Este documento discute o programa de empréstimos estudantis do governo português, criticando-o por financiarizar o acesso ao ensino superior e endividar estudantes. O autor argumenta que o programa beneficia principalmente bancos, presumindo empregabilidade após os estudos que nem sempre é realista, e limita a autonomia financeira de ex-estudantes durante anos de reembolso.
O endividamento dos estudantes, um caso de financiarização da vida
1. O endividamento dos estudantes, um caso de financiarização
da vida
1 - O patrocínio da ideia
2 - Para quem é o negócio?
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1 - O patrocínio da ideia
Em agosto de 2007, para aplicação no ano seguinte Sócrates,
sorridente, anunciava que os estudantes universitários teriam disponível
um crédito pessoal até € 25000, sem garantia pessoal ou patrimonial e
com taxas mais baixas para alunos com melhores notas. Tudo no âmbito
da criação de “mais condições de justiça social e igualdade de
oportunidades" como disse o então primeiro-ministro (1).
O Estado iria criar um fundo de garantia (a SPGM - Sociedade de
Investimento é entidade que gere o Sistema de Garantia Mútua) para
cobrir eventuais incumprimentos dos estudantes. O Estado dotaria o
fundo com meios que poderão atingir os € 4 M por ano, admitindo que
esses incumprimentos para com a incontornável banca poderiam
atingir 10% dos empréstimos; que, nesse contexto estariam avaliados em
cerca de € 40 M.
"Não se trata de substituir a acção social escolar, é algo mais” disse
Sócrates (1); e, tem razão, dizemos nós, trata-se da financiarização do
acesso ao ensino superior. Por outro lado, essa financiarização iria
garantir a continuidade dos estudos de muitos estudantes, aliviaria a
pressão sobre os fundos da ação social escolar, dando ao governo a
oportunidade de alegrar a plebe declarando, na ocasião, repetidas
vezes, que não haveria aumento de propinas.
Como é sabido, a financiarização das várias atividades, da satisfação
de necessidades através da inserção das pessoas na dependência
duradoura da banca é uma estratégia do próprio sistema financeiro. No
que respeita aos estudantes, estes, logo na sua entrada no ensino
superior, que mais ou menos coincide com a maioridade, são
cortejados com vantagens oferecidas pelos bancos que, começam
desde logo a querer monitorar os seus consumos, lugares que
frequentam e momentos de movimentação da conta, para melhor
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2. adestrarem as suas teias em torno das pessoas, estabelecer campanhas
publicitárias, etc.
Como se tornou agora, claro, os bancos têm pés de barro, embora isso
não se denote na observação das suas portentosas sedes nem, no
carácter arrumado e assético das suas instalações, se divisam os ativos
tóxicos e as práticas pouco recomendáveis que protagonizam.
À época, 2007, a situação dos bancos caraterizava-se já por vários
problemas e, provavelmente, aceitaram de bom grado a criação de
um novo mercado – o dos empréstimos de longo prazo a estudantes,
com garantia do Estado. Não deixa de ser curioso que Sócrates tenha
avançado com uma medida prevista desde 1997 - quando a
conjuntura estava em alta - numa altura em que o desastre financeiro
do Estado estava à vista. Aliás, Sócrates sublinha no lançamento da
medida (1) que o negócio é para todos os bancos (afinal foram só oito)
sabendo-se que a garantia do Estado dá aos bancos um risco como
eles gostam, nulo.
Desde o início deste programa foram emprestados uns € 200 M a 16000
estudantes, sabendo-se que o incumprimento corresponde a um milhão
de euros; o que não é muito, dado o volume do financiamento
concedido (2)
O empréstimo serve principalmente para pagar propinas (86.3%),
despesas diárias como transportes (48.4%), alimentação (46.7%) e
alojamento (39.6%), de acordo com um inquérito realizado em 2010. (3)
2 - Para quem é o negócio?
Sem dúvida que para muitos estudantes este financiamento que, em
cinco anos pode atingir € 25000, é uma oportunidade (única?) de
frequentar e concluir licenciatura, mestrado, doutoramento, pós-
graduação ou até participar do Programa Erasmus; sobretudo se se
atender à quantidade de estudantes que teem vindo a abandonar os
estudos por falta de trabalho próprio ou por dificuldades familiares. Por
outro lado, a pressão para o endividamento ou para o abandono é
acentuada pelos cortes na ação social, com novas regras de cálculo e
que podem atingir cerca de 20000 estudantes.
A financiarização do acesso a um curso superior por parte de jovens
provenientes de famílias sem grandes recursos revela a política global
dos governos PS/PSD.
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3. Apostado num modelo exportador alicerçado em baixos salários
(“competitivos”) e em atividades pouco exigentes de qualificação
atividades
técnica, o PS/PSD não está interessado num numa massificação de
competências técnicas e científicas, para não referir as que se baseiam
em conhecimentos nas áreas sociais e artísticas. O PS/PSD encara o
ensino superior público como um custo orçamental que é preciso
ico
conter e reduzir com medidas de “gestão” (encolhimento de curricula,
despedimento de professores ) e o ensino superior privado como um
professores…)
negócio empresarial, cujos produtos servem um mercado acessível para
quem tem dinheiro.
Apresentamos aqui o produto de um levantamento levado a cabo pelo
Expresso, em 2010 relativamente ao financiamento de € 5000 para uma
,
licenciatura a concluir em três anos, com mais um de carência após a
sua conclusão, com o reembolso a efetuar nos quatro anos seguintes a
, nos
esse período de carência. (4)
Texto publicado da edição do Expresso de 28 de Agosto de 2010
Estes dados obrigam-nos a colocar várias questões, para desvendar o
nos
que está encoberto atrás do ar feliz dos promotores deste modelo de
financiarização, paralela à demissão do Estado em fornecer um ensino
,
de qualidade e gratuito, aberto a todos
todos;
• O valor da mensalidade do empréstimo (€ 416.67) terá,
(€
forçosamente de ser apenas uma parte do rendimento disponível
pelo estudante, pois decerto aquele valor não suportará propinas,
valor
gastos escolares, transportes e os elementos comuns à vida
normal de uma pessoa, sobretudo se tiver de pagar alojamento;
• Presume que no final do curso ou, na pior das hipóteses, um ano
depois, o recém
recém-licenciado tem emprego. E daí, admite também
que:
o nesse emprego a paga é superior à mensalidade de uns €
emprego,
335, o que nem sempre sucede, devido à criatividade dos
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4. empresários lusos e do seu governo, sempre atentos à
competitividade;
o a situação de emprego durará o período da amortização
do empréstimo (quatro anos), o que está longe de ser
comum, pois dificilmente não será despedido algumas
vezes, suportando nos intervalos, tempos de desemprego;
o se houver incidentes de desemprego, uma hipótese é o
pagamento da mensalidade ao banco ser suspenso, a
dívida reescalonada, arrastando-se o tempo de
amortização, com os inevitáveis juros, pois decerto os
bancos não irão proceder à execução fiscal de quem não
tiver nada de seu;
o Outra hipótese, ainda em caso de incumprimento, é a
entrada em cena do Sistema de Garantia Mútua para
ressarcir o benevolente banco que financiou a formação
do jovem. Se o dito Sistema tiver direito de regresso sobre o
faltoso, este vai ter a vida onerada durante mais uns
tempos. Será que o ingrato ex-estudante se conseguirá
furtar à sanha persecutória da máquina estatal, sempre
muito zelosa das dívidas dos pobres e distraída com as dos
ricos? Se assim for, o jovem ex-estudante recordar-se-á dos
conselhos do Passos e do seu tonto secretário Mestre, fará a
mala e emigra.
o Pode acontecer que Estado ou o referido Fundo se
substituam em honrar a dívida do antigo estudante
arruinado. Nesse caso aplicaria o que faz aos bravos
empresários no caso do Fundo de Garantia Salarial ? (5)
• Mesmo no menos mau dos cenários admitidos atrás, o
trabalhador, depois de pagar os referidos € 335.07 mensais, terá
uma miserável margem de rendimento disponível para viver
dignamente e, sobretudo, com autonomia.
• Na esmagadora maioria dos casos durante os imaginados quatro
anos de reembolso do empréstimo, o trabalhador terá de
considerar não poder ter casa própria ou alugada, nem
compromissos familiares, mormente envolvendo descendência,
existindo apenas para viabilizar empresas, dotando-as de
competitividade e sem sobrecarregar o Estado, inteiramente
dedicado ao pagamento da dívida de “todos nós”.
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5. Esta é a descrição de um caso prático de financiarização da vida das
pessoas induzida pelos governos. O crédito bancário funciona como as
grilhetas dos nossos antepassados atados a outros bancos, os das galés.
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Notas:
(1) http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/governo-aprova-credito-para-estudantes-do-
superior-e-afasta-aumento-de-propinas-1303007
(2) http://www.agenciafinanceira.iol.pt/economia/estudantes-credito-credito-
estudantes-emprestimos-dividas-ensino-superior/1331064-1730.html
(3) http://www.esquerda.net/node/12394
(4) http://aeiou.expresso.pt/credito-universitario-de-dificil-obtencao=f602066
(5) http://pt.scribd.com/doc/82938215/Fundo-de-Garantia-Salarial-desvio-de-fundos-
publicos-para-empresarios-manhosos
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Este e outros textos em:
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
http://pt.scribd.com/documents#all?sort=date&sort_direction=ascending&page=1
http://grazia-tanta.blogspot.com/
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