                                         desaparecidos no Araguaia! E, em 2009, ou-
dade, representa o reconhecimento, pelo                                                                                   tra norma12, essa uma resolução do
Estado, da ocorrência de uma políti-                                                                                          Ministro da Defesa, criou Grupo
ca de repressão ilegal e clan-                                                                                                    de Trabalho, sob coordena-
destina realizada por seus                                                                                                             ção do Exército, com a
setores, com utilização                                                                                                                    mesma finalidade
de órgãos e estabele-                                                                                                                          de proceder a
cimentos militares e
                                                                                                                                                 Alex




policiais para o fim
                                                                                                                                                  and
                                                                                                                                                   er d




da eliminação
                                                                                                                                                        os S




                                                                                                                                                                             Alexan
de segmentos                                                                                                                                                                 17
                                                                                                                                                         anto
                                                                                                                                                           s Ev




da oposição,
                                                                                                                                                               ang




                                                                                                                                                                       Revista Direitos Humanos
                                                                                                                                                                elho




  10. O Banco de DNA permite a acumulação de material genética permitindo futuras comparações de eventuais achados.
  11. Decreto nº 4.850, de 2/10/2003.
  12. Portaria nº 567 de 29/4/2009 do Ministério da Defesa.
artigo           Direito à memória e à verdade


         buscas na região do Araguaia, a pretexto de                                       Assim, cabe ao Estado a missão de pro-                  outras partes do mundo, da América Latina
         dar cumprimento à sentença condenatória da                                   ceder à sua parte da reparação plena e efe-                  inclusive, uma Comissão de Verdade e Jus-
         União. Não houve previsão de participação da                                 tiva. Se, após tantos anos de democracia,                    tiça, já reclamada por órgãos do sistema in-
         Comissão Especial ou de membros do gru-                                      isso não se logrou, é sinal de que está mais                 teramericano, ajudaria a recompor a íntegra
         po de familiares de mortos e desaparecidos                                   que na hora de criar uma comissão que, em                    de nossa memória histórica e representaria
         políticos nessas buscas coordenadas pelo                                     nome do Estado, busque toda a verdade, mas                   importante colaboração para que aqueles
         Exército. Há aí vários equívocos.                                            com independência e autonomia de recursos                    graves fatos de violações de Direitos Huma-
              A Corte Interamericana já decidiu que                                   e de ações. A exemplo do que aconteceu em                    nos não mais se repitam.
         investigação de casos de desaparições for-
         çadas confiada às próprias Forças Armadas,                                            A Corte Interamericana já decidiu que investiga-
         precisamente apontadas como responsáveis
         diretas pelos desaparecimentos, “questiona
                                                                                             ção de casos de desaparições forçadas confiada às
         gravemente a seriedade da investigação” e                                           próprias Forças Armadas, precisamente apontadas
         compromete a responsabilidade do Estado.13                                         como responsáveis diretas pelos desaparecimentos,
         Ademais disso, a busca das pessoas desa-                                           “questiona gravemente a seriedade da investigação”
         parecidas integra a reparação plena e efetiva
         devida pelo Estado às vítimas indiretas des-
                                                                                                e compromete a responsabilidade do Estado
         sas gravíssimas violações de Direitos Huma-
         nos14, não havendo razão para dela afastar
         exatamente quem detém o direito à repara-
         ção, no caso, os familiares. Nesse sentido
         são também as conclusões do estudo sobre
         o direito à verdade da alta-comissária das
         Nações Unidas para Direitos Humanos15.
              Em julho de 2009, foi editado um de-
         creto16 criando uma supervisão civil desse
         Grupo de Trabalho Tocantins, com a parti-



                                                                                                                                                                                        Alex
                                                                                                                                                                                          and
         cipação da Comissão Especial. Resta ver se


                                                                                                                                                                                           er d
                                                                                                                                                                                               os S
         funcionará.

                                                                                                                                                                                                anto
              O fato é que, dessas circunstâncias apon-
                                                                                                                                                                                                  s Ev
                                                                                                                                                                                                      ang
         tadas, do debate sobre a extensão da anistia,
         se verifica haver muito mais preocupação                                                                                                                                                        elho

         com a preservação da impunidade dos autores
         das graves violações cometidas nos anos da
         ditadura militar que com a revelação do que
         se passou com tantos brasileiros mortos sob
Alexander dos Santos Evangelho - Alex
         tortura ou ainda desaparecidos. Ora, a impu-
                        Sem Título, 2007
                               Cerâmica
         nidade é tema que já está afeto ao Supremo
                         18 x 16 x 14cm
  18     Tribunal Federal, por iniciativa da OAB.
                       C. C. Venda Nova
 Revista Direitos Humanos




                            13. Corte IDH, caso Velásquez Rodrigues vs Honduras, apud ob cit. Comissão Internacional de Juristas, p. 125.
                            14. Cf. a já citada Resolução 60/147 da ONU sobre direitos das vítimas.
                            15. Cf texto integral na obra citada da Comissão Internacional de Juristas, p. 88.
                            16. Decreto de 17.7.2009, publicado em 20.7.2009.
                            17. Cf. Pierpaolo Cruz Bottini e Igor Tamasauskas, em Lei de Anistia, um debate imprescindível. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 77, ed Revista dos Tribunais,
                            2009, p. 101.
Direitos Humanos
                 das Populações
                    Indígenas                                                                                         Victor Martins dos Santos




                                            A
Ela WiECko v. dE Castilho é                         s expressões “populações indíge-      estrutura normativa para comparecer perante
subprocuradora-geral da República,                  nas”, “povos indígenas” e “comu-      a ordem jurídica internacional como ‘nação’,
                                                                                                                                   Victor Martins dos Sa
                                                                                                                                              Sem Título,
bacharel em Direito pela Universidade               nidades indígenas” são muitas vezes   ‘país’, ‘pátria’, ‘território nacional’ ou ‘povoPastel sobre ca
Federal do Rio Grande do Sul, mestre em     empregadas como sinônimas. Ultimamente,       independente’[...], o que de pronto nos leva               42 x
                                                                                                                                               C. C. Pamp
Direito Público pela Universidade Federal   em razão do julgamento da ação popular        a, pessoalmente, estranhar o fato de agentes
do Paraná e doutora em Direito pela         contra a homologação da demarcação da         públicos brasileiros aderirem, formalmen-
Universidade Federal de Santa Catarina.     Terra Indígena Raposa Serra do Sol, muitas    te, aos termos da recente ‘Declaração das
Atua na área de Direitos Humanos desde      vozes se levantaram contra a expressão “po-   Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
1985, quando foi designada para o Setor     vos indígenas”. O relator do processo, mi-    Indígenas [...], porquanto são termos afirma-
de Direitos Humanos na Procuradoria da      nistro Ayres Britto, afirmou expressamente,   tivos de um suposto direito à autodetermina-
República em Santa Catarina.                no item 69 de seu voto: “[...] nenhuma das    ção política a ser ‘exercido em conformidade
                                                                                                                                                  19
                                            comunidades indígenas brasileiras detém       com o direito internacional’”.1
                                                                                                                                                  Revista Direitos Humanos




  1. www.stf.jus.br.
Revista direitos humanos 03
Revista direitos humanos 03
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Revista direitos humanos 03

  • 1. r e v i s ta direitos humanos Ilustração: Maria da Luz Martin UhoMoibhi Edson Carvalho bElisário dos santos Jr. Ela WiECko Carlos JaMil CUry GUstavo vEntUri alExandrE kalaChE thiaGo dE MEllo nair bEnEdiCto 03 setembro 2009
  • 3. Apresentação O diplomata nigeriano Martin Uhomoibhi, então presidente do Conselho de O cientista político Gustavo Venturi, professor da USP e especialista em Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, é o primeiro destaque deste pesquisas de opinião, traça um painel geral sobre a construção de Direitos Hu- número 3 da revista. Seu artigo resume a aula que ministrou aos estudantes do manos universais. Em 2008, ele coordenou importante pesquisa nacional enco- Instituto Rio Branco, em abril, quando visitava o país. mendada pela SEDH/PR para atualizar a percepção dos cidadãos e cidadãs do Em síntese clara, mostra os desafios do Conselho em seu terceiro ano de Brasil a respeito das ideias mais comuns a respeito do que sejam esses direitos. vida. Quando a polarização vivida no interior da antiga Comissão de Direitos O médico brasileiro Alexandre Kalache já é considerado no ambiente das Humanos, fundada em 1946, chegou a caracterizar uma verdadeira situação de Nações Unidas um dos mais importantes especialistas mundiais sobre a ques- impasse, a Assembleia Geral da ONU decidiu, em 2006, elevar seu status e tão do envelhecimento. Seu artigo enfoca argumentos e dados consistentes em garantir maior estrutura para suas atividades, com a elevação a Conselho. favor da construção de uma nova convenção da ONU, agora para proteger os di- Mas este também nasceu enfrentando desconfianças de alguns países mais reitos da pessoa idosa, segmento vulnerável em todo o planeta, cuja importância desenvolvidos, sentimento repercutido por setores da imprensa brasileira. Entre numérica, econômica e política crescerá nas próximas décadas. as ações condenadas por eles, incluem-se a realização de uma sessão especial Thiago de Mello, na brancura de seus densos cabelos e de suas roupas em fevereiro deste ano para prevenir sobre o impacto da crise econômica atual largas, projeção viva da Amazônia no mundo da poesia e dos Direitos Humanos, na proteção aos Direitos Humanos em todo o planeta. Ou a recente resolução é o artista convidado nesta edição para ser entrevistado pelos artistas do MHuD condenando o golpe de Estado em Honduras. Por sinal, as duas iniciativas foram – Movimento Humanos Direitos. propostas pela missão brasileira em Genebra. Entremeada de poemas, declamações e memórias fortes do tempo em que O professor Edson Ferreira de Carvalho, da Universidade Federal de Viçosa viveu exilado no Chile de Neruda e de Salvador Allende, a entrevista resgata (MG), classifica como gigantesca e assustadora a crise ambiental vivida hoje sua trajetória de militância política na resistência ao regime ditatorial de 1964 e pelo planeta. Seu texto realça os fortes nexos entre a busca do equilíbrio ecoló- reafirma a importância da arte, da música, da beleza e da sensibilidade poética gico e a proteção universal aos direitos humanos. na afirmação histórica dos Direitos Humanos. O tema Direito à Memória e à Verdade, sempre presente nessa revista, é O ensaio fotográfico apresentado por Nair Benedicto não lembra seus tem- abordado por Belisário dos Santos Júnior. Advogado de presos políticos já em pos de Presídio Tiradentes, em São Paulo, a partir de 1969, nem a dor da tortura 1970, o autor foi secretário de Justiça do governador Mário Covas entre 1995 ou a angústia da prolongada apartação de suas crianças. e 2000, sendo o mais antigo membro da Comissão Especial sobre Mortos e As fotos captam luz, muita luz, luminosidade infinita, nos tufos de sisal Desaparecidos Políticos. empunhados pela mulher baiana, nas pinturas corporais da pequena cunhatã, Com sólida fundamentação jurídica, ele aborda as dívidas que o Estado ou nos laços de fita de três pequenas garotas. Também no corte feminino da brasileiro ainda não saldou na questão dos mortos e desaparecidos políticos, cana-de-açúcar, no olhar da quilombola ribeirinha. Presente também se faz a luz incluindo a busca de restos mortais de guerrilheiros na região do Araguaia. reversa de uma criança perambulando no lixo. Ela Wiecko, respeitada militante dos Direitos Humanos, sempre apoiada pe- As ilustrações desta edição dialogam com uma das mais importantes trin- los movimentos sociais como candidata favorita ao cargo de procuradora-geral cheiras de afirmação dos Direitos Humanos no Brasil de 2009. Os avanços da da República, escreve sobre a situação dos índios no Brasil. Lei nº 10.216, de 2001, sofrem nos dias de hoje um contra-ataque desfechado Defende os avanços contidos na Declaração das Nações Unidas sobre os pela velha psiquiatria defensora dos manicômios, com apoio da grande indústria Direitos dos Povos Indígenas, exorcizando os fantasmas tão alardeados por aqui, farmacêutica. Querem retornar aos tempos em que pessoas eram segregadas de que seus 46 artigos trariam ameaça à integridade territorial brasileira. Tese em instituições totais e, diariamente, impregnadas por medicamentos tão discu- que foi alardeada pelos inimigos da homologação definitiva da Terra Indígena tíveis em seus efeitos quanto causadores do torpor que as cenas do filme Bicho Raposa Serra do Sol. de Sete Cabeças mostraram com tanta força. Educação em Direitos Humanos, assunto que a Secretaria Especial dos Di- Seus atores são usuários dos Caps – Centros de Atendimentos Psicossocial reitos Humanos da Presidência da República escolheu como prioridade estrutu- e verdadeiros artistas ligados ao projeto Arte na Saúde Mental em Minas Gerais, rante entre 2009 e 2010, recebe nesta edição reflexões de Carlos Roberto Jamil selecionados por Carlos Eduardo Nunes Pereira, o Caco, coordenador do Serviço 3 Cury, professor da PUC e da Universidade Federal de Minas Gerais. de Saúde Mental de Ouro Preto, e por Rosemeire Aparecida da Silva, à frente do Revista Direitos Humanos Seu texto focaliza os vínculos do tema com princípios básicos da Consti- Serviço de Saúde Mental de Belo Horizonte. tuição brasileira, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e com a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. Para ele, “educação para os Brasília, setembro de 2009 Direitos Humanos é uma formação cultural que busca nessa essência igualitária Paulo Vannuchi o reconhecimento e o valor das diferenças. Tal formação visa a fazer do diálogo Ministro da Secretaria Especial dos a forma suprema de aproximação entre os povos e as pessoas.” Direitos Humanos da Presidência da República
  • 4. Google Imagens sumário Arquivo pessoal 6 Desafios do Conselho de Direitos Humanos da ONU Martin UhoMoibhi 11 Direitos Humanos e Meio Ambiente Edson FErrEira dE Carvalho Adriana Bertier 15 Direito à Memória e à Verdade bElisário dos santos Jr. Google Imagens 19 Direitos Humanos das Populações Indígenas Ela WiECko v. dE Castilho Google Imagens 23 Da Educação para os Direitos Humanos. Carlos robErto JaMil CUry
  • 5. Ilustração de fundo por Arlindo Expediente Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Google Imagens Humanos da Presidência da República: Paulo Vannuchi 26 Secretário Adjunto: A Construção de Direitos Rogério Sottili Humanos Universais Conselho editorial: Paulo Vannuchi (Presidente) Aída Monteiro André Lázaro GUstavo vEntUri Carmen Silveira de Oliveira Dalmo Dallari Darci Frigo Egydio Salles Filho Erasto Fortes Mendonça Izabel de Loureiro Maior Google Imagens José Geraldo de Sousa Júnior José Gregori Marcos Rolim 30 Marília Muricy O Século do Envelhecimento Maria Victoria Benevides e a Sociedade que Queremos Matilde Ribeiro Nilmário Miranda Construir Oscar Vilhena Paulo Carbonari alExandrE kalaChE Paulo Sérgio Pinheiro Perly Cipriano Ricardo Brisolla Balestreri Samuel Pinheiro Guimarães Coordenação editorial: Erasto Fortes Mendonça Mariana Carpanezzi Google Imagens Paulo Vannuchi Patrícia Cunegundes 36 Entrevista Tradução: Mariana Carpanezzi Revisão: Bárbara de Castro e Joíra Coelho thiaGo dE MEllo Colaboração: Fernanda Reis Brito, Carlos Eduardo Nunes Pereira, Rosemeire Aparecida da Silva Projeto gráfico e diagramação: Wagner Ulisses Capa: Maria da Luz Google Imagens Ilustrações: Laurandi Pereira da Silva, Euler Brito dos Reis, Alexander Santos Evangelho, Almerindo José de 48 Oliveira, Raul Assad, Daniel Alves da Cruz, Victor Martins dos Santos, Antônio Eustáquio Guedes, Sel- Imagens ma Rocha, Cristiano de Oliveira, Cidilaine Aparecida Nascimento, Maria José Rodrigues, Ronaldo Xavier da Cruz e Sebastiana de Paula Soares Produção editorial: nair bEnEdiCto Liberdade de Expressão – Agência e Assessoria de Comunicação Secretaria Especial dos Direitos Humanos Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício Sede, sala 424 70.064-900 Brasília – DF >> 56 direitoshumanos@sedh.gov.br www.direitoshumanos.gov.br Serviços ISSN 1984-9613 Distribuição gratuita Tiragem: 10.000 exemplares 5 Revista Direitos Humanos Direitos Humanos é uma revista de distribuição gratuita, publicada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República ou do Governo Federal. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, exceto de fotografias e ilustrações, desde que citada a fonte e não seja para venda ou qualquer fim comercial.
  • 6. Laurandi Pereira da Silva artigo Desafios do Conselho de Martin UhoMoibhi foi presidente do Conselho de Direitos Humanos da Direitos Humanos Organização das Nações Unidas (ONU) entre junho de 2008 e junho de 2009. Formado em História pela Universidade da ONU de Ibadan, 1976, e detentor de título de doutor em História Moderna e Relações G Internacionais pela Universidade ostaria de compartilhar minha per- eminente que lhes foi reservada pela Carta de Oxford, Uhomoibhi é diplomata, cepção sobre as perspectivas e os das Nações Unidas. Como sabemos, Direi- exercendo atualmente o posto de desafios que se põem diante do tos Humanos, segurança e desenvolvimento embaixador da Nigéria na Suíça. Conselho de Direitos Humanos das Nações constituem os três pilares da ONU. Unidas (CDH) no momento em que a ins- Valorizar os Direitos Humanos nunca tituição completa seu terceiro ano de exis- é demais, e a razão para tanto é óbvia. Em 6 tência. Optei por enfatizar os desafios que se se tratando deles, o que está em questão Tradução por Mariana Carpanezzi colocam à frente, uma vez que, após haver é nada menos do que a vida, a dignidade, Revista Direitos Humanos Artigo transcrito a partir da palestra proferida por completado seu processo de construção ins- a integridade e o bem-estar individual. O Martin Uhomoibhi, presidente do Conselho de titucional, o Conselho está atualmente em ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, Direitos Humanos da ONU, aos estudantes do condições de realizar sua missão, qual seja, ressaltou a centralidade desses direitos em Instituto Rio Branco, em 29 de abril de 2009. conduzir os Direitos Humanos à posição pro- relatório que elaborou a respeito da reforma
  • 7. das Nações Unidas, sob o título In larger avançar com os ideais de uma sociedade maior para a instituição, traço positivo de seu freedom: towards development, security and pacífica e justa, uma sociedade na qual os funcionamento. Cito como exemplo o pacote human rights for all1, apresentado na Cúpula direitos universais inerentes a cada ser hu- de construção institucional, aprovado depois Mundial havida na sede das Nações Unidas, mano são respeitados. Em segundo lugar, o de longas negociações sob a sábia lideran- em Nova Iorque, em setembro de 2005. No Conselho se projeta como espaço único para ça do embaixador Luís Alfonso de Alba, do documento, afirma: expressão e promoção de perspectivas diver- México, que estabeleceu as principais dire- sas e pontos de vista divergentes. trizes institucionais e os métodos de trabalho “Não desfrutaremos desenvolvimen- Lembremos que o CDH foi criado para do Conselho. Tal pacote também reafirmou to se não tivermos segurança, não substituir a anterior Comissão de Direitos assertivamente os princípios da objetivida- desfrutaremos segurança se não Humanos, duramente criticada por agir de de, equidade e não seletividade, inclusive o tivermos desenvolvimento, e não forma seletiva, empregar critérios dúbios imperativo de despolitização e de eliminação desfrutaremos nem segurança e nem e concentrar atenção excessiva em casos de critérios dúbios nos trabalhos do CDH. desenvolvimento sem respeito pelos particulares de violação, ao tempo em que Em minha avaliação, a atual estrutura do Direitos Humanos”. ignorava outros. Justa ou não, a crítica foi Conselho foi bem-concebida e responde po- tão severa e ácida que atingiu a reputação da sitivamente às necessidades advindas de sua Além de autoexplicativa, a observação de Comissão de modo irreparável. missão. Ela compreende: Annan sinaliza que possíveis contestações Em face dessa conjuntura, é compre- podem ser levantadas opondo os Direitos ensível que a criação do Conselho de Di- 1) O Mecanismo de Revisão Periódica Humanos aos demais pilares das Nações reitos Humanos, em 2006, tenha gerado Universal (RPU), para o qual o Brasil vem Unidas, ou seja, à segurança e ao desen- grandes expectativas entre os membros contribuindo de forma consistente. Por volvimento. Ao adotar a resolução 60/251, da comunidade internacional. A resolução meio desse instrumento único, cada mem- que criou há apenas três anos o CDH, a As- 60/251 da Assembleia Geral definiu as bro das Nações Unidas, e todo o grupo sembleia Geral procurou criar uma institui- responsabilidades e os desafios que se lhe de países, coletivamente, terá a situação ção realmente capaz de fazer a diferença no colocavam à frente, referindo-se indireta- dos Direitos Humanos em suas socieda- exercício desses direitos por todos os povos, mente à experiência anterior de descrédito des nacionais analisada. Na esfera global, em todos os lugares, ao redor do globo. A da Comissão. A esse respeito, a resolução não existe nenhum outro mecanismo dessa resolução refletiu o compromisso e a dis- define, na seção preambular, que a nova estatura. Esse instrumento revolucionário posição dos Estados-Membros das Nações instituição há de orientar suas atividades garante não apenas objetividade, não se- Unidas de revitalizar o papel da organização pelo princípio de “reconhecer também a letividade e universalidade, como também na garantia desse objetivo elevado. importância de garantir a universalidade, uma exposição sem precedentes dos Esta- O filósofo Patrick Hauden apresenta uma objetividade e não seletividade na consi- dos ao escrutínio internacional. perspectiva dual dos Direitos Humanos, ao deração dos temas de Direitos Humanos, 2) Os Procedimentos de Reclamação, caracterizá-los a um só tempo como “de- bem como eliminar os critérios dúbios e a uma espécie única de ferramenta que pos- mandas morais justificáveis” e “realidades politização de suas atividades”. sibilita acesso das vítimas de violação pro- políticas contestadas”. No CDH, essas pers- Atentos ao nível de excelência que lhes venientes de todos os lugares do mundo ao pectivas conflitantes frequentemente se colo- foi reservado, os membros do Conselho ra- sistema de proteção dos Direitos Humanos cam em evidência. Na condição de órgão in- pidamente colocaram em marcha a criação das Nações Unidas. tergovernamental, o Conselho está envolvido de estruturas e mecanismos para atender 3) Os Procedimentos Especiais – inves- em atividades de natureza política que visam às altas expectativas dos Estados-Membros tigações independentes realizadas por um 7 ao objetivo agregado de promoção e defesa das Nações Unidas, da sociedade civil e de perito, individualmente, ou por um grupo Revista Direitos Humanos dos Direitos Humanos. A esse respeito, faço todos os demais atores envolvidos com o de especialistas, a depender dos termos do duas observações breves e esclarecedoras tema dos Direitos Humanos. Desde então, mandato. Há dois tipos de procedimentos sobre o Conselho. Em primeiro lugar, ele é a busca pela objetividade e pela não sele- especiais. Os mandatos por país buscam o fórum no qual os participantes procuram tividade tem permanecido uma preocupação investigar situações específicas relaciona- 1. Em tradução livre: “Por um conceito mais amplo de liberdade: rumo ao desenvolvimento, à segurança e aos Direitos Humanos para todos”.
  • 8. artigo Desafios do Conselho de Direitos Humanos da onu das aos Direitos Humanos em determina- ciais e a excelência do Comitê de Assesso- Euler Brito dos Reis dos Estados ou regiões. Há atualmente oito ramento. Não há dúvida de que existe, ainda, mandatos dessa natureza, cobrindo Burundi, espaço para aperfeiçoamento, mas é preciso Somália, o território ocupado da Palestina, reconhecer que o sucesso até o momento a República Democrática da Coreia, o Cam- conquistado nos dá razão para encorajamen- boja, Mianmar, o Haiti e o Sudão. No outro to. Partindo de minha experiência pessoal, vértice, há os mandatos temáticos, dedica- diria que, no ponto em que estamos, em vez dos à pesquisa e análise de certos tópicos. de nos perguntar como melhorar a estrutura Existem hoje 30 mandatos dessa espécie, institucional, mais útil seria que nos colo- compreendendo direito à alimentação, aces- cássemos outra questão: em que medida os so à água e ao saneamento básico, liberdade Estados-Membros, observadores e demais religiosa e de pensamento, liberdade de ex- atores interessados vêm efetivamente fazen- pressão e direito à moradia adequada, entre do uso dos mecanismos disponíveis? outros. O mandato para o direito à moradia Os desafios que se colocam ao Conselho está hoje em mãos de uma brasileira, a se- não podem ser superados apenas por meio nhora Raquel Rolnik. Relembro que o Estado de reformas institucionais. As soluções de- brasileiro estendeu convite aberto a todos os vem ser encontradas em outras instâncias. relatores especiais. Uma das áreas que requerem aperfeiçoa- Valorizar os Direitos Humanos nunca é demais, e a razão para tanto é óbvia. Em se tratando deles, o que está em questão é nada menos do que a vida, a dignidade, a integridade e o bem-estar individual. 4) O Comitê de Assessoramento, núcleo mento é a da cultura política das delegações de excelência composto por personalidades e grupos de países no Conselho. Assim destacadas e de pensamento autônomo, como é certo que poucos temas interna- provenientes de todas as regiões do mun- cionais suscitam tamanha paixão quanto do. Esses especialistas produzem estudos o dos Direitos Humanos, sabemos, igual- a partir de demandas advindas do Conselho mente, que a politização e a confrontação de Direitos Humanos, sem prejuízo daqueles não eram incomuns na extinta Comissão. surgidos por iniciativa própria. O Conselho foi criado precisamente para superar o sistema anterior de trabalho, que Esses mecanismos demonstram o alto ao longo do tempo revelou falhas insupe- grau de cuidado envolvido na elaboração do ráveis. Ousemos a pergunta: quais são as desenho institucional do CDH. Com efeito, razões para as aparentes divisões políticas 8 um de seus méritos consiste na combina- no CDH? Como enfrentar o problema para ção entre a universalidade que caracteriza o garantir a confiança e a cooperação? Revista Direitos Humanos Mecanismo de Revisão Periódica Universal, Há pouca controvérsia relacionada com a acessibilidade característica dos Proce- a premissa de que todas as pessoas são ti- dimentos de Reclamação, a independência tulares de direitos fundamentais. Não há en- dos mandatários dos Procedimentos Espe- gano maior do que a ideia segundo a qual os Euler Brito dos Reis Sem Título, 2001
  • 9. Direitos Humanos constituem uma criação Direitos Humanos. Entretanto, às vezes per- do Ocidente, inaplicável ao resto do mundo. cebo que, no calor de um debate competiti- Países de todas as partes do globo vêm to- vo, alguns delegados perdem a dimensão do mando iniciativas importantes para fazer face objetivo nobre da proteção desses direitos, e aos problemas cruciais no campo desses isso acontece dentro do próprio órgão cujo direitos. A América Latina e, dentro dela, o objetivo é promovê-los”. Brasil, oferecem exemplos de reflexão de O Conselho é um encontro de Estados. É, ponta e de engajamento robusto. Os países portanto, um espaço suscetível à expressão ocidentais vêm aportando ao mundo contri- de ênfases e perspectivas diferentes relacio- buições memoráveis nessa área, ao passo nadas ao modo de garantir os Direitos Huma- que África, Ásia, o mundo árabe, o mundo nos, o que reflete a existência de diferentes islâmico e outros vêm agindo enormemen- modos de entender a melhor maneira para te, também, para a melhoria e o aperfeiçoa- promover o bem comum. Se devidamente mento da estrutura de proteção das garantias coordenados, os diferentes olhares oferecem fundamentais. O Conselho, na condição de aportes úteis e benéficos, baseados na expe- órgão das Nações Unidas, não constitui fó- riência de cada um dos países. Na posição rum para testar a força de grupos ou de blo- de presidente do Conselho, minha principal cos: ele é a soma da contribuição de todos. tarefa consiste em construir pontes, transpor Se seu propósito é afastar-se das políticas divergências e superar interesses políticos, Não há dúvida de que existe, ainda, espaço para aperfeiçoamento, mas é preciso reconhecer que o sucesso até o momento conquistado nos dá razão para encorajamento. de blocos, é preciso que cultive perspectivas os quais tendem a colocar em risco o traba- amplas e uma visão de mundo que abarque a lho do CDH. A diversidade de visões existe e universalidade dos Direitos Humanos. continuará a existir. Entretanto, o presidente, Gostaria de destacar que, algumas vezes, que administra de fato o cotidiano do Conse- a densa atmosfera política que envolve o lho, deve garantir a prevalência de um am- Conselho não é mero resultado de oposição biente construtivo, de respeito e cooperação. entre “países com altos padrões morais” e Para realizar a missão que lhe foi in- “países que se eximem de suas responsabi- cumbida, é preciso que o CDH supere as lidades”. Analogamente, não se trata de uma polarizações. Na promoção e defesa dos competição entre “campeões da civilização” Direitos Humanos não há mocinhos ou e “renitentes violadores de direitos”. Um bandidos. A decisão de outorgar poder notável brasileiro, a certa época alto-comis- ao Conselho para avaliar a situação dos 9 sário para os Direitos Humanos das Nações Direitos Humanos em todos os países por Revista Direitos Humanos Unidas, Sérgio Vieira de Mello, estava certo meio do Mecanismo de Revisão Periódica ao dizer, em 2003, alguns meses antes de Universal não apenas reforça o princípio seu trágico falecimento no Iraque, que “não de igualdade entre Estados, como também há nada mais sério do que a proteção dos sublinha o tema da universalidade desses
  • 10. artigo Desafios do Conselho de Direitos Humanos da onu direitos. Portanto, em lugar de acusar-se globo. Sem todos esse atores, o trabalho do o Conselho, é uma ameaça à sua sustenta- umas às outras, as delegações têm a chan- Conselho estaria incompleto. A sociedade bilidade. O Fundo Voluntário de Assistência, ce de lançar seus olhares para o futuro, civil é certamente um elemento fundamental criado com o fim de apoiar pequenos países demonstrando solidariedade às vítimas de dentro do CDH, um elemento cuja partici- em desenvolvimento no processo de parti- violações, e não a si próprias. É dessa úni- pação muitas vezes também contribui para cipação na Revisão Periódica Universal, não ca maneira que se pode alcançar o respeito gerar impasses. tem contado com colaborações generosas, universal pela vida humana; é dessa única O Conselho de Direitos Humanos en- para dizer o mínimo. maneira que se pode afirmar a dignidade. frenta outros inúmeros desafios. Um deles Apesar de estar apenas em seu terceiro O bom funcionamento do Conselho de- é a implementação das resoluções adota- ano de existência, o CDH vem efetivamente pende do funcionamento adequado de todas das pelo órgão em benefício daqueles a construindo uma história de promoção e de- as suas partes. Desde sua concepção, ONGs, quem deve servir. Sejamos honestos: por fesa dos Direitos Humanos. Ele não é perfei- instituições nacionais vinculadas aos direitos que adotar resoluções que não serão im- to. Como já apontei, desafios permanecem. fundamentais e demais atores interessados plementadas? Apesar disso, sua breve trajetória é marcada vêm se envolvendo em seu trabalho, voca- O Mecanismo de Revisão Periódica Uni- por realizações e por iniciativas de sucesso. lizando mensagens importantes, marcando versal é um diferencial positivo do CDH, mas Cabe a todos os atores continuar avançando posição em defesa das vítimas de violações ele também tem seus próprios desafios. A e conquistando novos sucessos, construindo e alimentando discussões sobre situações escassez de recursos para financiá-lo, um pontes para diminuir as diferenças e tradu- significativas relacionadas aos Direitos Hu- problema que decorre em parte da inexis- zindo esses sucessos alcançados em bene- manos que vêm acontecendo ao redor do tência de um orçamento independente para fícios para as vítimas de violações. Algumas vezes, a densa atmosfera política que envolve o Conselho não é mero resultado de oposição entre “países com altos padrões Alexander Santos Evangelho morais” e “países que se eximem de suas 10 responsabilidades” Revista Direitos Humanos
  • 11. Direitos Humanos e Meio Ambiente Edson FErrEira dE Carvalho 1. INTRODUÇÃO Almerindo José de Oliveira A humanidade encontra-se num mo- mento crucial na história da Terra. Vista do espaço, a fotografia do planeta revela o azul profundo dos oceanos, que encanta e deixa atônito todo ser humano. Essa imagem pro- picia à humanidade os sentidos de singela beleza, singularidade, fragilidade e finitude de seu lar. Mais que bela, a mater Terra representa o maior enigma do universo. Os esforços cien- tíficos, até o presente momento, foram inca- pazes de fornecer explicações plenamente satisfatórias sobre sua origem e existência. Por que a vida teria surgido e se desenvol- vido neste, relativamente, pequeno planeta e não em outro ambiente do universo? Ao lado de outras, essa é uma das questões transcendentais que desafiam a inteligência humana. O certo é que se conhece apenas uma Terra e que a humanidade necessita de uma biosfera para preservar seu sonho de eternidade. Hoje, a perpetuação dessa saga Edson FErrEira dE Carvalho é professor do depende da racionalidade e do engenho hu- Departamento de Direito da Universidade Federal de manos. O futuro está, literalmente, nas mãos Viçosa (MG), pós-doutor em Direitos Especiais pela Notre Dame University (Estados Unidos), ganhador do prêmio dos seres humanos. 11 internacional Gilles Boulet, da Inter-American Organization O ecossistema terrestre vem sofrendo Revista Direitos Humanos for Higher Education (Canadá) e de menção honrosa por gravíssimas lesões, cujas consequências trabalho apresentado ao Human Rights Award da Academy têm potencial para afetar toda a humanida- Almerindo José de Oliveira on Human Rights and Humanitarian Law do Washington de. Os 6,7 bilhões de seres humanos, suas Sem Título College of Law – American University (USA). organizações Acrílica empreendimentos exer- e seus sobre tecido 48,5 x 39cm cem – uns mais,C. Arthurmenosdo gigantesca C. outros Bispo – Rosário
  • 12. artigo Direitos Humanos e Meio Ambiente pressão sobre os recursos naturais, e provo- O governo britânico publicou, em 2006, mundo cerca de 22 milhões de refugiados e cam poluição da atmosfera, dos oceanos e importante estudo sobre os efeitos econô- 30 milhões de desalojados ambientais den- dos rios, colocando em risco a capacidade micos do aquecimento global e os custos tro das fronteiras dos Estados3. de produção dos ecossistemas e a sobrevi- para mitigá-lo. De acordo com o relatório Relatório divulgado pelo Fórum Huma- vência das espécies. coordenado pelo economista do governo nitário Global (FHG)4, entidade presidida À medida que a ciência e a tecnologia britânico, Nicholas Stern, o mundo tem de por Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, avançam, o mundo toma consciência da agir rápido para enfrentar o problema da mostra que a mudança do clima da Terra mata fragilidade do ecossistema Terra, mostrando mudança climática, ou então enfrentar con- de fome, enfermidades ou desastres naturais que o futuro enfrenta colossais riscos, sendo sequências econômicas devastadoras. O cerca de 315 mil pessoas por ano. Pior, esse o maior deles a mudança do clima. relatório estima que os eventos climáticos número deve ascender a 500 mil até 2030. No que concerne ao aquecimento glo- extremos poderão reduzir o Produto Mundial Estima-se que o fenômeno afete gravemente bal, o Painel Intergovernamental sobre Mu- Bruto (PMB) em cerca de 1%. O aumento de 325 milhões de pessoas por ano, e que em danças Climáticas (IPCC), da Organização 2ºC na temperatura poderá reduzir a produ- 20 anos esse número duplicará, alcançando das Nações Unidas (ONU), publicou relató- ção econômica em 3%. O incremento de 5ºC o equivalente a 10% da população mundial. rio alarmante sobre mudança climática. Os resultará na perda de até 10% da produção Segundo o estudo, os prejuízos decorrentes especialistas do IPCC afirmam, com 90% de global, e os países mais pobres perderão do aquecimento global já superam 125 bi- probabilidade de segurança, que o aqueci- cifras maiores. No pior cenário projetado, o lhões de dólares por ano – cifra superior à mento do planeta é atribuível às emissões declínio da economia global em 20% causa- ajuda dos países ricos para os pobres –, e de dióxido de carbono resultantes das ati- rá efeitos sociais catastróficos para todos os devem alcançar 340 bilhões de dólares por vidades humanas. De acordo com o estu- povos. Mais que isso, se nenhuma ação for ano até 2030. Embora não tenham criado o do, houve, nos últimos 100 anos, aumento tomada, a mudança do clima poderá extin- problema, os mais pobres serão os mais pre- de 1ºC na temperatura média da Terra. Se guir mais de 40% das espécies, e a eleva- judicados. De acordo com o relatório, os paí- mantido o ritmo atual, estima-se que au- ção do nível dos oceanos poderá desalojar ses em desenvolvimento arcam com mais de mentará entre 2ºC e 4,5ºC até 2050, o que 200 milhões de pessoas, permanentemente. 90% do ônus humano e econômico da mu- provocará elevação do nível dos oceanos Stern conclui que o problema, embora glo- dança climática, embora os 50 países mais entre 18cm e 59cm. Essa variação resultará bal e urgente, ainda não atingiu o ponto de pobres respondam por menos de um 1% das em modificações profundas nas condições irreversibilidade. Para enfrentá-lo, as emis- emissões de gases de efeito estufa. climáticas do planeta, prevendo-se incre- sões devem ser estabilizadas nos próximos O furacão Katrina ilustra as enormes mento na intensidade das ondas de calor, 20 anos e decrescer entre 1% e 3% depois perdas humanas e econômicas que os de- inundações mais frequentes, diminuição desse período, o que custará 1% do PMB . 2 sastres relacionados com o clima podem da disponibilidade de água potável, eleva- A mudança climática será responsável causar. Embora o evento não possa ser atri- ção do nível do mar, desaparecimento de pela expulsão de milhares de pessoas de buído exclusivamente à alteração do clima, algumas ilhas e perda de solos férteis, bem suas residências, fazendo com que o nú- serve para ilustrar o que pode vir a aconte- como ciclones tropicais, tufões e furacões mero de refugiados climáticos seja superior cer, à medida que a intensidade e a frequ- mais intensos . 1 aos de guerras. Estima-se que já existem no ência de tais eventos aumentem no futuro. 12 1. IPCC. Climate change 2007: the physical science bases. Summary for policy makers. [S. l.], IPCC, 2007. Disponível em: http://www.ipcc.ch/SPM2feb07.pdf. Acesso Revista Direitos Humanos em: 22 jun. 2009. 2. STERN, Nicholas. Stern review: the economics of climate change: executive summary. BBC News website, Londres, out. 2006. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/ hi/business/6098362.stm. Acesso em: 30 jun. 2009. 3. PENTINAT, Susana Borràs. Refugiados ambientales: el nuevo desafío del derecho internacional del medio ambiente. Revista de Derecho, vol. XIX, n. 2: 85-108, 2006, p. 86. 4. GLOBAL HUMANITARIAN FORUM. Human Impact Report Climate Change: The Anatomy of a silent crisis. Genebra: Global Humanitarian Forum, 2009. Disponível em: http://ghfgeneva.org/Portals/0/pdfs/human_impact_report.pdf, Acesso em: 3 jul. 2009. p. 12 a 15.
  • 13. Raul Assad O Katrina ceifou a vida de cerca de 1,8 mil tanos e a agricultura da Flórida, e a elevação quantidade de esgotos é lançada direta- pessoas e causou perdas econômicas es- dos oceanos poderá submergir parcialmente mente no ambiente. Aproximadamente 1,3 timadas em aproximadamente 100 bilhões as cidades de Nova Iorque e Los Angeles. bilhão de pessoas respiram ar de qualidade de dólares. A nação mais rica e poderosa Nos últimos anos, a degradação am- fora dos padrões internacionais e cerca de Raul Assad do mundo simplesmente não soube o que biental passou a constituir não apenas 700 mil pessoas morrem por ano,Sem Título, 2006 por mo- Acrílica sobre tela fazer com milhares de desabrigados pela catástrofe ecológica, mas, principalmente, tivo de exposição à poluição atmosférica.x A 30 40cm C. C. Oeste enorme catástrofe ambiental5. humanitária, ameaçando a fruição dos di- diminuição da camada de ozônio é respon- Os Estados Unidos, um dos líderes reitos mais essenciais da pessoa humana. sável, anualmente, por 300 mil a 700 mil mundiais na emissão de gases de efeito es- Dados amplamente divulgados mostram casos de câncer e 1,7 milhão de casos de tufa, divulgou, em junho de 2009, relatório que 1 bilhão de pessoas, a cada dia, be- cataratas7. no qual afirma que o país já sofre os efei- bem água contaminada, e em torno de 3 Deflui das observações anteriores que a tos do aquecimento global, com impactos milhões de crianças morrem a cada ano promoção dos Direitos Humanos, a elevação concretos em diversas regiões do país . Os 6 em razão do consumo de água insalubre. da qualidade de vida e o atendimento das cenários desenhados pelos cientistas são Quase um terço da população mundial não necessidades e aspirações humanas so- calamitosos. O aumento da temperatura em tem acesso à infraestrutura de saneamento mente poderão ser efetivados em ambiente 13 4ºC acima da média poderá destruir os pân- básico, o que equivale a dizer que grande sadio e ecologicamente equilibrado8. Revista Direitos Humanos 5. Ibid., p. 21. 6. USA. Global Climate Change Impacts in the United States. Thomas R. Karl, Jerry M. Melillo, and Thomas C. Peterson, (eds.). New York: Cambridge University Press, 2009. Disponível em: http://downloads.globalchange.gov/usimpacts/pdfs/climate-impacts-report.pdf. Acesso em: 20 jun. 2009. 7. SAMPAIO, José Adércio; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio José da Fonseca. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 6. 8. Para saber mais, consulte CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente como patrimônio da humanidade. Curitiba: Juruá, 2008.
  • 14. artigo Direitos Humanos e Meio Ambiente A crise ambiental é gigantesca e assus- postas simples e fáceis, mas cabe indagar com o fortalecimento da cultura de paz e do espírito tadora. Modificar os padrões dominantes de quê o Direito Internacional dos Direitos Huma- de solidariedade nas relações internacionais e distribuição de poder, produção e consumo, nos pode contribuir para a proteção ambiental. na universalização da educação de qualidade. que estão na raiz da devastação ambiental, Não se tem a resposta exata, mas, com certeza, Nesse contexto, vale repetir9 que a efetivação não é tarefa fácil. É notório que os benefí- é preciso evitar o comprometimento do futuro. do direito à educação é de fundamental impor- cios do desenvolvimento não podem conti- É preciso cuidar, simultaneamente, do am- tância na evolução do Homo Sapiens a Homo nuar a concentrar-se nas mãos de poucos e biente e dos seres humanos. Somar mentes Sapiens Frater. Pode parecer mais uma utopia, a ampliar o fosso entre ricos e pobres. e corações para criar uma sociedade susten- mas é uma necessidade imperiosa. De outro As bases da segurança planetária estão tável global, fundada na proteção da natureza, modo, pode-se esperar a barbárie ou a elimi- ameaçadas, mas isso não significa que a ten- no respeito aos Direitos Humanos universais e nação de sociedades perdulárias, centradas dência ao colapso não possa ser revertida. na justiça econômica. Com certeza, a proteção no egoísmo, na desconsideração das leis am- Problemas complexos, em geral, não têm res- ambiental será efetivada mais facilmente com bientais e no superconsumismo. Almerindo José de Oliveira 14 Revista Direitos Humanos 9. Cf. CARVALHO, Edson Ferreira de. La contribución de Derecho Internacional de los Derechos a la protección ambiental: integrar para mejor cuidar la Tierra e la humanidad. American International Law Review, 24:141-180, 2008. p. 180.
  • 15. Direito À “Quando um muro separa, uma ponte une Se a vingança encara, o remorso pune Você vem me agarra, alguém vem me solta memÓria e Você vai na marra, ela um dia volta E se hoje a força é tua, ela um dia é nossa Olha o muro, olha a ponte, Olha o dia de ontem chegando À verDaDe Que medo você tem de nós. Olha aí!” Versos de Pesadelo, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro bElisário dos santos Jr. é advogado. Foi M secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado emória não é simples retenção do de São Paulo (1995-2000) e membro da Comissão passado na representação mental. Internacional de Juristas. Integra a Comissão Especial do Memória é também a transmissão Estado brasileiro para mortos e desaparecidos políticos. do passado às gerações vindouras. Assim, memória está totalmente associada com o direito à liberdade de pensamento e de ex- pressão. Esse direito compreende a liberda- de de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qual- quer outro processo de sua escolha.1 Não se trata só do direito a obter a infor- mação, mas, tal como se explicita na Decla- ração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Americana de Direitos Humanos, de um direito de acesso à verdade, que se Daniel Alves da Cruz manifesta no direito de acesso à informação – o que dá ao cidadão garantias de pedir, buscar e difundir a informação. Direito a co- nhecer a história de seu país e de seu povo, o que está associado à garantia de acesso à justiça, ou seja, ao direito e à garantia de, em juízo, buscar essa previsão legal. É isso que temos chamado de “direito à verdade”, sobre o qual se trabalha atualmente, com base no 15 artigo 19 da Declaração Universal dos Direi- Revista Direitos Humanos tos Humanos e no artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). 1. Cf. artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
  • 16. artigo Direito à memória e à verdade Os antigos gregos, como nos recorda Mercosul adotaram declaração reafirmando A primeira grande iniciativa, no Brasil, Rollo May, acreditavam que o homem desco- o direito à verdade de que são titulares as para conhecimento da verdade dos fatos bre a verdade por meio da “reminiscência”, vítimas de violações de Direitos Humanos e passados durante a ditadura militar foi da isto é, “recordando”, intuitivamente pesqui- seus familiares. sociedade civil: o Projeto Brasil Nunca Mais, sando sua experiência2. A memória é, assim, A Comissão Interamericana de Direitos que, sob a liderança de Dom Paulo Evaristo um instrumento na busca da verdade. Humanos desenvolveu sua doutrina sobre o Arns, reuniu cópias de centenas de proces- O direito à verdade encontra historica- direito à verdade, com base nos fundamentos sos políticos, comparando o que as próprias mente suas primeiras fontes normativas no do Direito Internacional dos Direitos Huma- leis vigentes à época da ditadura diziam e direito internacional humanitário e inicial- nos, fundando-o na Declaração Americana o que realmente acontecia nos inquéritos e mente esteve circunscrito à situação de de Direitos Humanos (artigo 1.1 – obriga- processos judiciais. pessoas mortas e desaparecidas em confli- ção de respeitar os direitos; 8.1 – acesso Outra iniciativa importante e digna de tos armados3. à justiça; 13 – liberdade de pensamento e nota foi a elaboração do Dossiê dos Mortos Fruto da evolução da doutrina e da juris- expressão e 25 – proteção judicial). Hoje, a e Desaparecidos Políticos, a partir de 1964, prudência dos tribunais, o direito à verdade comissão define esse direito: “conhecer a pela Comissão de Mortos e Desaparecidos foi reconhecido como um dos direitos fun- verdade íntegra, completa e pública sobre os Políticos, e publicado em 1995 pelo Gover- damentais das vítimas de graves violações fatos ocorridos, suas circunstâncias especí- no do Estado de Pernambuco. Esse dossiê de Direitos Humanos. Esse direito – e a cor- ficas e quem participou deles” 6. foi reeditado pelo Governo do Estado de São respondente obrigação do Estado – está hoje A Corte Interamericana de Direitos Hu- Paulo em 1996 e em 2009, já agora como consagrado em vários instrumentos interna- manos sempre reconheceu o direito dos Dossiê Ditadura, atualizado pela Comissão cionais de Direitos Humanos4. familiares de conhecer o ocorrido com as de Familiares. A Assembleia Geral da Organização dos vítimas de desaparições forçadas. A partir O Estado brasileiro apenas começou a Estados Americanos, em sua Resolução “O de 2006, a Corte Interamericana passou a se se redimir de sua atitude omissiva a partir direito à verdade”, de 2006, reconheceu “o referir ao direito a conhecer a verdade, cujo de 1995, com a Lei nº 9.1409, e com os es- direito que assiste às vítimas de violações exercício, em uma dada situação concreta, forços para estabelecimento de consensos manifestas aos Direitos Humanos e violações constitui um meio importante de reparação, com a sociedade civil, que precederam sua graves ao direito internacional humanitário, expectativa que o Estado deve satisfazer7. A edição. Constitui fato notável, senão inédito, assim como às suas famílias e à sociedade, Corte, ademais, assinalou que o estabele- que a lei tenha tomado o trabalho da socie- em seu conjunto, de conhecer a verdade so- cimento da verdade a respeito de todas as dade civil e a ele atribuído foros de veros- bre tais violações da maneira mais completa circunstâncias em que se cometeram graves similhança, fazendo constar como anexo da possível, em particular a identidade dos au- violações “constitui uma forma de contribuir própria lei a relação elaborada pelos familia- tores e as causas, os fatos e as circunstân- para a preservação da memória histórica, de res no dossiê. cias em que se produziram”.5 reparação para os familiares das vítimas e, A Lei nº 9.140/95 teve grandes acertos Na 28ª Conferência de Chefes de Esta- também, de contribuir para evitar que se re- e erros fatais. Entre os acertos, o reconhe- do, os Estados-membros e associados do pitam fatos similares8”. cimento, pelo Estado, da morte de pessoas 2. ROLLO MAY. O Homem à procura de si mesmo. Vozes. 1971, p. 208. 3. Cf. Impunidad y graves violaciones de derechos humanos. Guia para Professionales n. 3; Ed. Comisión Internacional de Juristas, Genebra, 2008. 4. Cf. Resolução 60/147 da Assembleia Geral da ONU, de 16/12/2005, sobre Princípios e diretrizes básicos sobre o direito das vítimas de violações manifestas de normas internacionais e de violações graves do direito internacional humanitário a interpor recursos e obter reparações. Princípios reitores das Nações Unidas para Migrações Forçadas 16 Internas (documento Nações Unidas E/CN. 4/1998/53/Add. 2) e Conjunto atualizado de princípios para promoção e proteção dos direitos humanos mediante a luta contra a impunidade. Revista Direitos Humanos 5. Resolução AG/RES. 2175 (XXXVI-0/06), O direito à verdade, de 6 de junho de 2006. 6. Informe n. 37/00, de 13 de abril de 2000, caso 11.481, Monsenhor Oscar Romero. 7. Impunidade e Graves Violações de Direitos Humanos. ICJ, Guia para Profissionais n.3, p. 86. 8. Corte IDH , caso Goiburu e oo. vs Paraguai. 9. Não seria injusto com ninguém denominar a Lei nº 9.140/95 de Lei José Gregori, tantos os esforços que esse notável brasileiro empreendeu para a edição da lei, para a integração do Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos como um anexo à lei e para que da comissão criada pela lei participassem representantes da sociedade civil, entre eles representantes de familiares de mortos e desaparecidos políticos.
  • 17. desaparecidas por motivos políticos, cons- silenciar e amedrontar a sociedade civil, seja ampliando as possibilidades de reco- tantes de seu Anexo 1, e a criação de comis- perpetuando a ilícita apropriação de poder nhecimento. são especial para operar o reconhecimento realizada pela ilegítima destituição de um Mas as alterações não consertaram as de pessoas mortas ou desaparecidas e não presidente eleito, em 1964. principais falhas da lei: a falta de autonomia mencionadas na lei. O pagamento de inde- O livro relata, outrossim, a heroica e de- financeira e administrativa da Comissão e a nização, ainda que tarifada, trazida pela lei, sigual luta entre militantes políticos e a re- impossibilidade de convocar pessoas para é importante medida a integrar a necessária pressão militar. O livro expõe, às escâncaras, prestar depoimento. Para isso não houve reparação às vítimas, ainda que não a esgote, a prática da tortura e da desaparição forçada vontade política. Claro que a situação se funcionando também como reconhecimento como instrumentos daquela política e reco- torna muito mais grave com a recusa dos da responsabilidade do Estado por tais mor- nhece que, em nenhum momento histórico, órgãos de segurança em apresentar docu- tes e desaparições políticas. Essa lei incenti- sob qualquer regime político ou sob quais- mentos da época, sob o falso pretexto de vou várias leis estaduais para indenização de quer condições, essas práticas podem ser que foram todos incinerados, com base prisão e tortura políticas. aceitas e restar impunes. em um simples decreto. Não se esclareceu Dos trabalhos da Comissão Especial, Houve sensibilidade de governos e par- jamais de que forma isso ocorreu, quem além do Banco de DNA10, das várias tentati- lamentares para alterar algumas vezes a lei, autorizou ou se houve punição a quem pro- vas de busca de corpos, algumas com êxito, seja dilatando o prazo para a solicitação do cedeu ilegalmente. outras não, fica o impressionante legado do reconhecimento da morte e do pedido de Essa situação persiste até hoje, sendo exame de todos os processos de pedido de indenização, seja ampliando o período em emblemática a forma recente de se condu- indenização, restabelecendo a verdade em que o reconhecimento poderia se operar, zir as investigações sobre desaparecidos e casos em que o realmente sucedido nem mortos na guerrilha do Araguaia. Em 2003, sequer era imaginado, assentando os fun- um decreto11 constituiu uma comissão in- damentos para essa outra importante contri- terministerial para conduzir a investigação buição do Estado brasileiro para a memória que a lei atribuíra à Comissão Especial, dos fatos recentes que foi a edição, pela sem qualquer resultado concreto além da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da recomendação de que os chefes das Forças Presidência da República, da obra Direito à Armadas fornecessem as informações requi- Memória e à Verdade, título ora emprestado sitadas pela Justiça Federal, em ação contra a este artigo. a União movida pelos familiares de mortos e Essa obra, Direito à Memória e à Ver- desaparecidos no Araguaia! E, em 2009, ou- dade, representa o reconhecimento, pelo tra norma12, essa uma resolução do Estado, da ocorrência de uma políti- Ministro da Defesa, criou Grupo ca de repressão ilegal e clan- de Trabalho, sob coordena- destina realizada por seus ção do Exército, com a setores, com utilização mesma finalidade de órgãos e estabele- de proceder a cimentos militares e Alex policiais para o fim and er d da eliminação os S Alexan de segmentos 17 anto s Ev da oposição, ang Revista Direitos Humanos elho 10. O Banco de DNA permite a acumulação de material genética permitindo futuras comparações de eventuais achados. 11. Decreto nº 4.850, de 2/10/2003. 12. Portaria nº 567 de 29/4/2009 do Ministério da Defesa.
  • 18. artigo Direito à memória e à verdade buscas na região do Araguaia, a pretexto de Assim, cabe ao Estado a missão de pro- outras partes do mundo, da América Latina dar cumprimento à sentença condenatória da ceder à sua parte da reparação plena e efe- inclusive, uma Comissão de Verdade e Jus- União. Não houve previsão de participação da tiva. Se, após tantos anos de democracia, tiça, já reclamada por órgãos do sistema in- Comissão Especial ou de membros do gru- isso não se logrou, é sinal de que está mais teramericano, ajudaria a recompor a íntegra po de familiares de mortos e desaparecidos que na hora de criar uma comissão que, em de nossa memória histórica e representaria políticos nessas buscas coordenadas pelo nome do Estado, busque toda a verdade, mas importante colaboração para que aqueles Exército. Há aí vários equívocos. com independência e autonomia de recursos graves fatos de violações de Direitos Huma- A Corte Interamericana já decidiu que e de ações. A exemplo do que aconteceu em nos não mais se repitam. investigação de casos de desaparições for- çadas confiada às próprias Forças Armadas, A Corte Interamericana já decidiu que investiga- precisamente apontadas como responsáveis diretas pelos desaparecimentos, “questiona ção de casos de desaparições forçadas confiada às gravemente a seriedade da investigação” e próprias Forças Armadas, precisamente apontadas compromete a responsabilidade do Estado.13 como responsáveis diretas pelos desaparecimentos, Ademais disso, a busca das pessoas desa- “questiona gravemente a seriedade da investigação” parecidas integra a reparação plena e efetiva devida pelo Estado às vítimas indiretas des- e compromete a responsabilidade do Estado sas gravíssimas violações de Direitos Huma- nos14, não havendo razão para dela afastar exatamente quem detém o direito à repara- ção, no caso, os familiares. Nesse sentido são também as conclusões do estudo sobre o direito à verdade da alta-comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos15. Em julho de 2009, foi editado um de- creto16 criando uma supervisão civil desse Grupo de Trabalho Tocantins, com a parti- Alex and cipação da Comissão Especial. Resta ver se er d os S funcionará. anto O fato é que, dessas circunstâncias apon- s Ev ang tadas, do debate sobre a extensão da anistia, se verifica haver muito mais preocupação elho com a preservação da impunidade dos autores das graves violações cometidas nos anos da ditadura militar que com a revelação do que se passou com tantos brasileiros mortos sob Alexander dos Santos Evangelho - Alex tortura ou ainda desaparecidos. Ora, a impu- Sem Título, 2007 Cerâmica nidade é tema que já está afeto ao Supremo 18 x 16 x 14cm 18 Tribunal Federal, por iniciativa da OAB. C. C. Venda Nova Revista Direitos Humanos 13. Corte IDH, caso Velásquez Rodrigues vs Honduras, apud ob cit. Comissão Internacional de Juristas, p. 125. 14. Cf. a já citada Resolução 60/147 da ONU sobre direitos das vítimas. 15. Cf texto integral na obra citada da Comissão Internacional de Juristas, p. 88. 16. Decreto de 17.7.2009, publicado em 20.7.2009. 17. Cf. Pierpaolo Cruz Bottini e Igor Tamasauskas, em Lei de Anistia, um debate imprescindível. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 77, ed Revista dos Tribunais, 2009, p. 101.
  • 19. Direitos Humanos das Populações Indígenas Victor Martins dos Santos A Ela WiECko v. dE Castilho é s expressões “populações indíge- estrutura normativa para comparecer perante subprocuradora-geral da República, nas”, “povos indígenas” e “comu- a ordem jurídica internacional como ‘nação’, Victor Martins dos Sa Sem Título, bacharel em Direito pela Universidade nidades indígenas” são muitas vezes ‘país’, ‘pátria’, ‘território nacional’ ou ‘povoPastel sobre ca Federal do Rio Grande do Sul, mestre em empregadas como sinônimas. Ultimamente, independente’[...], o que de pronto nos leva 42 x C. C. Pamp Direito Público pela Universidade Federal em razão do julgamento da ação popular a, pessoalmente, estranhar o fato de agentes do Paraná e doutora em Direito pela contra a homologação da demarcação da públicos brasileiros aderirem, formalmen- Universidade Federal de Santa Catarina. Terra Indígena Raposa Serra do Sol, muitas te, aos termos da recente ‘Declaração das Atua na área de Direitos Humanos desde vozes se levantaram contra a expressão “po- Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos 1985, quando foi designada para o Setor vos indígenas”. O relator do processo, mi- Indígenas [...], porquanto são termos afirma- de Direitos Humanos na Procuradoria da nistro Ayres Britto, afirmou expressamente, tivos de um suposto direito à autodetermina- República em Santa Catarina. no item 69 de seu voto: “[...] nenhuma das ção política a ser ‘exercido em conformidade 19 comunidades indígenas brasileiras detém com o direito internacional’”.1 Revista Direitos Humanos 1. www.stf.jus.br.