SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  185
Télécharger pour lire hors ligne
Filosofia para Crianças
Artigos de filósofos e teóricos da Educação, dirigidos a professores e educadores, que
apontam para uma nova perspectiva educacional voltada para o desenvolvimento do pensar.
A Coleção Pensar, desenvolvida pelo Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, reúne
artigos de filósofos e teóricos da Educação, dirigidos a professores e educadores. Os textos
apresentados apontam para uma nova perspectiva de enfoque educacional, voltada para o
desenvolvimento do pensar.
VOLUME 1 - A Comunidade de Investigação e o Raciocínio Crítico
ALGUMAS PRESSUPOSIÇÕES DA NOÇÃO "COMUNIDADE DE
INVESTIGAÇÃO"
Ann Margaret Sharp
Algum tempo atrás, visitei um treinamento residencial de instrução para professores de
Filosofia para Crianças, dirigido por dois orientadores do Institute for the Advancement of
Philosophy for Children. Logo que cheguei, um dos participantes me disse achar que, como
um grupo, tinham atingido o objetivo: eles agora eram uma verdadeira comunidade de
investigação. - Deu trabalho,- disse ela - mas chegamos lá. Eles estavam reunidos há sete
dias.
Lembro-me claramente que naquele momento senti uma pontada de desgosto, não com a
pessoa, mas com o que ela disse. No entanto, não falei nada. Mais tarde, ao refletir,
perguntei a mim mesma porque havia sentido aquilo. Por que havia tido aquela reação tão
forte? Eu mesma havia dito àqueles professores, no livro Filosofia na Sala de Aula, que
um dos principais objetivos de fazer filosofia com crianças no 1º grau era, justamente,
transformar as salas de aula em comunidades de investigação. Além disso, eu mesma
afirmei que tal meta não seria atingida a não ser que os próprios professores vivenciassem o
que seria participar de tal comunidade.
- Talvez,- pensei - justamente porque você não está realmente certa do que seja uma
comunidade de investigação é que se sente tão mal quando um professor lhe devolve suas
próprias palavras nesse tom de satisfação. Talvez, experimente uma pontada de dor porque
suspeita que foi você mesma a responsável por sua própria desilusão.
Então, me lembrei de algo mais. Um longo poema que havia escrito em 1980 e que contava
a história de uma garota chamada Mieke. Na realidade era uma história sobre investigação
e, no final, Mieke, já na meia idade, diz:
Hoje, eu anseio, exatamente como meu avô fazia, pela liberação intelectual de todas as
crianças, e pelo reconhecimento de seus direitos à investigação. Também anseio, como ele
ansiava, por educação de qualidade para todas as crianças. Se elas soubessem lidar com as
ferramentas da investigação e do diálogo, poderiam efetuar sua própria liberação
intelectual. Uma liberação que é pré-requisito para a reforma econômica, política e social.
A educação dialógica, imbuída de investigação, tem que começar bem cedo, quando as
crianças estão nos primeiros anos escolares. E precisa ser reforçada, ano após ano, por
professores que compreendem as crianças e a investigação, e respeitam as idéias das
crianças. Esses professores devem ajudar as crianças a pensar criticamente, de um modo
aberto ainda que rigoroso, construindo sobre as idéias umas das outras, enquanto vivem a
vida da investigação.
À medida que o processo continua, ano após ano, o enfoque deve sempre ser no
aperfeiçoamento da própria investigação, na sua relação com os problemas em discussão. É
esta educação, e somente esse tipo de educação, que capacita as crianças a pensarem por si
mesmas de uma maneira objetiva, consistente e abrangente.
Só tenho 49 anos. Ainda tenho tempo para ensinar às crianças. Agora, quando eu a vejo,
reconheço o que é uma comunidade de investigação. E, estou ficando cada vez melhor em
ajudar crianças a transformarem as salas de aula em tais comunidades.
Mas me seria difícil especificar todas as suas características. É algo que se vive, ano após
ano, de modo que, após um tempo, se torna parte do seu sangue. E se pode tornar isso, uma
realidade para as crianças. (1)
Talvez vivamos certas experiências que sabemos serem genuínas e as reconhecemos como
tal quando as vivenciamos, embora não possamos descrevê-las ou explicá-las com palavras.
Hà, no entanto, algo a respeito da noção comunidade de investigação, seja ela colocada
como a meta do bom ensino ou descrita como experiência vivenciada, que exige análise e
esclarecimento dos critérios identificadores. Sua própria natureza exige, ao menos, uma
tentativa de uma descrição cuidadosa do processo. Senão, como se saberia que a está
vivenciando? Ou, como um professor saberia quando, finalmente, transformou uma classe
em comunidade de investigação?
É verdade que podemos identificar com precisão alguns comportamentos que indicariam
que um aluno estivesse vivenciando o que é participar de uma comunidade de investigação:
• aceita, com boa vontade, a correção feita pelos colegas;
• é capaz de ouvir atentamente os outros;
• é capaz de considerar, seriamente, as idéias dos demais;
• é capaz de construir sobre as idéias dos colegas;
• é capaz de desenvolver suas próprias idéias sem medo de rejeição ou de
humilhação;
• é aberta a novas idéias;
• é capaz de detectar pressuposições;
• demonstra preocupação com a consistência ao apresentar um ponto de vista;
• faz perguntas relevantes;
• verbaliza relações entre meios e fins;
• mostra respeito pelas pessoas da comunidade;
• mostra sensibilidade ao contexto ao discutir conduta moral;
• exige que os colegas dêem suas razões;
• discute questões com objetividade;
• exige critérios.
No entanto, esses comportamentos realmente não identificam precisamente os pressupostos
da noção comunidade de investigação. É possível que o processo da educação, por si só,
não nos ensine nada além do que já sabemos. Porém, a educação deveria nos ajudar a
esclarecer o que sabemos, nos ajudar a fazer melhores distinções, a reconhecer
pressuposições subjacentes, a distinguir entre boas e más razões, a pensar de modo mais
coerente e abrangente, a criticar tanto as nossas próprias metas como as dos outros e a
criticar nossos próprios pensamentos assim como os dos outros. A educação deveria nos
ajudar a ser mais objetivos em nossa investigação. Embora seja possível que a
racionalidade possa não nos levar à certeza, acho que quase todos nós concordaríamos que
os seres humanos elaboraram conceitos de natureza cognitiva que ajudaram as civilizações
a abandonarem a condição de bárbaras. Não é verdade que estaríamos melhor sem a lógica,
sem uma mente aberta, sem a disposição de aceitar críticas, sem a disposição de submeter
nossas hipóteses à uma análise, sem a disposição de considerar as razões, mesmo que, ao
dialogar, talvez, só cheguemos perto de tais traços. Seríamos muito piores sem a
imparcialidade, a coerência e a razão, embora as utilizemos de modo imperfeito. Quando
nos aproximamos desses traços intelectuais, não só começamos a entender melhor as
pessoas e o mundo em que vivemos, mas também nos aproximamos do auto-conhecimento.
Nós nos educamos.
A teoria da relatividade mudou o nosso modo de pensar sobre as coisas, incluíndo o próprio
processo da educação. Certamente tem a ver com o que pensamos a respeito da matéria, do
espaço e do tempo. Mas também influencia significativamente o que pensamos sobre
certeza e verdade(2)
. Atualmente, muitos filósofos diriam que não existe uma certeza
essencial. Outros diriam que em relação à verdade, o melhor que podemos conseguir são
asserções garantidas que estão sempre sujeitas a revisão. Mas será que isso condena as
comunidades de investigação ao relativismo, no qual não existe maneira pela qual se posa
decidir entre teorias ou visões de mundo conflitantes? Não! A participação numa
comunidade de investigação permite aos alunos perceberem os pontos de vista dos outros e
os levarem em conta ao construirem sua própria visào de mundo. O diálogo permanece
sempre aberto. Podemos educar os nossos alunos para identificarem um conceito produtivo
de racionalidade, para terem um conceito mais sensato de como viver bem, e para
desenvolverem uma tolerância mais estudada da diversidade de modos de entender o
mundo em que vivemos. Isso porém só pode ocorrer se os levarmos, desde cedo, a
participar de uma comunidade de investigação comprometida com o princípio da auto-
correção e a dialogar dentro da tradição filosófica que os seres humanos elaboraram até
hoje. Esse diálogo não só é caracterizado pela comunidade, mas também pela
responsabilidade e pelo comprometimento individual.
Pode parecer paradoxal, mas a mente da criança e do jovem tanto é educada como
educável. Quando um filósofo perguntou a um grupo de crianças qual era a diferença entre
esperar e desejar, uma delas respondeu: - Até o dia do Natal podemos esperar e desejar um
determinado presente. Após abrir os presentes, podemos apenas desejar que tivesse sido
alguma outra coisa, mas a esperança acabou. O mesmo filósofo perguntou a outro grupo de
crianças o que seria mais precioso para elas: as fotos tiradas durante as férias na praia ou as
lembranças que elas tivessem das férias. Uma das crianças disse: - Minhas lembranças,
porque jamais serão destruídas. Ao discutir os direitos dos seres humanos e dos animais,
outra criança, na Inglaterra, disse que do ponto de vista religioso, achava que moralmente
era mais errado matar um animal. Os seres humanos tinham a oportunidade de viver uma
outra vida, mas o animal não.
É através do falar com outras pessoas que nos tornamos pessoas. É através do falar com os
outros que o mundo é trazido à realidade. Stº Agostinho nos diz nas Confissões: "...e assim,
aprendi não daqueles que ensinavam, mas daqueles que falavam comigo." A linguagem e o
pensar são atividades que se sobrepõem. Contar nossas idéias aos colegas de classe é criar e
expressar nosso próprio pensar e, de certo modo, criar a nós mesmos. Além disso, como
Collingwood salienta, "a experiência do falar é também uma experiência do ouvir."(3)
Ao
falar com os outros, o implícito se torna explícito, e é assim que conhecemos melhor o que
antes só conhecíamos de modo confuso. É desse modo que nos educamos.
Quando uma criança participa de uma comunidade de investigação na sala de aula ela é
colocada em uma situação muito estranha. Quando se pode compreender o que um colega
está dizendo, pode-se atribuir a essa pessoa as idéias que as palavras provocaram em nós.
Isso implica tratar as palavras como se fossem nossas, reconstruindo-as de modo que façam
sentido para nós. E isso é essencial para responder apropriadamente. Se o nosso mundo é
tanto feito como encontrado, (e eu acho que é) então, segue-se que, vir a saber, para a
criança, é um processo tanto de refazê-lo quanto de se referir ao que já existe.
Como desde o nascimento, cada pessoa está cercada por outras pessoas, os seres humanos
se tornam conscientes de si como pessoas e de suas próprias idéias, à medida que se tornam
conscientes dos outros. Compreender outra pessoa é mostrar (enquanto ouvinte) que você
pode atribuir corretamene uma idéia à outra pessoa como orador. Não adquirimos uma
linguagem e depois a colocamos em uso. Possuí-la é usá-la e, no uso, nos tornamos pessoas
em relação ao outro. A descoberta de mim mesma como pessoa é também a descoberta das
outras pessoas à minha volta.(4)
Os outros oradores e ouvintes se tornam as fronteiras do eu.
Assim, falar com outros é formar uma comunidade de discurso, uma fusão de pelo menos
duas pessoas, suas idéias, seus sentimentos e suas imaginações.
À medida que as crianças, no 1º grau, começam a dominar a arte de falar dialogicamente
entre si (ao invés de sempre com o professor) o discurso deveria passar por vários estágios.
No início, talvez pareça a um estranho que só existe o caos. As crianças têm, inicialmente, a
tendência a querer falar todas ao mesmo tempo. Mas logo aprendem que, se continuam a
fazer isso, não podem continuar a discutir os tópicos nos quais elas mesmas estão
interessadas. Isto implica não só ouvir os outros atentamente, mas também ser capaz de
reconstruir o que está sendo dito, de modo a poder replicar. À medida que o processo
continua, a dinâmica deveria passar de um discurso professor-aluno - aluno-professor, para
um discurso aluno-alunos - aluno-professor - aluno-aluno. Também deveria começar a se
formar um processo de pergunta-resposta-pergunta. Questões formuladas pelo professor ou
pelo aluno, originam respostas que, por sua vez, dão origem a novas questões. Questões
instigam os alunos a investigar, a procurar soluções. Respostas os instigam a defender seus
pontos de vista de modo consistente e compreensível. Esta apresentação dos pontos de
vista, inevitavelmente, gera outras questões. Assim, a construção e a reconstrução de idéias
entre os alunos podem ser vistas isoladamenta para efeito de análise mas, na realidade, são
inseparáveis quando um grupo discute determinado assunto em comunidade.
A comunidade de investigação deve prestar atenção especial ao erro. Os alunos podem
aprender a se tornar atentos à possibilidade de erro em afirmações tidas como verdadeiras e
são muito hábeis em darem contra-exemplos. O erro é a pedra de toque da verdade, e como
Collingwood afirma, "apontar o erro na discussão de uma idéia é o que permite o
crescimento na educação."(5)
A esta altura poderíamos, com razão, perguntar se essa comunidade de eterna investigação
chega a algo. Esse processo de eterna auto-correção produz alguma coisa? Existe alguma
concepção verdadeira de racionalidade ou de moralidade; se tudo o que podemos fazer é
nos aproximar dela no diálogo? É aqui que os pensadores diferem. Como Richard Rorty
afirma em seu livro, Philosophy and the Mirror of Nature, alguns acham que tudo que
temos é o próprio diálogo, o eterno processo de auto-correção continuamente sendo
expresso dentro da tradição filosófica. Além disso, ele e outros acham que esse diálogo é
suficiente para tornar o mundo mais razoável, mais humano, pois proporciona o uso de
modos de procedimento pelos quais podemos tornar o mundo um lugar melhor para viver,
um mundo mais razoável. Outros filósofos acham que o fato de podermos falar de nossas
diferentes concepções como diferentes concepções da racionalidade pressupõe uma verdade
absoluta. O próprio fato de podermos concordar que alguns pensadores no passado tenham
sido teimosos, obsecados por uma idéia ou brilhantes em algumas coisas, mas limitados em
outras, pressupõe, ao menos, que tenhamos um ideal regulador de um intelecto justo,
atencioso e equilibrado. Como diz Hilary Putman, "achamos que realmente existe um
porquê e um como para explicar o fato de alguns pensadores não terem alcançado o ideal".
(6)
A noção de uma comunidade de investigação é muito complexa. Pressupõe alguma
noção de verdade que, por sua vez, pressupõe alguma noção de racionalidade que, por sua
vez, pressupõe uma teoria do bem. O bem depende das concepções que possuímos a
respeito de certas coisas tais como, natureza humana, sociedade, pessoas, moralidade e
mesmo, universo. De fato, temos tido que revisar, repetidas vezes, nossas noções de bem,
quando nosso conhecimento empírico aumenta e muda nossa visão de mundo.(7)
Mas, o
simples fato dos seres humanos terem mudado suas visões de mundo, pressupõe uma
comunidade de investigação - uma comunidade de pessoas-em-relação, oradores e ouvintes
que se comunicam entre si de modo imparcial e consistente, uma comunidade de pessoas
dispostas a reconstruir o que ouvem umas das outras e submeterem seus pontos de vista ao
processo auto-corretivo da investigação. Nesse ponto, talvez um professor ou um aluno
pergunte, "por que ser racional? É tão complicado. Por que não fazer simplesmente o que
nos ordenam, aceitar o que a maioria pensa e deixar como está? Seria muito mais fácil". A
resposta mais direta que posso pensar para dar a essa pergunta é que o método racional - o
método da investigação - é o único que ajudará os seres humanos a se tornarem pessoas
completas, capazes de ações autônomas, criatividade e auto-conhecimento. É o único
método que eu conheço, que pode ajudar as pessoas a preverem meios para atingir os fins
que consideram significativos e valiosos. É o único método que permitirá fazer previsões e
viver uma vida de auto-realização moralmente satisfatória. Por outro lado, uma vida
satisfatória envolve viver a vida do próprio método, o que pressupõe racionalidade. (Eu
talvez omitisse esse último comentário se estivesse falando com uma criança).
A educação é um processo de crescimento na habilidade de reconstruir as próprias
experiências para que se possa viver uma vida mais plena, mais feliz, qualitativamente mais
rica. Entretanto, na aquisição de conhecimentos práticos (em contraste a conhecimento
teórico) - isto é, conhecimentos que ajudarão a viver uma vida melhor, mais satisfatória, -
não se pode deixar de reconhecer o papel da imaginação e como é importante o seu
desenvolvimento nos primeiros anos da infância. Tornar-se mais racional é muito mais
extenso do que lógica dedutiva que, como mostra Gilbert Harmon, é mecânico. Quando se
pode raciocinar, pode-se voltar às nossas próprias premissas e verificar se são ou não
verdadeiras e se são ou não as que queremos como premissas do nosso argumento. Essa
habilidade envolve nossa capacidade plena de imaginar e sentir, nossa sensibilidade total.
Essas características não nos são dadas no nascimento. Elas são desenvolvidas através da
prática - vivendo racionalmente e imaginativamente em comunidade com os outros. Tal
comunidade pressupõe respeito: respeito pelos procedimentos da investigação, respeito
pelos outros enquanto pessoas, respeito pelas tradições em que o outro foi criado, respeito
pelas criações dos outros. Assim, existe um componente afetivo para o desenvolvimento de
uma comunidade de investigação em sala de aula que não pode ser subestimado. As
crianças devem passar de uma postura de cooperação, em que obedecem as regras da
investigação porque querem ser reconhecidos, para uma postura em que consideram que a
investigação é um processo colaborativo. Quando elas realmente colaboram, o que importa
é o nós e não apenas o sucesso pessoal. O que importa são nossas idéias, nossas conquistas,
nosso progresso. Há poucos meses elas não pensavam assim, e podem estar tão surpresas
quanto qualquer outra pessoa que começa a pensar em termos de nós. A transição é um
processo misterioso. Há poucos meses a criança não via as coisas assim, agora ela o faz.
Mas as crianças sabem que o grupo se tornou, algo muito significativo para elas: as alegrias
do grupo são tão importantes para cada uma delas como as suas próprias. Elas realmente se
respeitam como pessoas e isso as capacita a conversarem de um modo como nunca haviam
feito antes. Elas podem perguntar sem medo de rejeição ou humilhação. Elas podem testar
idéias que antes nunca teriam pensado em expressar, apenas para ver o que acontece(8)
.
A imaginação é um passo crucial no crescimento do raciocínio filosófico na comunidade.
Ela se expressa não só no falar e ouvir, mas através da dança, do desenho, da música, do
escrever e mesmo das ciências. Expressões desse tipo é que capacitam a criança a se tornar
consciente de si mesma em relação às outras pessoas do mundo. Isto é a essência do que
entendemos por educação.
O papel da filosofia no 1º grau é fazer uma ponte entre o antigo e o novo, tornar consciente,
nas palavras das crianças, as idéias fundamentais da cultura e ajudar os alunos, através da
investigação, não só a se apropriarem da tradição, mas revivê-la e reconstruí-la numa
versão mais coerente e significativa - uma versão que faça sentido para eles. O raciocínio
filosófico é, por definição, um raciocínio aberto. Aponta novas maneiras de ver, perceber e
compreender o mundo. É também um método de transformar em realidade essas novas
visões e versões, se forem julgadas válidas. Dá novas esperanças às crianças de hoje em
dia, muitas das quais estão desiludidas com as visões e versões da geração mais velha.
Assim como uma obra de Kandinsky pode ser tão excelente e tão bela quanto uma pintura
de Rembrandt, novos modos de ver o mundo e julgar o que é importante e significativo na
vida humana são sempre possíveis para jovens numa comunidade de investigação(9)
.
Aprender a fazer Filosofia bem, pressupõe uma comunidade de experiências partilhadas na
qual há procedimentos comuns e compromisso com esses procedimentos. Hábitos
intelectuais não são ensinados por preleções, mas sim criando-se condições que permitam
às crianças adquirirem prática em agir de modo imparcial, objetivo e imaginativo,
condições estas que as encorajam a ser abertas a novas experiências e a desenvolver a
coragem que necessitarão para mudar suas antigas visões tendo por base as novas
experiências. Esses hábitos são pré-condições da investigação aberta. E são estes que
poderão desenvolver nas crianças de hoje intelectos harmoniosos, equilibrados e morais.
No melhor de todos os mundos possíveis, qualquer educação capacitaria as crianças a se
livrarem de medos intelectuais, ou como Collingwood o chama, da "corrupção da
consciência". É esse medo que obstrui a audácia intelectual e imaginativa e a ação criativa.
No melhor de todos os mundos possíveis, os professores fariam tudo o que pudessem para
incentivar as próprias crianças a se ajudarem a se libertar da covarde confiança nas idéias
antigas (frequentemente chamadas fatos) não mais sustentáveis, mesmo quando as novas
idéias pudessem parecer pertubadoras. Muitas crianças se desviam de idéias audaciosas e
imaginativas devido ao medo que lhes foi comunicado e engendrado pela geração mais
velha. Essas são as idéias que deveriam partilhar com seus colegas de modo aberto e
crítico, investigando as pressuposições, considerando as consequências e criando juntas
meios de as tornarem reais se, após reflexão, parecerem válidas. Ao invés disso, as crianças
são incentivadas, pela sociedade, a voltarem sua atenção para algo muito menos
intimidador, como habilidades de pensamento ou lógica, devido ao receio de que novas
idéias não as levem à dominação. (Isto não quer dizer que a lógica e outras habilidades de
pensamento não são necessárias para o raciocínio filosófico. Elas são. Mas não são
suficientes. A discussão de idéias filosóficas é igualmente importante para o crescimento da
autonomia intelectual das crianças). Essa "consciência corrupta" é a "pior doença da
mente"(10)
, e o mais sério obstáculo ao desenvolvimento de comunidades de investigação
em sala de aula, nas quais, fazer filosofia tem um papel central.
Supondo que tivesse dito tudo isso para aquela professora, no último verão, durante o
treinamento intensivo, quando ela disse, tão orgulhosamente, que ela e seus colegas haviam
formado uma comunidade de investigação em apenas sete dias. - Deu trabalho, - disse ela -
mas nós chegamos lá. Será que ela ainda estaria tão satisfeita se eu tivesse,
cuidadosamente, lhe revelado algumas das minhas reflexões a respeito das pressuposições
do que penso ser participar de uma comunidade de investigação?
NOTAS
1. Ann Margaret Sharp, "Children's Intellectual Liberation" (Educational Theory, vol.31).
Volta
2. Hilary Putnam, "Literature, Science and Reflection," in Meaning and The Moral
Sciences," London: Routledge and Kegan Paul. Volta
3. R.G.Collingwood, Principles of Art, Oxford: Clarendon Press 1938. Volta
4. Ibid Volta
5. Sherman M.Stanage. "Phenomenology of Education," in Critical Essays on the
Philosophy of R.G.Collingwood, editado por Michael Krausz. Oxford, Clarendon Press,
1972. Volta
6. Hilary Putnam, "Reason and History," in Reason, Truth and History. Cambridge:
Cambridge University Press. Volta
7. Hilary Putnam, "Values, Facts and Cognition," in Reason, Trut and History. Cambridge:
Cambridge University Press. Volta
8. Para uma discussão dessa passagem de uma postura pessoal através de uma postura
cooperativa para uma postura colaborativa, ver Harry Stack Sullivan (1953), Conceptions
of modern Psychiatry. New York: Norton. Volta
9. Ver Nelson Goodman (1978) Ways of World-Making. Indianapolis, Ind.: Hacket
publishing Company, especialmente cap.1, "Ways of World-Making", e capítulo dois,
"Trouble with Truth." Volta
10. R.G.Collingwood, Principles of Art p.336. Também com relação ao diálogo, ver
Sherman Stanage, "The personal World" - para Stanage, o diálogo é o verdadeiro encontro,
o envolvimento real, o pleno compromisso. A dialética é a mais íntima aproximação do
diálogo como de fato em processo e conhecido reflexivamente como estando em processo.
É recriação, re-interpretação e transformação do diálogo. Estas idéias estão implícitas em
"Principles of Art". Volta
A FILOSOFIA E O DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO
Mathew Lipman
Atualmente há um grande interesse pelo desenvolvimento das habilidades de raciocínio dos
estudantes das escolas de 1º e 2º graus e das universidades. Para muitos observadores do
quadro educacional, a deficiência nessas habilidades é o cerne do problema da educação
contemporânea.
Até recentemente havia pouquíssima informação a respeito dos pormenores dessa
deficiência. E, enquanto a falta das assim chamadas habilidades de raciocínio de "ordem
superior" estivessem recebendo a maior parte da atenção, especialmente no 2º grau e nas
universidades, não parecia necessário explorar a possibilidade de que as raízes da
dificuldade pudessem estar no 1º grau. Somente quando foi notada uma distinção entre as
habilidades primárias de raciocínio e as de "ordem superior", é que se começou a
reconhecer que aquelas habilidades primárias - na maior parte habilidades lógicas
elementares - são o aparato lógico fundamental dos seres humanos de qualquer idade e,
virtualmente, de qualquer cultura. Elaborando um teste de múltipla escolha com 50 itens -
New Jersey Test of Reasoning Skills - baseado numa taxonomia das habilidades primárias
de raciocínio, foi possível comparar a performance de indivíduos nas mais diversas idades.*
Certamente em algumas séries o número de estudantes testados foi muito pequeno para que
se pudesse fazer inferências seguras. Mas o resultado final é sugestivo. Parece haver um
progresso gradual entre a 2ª e a 7ª séries e, em seguida, um declínio. E quando finalmente
os calouros universitários são testados - e esses são apenas uma parte da população jovem,
os 60% academicamente mais bem qualificados na sua faixa etária - a performance não
ultrapassa aquela atingida na 6ª série. Tanto os estudantes da 6ª série como os calouros
universitários conseguem responder corretamente a 76% dos itens do teste.
Isso não significa, necessariamente, que os alunos do 1° grau estejam raciocinando tão bem
quanto poderiam. Mas nos ajuda a compreender um pouco melhor porque muitos
estudantes universitários consideram os cursos tão difíceis: na verdade eles os enfrentam
com uma capacidade de raciocínio condizente com a 6ª série.
Já que cada vez mais suspeitava-se de que a deficiência em habilidades de raciocínio
estava, de algum modo, relacionada com o decepcionante desempenho acadêmico da
grande maioria dos estudantes, várias disciplinas começaram a se interessar pela situação.
A Filosofia está entre essas disciplinas e este artigo pretende frisar que é justamente à
Filosofia que deveria ser confiada a responsabilidade pelo desenvolvimento do raciocínio.
Para a Filosofia o desafio não é novo. Desde suas origens, tem sido a única disciplina capaz
de dar os critérios - os princípios da lógica - que tornam possível distinguir entre bons e
maus raciocínios. A Filosofia tem se preocupado com o desenvolvimento das habilidades
de raciocínio, com o esclarecimento de conceitos, com a análise dos significados e com o
cultivo de atitudes que levem as pessoas a questionar, investigar e tentar, de várias
maneiras, buscar os significados e a verdade. De fato, a Filosofia tem sido tradicionalmente
caracterizada como um pensar que se dedica ao aprimoramento do pensamento. Portanto,
para que se possa melhor cultivar o raciocínio das crianças e dos jovens, a Filosofia deveria
ser parte essencial do currículo da escola de 1° grau.
Isso não quer dizer que a Filosofia tenha que ser apresentada no 1º e 2º graus como tem
sido tradicionalmente ensinada na universidade. A Filosofia ainda é filosofia quando,
despida de sua terminologia técnica e de sua história de sistemas de pensamentos, retém sua
ênfase na discussão lógica das idéias que são importantes tanto para os alunos quanto para
os professores. Continua a ser Filosofia quando consiste em investigação intelectual
cooperativa e auto-corretiva, não importando se os estudantes em questão são do jardim de
infância ou da universidade. Quando a Filosofia é adicionada ao currículo produz uma
educação genuinamente reflexiva motivando os alunos a conversarem uns com os outros de
maneira disciplinada sobre assuntos essenciais e a pensarem objetivamente sobre seu
próprio pensar.
O que propomos é ensinar a raciocinar de modo a desenvolver as habilidades cognitivas dos
alunos. É óbvio que tal desenvolvimento não se dá com a simples explanação dos
princípios da lógica ou forçando os alunos a se engajarem em exaustivos exercícios de
lógica, ou mesmo dando-lhes exemplos de quão maravilhosamente nós, os adultos,
raciocinamos. O que precisa ser debatido é como fazer isso, e várias propostas têm sido
feitas, sendo a baseada na disciplina da Filosofia apenas uma delas.
Mas quais os critérios que deveríamos usar para avaliarmos os vários programas que
propõem desenvolver as habilidades de raciocínio? Parece que dois critérios relevantes são
indispensáveis: um quantitativo e outro qualitativo. O primeiro se refere à aferição do
desenvolvimento das habilidades cognitivas através de testes válidos e seguros. O segundo
refere-se ao significado educacional do programa - no que ajuda o aluno a se tornar um
indivíduo racional, criativo e auto-crítico numa sociedade democrática. É de suma
importância a interdependência desses dois critérios pois, se o primeiro for aperfeiçoado
sem o segundo, o aluno se tornará pouco mais que uma peça de equipamento pensante à
procura de um programador.
Algumas das questões que precisam ser colocadas ao considerarmos a Filosofia como
sendo o veículo para o cultivo da competência do raciocínio são:
a) Qual a relação entre raciocínio e pensamento? Entre raciocínio e linguagem? Entre
raciocínio e lógica? Entre raciocínio e educação?b) Qual a relação entre habilidades de
raciocício primárias ou elementares e habilidades de pensar de ordem superior?c) Quais as
vantagens de se ensinar a raciocinar através do contexto da Filosofia ao invés de
desenvolver as habilidade específicas em disciplinas já existentes no currículo?d) Quais as
disciplinas curriculares e que metodologia pedagógica a Filosofia usa para cultivar o
desenvolvimento da habilidade de raciocinar?e) Como as habilidades elementares de
raciocinar podem ser testadas e quais os aperfeiçoamentos mensuráveis que a Filosofia
pode demonstrar?f) Como se explica o fato de que nas escolas ainda não há instrução das
habilidades de raciocínio?
Essas questões levantam várias discussões, algumas filosóficas, algumas psicológicas e
algumas educacionais. Essas discussões serão tratadas nas próximas sub-seções em relação
ao raciocinar, ao ensinar, ao testar e à Filosofia.1. Raciocinar
As crianças começam a explorar, deliberar, inferir e questionar bem antes da aquisição da
linguagem. Quando surge o comportamento verbal ele é tanto gramatical como lógico: a
criança adquire as regras da lógica e da gramática juntamente com as palavras e seus
significados (neste contexto regras não significam nada mais que o uso que parece
conveniente às crianças). Conversas familiares levam a criança a preferir usos gramaticais
de acordo com as convenções linguísticas do seu ambiente cultural. Usos familiares que são
insinuados às crianças, assim como a própria interação destas com seu ambiente, motivam a
escolha que fazem por inferências válidas ao invés de não-válidas. O resultado é que as
crianças geralmente chegam ao jardim de infância já tendo uma habilidade rudimentar tanto
em usos gramaticais como lógicos.
Nos primeiros anos escolares, o desvio ocasional da criança do uso gramatical aceito estará
sujeito à censura e correção por parte dos professores. Isso é algo que os professores estão
preparados para fazer - ficar atentos a certos desvios e prontamente corrigí-los. Mas, o
mesmo não ocorre em relação à inabilidade da criança que começa a raciocinar. Raramente
os professores são instruídos de modo a estarem preparados para vigiarem os tropeços
lógicos de seus alunos, e a terem informações suficientes para corrigir tais erros com
segurança. É tido como certo que as habilidades de raciocínio primárias são adquiridas
durante a aquisição da linguagem - o que em si não é uma pressuposição descabível. Mas,
também é tido como certo que nas escolas não é necessário tomar nenhuma providência
para diagnosticar ou corrigir deficiências de raciocínio, apesar de empregarem especialistas
para o diagnóstico e a correção de deficiências em leitura.
Com isto não estamos querendo sugerir que os professores falham em modelar raciocínio
correto diante de seus alunos ou que deixem de envolver seus alunos na realização de
inferências. O fato é que eles fazem isso sem se dar conta que o fazem. Consideremos as
tão familiares expressões dos professores: Estou ouvindo conversas, ou Não estou vendo
nenhuma mão levantada. Os professores não dizem tais coisas por estarem buscando
confirmação da classe a respeito de algum fato. Essas observações funcionam como a
premissa menor de um silogismo condicional cuja premissa maior é omitida (entimema).
Os alunos, mesmo nos primeiros anos escolares, são capazes de suprir as premisssas
omitidas - Se eu ouço conversa, terei que interromper a aula, ou Se você sabe a resposta,
levante a mão. Eles, então, ao lidarem com as regras de silogismos condicionais, fazem as
inferências apropriadas - Se você sabe a resposta, levante a mão. Eu não vejo nenhuma
mão levantada. Portanto, vocês não devem saber a resposta. Os professores geralmente
não se apercebem do valor que tais expressões têm para estimular as habilidades de
raciocínio. Infelizmente, eles também desconhecem os passos que devem ser dados quando
os alunos tropeçam nas exigências lógicas. Quando os professores não são capazes de
reconhecer falhas de raciocínio na sala de aula (como por exemplo, inconsistências, auto-
contradições, etc) ou não estão preparados para remediar aquelas que constatam, os alunos
com deficiências elementares de raciocínio estarão condenados, durante os anos escolares -
e durante toda a vida - a enfrentar da melhor maneira que puderem, um mundo que espera e
exige deles logicidade e racionalidade. De algum modo, muitos conseguem passar
desapercebidos, mas só parcialmente. Eles talvez desenvolvam técnicas de auto-
preservação, afim de camuflarem suas incapacidades, transformando-as em fraquezas
inocentes e charmosas, ou evitando situações em que a habilidade de raciocínio seja
obrigatória. Todavia, enquanto aceitarmos como verdadeiro que as habilidades de
raciocínio são suficientemente aprendidas na primeira infância e que não necessitam
nenhuma atenção subsequente das escolas, deixaremos os alunos abandonados, para nadar
ou naufragar e, muitos deles certamente, mais cedo ou mais tarde, começarão a naufragar.
Para fins educacionais, a matriz comportamental do pensar é o falar e a matriz do pensar
organizado, isto é, raciocinar, é o falar organizado. O ideal seria que a comunicação
linguística da tenra infância na família preparasse as crianças a raciocinarem na linguagem
acadêmica e esta, por sua vez, as preparasse a raciocinar na linguagem das várias
disciplinas. Mas, já que a comunicação familiar, geralmente, não é tudo o que deveria ser, o
diálogo filosófico deveria ser promovido nas salas de aula como seu substituto. Certamente
isto envolve transformações - devem ser feitas traduções e substituições da linguagem
natural que falamos para a linguagem que lemos e escrevemos e desta para a linguagem das
áreas específicas de estudos acadêmicos. Feitas essas especificações, não seria de admirar
que a lógica natural, que é uma parte da linguagem natural, operasse como uma espécie de
estrutura profunda em relação às estruturas superficiais das disciplinas acadêmicas com as
quais a criança virá a se deparar. As habilidades cognitivas primárias representadas por
competências que estão como que embutidas, devem passar por uma sequência de
contextualizações, descontextualizações e recontextualizações antes que a criança esteja
realmente preparada para se engajar, nas diversas disciplinas acadêmicas, em performances
que envolvem habilidades cognitivas de ordem superior. O que as crianças consideram
particularmente difícil são as transições: a tradução da linguagem que falamos para a
linguagem que escrevemos ou a tradução da linguagem comum para a linguagem simbólica
da matemática. As dificuldades nem sempre são unilineares: o aluno que consegue inferir
com facilidade a conclusão de um silogismo formulado em letras, pode ficar perplexo ao se
defrontar com o mesmo silogismo formulado em palavras. Mesmo assim, insiste-se em que
aprendam a sistematização mais elaborada que podemos planejar em cada disciplina,
deixando de fornecer-lhes os degraus intermediários de que necessitam para se
movimentarem, com maior facilidade, de uma linguagem para a outra. Para aqueles que não
percebem claramente as regras de tradução de uma linguagem para a seguinte, cada nova
fase educacional pode ser traumática (Por que a álgebra, por exemplo, é como que um
choque para muitos? Por que essa transição não pode ser melhor preparada? Certamente
crianças que são ensinadas a detectar e lidar com ambigüidades em sua linguagem natural
estão menos sujeitas a se espantarem com ambigüidades nas formulações algébricas. Do
mesmo modo, crianças que discutiram a respeito da natureza das questões na linguagem
natural estão preparadas para entender y = 7+9 como sendo funcionalmente equivalente ao
problema "Qual é a soma de 7+9?"). Talvez os alunos achassem mais fácil realizar as
sucessivas contextualizações, se os educadores de futuros professores e aqueles que
preparam os currículos tivessem em mente a necessidade de sempre prover os meios para a
realização de tais traduções.
Seria melhor dar uma parada neste ponto para mencionar duas concepções errôneas muito
em voga. A primeira tem a ver com a relação entre habilidades primárias de raciocínio e as
assim chamadas habilidades básicas tais como ler, escrever e calcular. Ler, escrever e
calcular são de fato básicas em relação ao desenvolvimento educacional subsequente, pois
sem elas dificilmente podemos nos habilitar nas disciplinas acadêmicas com as quais nos
deparamos desde a escola primária e que são característica da escola secundária e da
educação universitária. Mas ler, escrever, falar, escutar com atenção e calcular são mega-
habilidades incrivelmente complexas e sofisticadas, são orquestrações de um grande
número de habilidades e atos mentais altamente diversificados que foram previamente
desenvolvidos. Racionar não é outra dessas mega-habilidades; é, pelo contrário, o seu
próprio alicerce e é fundamental para que se desenvolvam. Entretanto, se analisarmos, até
mesmo esses fundamentos são multi-nivelados e uma de nossas maiores tarefas é
desembaraçar e ordenar a galáxia de componentes cognitivos que devem ser coordenados
até mesmo num simples ato de ler, escrever, falar, escutar atentamente ou calcular. (1)
Uma segunda concepção errônea é a de que, enquanto amadurecemos, nossas habilidades
de raciocínio proliferam em quantidade e melhoram muito em qualidade. Isto só é
parcialmente verdadeiro. No decorrer de nossas vidas, em grande parte, contamos com o
mesmo núcleo primordial de habilidades de raciocínio: o repertório básico de habilidades
de raciocínio do adulto é pouco diferente do da criança. A situação é mais ou menos
análoga à da aquisição da linguagem. O número de palavras que um indivíduo pode
adicionar a seu vocabulário é virtualmente ilimitado mas, podemos dizer com certeza que,
as letras de cada nova palavra serão extraídas do mesmo repertório básico - as vinte e seis
letras do alfabeto. Portanto, mesmo quando nos engajamos nas mais elaboradas maneiras de
pensar - longas correntes de deduções, construções teóricas altamente complexas, etc. -
pressupomos familiaridade com um número relativamente pequeno de atos mentais,
habilidades de raciocínio e habilidades de investigação sobre as quais são predicadas as
mais elegantes e sofisticadas operações de pensamento. Sem a habilidade de assumir,
supor, comparar, inferir, contrastar ou julgar, deduzir ou induzir, classificar, descrever,
definir ou explicar, nossas habilidades de ler e escrever estariam em perigo, sem mencionar
nossa capacidade de participar de discussões em sala de aula, realizar experiências e fazer
composições em prosa ou verso.
Há boas razões para enfatizar a continuidade entre as habilidades primárias de raciocínio e
as assim chamadas de ordem superior. Talvez possamos melhor demonstrar como se dá tal
continuidade, através de uma analogia. Consideremos um mecânico trabalhando em sua
oficina. Ele possui habilidades primárias quanto ao uso de cada uma das suas ferramentas.
Ele possui uma habilidade para o uso da chave-de-fenda, outra para o uso do macaco
hidráulico e outra ainda para o uso do alicate. Ele compartilha conosco essas habilidades
primárias, pois nós também sabemos como usar essas ferramentas, embora talvez não
tenhamos tanta habilidade quanto ele. Mas nós provavelmente não sabemos - e ele sabe -
como organizar e seqüenciar o uso dessas ferramentas para consertar o motor. Ele não usa
nada mais que essas ferramentas, mas as usa de maneira calculada e estratégica para
resolver o problema mecânico que nós achamos incompreensível e insolúvel. São essas
habilidades de orquestração e improvisação, somadas ao entendimento de como o carro é
construído como um todo e a compreensão do problema mecânico, que fazem a diferença
entre ele e nós. Não é somente o fato dele saber como o motor trabalha e nós não: é que
cada uma das ferramentas é coordenada com a habilidade tática de empregá-la, e empregá-
la bem é emprega-lá em coordenação com outras habilidades tendo uma estratégia geral
para a resolução do problema como um todo, ou com uma metodologia de improvisação
que capacita o mecânico a agir de modo a resolver a dificuldade. O mesmo se dá com as
habilidades de raciocínio: as primárias, todos nós as possuímos - ou supõe-se que
possuimos. As habilidades de ordem superior, entretanto, não são habilidades que
desempenham operações lógicas diferentes, mas são maneiras concatenadas de executar as
mesmas operações. As habilidades de ordem superior não estão como que em sobreposição
em relação ao classificar, definir, descobrir presuposições subjacentes, delinear inferências,
etc; ao invés disso, são habilidades que se ocupam de classificações altamente sofisticadas,
definições, inferências, etc, empregando as habilidades de modo colaborativo e conjunto ao
invés do modo individualizado que usamos quando as isolamos para estudo.
Já que a importância do raciocínio tem sido reconhecida por milhares de anos, como pode
ter acontecido que o cultivo das habilidades de raciocínio tenha sido sistematicamente
omitido dos currículos das escolas de 1º e 2º graus? Sem dúvida os filósofos, guardiões da
sub-disciplina da lógica, deveriam ter elevado suas vozes mais vigorosamente em favor da
instrução filosófica desde cedo. As escolas de educação deviam ter colocado o cultivo do
diálogo e do pensamento reflexivo ao invés do aprendizado e da administração escolar
como sendo o fundamental na preparação de professores. Os taxonomistas dos objetivos
educacionais deviam ter reconhecido que as habilidades de investigação, às quais dão tanta
importância em suas taxonomias, não seriam adquiridas sem os requisitos da linguagem e
das habilidades de raciocínio. (2)
E os psicólogos, ávidos em preservar o raciocínio como
um indicador inigualável do processo cognitivo, deviam ter se questionado a respeito das
implicações éticas ao declararem que o raciocínio não poderia ser ensinado sabendo que,
como consequência, ele não seria ensinado. Mas, tudo isso talvez já esteja no passado e
parece que estamos em situação de apresentar algo de promissor na questão do
aperfeiçoamento da habilidade de raciocínio.2. Ensinar
A Filosofia pode ser ensinada de várias maneiras às crianças desde o jardim de infância até
a universidade. Isso não tem que ser feito da maneira que nós do Institute for the
Advancement of Philosophy for Children temos feito, mas somente podemos relatar a nossa
própria experiência. Temos verificado que textos filosóficos para crianças são realmente
essenciais embora possam sem escritos como novelas, ao invés da forma abstrata e didática
dos textos tradicionais. Às crianças que são personagens das novelas não são ensinados, por
exemplo, os princípios da lógica, mas elas os descobrem por si mesmas no processo de
discussão de conceitos filosóficos que lhes são importantes, tais como justiça, amizade e
verdade. Na sala de aula os alunos discutem essas descobertas de uma maneira cooperativa.
Se alguns oferecem generalizações, outros podem oferecer contra-exemplos; se alguns
emitem opiniões sem razões, estas são prontamente exigidas. Eles, aos poucos, vão
descobrindo inconsistências em seus próprios pensamentos. Com o passar do tempo, eles
aprendem a cooperar entre si elaborando sobre as idéias uns dos outros, questionando
reciprocamente pressuposições subjacentes, sugerindo alternativas onde alguns se sentem
bloqueados e frustados, e ouvindo atenta e respeitosamente outras pessoas expressarem os
seus pontos de vista. É através desse diálogo disciplinado que uma comunidade de
investigação começa a se desenvolver na sala de aula. Quando os participantes de tal
comunidade percebem inteiramente o processo no qual tomam parte, eles o internalizam e
ele se torna um método de abordar cada uma das disciplinas acadêmicas na escola. Além
disso, quando o comportamento auto-corretivo do grupo é internalizado, torna-se uma
atitude auto-crítica e auto-corretiva no indivíduo e isso pode ser expresso de maneira
comportamental na forma de maior capacidade de auto-controle.
Os professores de Filosofia para Crianças da escola de 1° grau não necessitam menos
treinamento que os professores de outras disciplinas. Filosofia é uma matéria que depende
muito do professor e, consequentemente nem todos podem estar certos de serem capazes de
ensiná-la com sucesso. Ela requer a habilidade de ouvir cuidadosamente o que as crianças
dizem de fato e aquilo que estão tentando dizer, a habilidade de reconhecer os padrões
lógicos das narrativas dos alunos e a dimensão filosófica de seus interesses, a habilidade de
dirigir discussões e a habilidade de incentivá-los a pensarem por si mesmos. Normalmente
a preparação mínima do professor é um curso de um ano no qual eles participam de 2 horas
e meia de treinamento por semana e aplicam o programa paralelamente em suas classes 3
vezes por semana. No decorrer do ano, o monitor, sempre um professor de Filosofia, visita
a classe de cada um dos professores aplicadores seis vezes ou mais, começando com
sessões modelo nas quais utilisa o material, diante do professor, para motivar uma
discussão filosófica entre os alunos e, continuando com sessões em que o professor é
observado e avaliado com relação à sua habilidade em fazer o mesmo.
Os monitores em Filosofia, como em qualquer disciplina especializada, precisam ser
profissionais hábeis que, além de haverem ensinado crianças, são licenciados na disciplina
e receberam uma série especial de cursos que os habilita a trabalhar com o currículo, com
as crianças e com os professores. Sem tal experiência, os monitores são incapazes de
transmitir aos professores uma apreciação da profusão de conceitos filosóficos que os
alunos estão ávidos por discutir, nem podem, efetivamente, dotar os professores com as
habilidades necessárias para o aprimoramento do raciocínio dos alunos. Mesmo após um
ano de tal preparação, os professores tendem a se sentir inseguros no assunto e são os
primeiros a reconhecerem que o repasse do treinamento (isto é, um professor treinado
tornar-se treinador) seria completamente impróprio em vista da complexidade da
disciplina.* 3. Testar
Quais os pré-requisitos necessários para testes adequados da competência de raciocínio
primário e de investigação? Eis alguns deles:
a) desenvolvimento de uma taxonomia adequada das habilidades a serem avaliadas.b)
seleção de um grupo representativo de habilidades que servirá de base para a construção
dos itens do teste. Para ser adequadamente representativo, deve haver um equlíbrio
criterioso de habilidades de raciocínio formal (ex: ser capaz de lidar com conversão,
contradição e silogismos categóricos na lógica das classes, silogismos condicionais na
lógica proposicional e relações transitivas e simétricas na lógica ordinal), habilidades de
investigação (ex: explicação causal), lógica informal (ex: reconhecer as relações entre a
parte e o todo, diferenças de gênero e grau e diferenças entre razões fortes e fracas) e lógica
da linguagem natural (ex: lidar competentemente com raciocínios analógicos e com
ambiguidades).c) os itens do teste devem ser escritos de maneira tão clara e simples que a
leitura não se torne, por si só, um fator discriminador.d) o conhecimento informativo
requerido para responder as questões deverá ser tão mínimo que não constitua um obstáculo
a indivíduos de qualquer idade escolar. O objetivo é projetar um teste pelo qual as
habilidades de raciocínio das pessoas de qualquer idade possam ser comparadas entre si. e)
os testes devem ser de fácil aplicação e passíveis de resultados computadorizados para que
se possa desenvolver um banco de dados das habilidades de raciocínio que possa fornecer
comparações de desempenhos entre populações demográficamente similares e que possa,
eventualmente, produzir padrões satisfatórios.* 4. Por que a Filosofia?
Muitos educadores já perceberam que não é suficiente que os alunos simplesmente
aprendam o conteúdo das disciplinas acadêmicas; para que os alunos sejam
verdadeiramente educados precisam ser capazes de raciocinar naquelas disciplinas. Eles
devem aprender a raciocinar hiostoricamente, algebricamente, cientificamente e não apenas
ser capazes de memorizar o que lhes foi ensinado em História, Álgebra ou Ciências. A
noção que no entanto permanece entre muitos educadores é de que o caminho certo para
atingir esse objetivo, envolve a identificação das habilidades de raciocínio e de investigação
apropriadas à prática de cada disciplina e a responsabilidade por tais habilidades é dos
próprios professores. Infelizmente isto não é viável. Os professores alegam, com razão, que
não podem dispender o tempo do ensino de suas disciplinas para ensinar as habilidades
necessárias a raciocinar em tais disciplinas. Essas habilidades deveriam ter sido adquiridas
anteriormente; não se pode esperar até que uma disciplina esteja a ponto de ser ensinada
aos alunos para se adquirir as habilidades necessárias a aprendê-la.
Haverá aqueles que dirão que pode não ser muito útil adicionar mais uma disciplina - a
Filosofia - a um currículo já abarrotado e cujos componentes os alunos recebem de maneira
fragamentada e desarticulada. Mas, a adição da Filosofia aliviaria mais do que exacerbaria
esta situação. As principais divisões ou sub-disciplinas da Filosofia representam
abordagens que se cruzam em ângulos retos com as matérias já existentes no currículo e as
funde em um conjunto conexo:
Comunicação
e Expressão
Verbal
Estudos
Sociais
Saúde Matemática Artes Ciências
Lógica
Estética
Ética
Metafísica
Epistemologia
Filosofia Social
Filosofia das
Ciências
Este quadro não representa a adição de novas e desarticuladas áreas de estudo ao currículo
existente; representa, ao contrário, o desenvolvimento da compreensão dos aspectos
lógicos, estéticos, éticos e epistomológicos já presentes nas matérias que os alunos estudam
agora, mas que são negligenciados em virtude da falta da Filosofia no currículo.
É evidente que há necessidade de cursos de Filosofia no decorrer de todos os anos
escolares, desde o jardim de infância até o 2º grau. O cultivo do raciocínio não pode ser
levado a cabo a não ser que haja um critério para se distinguir entre bom e mau raciocínio e
somente a Filosofia fornece tal critério.
Se desejamos estudantes competentes em habilidades primárias de raciocínio - e sem elas
não pode haver competência nas habilidades de raciocínio de ordem superior - não temos
outra escolha senão a Filosofia.
E a respeito das habilidades de raciocínio de ordem superior? A Filosofia é dialógica e
engajar-se em diálogos filosóficos conta pontos para as habilidades de raciocícnio de
ordem superior simplesmente porque leva a enfrentar os aspectos lógicos, epistemológicos,
éticos ou estéticos dos problemas em discussão. A prática em tais discussões favorece o
desenvolvimento dessas habilidades em cada um dos participantes.(3)
Seria absurdo alegar
que só a Filosofia cultiva discussões em sala de aula. Mas, certamente o tipo de discussão
que a Filosofia acarreta é melhor para cultivar as habilidades de ordem superior do que
discussões em campos menos preocupados com o cultivo de metodologias auto-corretivas
de investigação. Devotando uma parte de cada dia a discussões disciplinadas de conceitos
significativos mas poucos claros, a educação do futuro perceberá que tanto as habilidades
de raciocínio de ordem superior como as primárias, estão prontas para uso bem antes de
serem necessárias e assim nenhum aluno precisa entrar em classe cognitivamente
despreparado. Deste modo, a Filosofia não representará uma adição ao currículo, mas será a
armação ou tronco central do processo educacional com ramificações que se abrem à
medida que os estudantes ingressam em disciplinas cada vez mais especializadas.
Essas são as vantagens educacionais de se fazer da Filosofia uma parte essencial do
currículo escolar. Mas não se pode deixar de tomar conhecimento de que há também
vantagens sociais. Um sistema educacional anêmico está fadado a produzir uma democracia
anêmica pois, entre todos os sistemas políticos a democracia é o sistema que mais precisa
de cidadãos ponderados, reflexivos e participantes. A Filosofia capitaliza sobre o desejo, de
qualquer estudante, de discutir assuntos que são importantes para a sua vida. Tais assuntos,
em geral, envolvem ideais (como justiça, verdade e liberdade) que são essenciais ao bem-
estar da sociedade. E acontece que a Filosofia constitui, por si só, uma mina de tais
conceitos e uma metodologia para sua análise imparcial.
Alguns educadores, após esta leitura, podem alegar que a filosofia não poderá ser disciplina
obrigatória em todas as séries sem uma total reorganização curricular. Diversas disciplinas
talvez tenham que ser aparadas e isso fará com que vários grupos de profissionais se
coloquem na defensiva. Podemos somente questionar se os educadores estão preparados
para defender cada fragmento do que está presentemente sendo ensinado como sendo
essencial para que uma pessoa seja verdadeiramente educada numa verdadeira sociedade
democrática. Suspeitamos que muito do que atualmente é ensinado, não tem outra razão de
ser que não a de que é o que se costuma fazer - a mesma razão pela qual a filosofia tem sido
excluída. Os educadores podem, certamente, reconhecer que o argumento para a inserção
da filosofia no currículo é muito mais forte do que o argumento para a retenção de muito do
que existe hoje - e, no entanto, preferir se calar e nada fazer. Mas há outros cenários e
podemos perfeitamente escolher um melhor.
Notas
1. Atualmente existe certa preocupação diante da diversidade de comportamentos que são
classificáveis como pensamento, mas a proliferação de inventários das habilidades de
pensar não deve nos levar a acreditar que estamos lidando com algo totalmente impossível
de se manejar. Realmente a mudança de ênfase que tem ocorrido nas últimas décadas em
algumas disciplinas acadêmicas - em filosofia, do intelecto para o pensar; em educação, do
aprender para o pensar - sugere considerável convergência entre diferentes linhas de
investigação.Se toda conduta que é distintamente humana e não redutível ao meramente
mecânico envolve o pensar, então deveria ser possível identificar os principais tipos de
pensar relacionando-os com os principais tipos de comportamento humano. Quais são esses
tipos de comportamento? Uma resposta pode ser dada através da distinção clássica entre
fazer (making), dizer (saying) e agir (doing). Para nossos propósitos, tal distinção poderia
ser reinterpretada como: o pensar envolvido no ato de construir (thinking in construction), o
pensar envolvido na linguagem (thinking in language) e o pensar envolvido na ação
(thinking in conduct). E, já que nosso enfoque é no papel do raciocínio na educaçao, e já
que a comunicação linguística é o principal veículo da educação, podemos centrar nossa
atenção no pensar envolvido na linguagem. Quais são as ordens de atividades de pensar
envolvidas na linguagem? Uma maneira de responder a isso é tomar mega-habilidades
básicas tais como ler, escrever, falar, ouvir e calcular e investigar quais os tipos de pensar
que elas pressupõem. Os componentes resultantes podem se agrupar em: estados
psicológicos envolvendo o pensar, atos ordinários do pensar e performances especializadas
do pensar tais como atos do raciocícnio e atos do investigar. O quadro de ordens não deve
ser considerado nem progressivo nem hierárquico. Os componentes de uma ordem não
podem ser considerados como de maior valor do que os componentes de outra ordem. O ato
mental de supor, por exemplo, não é intrinsecamente de menor valor que o ato de
investigação de avaliar nem se segue que as pessoas devam ser capazes de supor antes de
poderem avaliar (na verdade, em alguns casos dá-se o inverso: ensinar estudantes a avaliar
pode ser um modo de ajudá-los a supor). Outro exemplo: a meta-cognição (pensar sobre o
pensar ou o discurso do pensar sobre o pensar) não vem necessariamente após a cognição
direta.Tomemos dois exemplos de conversa entre uma criança e seu pai:Joãozinho: - O
Marinho me bateu.Pai: - Marinho, você bateu no Joãozinho?
Joãozinho: - O Marinho me bateu.Pai: - Isso é verdade, Marinho?Ambos os modelos
podem ser encontrados na conversação diária com crianças bem pequenas: um não é mais
esotérico que o outro. Mas, no segundo modelo, a pergunta requer de Marinho o ato meta-
cognitivo de julgar se a afirmação de Joãozinho é falsa ou verdadeira.Temos aqui um
quadro mostrando algumas das ordens do pensar envolvido na linguagem: (Acrescentar
quadro anexo)
2. A Taxionomia dos Objetivos Educacionais de Bloom é formulada conforme as operações
constitutivas da investigação científica e escolar, mas dá pouca atenção às habilidades de
raciocínio que a habilidade de se engajar em tal investigação pressupõe. Embora Bloom não
tenha pretendido que sua hierarquia fosse assim interpretada ela, de fato, tem sido encarada
de modo desenvolvimentalista, com os níveis mais baixos da hierarquia emergindo em
primeiro lugar e depois os da mais alta ordem em sequência. Alguns educadores tomaram
isso como significando que crianças pequenas somente são capazes de memorização e não
podem se engajar, de modo significativo, em análises, sínteses e avaliações. Os relatórios
de classes de crianças bem pequenas onde a Filosofia é ensinada, nos fornece um quadro
bem diverso a respeito das habilidade de raciocínio e de pesquisa das crianças, habilidades
essas que surgem quando as crianças são ainda bem jovens mas que se refinam com a
aquisição da linguagem e da experiência.3. Historicamente, toda disciplina agora
considerada científica foi precedida por um período de exploração e deliberação dialógica
que seria mais propriamente filosófico. Quando técnicas mais precisas de observação,
mensuração e predição se desenvolveram, o que tinha sido filosófico tornou-se científico.
Nesse sentido, a Filosofia, inevitavelmente, precede e gera as ciências. Períodos de
discussão de temas, sem uma linha de procedimentos precisos, são seguidos por períodos
em que tais procedimentos começam a surgir. Assim também, as crianças ficam muito
entusiasmadas com assuntos que não possuem uma linha de procedimentos precisos, mas
são cuidadosas em questões onde tais procedimentos existem, pois em tais casos, suspeitam
que as respostas jã são conhecidas pelos adultos. Em outras palavras, as discussões
filosóficas, por deixarem as conclusões em aberto, são as únicas que lhes dão uma sensação
de liberdade, uma sensação de estarem no mesmo nível intelectual dos adultos. Por esta
razão, a Filosofia é ideal na preparação cognitiva para se envolver, mais tarde, em
disciplinas acadêmicas especializadas e motivar a inclinação para tais disciplinas.A
Filosofia é a disciplina que nos prepara para raciocinar nas demais disciplinas.
Raciocínio crítico: o que pode ser isso?
Matthew Lipman
VOLUME 2 - A Comunidade de Investigação e a Educação para o Pensar
COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO E PRÉ-ESCOLA
Sylvia J. Hamburger Mandel e Isabel Cristina Santana
Para poder explicar a relação possível e necessária da comunidade de investigação com a
pré-escola, vamos antes explicitar o que entendemos por Comunidade de Investigação e o
que entendemos por pré-escola; depois mostraremos porque acreditamos ser possível e
necessário trabalhar pela formação da comunidade de investigação na pré-escola.
A proposta educacional através da Comunidade de Investigação deve sua expansão ao
trabalho de Filosofia para Crianças criado e desenvolvido pelo Dr. Matthew Lipman e seus
colaboradores. O desenvolvimento do currículo começou com o texto A Descoberta de Ari
dos Telles, para crianças de 5ª ou 6ª séries, depois Luísa com enfoque na investigação ética
para alunos de final do primeiro grau, Suki (estética) e Mark (filosofia social) para alunos
do segundo grau. Só após estes textos e os correspondentes Manuais Instrucionais estarem
prontos, é que se pensou em programas para as crianças menores. Foram então escritos, em
ordem cronológica Pimpa, Issao e Guga e Elfie. Após algum tempo a Dra.Ann M.Sharp
escreveu The Doll's Hospital. Este ano o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças
publicou Rebeca de Ronald Reed e produzimos, Isabel e Sylvia, respectivamente,
atividades para o aluno e o Manual de Instruções para o uso de Rebeca em sala de aula com
crianças de 5 a 7 anos. No Brasil, até o momento, Elfie e The Dool's Hospital não foram
publicados , mas ambos incorporam a idéia de trabalho numa Comunidade de Investigação
com crianças pequenas, o primeiro na faixa de 6 a 8 anos e o segundo com crianças de 3 e 4
anos. Trabalhar a Comunidade de Investigação na faixa etária da pré-escola, embora possa
parecer, não é novidade. Na realidade, algumas experiências-piloto já haviam sido feitas
também aqui no Brasil.
A COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO
Um dos objetivos da educação diz respeito ao bem pensar. Não queremos com isso dizer
que os conteúdos a ser pensados devam ser aprendidos e decorados; queremos dizer que as
crianças devem ter oportunidades de exercitar o bem pensar de maneira deliberada e
consciente, para que possam depois 'pensar por si mesmas' sobre os assuntos mais diversos
que a vida lhes apresente. A melhor forma que conhecemos de alguém vivenciar esta
experiência é a dada pela comunidade de investigação.
A idéia de Comunidade de Investigação enquanto espaço para o exercício do pensar deriva
de um modelo em que a aprendizagem parte das práticas sociais e dos atos externos (i.e.,
dos outros indivíduos) para as práticas individuais e os atos mentais (internos). A
experiência vivenciada de modo deliberado e consciente na Comunidade de Investigação é,
com o tempo, internalizada e torna possível o 'pensar por si mesmo'. Entendemos por
'pensar por si mesmo' perfazer na mente o percurso de uma discussão arrazoada, tendo
consciência dos critérios que estão sendo utilizados e das razões que levaram a escolhê-los
entre outros possíveis, dos méritos e deméritos de cada justificativa, com busca de
exemplos e contra-exemplos, pondo-se imaginariamente no lugar de outros, levando em
conta o todo da situação, ou do problema em questão, sem descuidar das partes e suas inter-
relações, sendo capaz de fazer juízos e julgamentos justificados.
A comunidade de investigação é o espaço onde, em conjunto, as crianças têm as condições
e a oportunidade de investigando, aprenderem a investigar. A partir de um tema de interesse
mútuo ( o que não significa que tenha que ser unânime), que envolva uma questão aberta
(que seja contestável, que não tenha resposta única), as crianças investigam dentro de uma
estrutura reciprocamente igualitária (cada um tem o direito de expor suas idéias e o dever
de ouvir e examinar as idéias dos outros) em busca de qual seja a 'melhor' resposta para a
questão, avaliando e julgando, enquanto comunidade, quais os critérios que serão levados
em conta e porque são estes e não outros os critérios. Essa escolha e avaliação constante
dos critérios utilizados permite à Comunidade de Investigação ser auto-corretiva. Também
permite que a investigação siga para onde a questão levar, e não para onde alguém queira
que ela vá ou chegue.
As questões abertas têm sua morada na filosofia. Tanto o tratamento das questões abertas
(como por exemplo, O que é verdade? O que é espaço?) quanto a discussão dos métodos da
investigação são temas recorrentes na filosofia. É portanto natural que, inicialmente, a
Comunidade de Investigação seja uma comunidade de investigação filosófica.
Philip Cam diz que a discussão em sala de aula é "uma discussão em que as crianças fazem
perguntas umas às outras, dão razões umas às outras, escutam o ponto de vista do outro, e
assim por diante, com relação a todos os procedimentos (...) Essa é obviamente uma
atividade cooperativa, na qual a classe se torna uma comunidade de pessoas investigando
juntas - o que Lipman chama uma comunidade de investigação. Como a investigação é
filosófica, podemos dizer que é uma comunidade de investigação filosófica."
Na Comunidade de Investigação, diz a Dra. Ann M.Sharp, a "dinâmica deveria passar de
um discurso professor-aluno - aluno-professor, para um discurso aluno-alunos - aluno-
professor - aluno-aluno. Também deveria começar a se formar um processo de pergunta-
resposta-pergunta."
Outra característica da discussão da Comunidade de Investigação é que ela é balizada pela
lógica. Não é possível uma criança afirmar algo, o colega afirmar o oposto e a discussão
continuar sem que uma das duas posições excludentes seja descartada. Além disso deve
haver persistência para (tentar) ir até o fim das questões, mesmo sabendo que o fim, muitas
vezes, é difícil de ser alcançado.
A PRÉ-ESCOLA
Quando nos propomos a falar sobre a pré-escola no Brasil, não podemos ignorar o
pluralismo pedagógico, cultural, filosófico e político presente nas escolas do nosso país.
Muitas experiências são realizadas, a partir de reflexões pedagógicas desenvolvidas e
aprofundadas, buscando uma melhor prática educacional.
Não encontramos mais a visão de pré-escola apenas como um lugar adequado para dar
assistência às crianças enquanto os pais trabalham, ou como forma de compensação de
possíveis desvantagens sócio-culturais.
Somente após superar essa função ou de custódia ou assistencialista da pré-escola podemos
buscar sua atual identidade e afirmar que a pré-escola é um contexto educativo fundamental
para o desenvolvimento da criança.
A pré-escola, hoje em dia, é vista e assumida com um verdadeiro papel de escola, sendo ela
o início de todo o sistema escolar.
Configura-se portanto, como um espaço intencional e sistemáticamente ordenado para a
educação de crianças entre 3 e 7 anos de idade.
Para tal, tornou-se necessário especificar algumas funções próprias desse período escolar.
De um modo geral, podemos propô-las sob dois aspectos diferentes:
a) "Tornar a criança capaz de tomar consciência da realidade, de intervir sobre ela e
dar sentido à própria experiência. Favorecer o desenvolvimento das suas
capacidades de comunicação e cognição, de socialização e maturação emotiva.
Inseri-la no ambiente físico e na aquisição de valores que possam dar significado ao
seu comportamento.
b) Oferecer uma efetiva igualdade de oportunidades educativas, com o objetivo de
superar os condicionamentos sociais, econômicos e ambientais, através de uma
contextualização dos processos educativos que leve em conta as diversidades
culturais e individuais."
A ênfase dada nos últimos anos à importância da educação infantil e à necessidade de
garanti-la a todos demonstra uma maior consciência da sociedade aos direitos inalienáveis
da criança, enquanto pessoa. Direitos esses, defendidos constitucionalmente. Mas, mais
importante ainda, para a compreensão do papel da pré-escola, é a visão da personalidade
infantil.
"A determinação das finalidades da pré-escola deriva da visão da criança como sujeito
ativo, empenhado num processo de contínua interação com as outras crianças, com os
adultos, com o ambiente e com a cultura.". (SINASCEL-CISL, 1991)
Torna-se imprescindível no contexto educacional a atenção à identidade da criança sob o
aspecto corporal, intelectual e psicodinâmico, contribuindo de forma consciente e eficaz
para uma progressiva conquista de autonomia por parte da criança.
Quando a criança ingressa na pré-escola, já tem uma história pessoal, já assume posturas
diferenciadas e complexas diante da realidade. É ativo, curioso, interessado em conhecer e
entender, capaz de interagir com os outros e de procurar mediações para conhecer e
modificar a realidade.
Estas atitudes básicas da criança, capacidades que ela traz consigo ao ingressar na escola,
exigem do educador uma contínua disponibilidade para dar espaço às suas perguntas,
questionamentos e formas de expressão, evitando oferecer respostas pré-maturas e
incentivando as crianças a buscar as respostas.
Para a formulação de um projeto educacional na pré-escola, é necessário considerar a sua
função básica e a visão que se tem da criança. É certo que as experiências vividas pela
criança dentro da escola são muito diversificadas e todas podem ser fonte de
desenvolvimento e conhecimento. Porém, dada a seriedade e importância do trabalho ao
qual o educador se propõe, torna-se necessária a formulação de uma proposta programática,
de indicações curriculares, evitando generalizações e casualidades nos objetivos propostos.
A pré-escola, através de uma boa proposta curricular, deve assumir de forma explicita e
coerente o seu papel educacional, articulando e orientando as atividades da escola para que
a criança seja estimulada e desafiada a construir novos conhecimentos.
A interessante indicação curricular para a pré-escola encontrada no texto da Segreteria
Nazionale del SINASCEL-CISL, parte das diversas áreas de experiência educativa da
criança como percursos metodológicos que oferecem às crianças boas condições de
aprendizagem.
Entende-se por área de experiência educativa, os campos do fazer e do agir da criança.
Segundo Tiziano Loschi, "dentro de cada área de experiência, acontece sempre uma
interação entre a criança que age e o ambiente que a circunda, uma interação dinâmica, com
a qual a criança dá significado às suas atividades, desenvolve aprendizagem, adquire o
instrumental lingüistico." (p.13)
As diversas áreas de experiência educativa podem ser assim divididas:
1. O corpo e o movimento: é o campo de experiência da corporeidade e da
motricidade; busca promover a tomada de consciência do valor do corpo.
2. O Discurso e as palavras: é o campo específico da capacidade comunicativa,
referente à linguagem oral e a escrita.
3. O espaço, a ordem, a medida: direge-se mais especificamente às habilidades de
agrupamento, ordenação, quantificação e medidas dos fenômenos e fatos da
realidade.
4. As coisas, o tempo, a natureza: está relacionado à exploração, descoberta e início de
sistematização dos conhecimentos sobre o mundo, a natureza, ou seja, é o campo do
conhecimento científico.
5. Mensagens, formas e mídia: considera todas as atividades inerentes à comunicação
e expressão (sonoro-musical, dramático-teatral, audio-visual)
6. Eu e o outro: neste campo encontramos todas as experiências e atividades que
estimulam a criança a compreender a necessidade de doar-se e de referir-se a
normas de comportamento e relações indispensáveis a uma convivência social
válida.
Cada área de experiência educativa apresenta sua própria ênfase educativa,
direcionamentos metodológicos diferenciados, os possíveis indicadores para uma
observação sistemática e avaliação dos diversos níveis de desenvolvimento.
As diversas áreas citadas acima, têm uma estreita interligação, sendo possível promover a
continuidade e conexão dos objetivos das atividades e dos percursos metodológicos a
seguir.
A necessidade de clareza e segurança por parte do professor, dos objetivos e atividades
propostos é de fundamental importância. Seguindo a concepção educacional deweyana,
devemos distinguir as experiências que são genuinamente educativas, daquelas que são
experiências descuidadas, ocasionais e rotineiras. O ato de pensar começa com a
experiência e portanto, as crianças devem ser colocadas diante de ‘problemas’, de situações
que as levem a tentar fazer alguma coisa. (Cunha, 1994)
As conseqüências práticas dessa abordagem são muitas no dia-a-dia escolar. Importa-nos
porém, notar que mesmo dentro de uma proposta que visa a coerência pedagógica e a
eficácia do ensino, é fundamental abrir um espaço específico para a chamada Educação
para o Pensar. A pergunta crucial é feita por grande parte dos educadores: "Como fazer
pensar?"
Loschi afirma que o desenvolvimento lingüístico da criança é favorecido em primeiro
lugar, pela conversação regulada pelo adulto e pela interação com as outras crianças.
COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO E PRÉ-ESCOLA
Queremos que as crianças pensem, ajam de maneira ética, levem em conta os outros,
tenham competência cognitiva, se expressem bem mas queremos também que sejam
criativas, solidárias e investigativas, além de emotivas e afetuosas.
Bertrand Russell, em Os Problemas da Filosofia, diz que a filosofia "se não pode responder
tantas questões quanto poderíamos desejar, tem ao menos o poder de fazer as perguntas que
aumentam o interesse do mundo, e mostram a estranheza e o maravilhamento que pairam
logo abaixo da superfície mesmo das coisas mais comuns da vida cotidiana."
O trabalho da Comunidade de Investigação não é desprovido de emoções, mas sua
especificidade é a racionalidade. Esse trabalho porém, não acontece de maneira isolada. No
desenrolar de um (ou muitos) anos de trabalho em Comunidade de Investigação as pessoas,
sejam crianças ou adultos, desenvolvem habilidades de caráter ético, afetivo, criativo, e
cognitivo. Dr. Lipman tem afirmado que o pensamento tem três dimensões: o pensar
crítico, o pensar criativo e o pensar atencioso (caring thinking).
Na faixa etária da pré-escola a criança ainda está desenvolvendo o uso da linguagem. Usar
a linguagem implica ser capaz de entender mensagens e ser capaz de comunicar mensagens.
Existem muitas formas de linguagem não verbal que utilizamos todos os dias como, por
exemplo, a linguagem corporal ou dos gestos.
O aperfeiçoamento da linguagem verbal é uma das funções da escola. Na pré-escola isso
implica ajudar a criança a dominar a linguagem oral e ajudá-la a encaminhar-se para a
aprendizagem da linguagem escrita. Cada uma destas tem que ser dominada tanto na forma
da compreensão quanto na forma da expressão. É preciso, então, que se cuide de quatro
aspectos: ao final da alfabetização (que nem sempre precisa ocorrer durante a fase pré-
escolar) a criança deve ser capaz de ler (e entender o que leu), escrever (o que pretendia e
não apenas qualquer coisa), entender o que é dito por outros (colegas, professores, locutores
de televisão, propagandas) e ser capaz de dizer o que tem vontade de modo a que os outros
possam entender o que ela de fato quer comunicar e não algo diferente do que ela pretendia
dizer.
No que diz respeito a entender a comunicação dos outros, não basta a criança entender
quais foram as palavras utilizadas. É necessário que ela entenda o significado do que está
sendo dito. Essa não é uma tarefa fácil, principalmente para crianças. Muitas palavras são
desconhecidas, muitas situações expressas são novas e muitas palavras são ambíguas e nem
sempre é imediato saber qual dos significados está sendo considerado.
Quanto antes as crianças forem chamadas a ler e ouvir com a necessária atenção, mais cedo
poderão comunicar-se com competência o que, além de efeitos cognitivos positivos gera
também benefícios afetivos. Comunicar-se eficazmente é mais fácil, mais produtivo e mais
agradável.
A comunidade de investigação é o lugar onde as crianças, em conjunto, podem discutir e
encontrar ajuda para tentar entender como funciona o uso da linguagem. Ao dialogar com
os colegas sobre temas de seu interesse, e sob os cuidados de um professor especialmente
habilitado, os alunos irão aprender a falar com mais cuidado e a pedir que os colegas que
não estão fazendo isso o façam. A transferência para a linguagem escrita (quando as
crianças a tiverem) acontece naturalmente.
Além dos significados das palavras e da linguagem em geral, as crianças de 5 a 7 anos
também estão tentando entender o significado de suas experiências e de sua existência. É
mais fácil mover-se e agir num mundo que compreendemos do que num mundo que nos
pareça alheio (comandado por ou pertencente a outros) ou aleatório (sem nada nem
ninguém que o regule). Quem não entende as relações existentes entre os diversos
elementos do mundo não consegue perceber as significações e motivos que levam a
realidade a ser como ela é. Na Comunidade de Investigação vai-se a fundo para entender as
relações, descobrindo-a s por meio do diálogo dos participantes, e não, ouvindo o professor
ensinar sobre elas. A criança que percebe na Comunidade de Investigação que o mundo tem
escondidas muitas relações que ajudam a compreendê-lo e que, no trabalho de classe, tenha
se sentido capaz de desvendar estas relações, não deixará de procurá-las na sua busca de
compreensão dos muitos significados que a realidade comporta.
A criança de 5 a 7 anos observa muitas coisas, entende algumas, pergunta a respeito de
diversas. A escola deve ajudá-la a procurar as melhores respostas possíveis ao seu nível de
compreensão. Mas há questões com as quais as crianças se intrigam ou se deslumbram que
(geralmente) não fazem parte do currículo e não são simples. Por exemplo, Existe alguma
situação em que é certo contar uma mentira? ou, Se alguém contar um segredo para outra
pessoa, deixa de ser segredo? ou, O que é família? ou, Quando uma pessoa corta o cabelo
ela deixa de ser ela? Muitas destas questões não simples são questões filosóficas, que não
têm resposta única. São temas que causam perplexidade às crianças e que devem ser
investigados em busca da melhor resposta que elas puderem alcançar. Respostas de adultos
que encerrem o assunto em vez de expandi-lo não fazem nada pelo pensar e pela
capacidade de investigar natural e tão presente nesta faixa etária. Aliás, se esta curiosidade,
perplexidade e deslumbramento da criança pequena não forem tratados com respeito e
seriedade, muito depressa deixarão de ser manifestados. Primeiro a criança deixará de falar
o que a intriga e depois deixará de ocupar-se de observar o mundo e de tentar perceber o
que não parece simples de entender e se questionar a respeito disso.
Num mundo tão variado e maravilhoso como é o nosso, parece necessário que a pré-escola
cuide para que a criança tenha um espaço seguro onde possa expressar e discutir as
perplexidades que encontra. Isso não quer dizer que a Comunidade de Investigação deva ser
um espaço onde impere o espontaneísmo. Uma Educação para o Pensar deve trabalhar de
forma bastante organizada. As questões que a classe discute são as levantadas pelas
crianças a partir de um texto (que pode ser lido pelas crianças ou pelo professor, ou talvez
representado). Além das discussões das questões, algumas habilidades presentes no texto
são trabalhadas, registros são feitos, assim como brincadeiras e atividades pertinentes aos
conteúdos abordados. Passa-se, então, à leitura do episódio ou capítulo seguinte. Temas
intrigantes e instigantes devem estar espalhados como iscas em textos especialmente
concebidos para este fim. Mesmo que algumas iscas não sejam fisgadas pelas crianças
como sendo de seu interesse, outras serão, e as primeiras provavelmente reaparecerão em
textos futuros e poderão ser fisgadas.
A preocupação não deveria ser discutir esse ou aquele tema, mas sim, discutir de maneira
aberta os temas que surgirem na classe a partir do texto. Não é tema da Comunidade de
Investigação se uma aluna da classe estava certa ou errada ao pegar um objeto de um colega
sem pedir permissão mas, se o texto assim sugerir, as crianças podem tentar estabelecer se e
em quais condições seria correto alguém pegar algo de outra pessoa sem pedir permissão.
Histórias pessoais e fatos da realidade entram na discussão como exemplos, mas não são
objeto de investigação por parte da Comunidade de Investigação. Isso deve ser feito por
outra instância, num momento que não seja o reservado para o trabalho, derivado do texto,
da Comunidade de Investigação.
A Comunidade de Investigação não é a ‘roda’ presente em muitas escolas e sua função não
é nem ser doutrinária, nem moralista, nem terapêutica ou disciplinadora. Na ‘roda’ os
alunos também falam mas, geralmente é sobre qualquer coisa que queiram comunicar,
como o presente que ganharam, o passeio que farão ou a briga com algum colega. Na
Comunidade de Investigação a pauta é determinada pelo grupo, mas o contexto está dado
pelos temas sugeridos num texto e implica, necessariamente, uma discussão das questões
levantadas. Na Comunidade de Investigação há diálogo, enquanto na ‘roda’ há uma
conversa espontânea, muitas vezes parecida com uma contação de casos. Como as crianças
podem falar o que querem, as outras nem sempre se preocupam em ouvir e a troca se faz na
direção aluno-professor-aluno, outro aluno-professor-outro aluno, outro aluno-professor-
outro aluno e assim por diante.
Para que uma conversa possa ser considerada diálogo Splitter e Sharp apontam condições
necessárias:
• A conversa ser estruturada, enfocada num tópico ou questão problemática ou
contestável.
• A conversa ser auto-regulada ou auto-corretiva. Os participantes devem estar
preparados tanto para questionar as visões e razões apresentadas pelos outros,
quanto para reelaborar as próprias posições, em vista de questões ou contra-
exemplos que o grupo apresente.
• A conversa ter o que os autores chamam de estrutura igualitária. Os participantes
devem mostrar no discurso que, com relação a alcançar os objetivos do diálogo,
valorizam igualmente a si mesmos e aos colegas, independente da posição de cada
um em relação a um ponto de vista particular.
• A conversação ser guiada pelos interesses mútuos de seus membros. Numa
Comunidade de Investigação os participantes (dos quais o professor é um) devem
estabelecer a pauta e determinar os procedimentos para lidar com os assuntos a ser
tratados.
Uma decorrência do trabalho em Comunidade de Investigação é que as crianças, com o
tempo, se tornam mais envolvidas com os colegas e, com o que acontece na classe e no
mundo em geral. Elas também se tornam mais capazes de perceber quais tipos de pergunta
geram uma discussão interessante e quais não levam a (quase) nada. Depois de um ano de
trabalho consistente e constante na Comunidade de Investigação, os alunos
individualmente, e a classe enquanto grupo, terão uma qualidade cognitiva e afetiva
diferente de classes equivalentes que não tenham trabalhado na Comunidade de
Investigação.
Na Comunidade de Investigação há duas preocupações: com as questões levantadas e com
a necessidade de as crianças (ou adultos) darem razões para o que afirmam. Ao se envolver
no diálogo aqui proposto, logo, os participantes (inclusive crianças) percebem que dar
razões não é suficiente. É necessário que estas razões sejam boas razões. Para saber o que
conta como uma boa razão é necessário verificar o contexto e examinar muitos pontos de
vista e possibilidades. Ao entrar na pré-escola as crianças já são capazes de distinguir boas
e más razões, mas é preciso que se dê a elas a oportunidade de fazê-lo. É importante
salientar que boas razões não são sempre as que o adulto imagina. Aos 5 anos as crianças
sabem justificar se algo é, ou não, uma boa razão para afirmar, por exemplo, que elefantes
podem voar. Também são capazes de justificar as boas razões que nos levam a dar
presentes e cantar Parabéns a você no dia do aniversário de alguém.
Se acreditamos que as crianças se tornarão mais capazes de cooperar sabendo que há boas
razões e razões injustificadas e se queremos que elas sejam capazes de distinguir umas das
outras, então é preciso que tenham a oportunidade, tão cedo quanto possível, de exercitar
esta distinção, e de perceber que ao avaliarmos razões utilizamos critérios e , dependendo
do critério, uma razão pode ser considerada melhor ou pior. Quando, ao vesti-lo, a mãe
explica ao filho pequeno que é preciso colocar casaco porque está fazendo frio ela está
dando a ele a razão pela qual ele deve vestir o casaco. O critério utilizado é a temperatura
ambiente.
Na Introdução do Manual Instrucional de Elfie Dr.Lipman afirma: "Antes mesmo de
entrarmos na escola, aprendemos que, independente de quão satisfatórios nos pareçam, os
nossos atos e as nossas opiniões são muitas vezes considerados questionáveis pelas outras
pessoas. Nesse período estamos no processo de aprender que temos de fazer mais do que
meramente explicar o que dissemos e fizemos: temos de justificar nossas façanhas e
comentários questionáveis. Não apenas dizer qual foi a causa de eu fazer isso, mas qual era
meu propósito ao fazê-lo. Não apenas como cheguei a ter uma certa opinião, mas qual é
minha razão para continuar a mantê-la. Não apenas as condições que me compeliram a
fazer um juízo, mas quais os critérios que me guiaram ao fazê-lo."
No primeiro capítulo do Thinking Together, Philip Cam escreve que existem atividades que
fazemos melhor se pensamos ao fazê-las e existem outras que fazemos melhor se não
pensamos ao fazê-las. As primeiras são as práticas reflexivas. As pessoas devem executar
bem os dois tipos de atividade: acertar a grafia das palavras sem pensar muito para escrever
corretamente é bom , mas agir sem pensar nas conseqüências não é. A conduta sábia
examina as possibilidades antes de agir. Já as pessoas que não estão acostumadas a
examinar mais de um ponto de vista são pensadores dogmáticos, não imaginativos e
inflexíveis. Para que os alunos possam tornar-se inteligentes em seu pensamento e
arrazoados em suas ações, a escola deve trabalhar os dois tipos de habilidade em sala de
aula, as habilidades rotineiras e as reflexivas.
Numa Educação para o Pensar os textos, inclusive os destinados à pré-escola, devem ser
construídos de modo a que diversas habilidades cognitivas e de raciocínio apareçam, dando
ao professor e às crianças a oportunidade de as exercitar. Elas são ferramentas básicas
empregadas nas investigações filosóficas ao se realizar os procedimentos básicos do
pensamento reflexivo.
Entre estes procedimentos destacamos:
• formular perguntas adequadas
• fazer distinções úteis
• deduzir inferências relevantes
• investigar pressuposições questionáveis
• procurar conseqüências significativas
• explorar possibilidades
• procurar alternativas melhores
• dar e pedir razões
• fazer juízos abalizados
Entre as ferramentas básicas destacamos:
• explorar limites conceituais
• descobrir critérios
• desvendar conexões lógicas
• definir termos
• classificar objetos
• identificar relações lógicas
• deduzir inferências
• analisar afirmações condicionais
• construir analogias
Quando estas ferramentas são apresentadas sem seus nomes técnicos e aplicadas a situações
de fácil compreensão, as crianças de 5 a 7 anos são capazes de as utilizar e realizar os
procedimentos básicos para investigar a fundo uma questão de seu interesse. A função do
professor é muito importante pois se a proposta completa do trabalho não estiver clara para
ele, não será possível que coordene bem o trabalho das crianças. Alguns nomes técnicos
podem aos poucos ser introduzidos, quando a habilidade for de domínio dos alunos.
Quando as crianças aprendem, por exemplo, a procurar conseqüências significativas na aula
de Filosofia, elas transferem essa aprendizagem para os outros campos de sua vida e a
incorporam como hábito. O mesmo ocorre com os outros procedimentos e com as
ferramentas do bem pensar.
Para que o trabalho tenha resultados significativos é necessário haver constância e
regularidade. De pouco adianta as crianças de 5 a 7 anos ocuparem-se deliberadamente do
pensar, tanto enquanto exploração das idéias quanto exercício das habilidades, durante meia
hora por semana, quando não houver feriado ou passeio no dia reservado para a aula de
filosofia. Esse tempo é muito exíguo. Três ou quatro períodos semanais, de meia hora ou
quarenta minutos cada, devem ser reservados para a Filosofia. Na pré-escola, mais que no
primeiro grau, há possibilidade de um horário flexível. Levando em conta os ganhos que se
adquirem nestas aulas e que se transferem para as outras (que se tornam mais ricas e
proveitosas), é possível ver que é recuperado o tempo que parece ter sido roubado das
outras disciplinas e atividades. Na realidade, a diminuição da quantidade reflete-se, a médio
e longo prazo, em ganho real de qualidade, não só na vida escolar da criança como também
na vida extra-escolar que, afinal de contas, é uma das razões da escola existir.
Geralmente na pré-escola o mesmo professor acompanha a classe em todas as atividades.
Isso facilita para que sempre que ganchos com outras disciplinas surjam, eles sejam
agarrados e sejam estabelecidas as relações com a aula de filosofia, com o investigar, com
as disposições investigativas e com as habilidades cognitivas e de raciocínio trabalhadas.
As crianças descobrem que podem aprender muito umas das outras, pedem a ajuda dos
colegas quando necessário e o professor passa a ser um coordenador em vez de ser o único
responsável pela aprendizagem do grupo sob seus cuidados.
Outra vantagem de se trabalhar a investigação filosófica na pré-escola é que ela propicia a
interdisciplinaridade de forma natural. O que é discutido numa aula na Comunidade de
Investigação é (ou pode ser) o conteúdo específico de outra área do saber. A profusão de
temas nos textos especialmente escritos para esse fim é grande. São possíveis relações com
as áreas de Ciências, Linguagem, Matemática, Estudos Sociais, Artes e Educação Física.
O trabalho de Educação para o Pensar, realizado com textos especialmente construídos para
esse fim, e feito na forma da Comunidade de Investigação, quando constante e bem
coordenado, propicia aos participantes do grupo (inclusive o professor) verdadeiro prazer
intelectual e afetivo, daqueles que deixam suas marcas ‘para sempre’. Por este motivo, além
de todos os outros acima apresentados, afirmamos que quanto antes for a ‘primeira vez’
mais oportunidades (na escola e fora dela) os alunos terão de desfrutar este prazer. Alunos
que tenham vivenciado a alegria de participar de uma verdadeira Comunidade de
Investigação na pré-escola irão demandar que ela continue existindo no primeiro grau.
Professores que vivenciem uma verdadeira Comunidade de Investigação com seus alunos
relutarão em trabalhar apenas nos velhos moldes.
Splitter e Sharp dizem: "De uma perspectiva mais ampla, a inabilidade - acoplada a uma
falta de desejo - para envolver-se numa conversação séria é um traço das sociedades no
mundo todo (mais em algumas do que em outras), e é dramática demais para sugerir que
muito do conflito no qual o mundo hoje se encontra poderia ter sido evitado, e quase
certamente poderia ser resolvido, se os principais envolvidos fossem capazes e estivessem
inclinados a se engajar em diálogo uns com os outros."
Para a Educação para o Pensar, 5 a 7 anos não é cedo demais para começar a trabalhar na
Comuinidade de Investigação. As crianças são capazes de se envolver em discussões
coerentes, aprofundadas (ao nível delas, não de um grupo de adultos) e devem ser
estimuladas a buscar, no espaço da Comunidade de Investigação, a razoabilidade tão
necessária para a vida de hoje e de amanhã. O verdadeiro diálogo não existe sem ela e, sem
a perspectiva da possibilidade de diálogo efetivo fica difícil imaginar um futuro melhor. E
nós não desistimos do futuro melhor.
Bibliografia:
Borghi, Quinto, Le cose, il tempo e la natura. Bologna, Nicola Milano Editore, 1993
Cam, Philip, Thinking Together; Philosophical Inquiry for the Classroom. Sydney, Primary
English Teacher Association and Hale & Iremonger, 1995.
Cunha, Marcus Vinícius da, John Dewey - Uma filosofia para educadores em sala de aula.
Petrópolis, Editora Vozes, 1994
Lipman, Matthew, O Pensar na Educação. trad. de Ann Mary Fighiera Perpétuo.
Petrópolis, Vozes, 1995
Lipman, Matthew; Sharp, Ann M. e Oscanyan, Frederick S.. Filosofia na Sala de Aula,
trad. de Ana Luiza Fernandes Falcone. São Paulo, Nova Alexandria, 1994.
Lipman, Matthew; Gazzard, Ann, Getting Our Thoughts Togother; Instructional Manual to
Accompany Elfie. Upper Montclair, IAPC, 1988.
Loschi, Tiziano, I discorsi e le parole. Bologna, Nicola Milano Editore, 1994
Mandel, Sylvia; Reed, Ronald, Rebeca: Manual de Instruções. (trad. da autora) São Paulo,
Difusão de Educação e Cultura, Filosofia para Crianças, 1996.
Matthews, Gareth, Phylosophy and the Young Child. Cambridge, Harvard University Press,
1980
Rego, Teresa Cristina, Vygotosky - Uma perpectiva histórico - cultural da educação.
Petrópolis, Editora Vozes, 1995
Sharp, Ann M., Algumas pressuposições da Noção "Comunidade de Investigação" , A
Comunidade de Investigação e o Raciocínio Crítico, Coleção Pensar, São Paulo, CBFC,
p.5-15, 1995.
Splitter, Laurance; Sharp, Ann M., Teaching for Better Thinking; The Classroom
Community of Inquiry, Melbourne, ACER, 1995.
SINASCEL-CISL, I nuovi orientamenti per la scuola materna, 1991
EDUCAÇÃO: UMA JORNADA FILOSÓFICA
Ann Margaret Sharp
Construir comunidades de investigação nas salas de aula.
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação
Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação

Contenu connexe

Similaire à Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação

Teologia da educação cristã
Teologia da educação cristã  Teologia da educação cristã
Teologia da educação cristã Jose Ventura
 
Pedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomiaPedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomiaGenario Sousa
 
Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032Taís Rubinho
 
Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032Taís Rubinho
 
Apostila como contar historias
Apostila como contar historiasApostila como contar historias
Apostila como contar historiasAlice Lirio
 
Filosofiaespirita1 (1)
Filosofiaespirita1 (1)Filosofiaespirita1 (1)
Filosofiaespirita1 (1)Alice Lirio
 
Unidade i tópicos discutidos com exemplos na prática.
Unidade  i     tópicos discutidos com exemplos na prática.Unidade  i     tópicos discutidos com exemplos na prática.
Unidade i tópicos discutidos com exemplos na prática.Marta Carolina Santos
 
Comportamento assertivo
Comportamento assertivoComportamento assertivo
Comportamento assertivompastana
 
A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...
A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...
A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...Ateliê Giramundo
 
Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...
Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...
Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...compartilhamos
 
Práticas performáticas nas relações educativas
Práticas performáticas nas relações educativasPráticas performáticas nas relações educativas
Práticas performáticas nas relações educativaseduviecorr
 
Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01
Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01
Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01Jhosyrene Oliveira
 
Monte suas próprias aulas (1)
Monte suas próprias aulas (1)Monte suas próprias aulas (1)
Monte suas próprias aulas (1)Alice Lirio
 

Similaire à Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação (20)

Testemunhas de jeova relatorio final praticas sociais
Testemunhas de jeova    relatorio final praticas sociaisTestemunhas de jeova    relatorio final praticas sociais
Testemunhas de jeova relatorio final praticas sociais
 
Teologia da educação cristã
Teologia da educação cristã  Teologia da educação cristã
Teologia da educação cristã
 
Pedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomiaPedagogia da autonomia
Pedagogia da autonomia
 
Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032
 
Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032Pedagogiadaautonomia 160227202032
Pedagogiadaautonomia 160227202032
 
14484 71346-1-pb (3)
14484 71346-1-pb (3)14484 71346-1-pb (3)
14484 71346-1-pb (3)
 
Apostila como contar historias
Apostila como contar historiasApostila como contar historias
Apostila como contar historias
 
Filosofiaespirita1 (1)
Filosofiaespirita1 (1)Filosofiaespirita1 (1)
Filosofiaespirita1 (1)
 
Unidade i tópicos discutidos com exemplos na prática.
Unidade  i     tópicos discutidos com exemplos na prática.Unidade  i     tópicos discutidos com exemplos na prática.
Unidade i tópicos discutidos com exemplos na prática.
 
Comportamento assertivo
Comportamento assertivoComportamento assertivo
Comportamento assertivo
 
Andragogia
AndragogiaAndragogia
Andragogia
 
Comportamento humano assertivo
Comportamento humano assertivoComportamento humano assertivo
Comportamento humano assertivo
 
Jornal Corujinha n.72 | 2º semestre 2013
Jornal Corujinha n.72 | 2º semestre 2013Jornal Corujinha n.72 | 2º semestre 2013
Jornal Corujinha n.72 | 2º semestre 2013
 
A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...
A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...
A crianca magica - A redescoberta da imaginação na natureza das crianças - Jo...
 
Professor Pesquisador
Professor PesquisadorProfessor Pesquisador
Professor Pesquisador
 
Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...
Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...
Compartilhamos filosofia com crianças uma possibilidade para o pensamento tra...
 
A Construção da Igualdade
A Construção da IgualdadeA Construção da Igualdade
A Construção da Igualdade
 
Práticas performáticas nas relações educativas
Práticas performáticas nas relações educativasPráticas performáticas nas relações educativas
Práticas performáticas nas relações educativas
 
Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01
Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01
Resumodasleiturasprovaofaseefetivos 130818165310-phpapp01
 
Monte suas próprias aulas (1)
Monte suas próprias aulas (1)Monte suas próprias aulas (1)
Monte suas próprias aulas (1)
 

Dernier

PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfPROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfHELENO FAVACHO
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfprofesfrancleite
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéisines09cachapa
 
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSOLeloIurk1
 
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?AnabelaGuerreiro7
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelGilber Rubim Rangel
 
3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdf
3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdf3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdf
3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdfBlendaLima1
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdfLeloIurk1
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfLeloIurk1
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números Mary Alvarenga
 
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Estudar, para quê?  Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2Estudar, para quê?  Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2Maria Teresa Thomaz
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇJaineCarolaineLima
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)ElliotFerreira
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Ilda Bicacro
 
Araribá slides 9ano.pdf para os alunos do medio
Araribá slides 9ano.pdf para os alunos do medioAraribá slides 9ano.pdf para os alunos do medio
Araribá slides 9ano.pdf para os alunos do medioDomingasMariaRomao
 
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdfLeloIurk1
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.Mary Alvarenga
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxferreirapriscilla84
 
BNCC Geografia.docx objeto de conhecimento
BNCC Geografia.docx objeto de conhecimentoBNCC Geografia.docx objeto de conhecimento
BNCC Geografia.docx objeto de conhecimentoGentil Eronides
 

Dernier (20)

PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdfPROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
PROJETO DE EXTENSÃO - EDUCAÇÃO FÍSICA BACHARELADO.pdf
 
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdfPRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
PRÉDIOS HISTÓRICOS DE ASSARÉ Prof. Francisco Leite.pdf
 
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de HotéisAbout Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
About Vila Galé- Cadeia Empresarial de Hotéis
 
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
2° ANO - ENSINO FUNDAMENTAL ENSINO RELIGIOSO
 
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
Urso Castanho, Urso Castanho, o que vês aqui?
 
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim RangelDicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
Dicionário de Genealogia, autor Gilber Rubim Rangel
 
3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdf
3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdf3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdf
3-Livro-Festa-no-céu-Angela-Lago.pdf-·-versão-1.pdf
 
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
5 bloco 7 ano - Ensino Relogioso- Lideres Religiosos _ Passei Direto.pdf
 
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdfENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
ENSINO RELIGIOSO 7º ANO INOVE NA ESCOLA.pdf
 
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIXAula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
Aula sobre o Imperialismo Europeu no século XIX
 
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números CRUZADINHA   -   Leitura e escrita dos números
CRUZADINHA - Leitura e escrita dos números
 
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Estudar, para quê?  Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2Estudar, para quê?  Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
Estudar, para quê? Ciência, para quê? Parte 1 e Parte 2
 
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
ATIVIDADE - CHARGE.pptxDFGHJKLÇ~ÇLJHUFTDRSEDFGJHKLÇ
 
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)Análise poema país de abril (Mauel alegre)
Análise poema país de abril (Mauel alegre)
 
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
Rota das Ribeiras Camp, Projeto Nós Propomos!
 
Araribá slides 9ano.pdf para os alunos do medio
Araribá slides 9ano.pdf para os alunos do medioAraribá slides 9ano.pdf para os alunos do medio
Araribá slides 9ano.pdf para os alunos do medio
 
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
421243121-Apostila-Ensino-Religioso-Do-1-ao-5-ano.pdf
 
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.Atividade -  Letra da música Esperando na Janela.
Atividade - Letra da música Esperando na Janela.
 
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptxDiscurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
Discurso Direto, Indireto e Indireto Livre.pptx
 
BNCC Geografia.docx objeto de conhecimento
BNCC Geografia.docx objeto de conhecimentoBNCC Geografia.docx objeto de conhecimento
BNCC Geografia.docx objeto de conhecimento
 

Filosofia para Crianças e Comunidades de Investigação

  • 1.
  • 2. Filosofia para Crianças Artigos de filósofos e teóricos da Educação, dirigidos a professores e educadores, que apontam para uma nova perspectiva educacional voltada para o desenvolvimento do pensar. A Coleção Pensar, desenvolvida pelo Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, reúne artigos de filósofos e teóricos da Educação, dirigidos a professores e educadores. Os textos apresentados apontam para uma nova perspectiva de enfoque educacional, voltada para o desenvolvimento do pensar. VOLUME 1 - A Comunidade de Investigação e o Raciocínio Crítico ALGUMAS PRESSUPOSIÇÕES DA NOÇÃO "COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO" Ann Margaret Sharp Algum tempo atrás, visitei um treinamento residencial de instrução para professores de Filosofia para Crianças, dirigido por dois orientadores do Institute for the Advancement of Philosophy for Children. Logo que cheguei, um dos participantes me disse achar que, como um grupo, tinham atingido o objetivo: eles agora eram uma verdadeira comunidade de investigação. - Deu trabalho,- disse ela - mas chegamos lá. Eles estavam reunidos há sete dias. Lembro-me claramente que naquele momento senti uma pontada de desgosto, não com a pessoa, mas com o que ela disse. No entanto, não falei nada. Mais tarde, ao refletir, perguntei a mim mesma porque havia sentido aquilo. Por que havia tido aquela reação tão forte? Eu mesma havia dito àqueles professores, no livro Filosofia na Sala de Aula, que um dos principais objetivos de fazer filosofia com crianças no 1º grau era, justamente, transformar as salas de aula em comunidades de investigação. Além disso, eu mesma afirmei que tal meta não seria atingida a não ser que os próprios professores vivenciassem o que seria participar de tal comunidade. - Talvez,- pensei - justamente porque você não está realmente certa do que seja uma comunidade de investigação é que se sente tão mal quando um professor lhe devolve suas próprias palavras nesse tom de satisfação. Talvez, experimente uma pontada de dor porque suspeita que foi você mesma a responsável por sua própria desilusão. Então, me lembrei de algo mais. Um longo poema que havia escrito em 1980 e que contava a história de uma garota chamada Mieke. Na realidade era uma história sobre investigação e, no final, Mieke, já na meia idade, diz:
  • 3. Hoje, eu anseio, exatamente como meu avô fazia, pela liberação intelectual de todas as crianças, e pelo reconhecimento de seus direitos à investigação. Também anseio, como ele ansiava, por educação de qualidade para todas as crianças. Se elas soubessem lidar com as ferramentas da investigação e do diálogo, poderiam efetuar sua própria liberação intelectual. Uma liberação que é pré-requisito para a reforma econômica, política e social. A educação dialógica, imbuída de investigação, tem que começar bem cedo, quando as crianças estão nos primeiros anos escolares. E precisa ser reforçada, ano após ano, por professores que compreendem as crianças e a investigação, e respeitam as idéias das crianças. Esses professores devem ajudar as crianças a pensar criticamente, de um modo aberto ainda que rigoroso, construindo sobre as idéias umas das outras, enquanto vivem a vida da investigação. À medida que o processo continua, ano após ano, o enfoque deve sempre ser no aperfeiçoamento da própria investigação, na sua relação com os problemas em discussão. É esta educação, e somente esse tipo de educação, que capacita as crianças a pensarem por si mesmas de uma maneira objetiva, consistente e abrangente. Só tenho 49 anos. Ainda tenho tempo para ensinar às crianças. Agora, quando eu a vejo, reconheço o que é uma comunidade de investigação. E, estou ficando cada vez melhor em ajudar crianças a transformarem as salas de aula em tais comunidades. Mas me seria difícil especificar todas as suas características. É algo que se vive, ano após ano, de modo que, após um tempo, se torna parte do seu sangue. E se pode tornar isso, uma realidade para as crianças. (1) Talvez vivamos certas experiências que sabemos serem genuínas e as reconhecemos como tal quando as vivenciamos, embora não possamos descrevê-las ou explicá-las com palavras. Hà, no entanto, algo a respeito da noção comunidade de investigação, seja ela colocada como a meta do bom ensino ou descrita como experiência vivenciada, que exige análise e esclarecimento dos critérios identificadores. Sua própria natureza exige, ao menos, uma tentativa de uma descrição cuidadosa do processo. Senão, como se saberia que a está vivenciando? Ou, como um professor saberia quando, finalmente, transformou uma classe em comunidade de investigação? É verdade que podemos identificar com precisão alguns comportamentos que indicariam que um aluno estivesse vivenciando o que é participar de uma comunidade de investigação: • aceita, com boa vontade, a correção feita pelos colegas; • é capaz de ouvir atentamente os outros; • é capaz de considerar, seriamente, as idéias dos demais; • é capaz de construir sobre as idéias dos colegas; • é capaz de desenvolver suas próprias idéias sem medo de rejeição ou de humilhação; • é aberta a novas idéias;
  • 4. • é capaz de detectar pressuposições; • demonstra preocupação com a consistência ao apresentar um ponto de vista; • faz perguntas relevantes; • verbaliza relações entre meios e fins; • mostra respeito pelas pessoas da comunidade; • mostra sensibilidade ao contexto ao discutir conduta moral; • exige que os colegas dêem suas razões; • discute questões com objetividade; • exige critérios. No entanto, esses comportamentos realmente não identificam precisamente os pressupostos da noção comunidade de investigação. É possível que o processo da educação, por si só, não nos ensine nada além do que já sabemos. Porém, a educação deveria nos ajudar a esclarecer o que sabemos, nos ajudar a fazer melhores distinções, a reconhecer pressuposições subjacentes, a distinguir entre boas e más razões, a pensar de modo mais coerente e abrangente, a criticar tanto as nossas próprias metas como as dos outros e a criticar nossos próprios pensamentos assim como os dos outros. A educação deveria nos ajudar a ser mais objetivos em nossa investigação. Embora seja possível que a racionalidade possa não nos levar à certeza, acho que quase todos nós concordaríamos que os seres humanos elaboraram conceitos de natureza cognitiva que ajudaram as civilizações a abandonarem a condição de bárbaras. Não é verdade que estaríamos melhor sem a lógica, sem uma mente aberta, sem a disposição de aceitar críticas, sem a disposição de submeter nossas hipóteses à uma análise, sem a disposição de considerar as razões, mesmo que, ao dialogar, talvez, só cheguemos perto de tais traços. Seríamos muito piores sem a imparcialidade, a coerência e a razão, embora as utilizemos de modo imperfeito. Quando nos aproximamos desses traços intelectuais, não só começamos a entender melhor as pessoas e o mundo em que vivemos, mas também nos aproximamos do auto-conhecimento. Nós nos educamos. A teoria da relatividade mudou o nosso modo de pensar sobre as coisas, incluíndo o próprio processo da educação. Certamente tem a ver com o que pensamos a respeito da matéria, do espaço e do tempo. Mas também influencia significativamente o que pensamos sobre certeza e verdade(2) . Atualmente, muitos filósofos diriam que não existe uma certeza essencial. Outros diriam que em relação à verdade, o melhor que podemos conseguir são asserções garantidas que estão sempre sujeitas a revisão. Mas será que isso condena as comunidades de investigação ao relativismo, no qual não existe maneira pela qual se posa decidir entre teorias ou visões de mundo conflitantes? Não! A participação numa comunidade de investigação permite aos alunos perceberem os pontos de vista dos outros e os levarem em conta ao construirem sua própria visào de mundo. O diálogo permanece sempre aberto. Podemos educar os nossos alunos para identificarem um conceito produtivo de racionalidade, para terem um conceito mais sensato de como viver bem, e para desenvolverem uma tolerância mais estudada da diversidade de modos de entender o mundo em que vivemos. Isso porém só pode ocorrer se os levarmos, desde cedo, a participar de uma comunidade de investigação comprometida com o princípio da auto- correção e a dialogar dentro da tradição filosófica que os seres humanos elaboraram até hoje. Esse diálogo não só é caracterizado pela comunidade, mas também pela responsabilidade e pelo comprometimento individual.
  • 5. Pode parecer paradoxal, mas a mente da criança e do jovem tanto é educada como educável. Quando um filósofo perguntou a um grupo de crianças qual era a diferença entre esperar e desejar, uma delas respondeu: - Até o dia do Natal podemos esperar e desejar um determinado presente. Após abrir os presentes, podemos apenas desejar que tivesse sido alguma outra coisa, mas a esperança acabou. O mesmo filósofo perguntou a outro grupo de crianças o que seria mais precioso para elas: as fotos tiradas durante as férias na praia ou as lembranças que elas tivessem das férias. Uma das crianças disse: - Minhas lembranças, porque jamais serão destruídas. Ao discutir os direitos dos seres humanos e dos animais, outra criança, na Inglaterra, disse que do ponto de vista religioso, achava que moralmente era mais errado matar um animal. Os seres humanos tinham a oportunidade de viver uma outra vida, mas o animal não. É através do falar com outras pessoas que nos tornamos pessoas. É através do falar com os outros que o mundo é trazido à realidade. Stº Agostinho nos diz nas Confissões: "...e assim, aprendi não daqueles que ensinavam, mas daqueles que falavam comigo." A linguagem e o pensar são atividades que se sobrepõem. Contar nossas idéias aos colegas de classe é criar e expressar nosso próprio pensar e, de certo modo, criar a nós mesmos. Além disso, como Collingwood salienta, "a experiência do falar é também uma experiência do ouvir."(3) Ao falar com os outros, o implícito se torna explícito, e é assim que conhecemos melhor o que antes só conhecíamos de modo confuso. É desse modo que nos educamos. Quando uma criança participa de uma comunidade de investigação na sala de aula ela é colocada em uma situação muito estranha. Quando se pode compreender o que um colega está dizendo, pode-se atribuir a essa pessoa as idéias que as palavras provocaram em nós. Isso implica tratar as palavras como se fossem nossas, reconstruindo-as de modo que façam sentido para nós. E isso é essencial para responder apropriadamente. Se o nosso mundo é tanto feito como encontrado, (e eu acho que é) então, segue-se que, vir a saber, para a criança, é um processo tanto de refazê-lo quanto de se referir ao que já existe. Como desde o nascimento, cada pessoa está cercada por outras pessoas, os seres humanos se tornam conscientes de si como pessoas e de suas próprias idéias, à medida que se tornam conscientes dos outros. Compreender outra pessoa é mostrar (enquanto ouvinte) que você pode atribuir corretamene uma idéia à outra pessoa como orador. Não adquirimos uma linguagem e depois a colocamos em uso. Possuí-la é usá-la e, no uso, nos tornamos pessoas em relação ao outro. A descoberta de mim mesma como pessoa é também a descoberta das outras pessoas à minha volta.(4) Os outros oradores e ouvintes se tornam as fronteiras do eu. Assim, falar com outros é formar uma comunidade de discurso, uma fusão de pelo menos duas pessoas, suas idéias, seus sentimentos e suas imaginações. À medida que as crianças, no 1º grau, começam a dominar a arte de falar dialogicamente entre si (ao invés de sempre com o professor) o discurso deveria passar por vários estágios. No início, talvez pareça a um estranho que só existe o caos. As crianças têm, inicialmente, a tendência a querer falar todas ao mesmo tempo. Mas logo aprendem que, se continuam a fazer isso, não podem continuar a discutir os tópicos nos quais elas mesmas estão interessadas. Isto implica não só ouvir os outros atentamente, mas também ser capaz de
  • 6. reconstruir o que está sendo dito, de modo a poder replicar. À medida que o processo continua, a dinâmica deveria passar de um discurso professor-aluno - aluno-professor, para um discurso aluno-alunos - aluno-professor - aluno-aluno. Também deveria começar a se formar um processo de pergunta-resposta-pergunta. Questões formuladas pelo professor ou pelo aluno, originam respostas que, por sua vez, dão origem a novas questões. Questões instigam os alunos a investigar, a procurar soluções. Respostas os instigam a defender seus pontos de vista de modo consistente e compreensível. Esta apresentação dos pontos de vista, inevitavelmente, gera outras questões. Assim, a construção e a reconstrução de idéias entre os alunos podem ser vistas isoladamenta para efeito de análise mas, na realidade, são inseparáveis quando um grupo discute determinado assunto em comunidade. A comunidade de investigação deve prestar atenção especial ao erro. Os alunos podem aprender a se tornar atentos à possibilidade de erro em afirmações tidas como verdadeiras e são muito hábeis em darem contra-exemplos. O erro é a pedra de toque da verdade, e como Collingwood afirma, "apontar o erro na discussão de uma idéia é o que permite o crescimento na educação."(5) A esta altura poderíamos, com razão, perguntar se essa comunidade de eterna investigação chega a algo. Esse processo de eterna auto-correção produz alguma coisa? Existe alguma concepção verdadeira de racionalidade ou de moralidade; se tudo o que podemos fazer é nos aproximar dela no diálogo? É aqui que os pensadores diferem. Como Richard Rorty afirma em seu livro, Philosophy and the Mirror of Nature, alguns acham que tudo que temos é o próprio diálogo, o eterno processo de auto-correção continuamente sendo expresso dentro da tradição filosófica. Além disso, ele e outros acham que esse diálogo é suficiente para tornar o mundo mais razoável, mais humano, pois proporciona o uso de modos de procedimento pelos quais podemos tornar o mundo um lugar melhor para viver, um mundo mais razoável. Outros filósofos acham que o fato de podermos falar de nossas diferentes concepções como diferentes concepções da racionalidade pressupõe uma verdade absoluta. O próprio fato de podermos concordar que alguns pensadores no passado tenham sido teimosos, obsecados por uma idéia ou brilhantes em algumas coisas, mas limitados em outras, pressupõe, ao menos, que tenhamos um ideal regulador de um intelecto justo, atencioso e equilibrado. Como diz Hilary Putman, "achamos que realmente existe um porquê e um como para explicar o fato de alguns pensadores não terem alcançado o ideal". (6) A noção de uma comunidade de investigação é muito complexa. Pressupõe alguma noção de verdade que, por sua vez, pressupõe alguma noção de racionalidade que, por sua vez, pressupõe uma teoria do bem. O bem depende das concepções que possuímos a respeito de certas coisas tais como, natureza humana, sociedade, pessoas, moralidade e mesmo, universo. De fato, temos tido que revisar, repetidas vezes, nossas noções de bem, quando nosso conhecimento empírico aumenta e muda nossa visão de mundo.(7) Mas, o simples fato dos seres humanos terem mudado suas visões de mundo, pressupõe uma comunidade de investigação - uma comunidade de pessoas-em-relação, oradores e ouvintes que se comunicam entre si de modo imparcial e consistente, uma comunidade de pessoas dispostas a reconstruir o que ouvem umas das outras e submeterem seus pontos de vista ao processo auto-corretivo da investigação. Nesse ponto, talvez um professor ou um aluno pergunte, "por que ser racional? É tão complicado. Por que não fazer simplesmente o que nos ordenam, aceitar o que a maioria pensa e deixar como está? Seria muito mais fácil". A resposta mais direta que posso pensar para dar a essa pergunta é que o método racional - o
  • 7. método da investigação - é o único que ajudará os seres humanos a se tornarem pessoas completas, capazes de ações autônomas, criatividade e auto-conhecimento. É o único método que eu conheço, que pode ajudar as pessoas a preverem meios para atingir os fins que consideram significativos e valiosos. É o único método que permitirá fazer previsões e viver uma vida de auto-realização moralmente satisfatória. Por outro lado, uma vida satisfatória envolve viver a vida do próprio método, o que pressupõe racionalidade. (Eu talvez omitisse esse último comentário se estivesse falando com uma criança). A educação é um processo de crescimento na habilidade de reconstruir as próprias experiências para que se possa viver uma vida mais plena, mais feliz, qualitativamente mais rica. Entretanto, na aquisição de conhecimentos práticos (em contraste a conhecimento teórico) - isto é, conhecimentos que ajudarão a viver uma vida melhor, mais satisfatória, - não se pode deixar de reconhecer o papel da imaginação e como é importante o seu desenvolvimento nos primeiros anos da infância. Tornar-se mais racional é muito mais extenso do que lógica dedutiva que, como mostra Gilbert Harmon, é mecânico. Quando se pode raciocinar, pode-se voltar às nossas próprias premissas e verificar se são ou não verdadeiras e se são ou não as que queremos como premissas do nosso argumento. Essa habilidade envolve nossa capacidade plena de imaginar e sentir, nossa sensibilidade total. Essas características não nos são dadas no nascimento. Elas são desenvolvidas através da prática - vivendo racionalmente e imaginativamente em comunidade com os outros. Tal comunidade pressupõe respeito: respeito pelos procedimentos da investigação, respeito pelos outros enquanto pessoas, respeito pelas tradições em que o outro foi criado, respeito pelas criações dos outros. Assim, existe um componente afetivo para o desenvolvimento de uma comunidade de investigação em sala de aula que não pode ser subestimado. As crianças devem passar de uma postura de cooperação, em que obedecem as regras da investigação porque querem ser reconhecidos, para uma postura em que consideram que a investigação é um processo colaborativo. Quando elas realmente colaboram, o que importa é o nós e não apenas o sucesso pessoal. O que importa são nossas idéias, nossas conquistas, nosso progresso. Há poucos meses elas não pensavam assim, e podem estar tão surpresas quanto qualquer outra pessoa que começa a pensar em termos de nós. A transição é um processo misterioso. Há poucos meses a criança não via as coisas assim, agora ela o faz. Mas as crianças sabem que o grupo se tornou, algo muito significativo para elas: as alegrias do grupo são tão importantes para cada uma delas como as suas próprias. Elas realmente se respeitam como pessoas e isso as capacita a conversarem de um modo como nunca haviam feito antes. Elas podem perguntar sem medo de rejeição ou humilhação. Elas podem testar idéias que antes nunca teriam pensado em expressar, apenas para ver o que acontece(8) . A imaginação é um passo crucial no crescimento do raciocínio filosófico na comunidade. Ela se expressa não só no falar e ouvir, mas através da dança, do desenho, da música, do escrever e mesmo das ciências. Expressões desse tipo é que capacitam a criança a se tornar consciente de si mesma em relação às outras pessoas do mundo. Isto é a essência do que entendemos por educação. O papel da filosofia no 1º grau é fazer uma ponte entre o antigo e o novo, tornar consciente, nas palavras das crianças, as idéias fundamentais da cultura e ajudar os alunos, através da investigação, não só a se apropriarem da tradição, mas revivê-la e reconstruí-la numa versão mais coerente e significativa - uma versão que faça sentido para eles. O raciocínio
  • 8. filosófico é, por definição, um raciocínio aberto. Aponta novas maneiras de ver, perceber e compreender o mundo. É também um método de transformar em realidade essas novas visões e versões, se forem julgadas válidas. Dá novas esperanças às crianças de hoje em dia, muitas das quais estão desiludidas com as visões e versões da geração mais velha. Assim como uma obra de Kandinsky pode ser tão excelente e tão bela quanto uma pintura de Rembrandt, novos modos de ver o mundo e julgar o que é importante e significativo na vida humana são sempre possíveis para jovens numa comunidade de investigação(9) . Aprender a fazer Filosofia bem, pressupõe uma comunidade de experiências partilhadas na qual há procedimentos comuns e compromisso com esses procedimentos. Hábitos intelectuais não são ensinados por preleções, mas sim criando-se condições que permitam às crianças adquirirem prática em agir de modo imparcial, objetivo e imaginativo, condições estas que as encorajam a ser abertas a novas experiências e a desenvolver a coragem que necessitarão para mudar suas antigas visões tendo por base as novas experiências. Esses hábitos são pré-condições da investigação aberta. E são estes que poderão desenvolver nas crianças de hoje intelectos harmoniosos, equilibrados e morais. No melhor de todos os mundos possíveis, qualquer educação capacitaria as crianças a se livrarem de medos intelectuais, ou como Collingwood o chama, da "corrupção da consciência". É esse medo que obstrui a audácia intelectual e imaginativa e a ação criativa. No melhor de todos os mundos possíveis, os professores fariam tudo o que pudessem para incentivar as próprias crianças a se ajudarem a se libertar da covarde confiança nas idéias antigas (frequentemente chamadas fatos) não mais sustentáveis, mesmo quando as novas idéias pudessem parecer pertubadoras. Muitas crianças se desviam de idéias audaciosas e imaginativas devido ao medo que lhes foi comunicado e engendrado pela geração mais velha. Essas são as idéias que deveriam partilhar com seus colegas de modo aberto e crítico, investigando as pressuposições, considerando as consequências e criando juntas meios de as tornarem reais se, após reflexão, parecerem válidas. Ao invés disso, as crianças são incentivadas, pela sociedade, a voltarem sua atenção para algo muito menos intimidador, como habilidades de pensamento ou lógica, devido ao receio de que novas idéias não as levem à dominação. (Isto não quer dizer que a lógica e outras habilidades de pensamento não são necessárias para o raciocínio filosófico. Elas são. Mas não são suficientes. A discussão de idéias filosóficas é igualmente importante para o crescimento da autonomia intelectual das crianças). Essa "consciência corrupta" é a "pior doença da mente"(10) , e o mais sério obstáculo ao desenvolvimento de comunidades de investigação em sala de aula, nas quais, fazer filosofia tem um papel central. Supondo que tivesse dito tudo isso para aquela professora, no último verão, durante o treinamento intensivo, quando ela disse, tão orgulhosamente, que ela e seus colegas haviam formado uma comunidade de investigação em apenas sete dias. - Deu trabalho, - disse ela - mas nós chegamos lá. Será que ela ainda estaria tão satisfeita se eu tivesse, cuidadosamente, lhe revelado algumas das minhas reflexões a respeito das pressuposições do que penso ser participar de uma comunidade de investigação?
  • 9. NOTAS 1. Ann Margaret Sharp, "Children's Intellectual Liberation" (Educational Theory, vol.31). Volta 2. Hilary Putnam, "Literature, Science and Reflection," in Meaning and The Moral Sciences," London: Routledge and Kegan Paul. Volta 3. R.G.Collingwood, Principles of Art, Oxford: Clarendon Press 1938. Volta 4. Ibid Volta 5. Sherman M.Stanage. "Phenomenology of Education," in Critical Essays on the Philosophy of R.G.Collingwood, editado por Michael Krausz. Oxford, Clarendon Press, 1972. Volta 6. Hilary Putnam, "Reason and History," in Reason, Truth and History. Cambridge: Cambridge University Press. Volta 7. Hilary Putnam, "Values, Facts and Cognition," in Reason, Trut and History. Cambridge: Cambridge University Press. Volta 8. Para uma discussão dessa passagem de uma postura pessoal através de uma postura cooperativa para uma postura colaborativa, ver Harry Stack Sullivan (1953), Conceptions of modern Psychiatry. New York: Norton. Volta 9. Ver Nelson Goodman (1978) Ways of World-Making. Indianapolis, Ind.: Hacket publishing Company, especialmente cap.1, "Ways of World-Making", e capítulo dois, "Trouble with Truth." Volta 10. R.G.Collingwood, Principles of Art p.336. Também com relação ao diálogo, ver Sherman Stanage, "The personal World" - para Stanage, o diálogo é o verdadeiro encontro, o envolvimento real, o pleno compromisso. A dialética é a mais íntima aproximação do diálogo como de fato em processo e conhecido reflexivamente como estando em processo. É recriação, re-interpretação e transformação do diálogo. Estas idéias estão implícitas em "Principles of Art". Volta A FILOSOFIA E O DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO Mathew Lipman
  • 10. Atualmente há um grande interesse pelo desenvolvimento das habilidades de raciocínio dos estudantes das escolas de 1º e 2º graus e das universidades. Para muitos observadores do quadro educacional, a deficiência nessas habilidades é o cerne do problema da educação contemporânea. Até recentemente havia pouquíssima informação a respeito dos pormenores dessa deficiência. E, enquanto a falta das assim chamadas habilidades de raciocínio de "ordem superior" estivessem recebendo a maior parte da atenção, especialmente no 2º grau e nas universidades, não parecia necessário explorar a possibilidade de que as raízes da dificuldade pudessem estar no 1º grau. Somente quando foi notada uma distinção entre as habilidades primárias de raciocínio e as de "ordem superior", é que se começou a reconhecer que aquelas habilidades primárias - na maior parte habilidades lógicas elementares - são o aparato lógico fundamental dos seres humanos de qualquer idade e, virtualmente, de qualquer cultura. Elaborando um teste de múltipla escolha com 50 itens - New Jersey Test of Reasoning Skills - baseado numa taxonomia das habilidades primárias de raciocínio, foi possível comparar a performance de indivíduos nas mais diversas idades.* Certamente em algumas séries o número de estudantes testados foi muito pequeno para que se pudesse fazer inferências seguras. Mas o resultado final é sugestivo. Parece haver um progresso gradual entre a 2ª e a 7ª séries e, em seguida, um declínio. E quando finalmente os calouros universitários são testados - e esses são apenas uma parte da população jovem, os 60% academicamente mais bem qualificados na sua faixa etária - a performance não ultrapassa aquela atingida na 6ª série. Tanto os estudantes da 6ª série como os calouros universitários conseguem responder corretamente a 76% dos itens do teste. Isso não significa, necessariamente, que os alunos do 1° grau estejam raciocinando tão bem quanto poderiam. Mas nos ajuda a compreender um pouco melhor porque muitos estudantes universitários consideram os cursos tão difíceis: na verdade eles os enfrentam com uma capacidade de raciocínio condizente com a 6ª série. Já que cada vez mais suspeitava-se de que a deficiência em habilidades de raciocínio estava, de algum modo, relacionada com o decepcionante desempenho acadêmico da grande maioria dos estudantes, várias disciplinas começaram a se interessar pela situação. A Filosofia está entre essas disciplinas e este artigo pretende frisar que é justamente à Filosofia que deveria ser confiada a responsabilidade pelo desenvolvimento do raciocínio. Para a Filosofia o desafio não é novo. Desde suas origens, tem sido a única disciplina capaz de dar os critérios - os princípios da lógica - que tornam possível distinguir entre bons e maus raciocínios. A Filosofia tem se preocupado com o desenvolvimento das habilidades de raciocínio, com o esclarecimento de conceitos, com a análise dos significados e com o cultivo de atitudes que levem as pessoas a questionar, investigar e tentar, de várias maneiras, buscar os significados e a verdade. De fato, a Filosofia tem sido tradicionalmente caracterizada como um pensar que se dedica ao aprimoramento do pensamento. Portanto, para que se possa melhor cultivar o raciocínio das crianças e dos jovens, a Filosofia deveria ser parte essencial do currículo da escola de 1° grau.
  • 11. Isso não quer dizer que a Filosofia tenha que ser apresentada no 1º e 2º graus como tem sido tradicionalmente ensinada na universidade. A Filosofia ainda é filosofia quando, despida de sua terminologia técnica e de sua história de sistemas de pensamentos, retém sua ênfase na discussão lógica das idéias que são importantes tanto para os alunos quanto para os professores. Continua a ser Filosofia quando consiste em investigação intelectual cooperativa e auto-corretiva, não importando se os estudantes em questão são do jardim de infância ou da universidade. Quando a Filosofia é adicionada ao currículo produz uma educação genuinamente reflexiva motivando os alunos a conversarem uns com os outros de maneira disciplinada sobre assuntos essenciais e a pensarem objetivamente sobre seu próprio pensar. O que propomos é ensinar a raciocinar de modo a desenvolver as habilidades cognitivas dos alunos. É óbvio que tal desenvolvimento não se dá com a simples explanação dos princípios da lógica ou forçando os alunos a se engajarem em exaustivos exercícios de lógica, ou mesmo dando-lhes exemplos de quão maravilhosamente nós, os adultos, raciocinamos. O que precisa ser debatido é como fazer isso, e várias propostas têm sido feitas, sendo a baseada na disciplina da Filosofia apenas uma delas. Mas quais os critérios que deveríamos usar para avaliarmos os vários programas que propõem desenvolver as habilidades de raciocínio? Parece que dois critérios relevantes são indispensáveis: um quantitativo e outro qualitativo. O primeiro se refere à aferição do desenvolvimento das habilidades cognitivas através de testes válidos e seguros. O segundo refere-se ao significado educacional do programa - no que ajuda o aluno a se tornar um indivíduo racional, criativo e auto-crítico numa sociedade democrática. É de suma importância a interdependência desses dois critérios pois, se o primeiro for aperfeiçoado sem o segundo, o aluno se tornará pouco mais que uma peça de equipamento pensante à procura de um programador. Algumas das questões que precisam ser colocadas ao considerarmos a Filosofia como sendo o veículo para o cultivo da competência do raciocínio são: a) Qual a relação entre raciocínio e pensamento? Entre raciocínio e linguagem? Entre raciocínio e lógica? Entre raciocínio e educação?b) Qual a relação entre habilidades de raciocício primárias ou elementares e habilidades de pensar de ordem superior?c) Quais as vantagens de se ensinar a raciocinar através do contexto da Filosofia ao invés de desenvolver as habilidade específicas em disciplinas já existentes no currículo?d) Quais as disciplinas curriculares e que metodologia pedagógica a Filosofia usa para cultivar o desenvolvimento da habilidade de raciocinar?e) Como as habilidades elementares de raciocinar podem ser testadas e quais os aperfeiçoamentos mensuráveis que a Filosofia pode demonstrar?f) Como se explica o fato de que nas escolas ainda não há instrução das habilidades de raciocínio? Essas questões levantam várias discussões, algumas filosóficas, algumas psicológicas e algumas educacionais. Essas discussões serão tratadas nas próximas sub-seções em relação ao raciocinar, ao ensinar, ao testar e à Filosofia.1. Raciocinar
  • 12. As crianças começam a explorar, deliberar, inferir e questionar bem antes da aquisição da linguagem. Quando surge o comportamento verbal ele é tanto gramatical como lógico: a criança adquire as regras da lógica e da gramática juntamente com as palavras e seus significados (neste contexto regras não significam nada mais que o uso que parece conveniente às crianças). Conversas familiares levam a criança a preferir usos gramaticais de acordo com as convenções linguísticas do seu ambiente cultural. Usos familiares que são insinuados às crianças, assim como a própria interação destas com seu ambiente, motivam a escolha que fazem por inferências válidas ao invés de não-válidas. O resultado é que as crianças geralmente chegam ao jardim de infância já tendo uma habilidade rudimentar tanto em usos gramaticais como lógicos. Nos primeiros anos escolares, o desvio ocasional da criança do uso gramatical aceito estará sujeito à censura e correção por parte dos professores. Isso é algo que os professores estão preparados para fazer - ficar atentos a certos desvios e prontamente corrigí-los. Mas, o mesmo não ocorre em relação à inabilidade da criança que começa a raciocinar. Raramente os professores são instruídos de modo a estarem preparados para vigiarem os tropeços lógicos de seus alunos, e a terem informações suficientes para corrigir tais erros com segurança. É tido como certo que as habilidades de raciocínio primárias são adquiridas durante a aquisição da linguagem - o que em si não é uma pressuposição descabível. Mas, também é tido como certo que nas escolas não é necessário tomar nenhuma providência para diagnosticar ou corrigir deficiências de raciocínio, apesar de empregarem especialistas para o diagnóstico e a correção de deficiências em leitura. Com isto não estamos querendo sugerir que os professores falham em modelar raciocínio correto diante de seus alunos ou que deixem de envolver seus alunos na realização de inferências. O fato é que eles fazem isso sem se dar conta que o fazem. Consideremos as tão familiares expressões dos professores: Estou ouvindo conversas, ou Não estou vendo nenhuma mão levantada. Os professores não dizem tais coisas por estarem buscando confirmação da classe a respeito de algum fato. Essas observações funcionam como a premissa menor de um silogismo condicional cuja premissa maior é omitida (entimema). Os alunos, mesmo nos primeiros anos escolares, são capazes de suprir as premisssas omitidas - Se eu ouço conversa, terei que interromper a aula, ou Se você sabe a resposta, levante a mão. Eles, então, ao lidarem com as regras de silogismos condicionais, fazem as inferências apropriadas - Se você sabe a resposta, levante a mão. Eu não vejo nenhuma mão levantada. Portanto, vocês não devem saber a resposta. Os professores geralmente não se apercebem do valor que tais expressões têm para estimular as habilidades de raciocínio. Infelizmente, eles também desconhecem os passos que devem ser dados quando os alunos tropeçam nas exigências lógicas. Quando os professores não são capazes de reconhecer falhas de raciocínio na sala de aula (como por exemplo, inconsistências, auto- contradições, etc) ou não estão preparados para remediar aquelas que constatam, os alunos com deficiências elementares de raciocínio estarão condenados, durante os anos escolares - e durante toda a vida - a enfrentar da melhor maneira que puderem, um mundo que espera e exige deles logicidade e racionalidade. De algum modo, muitos conseguem passar desapercebidos, mas só parcialmente. Eles talvez desenvolvam técnicas de auto- preservação, afim de camuflarem suas incapacidades, transformando-as em fraquezas inocentes e charmosas, ou evitando situações em que a habilidade de raciocínio seja obrigatória. Todavia, enquanto aceitarmos como verdadeiro que as habilidades de
  • 13. raciocínio são suficientemente aprendidas na primeira infância e que não necessitam nenhuma atenção subsequente das escolas, deixaremos os alunos abandonados, para nadar ou naufragar e, muitos deles certamente, mais cedo ou mais tarde, começarão a naufragar. Para fins educacionais, a matriz comportamental do pensar é o falar e a matriz do pensar organizado, isto é, raciocinar, é o falar organizado. O ideal seria que a comunicação linguística da tenra infância na família preparasse as crianças a raciocinarem na linguagem acadêmica e esta, por sua vez, as preparasse a raciocinar na linguagem das várias disciplinas. Mas, já que a comunicação familiar, geralmente, não é tudo o que deveria ser, o diálogo filosófico deveria ser promovido nas salas de aula como seu substituto. Certamente isto envolve transformações - devem ser feitas traduções e substituições da linguagem natural que falamos para a linguagem que lemos e escrevemos e desta para a linguagem das áreas específicas de estudos acadêmicos. Feitas essas especificações, não seria de admirar que a lógica natural, que é uma parte da linguagem natural, operasse como uma espécie de estrutura profunda em relação às estruturas superficiais das disciplinas acadêmicas com as quais a criança virá a se deparar. As habilidades cognitivas primárias representadas por competências que estão como que embutidas, devem passar por uma sequência de contextualizações, descontextualizações e recontextualizações antes que a criança esteja realmente preparada para se engajar, nas diversas disciplinas acadêmicas, em performances que envolvem habilidades cognitivas de ordem superior. O que as crianças consideram particularmente difícil são as transições: a tradução da linguagem que falamos para a linguagem que escrevemos ou a tradução da linguagem comum para a linguagem simbólica da matemática. As dificuldades nem sempre são unilineares: o aluno que consegue inferir com facilidade a conclusão de um silogismo formulado em letras, pode ficar perplexo ao se defrontar com o mesmo silogismo formulado em palavras. Mesmo assim, insiste-se em que aprendam a sistematização mais elaborada que podemos planejar em cada disciplina, deixando de fornecer-lhes os degraus intermediários de que necessitam para se movimentarem, com maior facilidade, de uma linguagem para a outra. Para aqueles que não percebem claramente as regras de tradução de uma linguagem para a seguinte, cada nova fase educacional pode ser traumática (Por que a álgebra, por exemplo, é como que um choque para muitos? Por que essa transição não pode ser melhor preparada? Certamente crianças que são ensinadas a detectar e lidar com ambigüidades em sua linguagem natural estão menos sujeitas a se espantarem com ambigüidades nas formulações algébricas. Do mesmo modo, crianças que discutiram a respeito da natureza das questões na linguagem natural estão preparadas para entender y = 7+9 como sendo funcionalmente equivalente ao problema "Qual é a soma de 7+9?"). Talvez os alunos achassem mais fácil realizar as sucessivas contextualizações, se os educadores de futuros professores e aqueles que preparam os currículos tivessem em mente a necessidade de sempre prover os meios para a realização de tais traduções. Seria melhor dar uma parada neste ponto para mencionar duas concepções errôneas muito em voga. A primeira tem a ver com a relação entre habilidades primárias de raciocínio e as assim chamadas habilidades básicas tais como ler, escrever e calcular. Ler, escrever e calcular são de fato básicas em relação ao desenvolvimento educacional subsequente, pois sem elas dificilmente podemos nos habilitar nas disciplinas acadêmicas com as quais nos deparamos desde a escola primária e que são característica da escola secundária e da educação universitária. Mas ler, escrever, falar, escutar com atenção e calcular são mega-
  • 14. habilidades incrivelmente complexas e sofisticadas, são orquestrações de um grande número de habilidades e atos mentais altamente diversificados que foram previamente desenvolvidos. Racionar não é outra dessas mega-habilidades; é, pelo contrário, o seu próprio alicerce e é fundamental para que se desenvolvam. Entretanto, se analisarmos, até mesmo esses fundamentos são multi-nivelados e uma de nossas maiores tarefas é desembaraçar e ordenar a galáxia de componentes cognitivos que devem ser coordenados até mesmo num simples ato de ler, escrever, falar, escutar atentamente ou calcular. (1) Uma segunda concepção errônea é a de que, enquanto amadurecemos, nossas habilidades de raciocínio proliferam em quantidade e melhoram muito em qualidade. Isto só é parcialmente verdadeiro. No decorrer de nossas vidas, em grande parte, contamos com o mesmo núcleo primordial de habilidades de raciocínio: o repertório básico de habilidades de raciocínio do adulto é pouco diferente do da criança. A situação é mais ou menos análoga à da aquisição da linguagem. O número de palavras que um indivíduo pode adicionar a seu vocabulário é virtualmente ilimitado mas, podemos dizer com certeza que, as letras de cada nova palavra serão extraídas do mesmo repertório básico - as vinte e seis letras do alfabeto. Portanto, mesmo quando nos engajamos nas mais elaboradas maneiras de pensar - longas correntes de deduções, construções teóricas altamente complexas, etc. - pressupomos familiaridade com um número relativamente pequeno de atos mentais, habilidades de raciocínio e habilidades de investigação sobre as quais são predicadas as mais elegantes e sofisticadas operações de pensamento. Sem a habilidade de assumir, supor, comparar, inferir, contrastar ou julgar, deduzir ou induzir, classificar, descrever, definir ou explicar, nossas habilidades de ler e escrever estariam em perigo, sem mencionar nossa capacidade de participar de discussões em sala de aula, realizar experiências e fazer composições em prosa ou verso. Há boas razões para enfatizar a continuidade entre as habilidades primárias de raciocínio e as assim chamadas de ordem superior. Talvez possamos melhor demonstrar como se dá tal continuidade, através de uma analogia. Consideremos um mecânico trabalhando em sua oficina. Ele possui habilidades primárias quanto ao uso de cada uma das suas ferramentas. Ele possui uma habilidade para o uso da chave-de-fenda, outra para o uso do macaco hidráulico e outra ainda para o uso do alicate. Ele compartilha conosco essas habilidades primárias, pois nós também sabemos como usar essas ferramentas, embora talvez não tenhamos tanta habilidade quanto ele. Mas nós provavelmente não sabemos - e ele sabe - como organizar e seqüenciar o uso dessas ferramentas para consertar o motor. Ele não usa nada mais que essas ferramentas, mas as usa de maneira calculada e estratégica para resolver o problema mecânico que nós achamos incompreensível e insolúvel. São essas habilidades de orquestração e improvisação, somadas ao entendimento de como o carro é construído como um todo e a compreensão do problema mecânico, que fazem a diferença entre ele e nós. Não é somente o fato dele saber como o motor trabalha e nós não: é que cada uma das ferramentas é coordenada com a habilidade tática de empregá-la, e empregá- la bem é emprega-lá em coordenação com outras habilidades tendo uma estratégia geral para a resolução do problema como um todo, ou com uma metodologia de improvisação que capacita o mecânico a agir de modo a resolver a dificuldade. O mesmo se dá com as habilidades de raciocínio: as primárias, todos nós as possuímos - ou supõe-se que possuimos. As habilidades de ordem superior, entretanto, não são habilidades que desempenham operações lógicas diferentes, mas são maneiras concatenadas de executar as
  • 15. mesmas operações. As habilidades de ordem superior não estão como que em sobreposição em relação ao classificar, definir, descobrir presuposições subjacentes, delinear inferências, etc; ao invés disso, são habilidades que se ocupam de classificações altamente sofisticadas, definições, inferências, etc, empregando as habilidades de modo colaborativo e conjunto ao invés do modo individualizado que usamos quando as isolamos para estudo. Já que a importância do raciocínio tem sido reconhecida por milhares de anos, como pode ter acontecido que o cultivo das habilidades de raciocínio tenha sido sistematicamente omitido dos currículos das escolas de 1º e 2º graus? Sem dúvida os filósofos, guardiões da sub-disciplina da lógica, deveriam ter elevado suas vozes mais vigorosamente em favor da instrução filosófica desde cedo. As escolas de educação deviam ter colocado o cultivo do diálogo e do pensamento reflexivo ao invés do aprendizado e da administração escolar como sendo o fundamental na preparação de professores. Os taxonomistas dos objetivos educacionais deviam ter reconhecido que as habilidades de investigação, às quais dão tanta importância em suas taxonomias, não seriam adquiridas sem os requisitos da linguagem e das habilidades de raciocínio. (2) E os psicólogos, ávidos em preservar o raciocínio como um indicador inigualável do processo cognitivo, deviam ter se questionado a respeito das implicações éticas ao declararem que o raciocínio não poderia ser ensinado sabendo que, como consequência, ele não seria ensinado. Mas, tudo isso talvez já esteja no passado e parece que estamos em situação de apresentar algo de promissor na questão do aperfeiçoamento da habilidade de raciocínio.2. Ensinar A Filosofia pode ser ensinada de várias maneiras às crianças desde o jardim de infância até a universidade. Isso não tem que ser feito da maneira que nós do Institute for the Advancement of Philosophy for Children temos feito, mas somente podemos relatar a nossa própria experiência. Temos verificado que textos filosóficos para crianças são realmente essenciais embora possam sem escritos como novelas, ao invés da forma abstrata e didática dos textos tradicionais. Às crianças que são personagens das novelas não são ensinados, por exemplo, os princípios da lógica, mas elas os descobrem por si mesmas no processo de discussão de conceitos filosóficos que lhes são importantes, tais como justiça, amizade e verdade. Na sala de aula os alunos discutem essas descobertas de uma maneira cooperativa. Se alguns oferecem generalizações, outros podem oferecer contra-exemplos; se alguns emitem opiniões sem razões, estas são prontamente exigidas. Eles, aos poucos, vão descobrindo inconsistências em seus próprios pensamentos. Com o passar do tempo, eles aprendem a cooperar entre si elaborando sobre as idéias uns dos outros, questionando reciprocamente pressuposições subjacentes, sugerindo alternativas onde alguns se sentem bloqueados e frustados, e ouvindo atenta e respeitosamente outras pessoas expressarem os seus pontos de vista. É através desse diálogo disciplinado que uma comunidade de investigação começa a se desenvolver na sala de aula. Quando os participantes de tal comunidade percebem inteiramente o processo no qual tomam parte, eles o internalizam e ele se torna um método de abordar cada uma das disciplinas acadêmicas na escola. Além disso, quando o comportamento auto-corretivo do grupo é internalizado, torna-se uma atitude auto-crítica e auto-corretiva no indivíduo e isso pode ser expresso de maneira comportamental na forma de maior capacidade de auto-controle. Os professores de Filosofia para Crianças da escola de 1° grau não necessitam menos treinamento que os professores de outras disciplinas. Filosofia é uma matéria que depende
  • 16. muito do professor e, consequentemente nem todos podem estar certos de serem capazes de ensiná-la com sucesso. Ela requer a habilidade de ouvir cuidadosamente o que as crianças dizem de fato e aquilo que estão tentando dizer, a habilidade de reconhecer os padrões lógicos das narrativas dos alunos e a dimensão filosófica de seus interesses, a habilidade de dirigir discussões e a habilidade de incentivá-los a pensarem por si mesmos. Normalmente a preparação mínima do professor é um curso de um ano no qual eles participam de 2 horas e meia de treinamento por semana e aplicam o programa paralelamente em suas classes 3 vezes por semana. No decorrer do ano, o monitor, sempre um professor de Filosofia, visita a classe de cada um dos professores aplicadores seis vezes ou mais, começando com sessões modelo nas quais utilisa o material, diante do professor, para motivar uma discussão filosófica entre os alunos e, continuando com sessões em que o professor é observado e avaliado com relação à sua habilidade em fazer o mesmo. Os monitores em Filosofia, como em qualquer disciplina especializada, precisam ser profissionais hábeis que, além de haverem ensinado crianças, são licenciados na disciplina e receberam uma série especial de cursos que os habilita a trabalhar com o currículo, com as crianças e com os professores. Sem tal experiência, os monitores são incapazes de transmitir aos professores uma apreciação da profusão de conceitos filosóficos que os alunos estão ávidos por discutir, nem podem, efetivamente, dotar os professores com as habilidades necessárias para o aprimoramento do raciocínio dos alunos. Mesmo após um ano de tal preparação, os professores tendem a se sentir inseguros no assunto e são os primeiros a reconhecerem que o repasse do treinamento (isto é, um professor treinado tornar-se treinador) seria completamente impróprio em vista da complexidade da disciplina.* 3. Testar Quais os pré-requisitos necessários para testes adequados da competência de raciocínio primário e de investigação? Eis alguns deles: a) desenvolvimento de uma taxonomia adequada das habilidades a serem avaliadas.b) seleção de um grupo representativo de habilidades que servirá de base para a construção dos itens do teste. Para ser adequadamente representativo, deve haver um equlíbrio criterioso de habilidades de raciocínio formal (ex: ser capaz de lidar com conversão, contradição e silogismos categóricos na lógica das classes, silogismos condicionais na lógica proposicional e relações transitivas e simétricas na lógica ordinal), habilidades de investigação (ex: explicação causal), lógica informal (ex: reconhecer as relações entre a parte e o todo, diferenças de gênero e grau e diferenças entre razões fortes e fracas) e lógica da linguagem natural (ex: lidar competentemente com raciocínios analógicos e com ambiguidades).c) os itens do teste devem ser escritos de maneira tão clara e simples que a leitura não se torne, por si só, um fator discriminador.d) o conhecimento informativo requerido para responder as questões deverá ser tão mínimo que não constitua um obstáculo a indivíduos de qualquer idade escolar. O objetivo é projetar um teste pelo qual as habilidades de raciocínio das pessoas de qualquer idade possam ser comparadas entre si. e) os testes devem ser de fácil aplicação e passíveis de resultados computadorizados para que se possa desenvolver um banco de dados das habilidades de raciocínio que possa fornecer
  • 17. comparações de desempenhos entre populações demográficamente similares e que possa, eventualmente, produzir padrões satisfatórios.* 4. Por que a Filosofia? Muitos educadores já perceberam que não é suficiente que os alunos simplesmente aprendam o conteúdo das disciplinas acadêmicas; para que os alunos sejam verdadeiramente educados precisam ser capazes de raciocinar naquelas disciplinas. Eles devem aprender a raciocinar hiostoricamente, algebricamente, cientificamente e não apenas ser capazes de memorizar o que lhes foi ensinado em História, Álgebra ou Ciências. A noção que no entanto permanece entre muitos educadores é de que o caminho certo para atingir esse objetivo, envolve a identificação das habilidades de raciocínio e de investigação apropriadas à prática de cada disciplina e a responsabilidade por tais habilidades é dos próprios professores. Infelizmente isto não é viável. Os professores alegam, com razão, que não podem dispender o tempo do ensino de suas disciplinas para ensinar as habilidades necessárias a raciocinar em tais disciplinas. Essas habilidades deveriam ter sido adquiridas anteriormente; não se pode esperar até que uma disciplina esteja a ponto de ser ensinada aos alunos para se adquirir as habilidades necessárias a aprendê-la. Haverá aqueles que dirão que pode não ser muito útil adicionar mais uma disciplina - a Filosofia - a um currículo já abarrotado e cujos componentes os alunos recebem de maneira fragamentada e desarticulada. Mas, a adição da Filosofia aliviaria mais do que exacerbaria esta situação. As principais divisões ou sub-disciplinas da Filosofia representam abordagens que se cruzam em ângulos retos com as matérias já existentes no currículo e as funde em um conjunto conexo: Comunicação e Expressão Verbal Estudos Sociais Saúde Matemática Artes Ciências Lógica Estética Ética Metafísica Epistemologia Filosofia Social Filosofia das Ciências Este quadro não representa a adição de novas e desarticuladas áreas de estudo ao currículo existente; representa, ao contrário, o desenvolvimento da compreensão dos aspectos lógicos, estéticos, éticos e epistomológicos já presentes nas matérias que os alunos estudam agora, mas que são negligenciados em virtude da falta da Filosofia no currículo.
  • 18. É evidente que há necessidade de cursos de Filosofia no decorrer de todos os anos escolares, desde o jardim de infância até o 2º grau. O cultivo do raciocínio não pode ser levado a cabo a não ser que haja um critério para se distinguir entre bom e mau raciocínio e somente a Filosofia fornece tal critério. Se desejamos estudantes competentes em habilidades primárias de raciocínio - e sem elas não pode haver competência nas habilidades de raciocínio de ordem superior - não temos outra escolha senão a Filosofia. E a respeito das habilidades de raciocínio de ordem superior? A Filosofia é dialógica e engajar-se em diálogos filosóficos conta pontos para as habilidades de raciocícnio de ordem superior simplesmente porque leva a enfrentar os aspectos lógicos, epistemológicos, éticos ou estéticos dos problemas em discussão. A prática em tais discussões favorece o desenvolvimento dessas habilidades em cada um dos participantes.(3) Seria absurdo alegar que só a Filosofia cultiva discussões em sala de aula. Mas, certamente o tipo de discussão que a Filosofia acarreta é melhor para cultivar as habilidades de ordem superior do que discussões em campos menos preocupados com o cultivo de metodologias auto-corretivas de investigação. Devotando uma parte de cada dia a discussões disciplinadas de conceitos significativos mas poucos claros, a educação do futuro perceberá que tanto as habilidades de raciocínio de ordem superior como as primárias, estão prontas para uso bem antes de serem necessárias e assim nenhum aluno precisa entrar em classe cognitivamente despreparado. Deste modo, a Filosofia não representará uma adição ao currículo, mas será a armação ou tronco central do processo educacional com ramificações que se abrem à medida que os estudantes ingressam em disciplinas cada vez mais especializadas. Essas são as vantagens educacionais de se fazer da Filosofia uma parte essencial do currículo escolar. Mas não se pode deixar de tomar conhecimento de que há também vantagens sociais. Um sistema educacional anêmico está fadado a produzir uma democracia anêmica pois, entre todos os sistemas políticos a democracia é o sistema que mais precisa de cidadãos ponderados, reflexivos e participantes. A Filosofia capitaliza sobre o desejo, de qualquer estudante, de discutir assuntos que são importantes para a sua vida. Tais assuntos, em geral, envolvem ideais (como justiça, verdade e liberdade) que são essenciais ao bem- estar da sociedade. E acontece que a Filosofia constitui, por si só, uma mina de tais conceitos e uma metodologia para sua análise imparcial. Alguns educadores, após esta leitura, podem alegar que a filosofia não poderá ser disciplina obrigatória em todas as séries sem uma total reorganização curricular. Diversas disciplinas talvez tenham que ser aparadas e isso fará com que vários grupos de profissionais se coloquem na defensiva. Podemos somente questionar se os educadores estão preparados para defender cada fragmento do que está presentemente sendo ensinado como sendo essencial para que uma pessoa seja verdadeiramente educada numa verdadeira sociedade democrática. Suspeitamos que muito do que atualmente é ensinado, não tem outra razão de ser que não a de que é o que se costuma fazer - a mesma razão pela qual a filosofia tem sido excluída. Os educadores podem, certamente, reconhecer que o argumento para a inserção da filosofia no currículo é muito mais forte do que o argumento para a retenção de muito do que existe hoje - e, no entanto, preferir se calar e nada fazer. Mas há outros cenários e podemos perfeitamente escolher um melhor.
  • 19. Notas 1. Atualmente existe certa preocupação diante da diversidade de comportamentos que são classificáveis como pensamento, mas a proliferação de inventários das habilidades de pensar não deve nos levar a acreditar que estamos lidando com algo totalmente impossível de se manejar. Realmente a mudança de ênfase que tem ocorrido nas últimas décadas em algumas disciplinas acadêmicas - em filosofia, do intelecto para o pensar; em educação, do aprender para o pensar - sugere considerável convergência entre diferentes linhas de investigação.Se toda conduta que é distintamente humana e não redutível ao meramente mecânico envolve o pensar, então deveria ser possível identificar os principais tipos de pensar relacionando-os com os principais tipos de comportamento humano. Quais são esses tipos de comportamento? Uma resposta pode ser dada através da distinção clássica entre fazer (making), dizer (saying) e agir (doing). Para nossos propósitos, tal distinção poderia ser reinterpretada como: o pensar envolvido no ato de construir (thinking in construction), o pensar envolvido na linguagem (thinking in language) e o pensar envolvido na ação (thinking in conduct). E, já que nosso enfoque é no papel do raciocínio na educaçao, e já que a comunicação linguística é o principal veículo da educação, podemos centrar nossa atenção no pensar envolvido na linguagem. Quais são as ordens de atividades de pensar envolvidas na linguagem? Uma maneira de responder a isso é tomar mega-habilidades básicas tais como ler, escrever, falar, ouvir e calcular e investigar quais os tipos de pensar que elas pressupõem. Os componentes resultantes podem se agrupar em: estados psicológicos envolvendo o pensar, atos ordinários do pensar e performances especializadas do pensar tais como atos do raciocícnio e atos do investigar. O quadro de ordens não deve ser considerado nem progressivo nem hierárquico. Os componentes de uma ordem não podem ser considerados como de maior valor do que os componentes de outra ordem. O ato mental de supor, por exemplo, não é intrinsecamente de menor valor que o ato de investigação de avaliar nem se segue que as pessoas devam ser capazes de supor antes de poderem avaliar (na verdade, em alguns casos dá-se o inverso: ensinar estudantes a avaliar pode ser um modo de ajudá-los a supor). Outro exemplo: a meta-cognição (pensar sobre o pensar ou o discurso do pensar sobre o pensar) não vem necessariamente após a cognição direta.Tomemos dois exemplos de conversa entre uma criança e seu pai:Joãozinho: - O Marinho me bateu.Pai: - Marinho, você bateu no Joãozinho? Joãozinho: - O Marinho me bateu.Pai: - Isso é verdade, Marinho?Ambos os modelos podem ser encontrados na conversação diária com crianças bem pequenas: um não é mais esotérico que o outro. Mas, no segundo modelo, a pergunta requer de Marinho o ato meta- cognitivo de julgar se a afirmação de Joãozinho é falsa ou verdadeira.Temos aqui um quadro mostrando algumas das ordens do pensar envolvido na linguagem: (Acrescentar quadro anexo) 2. A Taxionomia dos Objetivos Educacionais de Bloom é formulada conforme as operações constitutivas da investigação científica e escolar, mas dá pouca atenção às habilidades de raciocínio que a habilidade de se engajar em tal investigação pressupõe. Embora Bloom não
  • 20. tenha pretendido que sua hierarquia fosse assim interpretada ela, de fato, tem sido encarada de modo desenvolvimentalista, com os níveis mais baixos da hierarquia emergindo em primeiro lugar e depois os da mais alta ordem em sequência. Alguns educadores tomaram isso como significando que crianças pequenas somente são capazes de memorização e não podem se engajar, de modo significativo, em análises, sínteses e avaliações. Os relatórios de classes de crianças bem pequenas onde a Filosofia é ensinada, nos fornece um quadro bem diverso a respeito das habilidade de raciocínio e de pesquisa das crianças, habilidades essas que surgem quando as crianças são ainda bem jovens mas que se refinam com a aquisição da linguagem e da experiência.3. Historicamente, toda disciplina agora considerada científica foi precedida por um período de exploração e deliberação dialógica que seria mais propriamente filosófico. Quando técnicas mais precisas de observação, mensuração e predição se desenvolveram, o que tinha sido filosófico tornou-se científico. Nesse sentido, a Filosofia, inevitavelmente, precede e gera as ciências. Períodos de discussão de temas, sem uma linha de procedimentos precisos, são seguidos por períodos em que tais procedimentos começam a surgir. Assim também, as crianças ficam muito entusiasmadas com assuntos que não possuem uma linha de procedimentos precisos, mas são cuidadosas em questões onde tais procedimentos existem, pois em tais casos, suspeitam que as respostas jã são conhecidas pelos adultos. Em outras palavras, as discussões filosóficas, por deixarem as conclusões em aberto, são as únicas que lhes dão uma sensação de liberdade, uma sensação de estarem no mesmo nível intelectual dos adultos. Por esta razão, a Filosofia é ideal na preparação cognitiva para se envolver, mais tarde, em disciplinas acadêmicas especializadas e motivar a inclinação para tais disciplinas.A Filosofia é a disciplina que nos prepara para raciocinar nas demais disciplinas. Raciocínio crítico: o que pode ser isso? Matthew Lipman VOLUME 2 - A Comunidade de Investigação e a Educação para o Pensar COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO E PRÉ-ESCOLA Sylvia J. Hamburger Mandel e Isabel Cristina Santana Para poder explicar a relação possível e necessária da comunidade de investigação com a pré-escola, vamos antes explicitar o que entendemos por Comunidade de Investigação e o que entendemos por pré-escola; depois mostraremos porque acreditamos ser possível e necessário trabalhar pela formação da comunidade de investigação na pré-escola. A proposta educacional através da Comunidade de Investigação deve sua expansão ao trabalho de Filosofia para Crianças criado e desenvolvido pelo Dr. Matthew Lipman e seus colaboradores. O desenvolvimento do currículo começou com o texto A Descoberta de Ari dos Telles, para crianças de 5ª ou 6ª séries, depois Luísa com enfoque na investigação ética para alunos de final do primeiro grau, Suki (estética) e Mark (filosofia social) para alunos do segundo grau. Só após estes textos e os correspondentes Manuais Instrucionais estarem prontos, é que se pensou em programas para as crianças menores. Foram então escritos, em ordem cronológica Pimpa, Issao e Guga e Elfie. Após algum tempo a Dra.Ann M.Sharp
  • 21. escreveu The Doll's Hospital. Este ano o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças publicou Rebeca de Ronald Reed e produzimos, Isabel e Sylvia, respectivamente, atividades para o aluno e o Manual de Instruções para o uso de Rebeca em sala de aula com crianças de 5 a 7 anos. No Brasil, até o momento, Elfie e The Dool's Hospital não foram publicados , mas ambos incorporam a idéia de trabalho numa Comunidade de Investigação com crianças pequenas, o primeiro na faixa de 6 a 8 anos e o segundo com crianças de 3 e 4 anos. Trabalhar a Comunidade de Investigação na faixa etária da pré-escola, embora possa parecer, não é novidade. Na realidade, algumas experiências-piloto já haviam sido feitas também aqui no Brasil. A COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO Um dos objetivos da educação diz respeito ao bem pensar. Não queremos com isso dizer que os conteúdos a ser pensados devam ser aprendidos e decorados; queremos dizer que as crianças devem ter oportunidades de exercitar o bem pensar de maneira deliberada e consciente, para que possam depois 'pensar por si mesmas' sobre os assuntos mais diversos que a vida lhes apresente. A melhor forma que conhecemos de alguém vivenciar esta experiência é a dada pela comunidade de investigação. A idéia de Comunidade de Investigação enquanto espaço para o exercício do pensar deriva de um modelo em que a aprendizagem parte das práticas sociais e dos atos externos (i.e., dos outros indivíduos) para as práticas individuais e os atos mentais (internos). A experiência vivenciada de modo deliberado e consciente na Comunidade de Investigação é, com o tempo, internalizada e torna possível o 'pensar por si mesmo'. Entendemos por 'pensar por si mesmo' perfazer na mente o percurso de uma discussão arrazoada, tendo consciência dos critérios que estão sendo utilizados e das razões que levaram a escolhê-los entre outros possíveis, dos méritos e deméritos de cada justificativa, com busca de exemplos e contra-exemplos, pondo-se imaginariamente no lugar de outros, levando em conta o todo da situação, ou do problema em questão, sem descuidar das partes e suas inter- relações, sendo capaz de fazer juízos e julgamentos justificados. A comunidade de investigação é o espaço onde, em conjunto, as crianças têm as condições e a oportunidade de investigando, aprenderem a investigar. A partir de um tema de interesse mútuo ( o que não significa que tenha que ser unânime), que envolva uma questão aberta (que seja contestável, que não tenha resposta única), as crianças investigam dentro de uma estrutura reciprocamente igualitária (cada um tem o direito de expor suas idéias e o dever de ouvir e examinar as idéias dos outros) em busca de qual seja a 'melhor' resposta para a questão, avaliando e julgando, enquanto comunidade, quais os critérios que serão levados em conta e porque são estes e não outros os critérios. Essa escolha e avaliação constante dos critérios utilizados permite à Comunidade de Investigação ser auto-corretiva. Também
  • 22. permite que a investigação siga para onde a questão levar, e não para onde alguém queira que ela vá ou chegue. As questões abertas têm sua morada na filosofia. Tanto o tratamento das questões abertas (como por exemplo, O que é verdade? O que é espaço?) quanto a discussão dos métodos da investigação são temas recorrentes na filosofia. É portanto natural que, inicialmente, a Comunidade de Investigação seja uma comunidade de investigação filosófica. Philip Cam diz que a discussão em sala de aula é "uma discussão em que as crianças fazem perguntas umas às outras, dão razões umas às outras, escutam o ponto de vista do outro, e assim por diante, com relação a todos os procedimentos (...) Essa é obviamente uma atividade cooperativa, na qual a classe se torna uma comunidade de pessoas investigando juntas - o que Lipman chama uma comunidade de investigação. Como a investigação é filosófica, podemos dizer que é uma comunidade de investigação filosófica." Na Comunidade de Investigação, diz a Dra. Ann M.Sharp, a "dinâmica deveria passar de um discurso professor-aluno - aluno-professor, para um discurso aluno-alunos - aluno- professor - aluno-aluno. Também deveria começar a se formar um processo de pergunta- resposta-pergunta." Outra característica da discussão da Comunidade de Investigação é que ela é balizada pela lógica. Não é possível uma criança afirmar algo, o colega afirmar o oposto e a discussão continuar sem que uma das duas posições excludentes seja descartada. Além disso deve haver persistência para (tentar) ir até o fim das questões, mesmo sabendo que o fim, muitas vezes, é difícil de ser alcançado. A PRÉ-ESCOLA Quando nos propomos a falar sobre a pré-escola no Brasil, não podemos ignorar o pluralismo pedagógico, cultural, filosófico e político presente nas escolas do nosso país.
  • 23. Muitas experiências são realizadas, a partir de reflexões pedagógicas desenvolvidas e aprofundadas, buscando uma melhor prática educacional. Não encontramos mais a visão de pré-escola apenas como um lugar adequado para dar assistência às crianças enquanto os pais trabalham, ou como forma de compensação de possíveis desvantagens sócio-culturais. Somente após superar essa função ou de custódia ou assistencialista da pré-escola podemos buscar sua atual identidade e afirmar que a pré-escola é um contexto educativo fundamental para o desenvolvimento da criança. A pré-escola, hoje em dia, é vista e assumida com um verdadeiro papel de escola, sendo ela o início de todo o sistema escolar. Configura-se portanto, como um espaço intencional e sistemáticamente ordenado para a educação de crianças entre 3 e 7 anos de idade. Para tal, tornou-se necessário especificar algumas funções próprias desse período escolar. De um modo geral, podemos propô-las sob dois aspectos diferentes: a) "Tornar a criança capaz de tomar consciência da realidade, de intervir sobre ela e dar sentido à própria experiência. Favorecer o desenvolvimento das suas capacidades de comunicação e cognição, de socialização e maturação emotiva. Inseri-la no ambiente físico e na aquisição de valores que possam dar significado ao seu comportamento. b) Oferecer uma efetiva igualdade de oportunidades educativas, com o objetivo de superar os condicionamentos sociais, econômicos e ambientais, através de uma contextualização dos processos educativos que leve em conta as diversidades culturais e individuais."
  • 24. A ênfase dada nos últimos anos à importância da educação infantil e à necessidade de garanti-la a todos demonstra uma maior consciência da sociedade aos direitos inalienáveis da criança, enquanto pessoa. Direitos esses, defendidos constitucionalmente. Mas, mais importante ainda, para a compreensão do papel da pré-escola, é a visão da personalidade infantil. "A determinação das finalidades da pré-escola deriva da visão da criança como sujeito ativo, empenhado num processo de contínua interação com as outras crianças, com os adultos, com o ambiente e com a cultura.". (SINASCEL-CISL, 1991) Torna-se imprescindível no contexto educacional a atenção à identidade da criança sob o aspecto corporal, intelectual e psicodinâmico, contribuindo de forma consciente e eficaz para uma progressiva conquista de autonomia por parte da criança. Quando a criança ingressa na pré-escola, já tem uma história pessoal, já assume posturas diferenciadas e complexas diante da realidade. É ativo, curioso, interessado em conhecer e entender, capaz de interagir com os outros e de procurar mediações para conhecer e modificar a realidade. Estas atitudes básicas da criança, capacidades que ela traz consigo ao ingressar na escola, exigem do educador uma contínua disponibilidade para dar espaço às suas perguntas, questionamentos e formas de expressão, evitando oferecer respostas pré-maturas e incentivando as crianças a buscar as respostas. Para a formulação de um projeto educacional na pré-escola, é necessário considerar a sua função básica e a visão que se tem da criança. É certo que as experiências vividas pela criança dentro da escola são muito diversificadas e todas podem ser fonte de desenvolvimento e conhecimento. Porém, dada a seriedade e importância do trabalho ao qual o educador se propõe, torna-se necessária a formulação de uma proposta programática, de indicações curriculares, evitando generalizações e casualidades nos objetivos propostos. A pré-escola, através de uma boa proposta curricular, deve assumir de forma explicita e coerente o seu papel educacional, articulando e orientando as atividades da escola para que a criança seja estimulada e desafiada a construir novos conhecimentos.
  • 25. A interessante indicação curricular para a pré-escola encontrada no texto da Segreteria Nazionale del SINASCEL-CISL, parte das diversas áreas de experiência educativa da criança como percursos metodológicos que oferecem às crianças boas condições de aprendizagem. Entende-se por área de experiência educativa, os campos do fazer e do agir da criança. Segundo Tiziano Loschi, "dentro de cada área de experiência, acontece sempre uma interação entre a criança que age e o ambiente que a circunda, uma interação dinâmica, com a qual a criança dá significado às suas atividades, desenvolve aprendizagem, adquire o instrumental lingüistico." (p.13) As diversas áreas de experiência educativa podem ser assim divididas: 1. O corpo e o movimento: é o campo de experiência da corporeidade e da motricidade; busca promover a tomada de consciência do valor do corpo. 2. O Discurso e as palavras: é o campo específico da capacidade comunicativa, referente à linguagem oral e a escrita. 3. O espaço, a ordem, a medida: direge-se mais especificamente às habilidades de agrupamento, ordenação, quantificação e medidas dos fenômenos e fatos da realidade. 4. As coisas, o tempo, a natureza: está relacionado à exploração, descoberta e início de sistematização dos conhecimentos sobre o mundo, a natureza, ou seja, é o campo do conhecimento científico. 5. Mensagens, formas e mídia: considera todas as atividades inerentes à comunicação e expressão (sonoro-musical, dramático-teatral, audio-visual) 6. Eu e o outro: neste campo encontramos todas as experiências e atividades que estimulam a criança a compreender a necessidade de doar-se e de referir-se a normas de comportamento e relações indispensáveis a uma convivência social válida. Cada área de experiência educativa apresenta sua própria ênfase educativa, direcionamentos metodológicos diferenciados, os possíveis indicadores para uma observação sistemática e avaliação dos diversos níveis de desenvolvimento.
  • 26. As diversas áreas citadas acima, têm uma estreita interligação, sendo possível promover a continuidade e conexão dos objetivos das atividades e dos percursos metodológicos a seguir. A necessidade de clareza e segurança por parte do professor, dos objetivos e atividades propostos é de fundamental importância. Seguindo a concepção educacional deweyana, devemos distinguir as experiências que são genuinamente educativas, daquelas que são experiências descuidadas, ocasionais e rotineiras. O ato de pensar começa com a experiência e portanto, as crianças devem ser colocadas diante de ‘problemas’, de situações que as levem a tentar fazer alguma coisa. (Cunha, 1994) As conseqüências práticas dessa abordagem são muitas no dia-a-dia escolar. Importa-nos porém, notar que mesmo dentro de uma proposta que visa a coerência pedagógica e a eficácia do ensino, é fundamental abrir um espaço específico para a chamada Educação para o Pensar. A pergunta crucial é feita por grande parte dos educadores: "Como fazer pensar?" Loschi afirma que o desenvolvimento lingüístico da criança é favorecido em primeiro lugar, pela conversação regulada pelo adulto e pela interação com as outras crianças. COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO E PRÉ-ESCOLA Queremos que as crianças pensem, ajam de maneira ética, levem em conta os outros, tenham competência cognitiva, se expressem bem mas queremos também que sejam criativas, solidárias e investigativas, além de emotivas e afetuosas. Bertrand Russell, em Os Problemas da Filosofia, diz que a filosofia "se não pode responder tantas questões quanto poderíamos desejar, tem ao menos o poder de fazer as perguntas que aumentam o interesse do mundo, e mostram a estranheza e o maravilhamento que pairam logo abaixo da superfície mesmo das coisas mais comuns da vida cotidiana."
  • 27. O trabalho da Comunidade de Investigação não é desprovido de emoções, mas sua especificidade é a racionalidade. Esse trabalho porém, não acontece de maneira isolada. No desenrolar de um (ou muitos) anos de trabalho em Comunidade de Investigação as pessoas, sejam crianças ou adultos, desenvolvem habilidades de caráter ético, afetivo, criativo, e cognitivo. Dr. Lipman tem afirmado que o pensamento tem três dimensões: o pensar crítico, o pensar criativo e o pensar atencioso (caring thinking). Na faixa etária da pré-escola a criança ainda está desenvolvendo o uso da linguagem. Usar a linguagem implica ser capaz de entender mensagens e ser capaz de comunicar mensagens. Existem muitas formas de linguagem não verbal que utilizamos todos os dias como, por exemplo, a linguagem corporal ou dos gestos. O aperfeiçoamento da linguagem verbal é uma das funções da escola. Na pré-escola isso implica ajudar a criança a dominar a linguagem oral e ajudá-la a encaminhar-se para a aprendizagem da linguagem escrita. Cada uma destas tem que ser dominada tanto na forma da compreensão quanto na forma da expressão. É preciso, então, que se cuide de quatro aspectos: ao final da alfabetização (que nem sempre precisa ocorrer durante a fase pré- escolar) a criança deve ser capaz de ler (e entender o que leu), escrever (o que pretendia e não apenas qualquer coisa), entender o que é dito por outros (colegas, professores, locutores de televisão, propagandas) e ser capaz de dizer o que tem vontade de modo a que os outros possam entender o que ela de fato quer comunicar e não algo diferente do que ela pretendia dizer. No que diz respeito a entender a comunicação dos outros, não basta a criança entender quais foram as palavras utilizadas. É necessário que ela entenda o significado do que está sendo dito. Essa não é uma tarefa fácil, principalmente para crianças. Muitas palavras são desconhecidas, muitas situações expressas são novas e muitas palavras são ambíguas e nem sempre é imediato saber qual dos significados está sendo considerado. Quanto antes as crianças forem chamadas a ler e ouvir com a necessária atenção, mais cedo poderão comunicar-se com competência o que, além de efeitos cognitivos positivos gera também benefícios afetivos. Comunicar-se eficazmente é mais fácil, mais produtivo e mais agradável. A comunidade de investigação é o lugar onde as crianças, em conjunto, podem discutir e encontrar ajuda para tentar entender como funciona o uso da linguagem. Ao dialogar com
  • 28. os colegas sobre temas de seu interesse, e sob os cuidados de um professor especialmente habilitado, os alunos irão aprender a falar com mais cuidado e a pedir que os colegas que não estão fazendo isso o façam. A transferência para a linguagem escrita (quando as crianças a tiverem) acontece naturalmente. Além dos significados das palavras e da linguagem em geral, as crianças de 5 a 7 anos também estão tentando entender o significado de suas experiências e de sua existência. É mais fácil mover-se e agir num mundo que compreendemos do que num mundo que nos pareça alheio (comandado por ou pertencente a outros) ou aleatório (sem nada nem ninguém que o regule). Quem não entende as relações existentes entre os diversos elementos do mundo não consegue perceber as significações e motivos que levam a realidade a ser como ela é. Na Comunidade de Investigação vai-se a fundo para entender as relações, descobrindo-a s por meio do diálogo dos participantes, e não, ouvindo o professor ensinar sobre elas. A criança que percebe na Comunidade de Investigação que o mundo tem escondidas muitas relações que ajudam a compreendê-lo e que, no trabalho de classe, tenha se sentido capaz de desvendar estas relações, não deixará de procurá-las na sua busca de compreensão dos muitos significados que a realidade comporta. A criança de 5 a 7 anos observa muitas coisas, entende algumas, pergunta a respeito de diversas. A escola deve ajudá-la a procurar as melhores respostas possíveis ao seu nível de compreensão. Mas há questões com as quais as crianças se intrigam ou se deslumbram que (geralmente) não fazem parte do currículo e não são simples. Por exemplo, Existe alguma situação em que é certo contar uma mentira? ou, Se alguém contar um segredo para outra pessoa, deixa de ser segredo? ou, O que é família? ou, Quando uma pessoa corta o cabelo ela deixa de ser ela? Muitas destas questões não simples são questões filosóficas, que não têm resposta única. São temas que causam perplexidade às crianças e que devem ser investigados em busca da melhor resposta que elas puderem alcançar. Respostas de adultos que encerrem o assunto em vez de expandi-lo não fazem nada pelo pensar e pela capacidade de investigar natural e tão presente nesta faixa etária. Aliás, se esta curiosidade, perplexidade e deslumbramento da criança pequena não forem tratados com respeito e seriedade, muito depressa deixarão de ser manifestados. Primeiro a criança deixará de falar o que a intriga e depois deixará de ocupar-se de observar o mundo e de tentar perceber o que não parece simples de entender e se questionar a respeito disso. Num mundo tão variado e maravilhoso como é o nosso, parece necessário que a pré-escola cuide para que a criança tenha um espaço seguro onde possa expressar e discutir as perplexidades que encontra. Isso não quer dizer que a Comunidade de Investigação deva ser um espaço onde impere o espontaneísmo. Uma Educação para o Pensar deve trabalhar de forma bastante organizada. As questões que a classe discute são as levantadas pelas crianças a partir de um texto (que pode ser lido pelas crianças ou pelo professor, ou talvez representado). Além das discussões das questões, algumas habilidades presentes no texto
  • 29. são trabalhadas, registros são feitos, assim como brincadeiras e atividades pertinentes aos conteúdos abordados. Passa-se, então, à leitura do episódio ou capítulo seguinte. Temas intrigantes e instigantes devem estar espalhados como iscas em textos especialmente concebidos para este fim. Mesmo que algumas iscas não sejam fisgadas pelas crianças como sendo de seu interesse, outras serão, e as primeiras provavelmente reaparecerão em textos futuros e poderão ser fisgadas. A preocupação não deveria ser discutir esse ou aquele tema, mas sim, discutir de maneira aberta os temas que surgirem na classe a partir do texto. Não é tema da Comunidade de Investigação se uma aluna da classe estava certa ou errada ao pegar um objeto de um colega sem pedir permissão mas, se o texto assim sugerir, as crianças podem tentar estabelecer se e em quais condições seria correto alguém pegar algo de outra pessoa sem pedir permissão. Histórias pessoais e fatos da realidade entram na discussão como exemplos, mas não são objeto de investigação por parte da Comunidade de Investigação. Isso deve ser feito por outra instância, num momento que não seja o reservado para o trabalho, derivado do texto, da Comunidade de Investigação. A Comunidade de Investigação não é a ‘roda’ presente em muitas escolas e sua função não é nem ser doutrinária, nem moralista, nem terapêutica ou disciplinadora. Na ‘roda’ os alunos também falam mas, geralmente é sobre qualquer coisa que queiram comunicar, como o presente que ganharam, o passeio que farão ou a briga com algum colega. Na Comunidade de Investigação a pauta é determinada pelo grupo, mas o contexto está dado pelos temas sugeridos num texto e implica, necessariamente, uma discussão das questões levantadas. Na Comunidade de Investigação há diálogo, enquanto na ‘roda’ há uma conversa espontânea, muitas vezes parecida com uma contação de casos. Como as crianças podem falar o que querem, as outras nem sempre se preocupam em ouvir e a troca se faz na direção aluno-professor-aluno, outro aluno-professor-outro aluno, outro aluno-professor- outro aluno e assim por diante. Para que uma conversa possa ser considerada diálogo Splitter e Sharp apontam condições necessárias: • A conversa ser estruturada, enfocada num tópico ou questão problemática ou contestável. • A conversa ser auto-regulada ou auto-corretiva. Os participantes devem estar preparados tanto para questionar as visões e razões apresentadas pelos outros, quanto para reelaborar as próprias posições, em vista de questões ou contra- exemplos que o grupo apresente.
  • 30. • A conversa ter o que os autores chamam de estrutura igualitária. Os participantes devem mostrar no discurso que, com relação a alcançar os objetivos do diálogo, valorizam igualmente a si mesmos e aos colegas, independente da posição de cada um em relação a um ponto de vista particular. • A conversação ser guiada pelos interesses mútuos de seus membros. Numa Comunidade de Investigação os participantes (dos quais o professor é um) devem estabelecer a pauta e determinar os procedimentos para lidar com os assuntos a ser tratados. Uma decorrência do trabalho em Comunidade de Investigação é que as crianças, com o tempo, se tornam mais envolvidas com os colegas e, com o que acontece na classe e no mundo em geral. Elas também se tornam mais capazes de perceber quais tipos de pergunta geram uma discussão interessante e quais não levam a (quase) nada. Depois de um ano de trabalho consistente e constante na Comunidade de Investigação, os alunos individualmente, e a classe enquanto grupo, terão uma qualidade cognitiva e afetiva diferente de classes equivalentes que não tenham trabalhado na Comunidade de Investigação. Na Comunidade de Investigação há duas preocupações: com as questões levantadas e com a necessidade de as crianças (ou adultos) darem razões para o que afirmam. Ao se envolver no diálogo aqui proposto, logo, os participantes (inclusive crianças) percebem que dar razões não é suficiente. É necessário que estas razões sejam boas razões. Para saber o que conta como uma boa razão é necessário verificar o contexto e examinar muitos pontos de vista e possibilidades. Ao entrar na pré-escola as crianças já são capazes de distinguir boas e más razões, mas é preciso que se dê a elas a oportunidade de fazê-lo. É importante salientar que boas razões não são sempre as que o adulto imagina. Aos 5 anos as crianças sabem justificar se algo é, ou não, uma boa razão para afirmar, por exemplo, que elefantes podem voar. Também são capazes de justificar as boas razões que nos levam a dar presentes e cantar Parabéns a você no dia do aniversário de alguém. Se acreditamos que as crianças se tornarão mais capazes de cooperar sabendo que há boas razões e razões injustificadas e se queremos que elas sejam capazes de distinguir umas das outras, então é preciso que tenham a oportunidade, tão cedo quanto possível, de exercitar esta distinção, e de perceber que ao avaliarmos razões utilizamos critérios e , dependendo do critério, uma razão pode ser considerada melhor ou pior. Quando, ao vesti-lo, a mãe explica ao filho pequeno que é preciso colocar casaco porque está fazendo frio ela está dando a ele a razão pela qual ele deve vestir o casaco. O critério utilizado é a temperatura ambiente.
  • 31. Na Introdução do Manual Instrucional de Elfie Dr.Lipman afirma: "Antes mesmo de entrarmos na escola, aprendemos que, independente de quão satisfatórios nos pareçam, os nossos atos e as nossas opiniões são muitas vezes considerados questionáveis pelas outras pessoas. Nesse período estamos no processo de aprender que temos de fazer mais do que meramente explicar o que dissemos e fizemos: temos de justificar nossas façanhas e comentários questionáveis. Não apenas dizer qual foi a causa de eu fazer isso, mas qual era meu propósito ao fazê-lo. Não apenas como cheguei a ter uma certa opinião, mas qual é minha razão para continuar a mantê-la. Não apenas as condições que me compeliram a fazer um juízo, mas quais os critérios que me guiaram ao fazê-lo." No primeiro capítulo do Thinking Together, Philip Cam escreve que existem atividades que fazemos melhor se pensamos ao fazê-las e existem outras que fazemos melhor se não pensamos ao fazê-las. As primeiras são as práticas reflexivas. As pessoas devem executar bem os dois tipos de atividade: acertar a grafia das palavras sem pensar muito para escrever corretamente é bom , mas agir sem pensar nas conseqüências não é. A conduta sábia examina as possibilidades antes de agir. Já as pessoas que não estão acostumadas a examinar mais de um ponto de vista são pensadores dogmáticos, não imaginativos e inflexíveis. Para que os alunos possam tornar-se inteligentes em seu pensamento e arrazoados em suas ações, a escola deve trabalhar os dois tipos de habilidade em sala de aula, as habilidades rotineiras e as reflexivas. Numa Educação para o Pensar os textos, inclusive os destinados à pré-escola, devem ser construídos de modo a que diversas habilidades cognitivas e de raciocínio apareçam, dando ao professor e às crianças a oportunidade de as exercitar. Elas são ferramentas básicas empregadas nas investigações filosóficas ao se realizar os procedimentos básicos do pensamento reflexivo. Entre estes procedimentos destacamos: • formular perguntas adequadas • fazer distinções úteis • deduzir inferências relevantes • investigar pressuposições questionáveis • procurar conseqüências significativas • explorar possibilidades • procurar alternativas melhores • dar e pedir razões • fazer juízos abalizados
  • 32. Entre as ferramentas básicas destacamos: • explorar limites conceituais • descobrir critérios • desvendar conexões lógicas • definir termos • classificar objetos • identificar relações lógicas • deduzir inferências • analisar afirmações condicionais • construir analogias Quando estas ferramentas são apresentadas sem seus nomes técnicos e aplicadas a situações de fácil compreensão, as crianças de 5 a 7 anos são capazes de as utilizar e realizar os procedimentos básicos para investigar a fundo uma questão de seu interesse. A função do professor é muito importante pois se a proposta completa do trabalho não estiver clara para ele, não será possível que coordene bem o trabalho das crianças. Alguns nomes técnicos podem aos poucos ser introduzidos, quando a habilidade for de domínio dos alunos. Quando as crianças aprendem, por exemplo, a procurar conseqüências significativas na aula de Filosofia, elas transferem essa aprendizagem para os outros campos de sua vida e a incorporam como hábito. O mesmo ocorre com os outros procedimentos e com as ferramentas do bem pensar. Para que o trabalho tenha resultados significativos é necessário haver constância e regularidade. De pouco adianta as crianças de 5 a 7 anos ocuparem-se deliberadamente do pensar, tanto enquanto exploração das idéias quanto exercício das habilidades, durante meia hora por semana, quando não houver feriado ou passeio no dia reservado para a aula de filosofia. Esse tempo é muito exíguo. Três ou quatro períodos semanais, de meia hora ou quarenta minutos cada, devem ser reservados para a Filosofia. Na pré-escola, mais que no primeiro grau, há possibilidade de um horário flexível. Levando em conta os ganhos que se adquirem nestas aulas e que se transferem para as outras (que se tornam mais ricas e proveitosas), é possível ver que é recuperado o tempo que parece ter sido roubado das outras disciplinas e atividades. Na realidade, a diminuição da quantidade reflete-se, a médio e longo prazo, em ganho real de qualidade, não só na vida escolar da criança como também na vida extra-escolar que, afinal de contas, é uma das razões da escola existir.
  • 33. Geralmente na pré-escola o mesmo professor acompanha a classe em todas as atividades. Isso facilita para que sempre que ganchos com outras disciplinas surjam, eles sejam agarrados e sejam estabelecidas as relações com a aula de filosofia, com o investigar, com as disposições investigativas e com as habilidades cognitivas e de raciocínio trabalhadas. As crianças descobrem que podem aprender muito umas das outras, pedem a ajuda dos colegas quando necessário e o professor passa a ser um coordenador em vez de ser o único responsável pela aprendizagem do grupo sob seus cuidados. Outra vantagem de se trabalhar a investigação filosófica na pré-escola é que ela propicia a interdisciplinaridade de forma natural. O que é discutido numa aula na Comunidade de Investigação é (ou pode ser) o conteúdo específico de outra área do saber. A profusão de temas nos textos especialmente escritos para esse fim é grande. São possíveis relações com as áreas de Ciências, Linguagem, Matemática, Estudos Sociais, Artes e Educação Física. O trabalho de Educação para o Pensar, realizado com textos especialmente construídos para esse fim, e feito na forma da Comunidade de Investigação, quando constante e bem coordenado, propicia aos participantes do grupo (inclusive o professor) verdadeiro prazer intelectual e afetivo, daqueles que deixam suas marcas ‘para sempre’. Por este motivo, além de todos os outros acima apresentados, afirmamos que quanto antes for a ‘primeira vez’ mais oportunidades (na escola e fora dela) os alunos terão de desfrutar este prazer. Alunos que tenham vivenciado a alegria de participar de uma verdadeira Comunidade de Investigação na pré-escola irão demandar que ela continue existindo no primeiro grau. Professores que vivenciem uma verdadeira Comunidade de Investigação com seus alunos relutarão em trabalhar apenas nos velhos moldes. Splitter e Sharp dizem: "De uma perspectiva mais ampla, a inabilidade - acoplada a uma falta de desejo - para envolver-se numa conversação séria é um traço das sociedades no mundo todo (mais em algumas do que em outras), e é dramática demais para sugerir que muito do conflito no qual o mundo hoje se encontra poderia ter sido evitado, e quase certamente poderia ser resolvido, se os principais envolvidos fossem capazes e estivessem inclinados a se engajar em diálogo uns com os outros." Para a Educação para o Pensar, 5 a 7 anos não é cedo demais para começar a trabalhar na Comuinidade de Investigação. As crianças são capazes de se envolver em discussões coerentes, aprofundadas (ao nível delas, não de um grupo de adultos) e devem ser estimuladas a buscar, no espaço da Comunidade de Investigação, a razoabilidade tão necessária para a vida de hoje e de amanhã. O verdadeiro diálogo não existe sem ela e, sem a perspectiva da possibilidade de diálogo efetivo fica difícil imaginar um futuro melhor. E nós não desistimos do futuro melhor.
  • 34. Bibliografia: Borghi, Quinto, Le cose, il tempo e la natura. Bologna, Nicola Milano Editore, 1993 Cam, Philip, Thinking Together; Philosophical Inquiry for the Classroom. Sydney, Primary English Teacher Association and Hale & Iremonger, 1995. Cunha, Marcus Vinícius da, John Dewey - Uma filosofia para educadores em sala de aula. Petrópolis, Editora Vozes, 1994 Lipman, Matthew, O Pensar na Educação. trad. de Ann Mary Fighiera Perpétuo. Petrópolis, Vozes, 1995 Lipman, Matthew; Sharp, Ann M. e Oscanyan, Frederick S.. Filosofia na Sala de Aula, trad. de Ana Luiza Fernandes Falcone. São Paulo, Nova Alexandria, 1994. Lipman, Matthew; Gazzard, Ann, Getting Our Thoughts Togother; Instructional Manual to Accompany Elfie. Upper Montclair, IAPC, 1988. Loschi, Tiziano, I discorsi e le parole. Bologna, Nicola Milano Editore, 1994 Mandel, Sylvia; Reed, Ronald, Rebeca: Manual de Instruções. (trad. da autora) São Paulo, Difusão de Educação e Cultura, Filosofia para Crianças, 1996. Matthews, Gareth, Phylosophy and the Young Child. Cambridge, Harvard University Press, 1980 Rego, Teresa Cristina, Vygotosky - Uma perpectiva histórico - cultural da educação. Petrópolis, Editora Vozes, 1995 Sharp, Ann M., Algumas pressuposições da Noção "Comunidade de Investigação" , A Comunidade de Investigação e o Raciocínio Crítico, Coleção Pensar, São Paulo, CBFC, p.5-15, 1995. Splitter, Laurance; Sharp, Ann M., Teaching for Better Thinking; The Classroom Community of Inquiry, Melbourne, ACER, 1995. SINASCEL-CISL, I nuovi orientamenti per la scuola materna, 1991 EDUCAÇÃO: UMA JORNADA FILOSÓFICA Ann Margaret Sharp Construir comunidades de investigação nas salas de aula.