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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ


         ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA




Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins




                        Belém
                         2012
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          ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA




Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins




                                  Trabalho de Conclusão de Curso
                                  apresentado para obtenção do grau de
                                  Licenciado em Letras – Língua
                                  Portuguesa pela Universidade do Estado
                                  do Pará, sob a orientação da Profª Drª
                                  Eliete de Jesus Bararuá Solano e co-
                                  orientação da Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina
                                  Parente Monteiro Alencar.




                        Belém
                         2012
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                         Dados Internacionais de Catalogação na publicação
                   Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA


          Oliveira, Ellen Cristiane de Souza

          Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins. / Ellen Cristiane de Souza,
Belém, 2012.

           Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Letras-Língua Portuguesa)
          Universidade do Estado do Pará, Belém, 2012.

           Orientação de: Eliete de Jesus Bararuá Solano; Co-orientação de: Joelma Cristina Parente
Alencar

          1. Sociolinguística. 2. Índios da América do Sul. I. Solano, Elite de Jesus Bararuá
       (Orientador). II. Alencar, Joelma Cristina Parente (Co-orientador) III. Título.


                                                                             CDD: 21 ed. 306.44
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                          ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA




                     Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins




Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Licenciado em Letras – Língua
Portuguesa pela Universidade do Estado do Pará, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Eliete de Jesus Bararuá Solano e
co-orientação da Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar.




                                           Banca Examinadora


____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Eliete de Jesus Bararuá Solano (UEPA) – Presidente


____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar (UEPA) – Membro interno


____________________________________________________
Prof.ª Ms. Mara Silvia Jucá Acácio (UEPA) – Membro interno


____________________________________________________




Aprovado em:
Belém,______ de__________de 2013.
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Ao Povo Suruí-Aikewara, pelo carinho, respeito e hospitalidade
         com que me receberam; pela disposição em participar
              e contribuir para este trabalho, manifesto minha
                               gratidão e dedico este trabalho.
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                                  AGRADECIMENTOS




Meus sinceros agradecimentos


À Edna Oliveira e José Augusto Rosa pelo empenho em oferecer o melhor aos seus filhos:
amor e educação.


Aos meus irmãos Andrey e Andreza, pela paciência, carinho, compreensão e principalmente
por proporcionarem os momentos de leveza que tanto precisei.


À Maria Cristina de Souza Oliveira (in memoriam), pelo amor, apoio e conselhos sábios e
inesquecíveis.


À Silvia Maria Aguiar Rezende, pelos conselhos e apoio inestimáveis que contribuíram ao
meu despertar acadêmico.


À Prof.ª Dr.ª Eliete Bararuá Solano, minha orientadora, pela acolhida acadêmica, pelas
preciosas e incansáveis orientações, pela disposição em me ajudar em tudo que precisei e por
me apresentar aos estudos das línguas indígenas, experiência determinante para minha escolha
acadêmica e profissional.


À Prof.ª Dr.ª Joelma Monteiro Alencar, responsável por despertar meu interesse pelos estudos
indígenas, pelos conselhos providenciais e disponibilidade em me ajudar sempre.


À Prof.ª Ph.D. Josebel Akel Fares, pelo apoio e pela iniciação na pesquisa, experiências que
contribuíram ao meu aprendizado sobre ciência dos livros e da vida.


À Prof.ª Dr.ª Juliana Araújo, pelos constantes incentivos acadêmicos.


À Prof.ª Dr.ª Eneida Assis, pelo apoio e conversas-conselhos acadêmicos.


Àqueles que contribuíram para minha constituição acadêmica: Prof.ª Ma. Mara Jucá, Prof.ª
Ma. Rosana do Vale, Prof.ª Ma. Ionéli Bessa, Prof. Me. Almir Rodrigues, Prof. Me. José
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Denis Bezerra, Prof. Me. Alonso Jr., Prof. Me. Hilton Silva, Prof. Dr.. Homerval Teixeira,
Prof.ª Ma. Margareth Alves, Prof. Me. Maurício Garcia, Prof. Me. Marco Jaime, Prof. Dr.
Fernando Costa, Prof.ª Ma. Kátia Andrea, Prof.ª Ma. Isilda Cordeiro, Prof. Dr. Marco Antonio
Camelo e Prof. Dr. José Anchieta.


Aos colegas de pesquisa e/ou de campo: Alexandra Borba, Plumma Corêcha, Thomas Alves,
Tymykong Suruí, Ikatu Suruí, Murué Suruí, Tiape Suruí, Se’a Suruí, Francivaldo Freitas,
Matânia Suruí, Amoneté Suruí, Saru Suruí, Arawi Suruí, Awarua Parakanã, Roitong Suruí,
Nani Suruí, Winurru Suruí, e Warikatu Suruí, pelos preciosos auxílios.


Aos meus amigos e colegas Emídio Bahia, Camila Maciel, Marcelo Tavares, Amanda
Quaresma, Renata Colares, Évila Neves, Bianca Rodrigues, Douglas Rodrigues, Marcelo
Deusdedith, Anna Monteiro, Tayná Zalouth, Raimundo Cesário Neto, Liege Lira, Marcilene
Braga, Brena Sena, pela parceria a união ao longo da graduação.


À Capes, pelo financiamento do Projeto Observatório da Educação Escolar Indígena que
possibilitou o desenvolvimento dessa pesquisa.


Ao Deus, que é amparo, palavra e ponto final em tudo o que faço, por sempre me colocar no
exato lugar, acompanhada das pessoas com as quais deseja que eu esteja e aprenda!
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                                          RESUMO



        Este trabalho apresenta resultados e reflexões acerca da situação sociolinguística da
Língua Suruí do Tocantins, língua materna do Povo Suruí-Aikewara (Estado do Pará). A
Aldeia Sororó, lócus da pesquisa, está localizada entre os municípios de São Domingos do
Araguaia e São Geraldo do Araguaia, população com a qual esse povo mantém intenso
contato. O objetivo da pesquisa é descrever a situação sociolinguística da língua Suruí do
Tocantins falada na Aldeia Sororó, considerando-se os seguintes aspectos: quantidade de
falantes monolíngues e multilíngues de acordo com as variáveis gênero e faixa etária e usos
linguísticos orais e escritos desenvolvidos na aldeia. Tem-se como referenciais teóricos Labov
(2008), Tarallo (1986) e Paiva (2012) referentes à Sociolinguística; os estudos de Hammers e
Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer (2008) e Couto (2009) são utilizados para tratar do
Bilinguismo; sobre usos linguísticos orais e escritos e estes usos em comunidades indígenas
tem-se como base os trabalhos desenvolvidos por Calvet (2011), D’Angelis (2007), Meliá
(1979), Monte (1994), Gnerre (2003), Maher (1990) e Monserrat (1989). A abordagem da
pesquisa é qualitativa e o levantamento de dados foi realizado através da observação
participante e aplicação de formulários sociolinguísticos, adaptados para a realidade da Aldeia
Sororó a partir dos questionários desenvolvidos por Aquino (2010) e Silva (2001). A
aplicação dos formulários foi realicada com 177 índios da etnia Suruí-Aikewara a fim de
identificar o quantitativo de falantes monolíngues e bilíngues. A observação participante teve
a finalidade de conhecer o contexto sociocultural do povo e seus usos linguísticos orais e
escritos. Os dados levantados revelaram que grande parte da população é bilíngue; os usos
linguísticos orais são realizados em ambas as línguas pelos indivíduos bilíngues; e, nos usos
linguísticos escritos há predominância da Língua Portuguesa. Espera-se que este trabalho
possa contribuir para o conhecimento da realidade sociolinguística do Povo Suruí-Aikewara e
para o desenvolvimento de projetos de fortalecimento linguístico.

Palavras-chave: língua Suruí do Tocantins, Povo Suruí-Aikewara, Sociolinguística.
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                                           RÉSUMÉ



         Cet rapport présente les résultats et les réflexions sur la situation sociolinguistique de
la langue Suruí Tocantins, langue maternelle du peuple Suruí-Aikewara (Pará). Le Sororó
Village, lieu de recherche, est situé entre les villes de São Domingos do Araguaia et São
Geraldo do Araguaia, de la population avec laquelle ce peuple est en contact intense.
L'objectif de cette recherche est de décrire la situation sociolinguistique Suruí Tocantins
langue parlée dans le village de Sororó, en tenant compte des aspects suivants: le nombre de
locuteurs monolingues et multilingues en fonction de leur sexe et de l'âge et utilisations
linguistique orale et écrite développés dans le village. En ayant comme référentielle théorique
Labov (2008), Tarallo (1986) et Paiva (2012) en ce qui concerne Sociolinguistique; études de
Hammers et Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer (2008) et Couto (2009) sont utilisés pour
traiter l'le bilinguisme; utilisations du langage oral et écrit et ces usages dans les communautés
autochtones a été basée sur le travail développé par Calvet (2011), d'Angelis (2007), Melia
(1979), Monte (1994), Gnerre (2003), Maher (1990) et Montserrat (1989). l'approche de
recherche est de nature qualitative et la collecte des données a été réalisée par l'observation
participante et à l'application de questionnaires sociolinguistiques, adaptés à la réalité de la
Sororó Village à partir de questionnaires élaborés par Aquino (2010) et Silva (2001), avec 177
Indiens ethniques Suruí-Aikewara pour identifier la quantité des locuteurs monolingues et
bilingues. L'observation participante a été conçu pour répondre au contexte socio-culturel du
peuple et de leurs usages oraux et la langue écrite. Les données recueillies ont révélé qu'une
grande partie de la population est bilingue; utilisations linguistique orale sont effectuées dans
les deux langues par des personnes bilingues, et le utilisation linguistique écrite est réalisé
principalement dans le langue portugaise. Il est à espérer que ce travail contribuera à la
connaissance de la réalité sociolinguistique du peuple Suruí-Aikewara et de développer des
projets pour renforcer la langue.

Mots-clés: Suruí Tocantins langue, Peuple Surui-Aikewara, la Sociolinguistique.
9




                                  SUMÁRIO



INTRODUÇÃO                                                      10

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O POVO SURUI-AIKEWARA                     12
1.1 O POVO SURUI-AIKEWARA                                       12
1.2 HISTÓRICO DO CONTATO                                        13
1.3 LOCALIZAÇÃO                                                 14
1.4 ESPAÇOS DA ALDEIA SORORÓ                                    16
1.5 SUBSISTÊNCIA                                                19
1.6 ASPECTOS SOCIOCULTURAIS                                     20
1.7 ASPECTOS LINGUÍSTICOS                                       24

2 SOCIOLINGUÍSTICA, BILINGUISMO E USOS LINGUÍSTICOS             27
2.1 SOCIOLINGUÍSTICA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES
TEÓRICO-METODOLÓGICAS                                           27
2.1.1 Variáveis e variantes sociolinguísticas                   29
2.2 BILINGUISMO E INDIVIDUO BILÍNGUE                            30
2.2.1 Contato entre línguas e comunidades indígenas bilíngues   32
2.3 USO DAS LÍNGUAS NAS MODALIDADES
ORAL E ESCRITA EM COMUNIDADES INDÍGENAS                         35
2.3.1 A modalidade oral                                         35
2.3.2 A modalidade escrita                                      37

3 A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA NA ALDEIA SORORÓ                  40
3.1 ATORES, INSTRUMENTOS E MÉTODOS DA PESQUISA                  41
3.2 FALANTES MONOLÍNGUES E BILÍNGUESDE ACORDO COM AS
VARIÁVEIS GÊNERO E FAIXA ETÁRIA                                 42
3.3 OS USOS LINGUÍSTICOS ORAIS E ESCRITOS DA ALDEIA SORORÓ      46

CONSIDERAÇÕES FINAIS                                            50

REFERENCIAS                                                     54

ANEXOS                                                          57
10

INTRODUÇÃO


      Tão importante quanto os estudos de descrição e documentação de línguas indígenas
são os estudos sociolinguísticos que as tem como objeto. Devido à dificuldade que se tem em
identificar nas pesquisas descritivas os falantes nativos dentro da densidade demográfica
ocorre, em muitos casos, tomar-se por quantidade de falantes o número de indivíduos que
compõem a população. (Moore; Galucio; Gabas Júnior, 2008). O estudo sociolinguístico das
línguas indígenas, além de revelar a real quantidade de falantes nativos da língua, fornecem
dados que permitem, entre outros aspectos, verificar a demografia, a quantidade de falantes
bilíngues e monolíngues, o contexto sociocultural, os usos linguísticos orais e escritos e seus
contextos, a vitalidade e a transmissão intergeracional da língua.
       O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu a partir de uma breve visita à Aldeia
Sororó em maio de 2012, juntamente com coordenadores do Curso de Licenciatura
Intercultural da Universidade do Estado do Pará – UEPA, a fim de aplicar a prova de seleção
do curso aos candidatos Suruí-Aikewara. Na ocasião foi possível notar significativa
quantidade de índios falantes da língua portuguesa, porém não havia clareza da quantidade de
falantes da língua indígena e os usos de ambas as línguas; ciente de que o fato poderia e
deveria ser investigado empiricamente, decidiu-se pela realização dessa pesquisa.
       O objetivo principal da pesquisa é descrever a situação sociolinguística da língua Suruí
do Tocantins falada na Aldeia Sororó. Escolheu-se a referida aldeia por apresentar maior
densidade populacional. A abordagem desta pesquisa é qualitativa e foram utilizados como
instrumentos para o levantamento de dados a observação participante e formulários
sociolinguísticos. O levantamento bibliográfico precedeu a pesquisa de campo, essa última foi
realizada no período de 11 a 22 de agosto de 2012. Os formulários sociolinguísticos foram
respondido por 177 Aikewara, dos sexos masculino e feminino das faixas etárias de 12 a 21
anos, 22 a 40 anos, 41 a 60 anos e acima de 60 anos, com finalidade de identificar quais os
falantes bilíngues e monolíngues, seus usos linguísticos e suas práticas de leitura e escrita; a
observação participante possibilitou conhecer aspectos do contexto sociocultural, no qual está
inserido o Povo Suruí-Aikewara e as práticas de leitura e escrita desenvolvidas na aldeia.
       A presente pesquisa tem como questão norteadora “qual a situação socioliguistica da
língua Suruí do Tocantins falada na Aldeia Sororó?”. Além do objetivo geral supracitado têm-
se os seguintes objetivos específicos: i) Levantar a bibliografia existente sobre os aspectos
linguísticos e socioculturais do Povo Suruí-Aikewara; ii) Identificar os falantes monolíngues,
11

bilíngues ou multilíngues e suas respectivas línguas de acordo com as variáveis sexo e idade;
iii) Identificar os usos linguísticos orais e escritos desenvolvidos na comunidade.
       Espera-se com esta pesquisa contribuir para o estabelecimento de um projeto de
fortalecimento da língua nativa do Povo Suruí-Aikewara tanto no sentido de valorização da
língua oral, principalmente pelas crianças e jovens, quanto no ensino/aprendizagem da língua
escrita, como forma de não deixá-la ser esquecida, diante da força imperiosa da língua
portuguesa.
       Este trabalho está organizado em cinco partes: Introdução, Capítulo 1, Capítulo 2,
Capítulo 3 e Considerações Finais. Na Introdução, como de praxe, são apresentados os
aspectos relativos ao trabalho: relevância da pesquisa, metodologia, objetivos e hipóteses.
       Neste trabalho capítulo 1 apresenta aspectos socioculturais do Povo Suruí-Aikewara,
como contato com a população envolvente, subsistência, atividades tradicionais e inseridas
com o contato, localização e espaços da aldeia, e aspectos linguísticos.
       O capítulo 2 versa sobre o embasamento teórico do trabalho, nele são apresentados
estudos e teorias referentes à Sociolinguística, Bilinguismo e usos orais e escritos em
comunidades indígenas bilíngues.
       O capítulo 3 expõe os dados obtidos na pesquisa. Nesse capítulo é apresentado a
demografia, o quantitativo de falantes monolíngues e bilíngues, de acordo com as variáveis
gênero e faixa etária, e os usos linguísticos orais e escritos praticados na aldeia.
       Em Considerações Finais são discutidos os resultados obtidos relacionando-os com as
discussões teóricas e contexto sociocultural. Essa parte do trabalho é sucedida por
Referencias e Anexos, onde podem ser verificados os instrumentos de coleta de dados.
12

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O POVO SURUI-AIKEWARA


1.1 O Povo Surui-Aikewara


       Segundo relatos de Ywynuhu Suruí apud Mastop-Lima (2002), os Suruí-Aikewára são
originários de um único grupo que, após disputa interna por uma ave semelhante ao papagaio,
foi dividido em três etnias: Asuriní do Tocantins, Parakanã e Suruí-Aikewára.
       Suruí foi o nome atribuído ao grupo por Frei Gil Gomes Leitão. Também são
conhecidos por Suruí do Pará, forma de distingui-los dos Suruí de Rondônia. Mudjetire é o
nome pelo qual lhes chamam os Kayapó. Aikewára é sua autodenominação, que significa
“nós, a gente”. Esse é o motivo de empregar-se neste trabalho o termo composto Suruí-
Aikewára. São falantes de língua homônima pertencente ao tronco linguístico Tupi, família
linguística Tupi-Guarani (RODRIGUES, 2002); língua conhecida na literatura científica por
Suruí do Tocantins. A partir do contato, em meados da década de 1940, aprenderam também
o português brasileiro.
       O território habitado pelos Suruí-Aikewára é de predominância de indígenas do grupo
linguístico Jê. De acordo com Arnaud (1989), na região Tocantins-Xingu habitam as
seguintes etnias de origem Tupi e os respectivos referenciais hídricos: Akuáwa-Asuriní
(Trocará, Tocantins); Suruí-Mudjetíre (Sororozinho – Tocantins); Parakanân (Tocantins –
Xingu); Asuriní do Xingu (Piaçaba) e Araweté (Ipixuna - Xingu). Como se pode observar no
Mapa 01 abaixo:
13




                         Mapa 01: Localização dos povos de origem Tupi.
            Fonte: ARNAUD, Expedito. O Índio e a Expansão Nacional. Belém: CEJUP, 1989.




1.2 Histórico do Contato


       Segundo Laraia & Matta (1967), as primeiras notícias sobre os Suruí-Aikewára foram
feitas em 1923, por “Frei Antonio Sala, na revista dominicana Cayapós e Carajás: “Sororós –
raça ainda não identificada, meio bravos, vagam pelas cabeceiras do rio Sororó, afluente
direito do Itacaiúnas, defronte da povoação de Santa Isabel”. (op. cit., p. 29).
14

          Os primeiros registros de contato com a sociedade envolvente datam de 1947. O Povo
Suruí ao aproximarem-se de coletores de castanha esses “abriram fogo contra os indígenas
ferindo alguns deles.” (loc. cit.). Em 1952, Frei Gil Gomes empreendeu a primeira tentativa
de pacificação, no ano seguinte obteve o primeiro contato. Em 1960, com a morte do cacique
Musenai e o enfraquecimento do grupo, o regional João Corrêa tentou transformar os índios
em caçadores de pele, para tal utilizou-se do pretexto de civilizá-los e assim cometeu,
juntamente com seus comparsas, verdadeiras barbáries entre o povo: da devastação das roças
à prostituição das mulheres, além da disseminação da gripe.
          Estes episódios levaram à diminuição do grupo a cerca de 40 indivíduos. Com
intervenção de Frei Gil em 1960, a expulsão dos intrusos e a guarda da área por um
empregado dele, os Suruí-Aikewára puderam retomar o plantio das roças e seus hábitos
tradicionais.
          Os Aikewara, para retomar sua população, abandonaram seu controle de natalidade e
realizaram poligamia e casamentos com índios de outras etnias e com não índios. Não há
notícia se a poligamia ainda é praticada, mas os casamentos com índios de outra etnia e
“kamará1” ainda é praticado.
          Aproximadamente cinco décadas após os primeiros contatos os Suruí-Aikewára
constituem uma população de aproximadamente 400 pessoas (cf. SESAI, 2012) que habitam a
Terra Indígena (TI) Suruí Sororó.


1.3 Localização


          A TI do povo Suruí-Aikewara está localizada ao Sudeste do Estado do Pará entre os
municípios de Marabá, São Geraldo do Araguaia e São Domingos do Araguaia. O acesso se
dá pela rodovia BR-153, a qual corta a TI. A área da TI é de 26.257 ha e 73.706 km de
perímetro (cf. DODDE, 2012). Possui duas aldeias habitadas: Aldeia Sororó e a Aldeia Itahy.
Possui ainda outras aldeias abandonadas pelos Suruí, em razão de constantes alagamentos
durante o período de chuvas.
          A TI tem como referencias hídricas os igarapés Gameleira (afluente do Rio Araguaia)
e Grotão dos Caboclos (um dos formadores do Sororó, afluentes do Rio Itacaiúnas, um dos
tributários do Rio Tocantins). O córrego Água Preta liga-se indiretamente ao Rio Itacaiúnas, e
“norteia a utilização do território para caça e coleta de frutos e outros recursos não


1
    Não índio.
15

madeireiros, além de ser utilizado atualmente como a principal fonte de pesca”. (op. cit., p.
97) Como se verifica no Mapa 02 abaixo:




                                                                                          Mapa 02: Terra Indígena Suruí Sororó. Extraído de: Dodde, 2012.
16

1.4 Espaços da Aldeia Sororó


       A Aldeia Sororó é a mais antiga da TI, nela há maior concentração populacional com
aproximadamente 370 pessoas, distribuídas em pouco mais de 72 famílias (cf. SESAI, 2012).
É constituída por espaços de convívio, subsistência e habitação dos Suruí-Aikewára.
       Nesta aldeia ultrapassando o portão de entrada há uma casa de guarda e um curral.
Seguindo pela estrada principal, ultrapassando algumas ladeiras e percorridos alguns
quilômetros há as primeiras casas, o posto de saúde que atende à população da aldeia e
finalmente a entrada da aldeia.
       As casas da aldeia estão dispostas de modo a formar um círculo com pátio ao centro,
onde está localizado o campo de futebol, onde os Aikewara se reúnem às tardes para jogar
futebol (Figura 01); e a “Casona” (Figura 03), um local de reuniões internas e externas. Na
aldeia, há uma igreja evangélica, uma casa para alojar professores da educação básica que
trabalham na escola da aldeia, o posto da FUNAI e a Escola Indígena Moroneikó Suruí.




            Figura 01: Jogo de futebol no pátio da Aldeia Sororó. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.
17

       Na aldeia há casas tradicionais construídas de madeira e palha (Figura 02) e casas de
alvenaria (Figura 03) construídas recentemente, fomentadas pelo governo federal. Essas casas
possuem banheiro e fossa séptica. Em geral na unidade territorial onde é construída uma casa
abriga-se mais de uma família que se agrega à família principal através do casamento
matrilocal - no qual o noivo muda-se para a casa dos pais da noiva; ou patrilocal, no qual a
noiva muda-se para a casa dos pais do noivo.




               Figura 02: casas tradicionais da Aldeia Sororó. Foto: Joelma Alencar, 05/2012.


       Todas as casas são abastecidas por energia elétrica e muitas possuem aparelhos
eletrônicos como televisores e rádios, e eletrodomésticos como ventiladores e refrigeradores
(para conservação de carnes). Algumas têm água encanada proveniente de cinco caixas-
d’água que abastecem a aldeia, com água retirada de poços artesianos. As famílias que não
possuem água encanada em casa buscam água na Escola Moroneikó e armazenam em galões.
18




 Figura 03: “Casona” no pátio da aldeia. Ao fundo casas recém construídas. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.




       Os Aikewara costumam fazer roças coletivas e familiares em áreas que, assim como
seus locais de caça e pesca, estão situados um pouco distante do pátio. Existe um local
denominado de “Açaizal” (Figura 04), onde os Aikewara costumam colher frutas, lavar
roupas e se banhar no Igarapé Gameleira, principalmente os mais velhos; embora a Aldeia
seja abastecida por água encanada.
19




 Figura 04: Igarapé Gameleira localizado no Açaizal – Aldeia Sororó. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.




1.5 Subsistência


       A subsistência dos Suruí-Aikewára advém da caça, pesca, agricultura, coleta e
comercialização de alguns produtos, entre eles a castanha-do-pará. Observou-se que o grupo
utiliza o cultivo rotativo: a cada ano uma área diferente é preparada (derrubada da mata)
permitindo que a área utilizada no plantio anterior se recupere. Os principais produtos
cultivados são mandioca, milho, fava, feijão, banana, cará, inhame e macaxeira.
       Da caça e da pesca advém a fonte de proteínas. A caça é atividade constante entre os
Suruí-Aikewára. De predomínio masculino, pode ocorrer de modo individual ou coletivo. Os
principais animais objeto da caçada são: porco do mato/porcão, veado, anta, paca, cotia,
macaco, jabuti, tatu, também apreciam muito a carne de jacaré. E aves, como arara, papagaio,
tucano, mutum, entre outras das quais tanto se alimentam como aproveitam as penas para
fazer artefatos. A pesca é permitida às mulheres e crianças, utilizam como isca as larvas que
se criam dentro do coco babaçu.
20

          Ressalta-se que durante a pesquisa de campo, não raro, ouvia-se reclamações dos
índios pela escassez de caça e peixes. A excassez de caça os Aikewara atribuem à invasão da
TI por caçadores ilícitos e às queimadas que se tornaram constantes a partir da abertura da
BR-153; já a escassez de peixes os Aikewara consideram consequência dos impactos da
Barragem Santa Izabel. Este fato é um indício que essas atividades permanecem cultivadas na
aldeia como modo de manutenção do ritual.
          A coleta de frutas, castanha e mel complementa a alimentação e gera renda aos Suruí.
As principais frutas coletadas são: cupuaçu, banana, bacaba e açaí; é comum a participação
das crianças nessa atividade. Limão e caju são cultivados no quintal das casas. Graviola,
bacuri e abacaxi também compõem a dieta. A castanha e o mel são fontes de alimentação e
renda. O excedente do mel é comercializado nas cidades próximas à aldeia ou com os
funcionários da FUNAI.
          A safra de castanha-do-pará ocorre entre os meses de dezembro a março, ou abril, do
ano seguinte. Nesse período os Suruí-Aikewára adentram a mata e permanecem de cinco a
dez dias, a depender do estoque de alimentos levados. O transporte da castanha para a aldeia é
feito no carro da aldeia, por animais de carga ou num pequeno trator. Segue para ser
comercializada em São Domingos do Araguaia ou Marabá no caminhão fretado pelo cacique
Mairá. Com o dinheiro da venda da castanha são comprados, nos mesmos municípios,
alimentos que abastecem os Suruí-Aikewára. (MASTOP-LIMA, 2002).


1.6 Aspectos Socioculturais


          O Povo Suruí mantém intenso contato com os habitantes dos municípios próximos -
São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande e Marabá - são relações
comerciais, trabalhistas e busca por serviços médicos. Alguns regionais também frequentam a
aldeia: professores não indígenas, que ministram aulas na escola da aldeia, representantes de
igrejas evangélicas e católicas que visitam a aldeia, e outras pessoas que são convidadas a
visitar a aldeia em momentos festivos.
          Há também o contato cultural e linguístico estabelecido em função dos casamentos.
Embora entre o Povo Suruí-Aikewara alguns pais ainda preservam a tradição do casamento
arranjado, a escolha do parceiro matrimonial tem se tornado comum. E assim são realizados
casamentos entre índios Aikewara e regionais ou entre Aikewara e índios/índias de outras
etnias.
21

          Elementos culturais tradicionais integram-se a elementos inseridos a partir do contato.
Como exemplo tem-se a comemoração do aniversário de nascimento. Cita-se a comemoração
do centenário do Pajé Awasai, presenciado no segundo período de pesquisa de campo. Em
razão do aniversário havia presença de muitos regionais, os kamará; carne de diversas caças
acompanhadas por arroz, salada e farinha (manime) foi servida aos convidados: índios e não-
índios. Por se tratar de um momento festivo, os índios fizeram a pintura corporal, cujos traços
representam elementos da fauna, da flora e do universo desse povo, como a pintura do jabuti
(sauti), a pintura de cobra (moj) ou a da anta (tapi’ira).
          A pintura corporal, feita em diferentes momentos sociais, também constituiu um dos
processos de preparação para a dança do Sapurahái, praticada na ocasião (Figura 05). Essa
dança é realizada por homens, mulheres e crianças. Segundo Silva, G. (2007) tem a finalidade
de afastar da aldeia os espíritos que levam doenças para os Aikewara. Nesta dança além de
cocar (araraw) alguns homens empunham arco e flecha.
          Os cantos que conduzem a dança são acompanhados pelo wapusá (maracá) fabricado
“(...) com Cuipí/Cuité (Crescentia cujete L.), sementes de Mungulú, axixá, Inimó/Fio de
algodão, Akamacyrona/Taquara (Guadua angustifólia Kunth) e penas de arara.” (SILVA, G.,
2007, p. 106).
          Dias depois de ocorrida a festa de aniversário, ao conversar com alguns índios jovens,
verificou-se que a comemoração do aniversário não é uma tradição dos Aikewara, eles
iniciaram esta prática por influencia dos brancos. Mais alguns dias decorridos se presencia
uma mãe comentar com outra que naquela semana foi aniversário de uma de suas filhas e ela
esqueceu 2.




2
    Informação verbal em pesquisa de campo.
22




  Figura 05: Anciãos Aikewara se preparando para iniciar a dança do Sapurahái em comemoração ao
  centenário do Pajé Awasai (sentado). Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.




       A Festa dos Karuára não foi presenciada em pesquisa de campo, mas é descrita na
literatura sobre o Povo Suruí, especificamente nos trabalhos de Mastop-Lima (2002) e Silva,
G. (2007). Trata-se de um ritual de reverência aos espíritos, e seu início é anunciado por um
vento forte, que traz o espírito Karuára, o pajé avisa a comunidade e ordena que queimem as
roças, para com elas serem queimadas as “coisas ruins”. A preparação e o ritual duram alguns
dias: a construção da tukása (casa ritual onde os espíritos serão aprisionados), a pintura
corporal, a confecção de artefatos e cigarros a serem utilizados no ritual. É um ritual de
predomínio masculino. E aos homens somam-se algumas mulheres somente no momento da
dança no pátio da aldeia (Figura 06).
23




               Figura 06: Suruí-Aikewára dançando em frente à tukása. Fonte: Silva, G., (2007).



           Os Suruí-Aikewára ainda preservam outros elementos de sua cultura material e
imaterial. Entre as tradições orais, mitos, ritos e instrumentos musicais destacam-se alguns:
entre os mitos há registro 3 dos seguintes: Mito da criança que tinha rabo; Mito da origem dos
kamará; Mito do tamanduá; Mito da obtenção do fogo; Mito da índia que engravidou do pau;
Mito da cobra; Mito do urubu-rei; Mito da origem das caças; Mito da mucura; Mito da cutia e
Mito de origem .
           Além do wapusá, citado anteriormente, os Suruí utilizam e confeccionam outros
instrumentos musicais como Symya (flautas), Sykã (chocalho em cacho) e Sautikapeháw
(casco de jabuti). E artesanatos como anéis, pulseiras, colares e redes; fios de algodão,
sementes e miçangas são as matérias-primas desses artigos, que além de utilizados como
adornos próprios, também são comercializados com os kamará, que visitam a aldeia e se
interessam pelos artigos. Confeccionam brinquedos; os araraw com penas de pássaros,
flechas e armadilhas de caça; vestes e outros adornos utilizados nas danças ou rituais.




3
    Op. Cit.
24

1.7 Aspectos Linguísticos


       Historicamente, o Tupinambá foi a língua que falavam os índios da costa brasileira
quando chegaram os primeiros colonos portugueses. Esta língua se tornou língua genérica
devida ao estereótipo de língua brasileira, deu origem a gramáticas e foi a mais utilizada nas
missões jesuítas. Penetrou a Amazônia devido às constantes migrações do Povo Tupinambá.
(DIETRICH, 2010, p. 12).
       Conforme Rodrigues (2000) na região que compreende a bacia hidrográfica do Rio
Amazonas há o predomínio das famílias linguísticas Aruák, Karib e Tupi-Guarani. Esta
última foi composta a partir da hipótese formuladas por linguistas que, através de estudos
histórico-comparativos, verificaram a existência de correspondências regulares de aspectos
fonológicos, lexicais e morfossintáticos, entre as línguas Tupinambá e o Guarani Antigo.
       Formulou-se então a hipótese de que ambas têm a mesma origem em uma proto-
língua. Portanto, devido às semelhanças entre a Língua Tupi e Guarani, como pode ser
observado, em uma simples amostragem, no vocabulário da tabela abaixo, os linguistas
consideram que as duas línguas constituem única família linguística: Tupi-Guarani.




                Fonte: RODRIGUES, 1994 p.30




       Essa família linguística, por sua vez, deu origem a outras línguas, que são agrupadas
por Rodrigues & Cabral (2002), em oito subconjuntos:
25




                       Fonte: RODRIGUES & CABRAL (2002), p.335.


       A Língua Suruí pertence ao subconjunto IV da família Tupi-Guarani; juntamente com
as línguas Tapirapé, Asuriní do Tocantins, Parakanã, Avá-Canoeiro, Tembé, Guajajára e
Turiwára. Na tabela abaixo é possível visualizar a classificação das línguas em cada
subconjunto.


Quadro I: Nova constituição interna da família Tupi-Guarani

Ramo I:                               Guarani Antigo
                                      Kaiwá (Kayová, Pãi), Ñandeva (Txiripá),             Guaraí
                                      Paraguaio
                                      Mbyá
                                      Xetá (Serra dos Dourados)
                                      Tapieté, Chiriguano (Ava), Izoceño (Chané)
                                      Guayaki (Axé)

Ramo II:                              Guarayo (Guarayú),
                                      Sirionó, Horá (Jorá)

Ramo III:                             Tupí, Língua Geral Paulista (Tupí Austral)
                                      Tupinambá, Língua Geral Amazônica (Nhe’engatú)

Ramo IV:                              Tapirapé
                                      Asuriní do Tocantins, Parakanã, Suruí (Mujetire),
                                      Avá-Canoeiro
                                      Tembé, Guajajára, Turiwára

Ramo V:                               Araweté, Ararandewára-Amanajé, Anambé do Cairarí
                                      Asuriní do Xingu

Ramo VI:                              Kayabí, Apiaká
                                      Parintintín (Kagwahíb), Tupí-Kawahíb (Tupí do Machado,
                                      Pawaté, Wiraféd, Uruewauwau, Amondáva, Karipúna,
26

                                       etc.)
                                       Juma

Ramo VII:                              Kamayurá

Ramo VIII:                             Wayampí (Oyampí), Wayampípukú, Emérillon, Joé
                                       Urubu-ka’apór, Anambé de Ehrenreich
                                       Guajá
                                       Awré e Awrá
                                       Takunhapé

Ibid., p. 335-336



        Dos dados linguísticos produzidos sobre a língua Suruí do Tocantins foram
encontrados vocabulários; e a análise fonológica da língua realizada por Barbosa (1993). O
referido autor identificou na língua 23 fones consonantais, 13 fones vocálicos orais e 10 fones
vocálicos nasais.
        É importante citar que os alunos Aikewara do Curso de Licenciatura Intercultural, em
parcerias com professores da Universidade do Estado do Pará – UEPA e da Universidade de
Brasília – UnB, estão desenvolvendo projetos linguísticos de natureza fonético-fonológica,
morfossintática e lexical.
        A finalidade desses projetos é desenvolver a escrita oficial da língua Suruí que sirva
para o desenvolvimento de materiais didáticos, documentação da língua e correção dos nomes
próprios que, em grande parte, encontram-se grafados de modo equivocado.
27

2 SOCIOLINGUÍSTICA, BILINGUISMO E USOS LINGUÍSTICOS


          Este capítulo versará sobre as bases teóricas, que fundamentam a presente pesquisa. É
importante ressaltar que nas pesquisas sociolinguísticas em comunidades indígenas utilizam-
se diferentes bases teóricas, como aquelas pertinentes à Sociolinguística, Pragmática,
Linguística Cognitiva e outros. Pois, pesquisas dessa natureza objetivam conhecer o povo, sua
língua/línguas, as situações nas quais elas são utilizadas, e os valores que o povo atribuí à sua
lingua.
          Na primeira parte deste capítulo são utilizados os estudos de Labov (2008), Tarallo
(1986), Paiva (2012), Mollica (2012), Calvet (2002), Baernert-Fuerst (1989) e Cezário &
Votre (2009) referentes à Sociolinguística.
          Na segunda parte os estudos de Hammers e Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer
(2008), Santos (2008), Couto (2009) e Baniwa (2006) são utilizados para tratar do
Bilinguismo.
          Na terceira parte do capítulo são apresentados estudos sobre usos linguísticos orais e
escritos e estes usos em comunidades indígenas tem-se como base os trabalhos desenvolvidos
por Calvet (2011), D’Angelis (2007), Meliá (1979), Monte (1994) e Gnerre (2003), Maher
(1990) e Monserrat (1989). Em ambas as partes se recorrem aos estudos de Ribeiro (2001),
Aquino (2010) e Silva (2001) para ilustrar os fenômenos descritos.


2.1 Sociolinguística: conceitos e definições teórico-metodológicas


          A Sociolinguística é uma área da ciência linguística, que estuda a relação entre os
fatores socioculturais e a realização linguística em uma comunidade de falantes. Segundo
Cezário e Votre (2009) esta corrente concebe a língua como uma instituição social que deve
ser analisada em seu uso real considerando o contexto situacional, a cultura e a história das
pessoas que a fala.
          Os precursores dessa corrente manifestaram-se, no início do século XX, ao
defenderem a importância de considerar nas pesquisas linguísticas as influencias que fatores
sociais exercem sobre a mudança linguística. Calvet (2002) destaca entre eles: Antoine
Meillet, Paul Lafargue, Marcel Cohen, Basil Bernstein e William Bright.
          Meillet, embora discípulo de Saussure manifesta-se, após a publicação póstuma do
Curso de Linguística Geral, contrariamente à abordagem linguística estruturalista. Para ele, a
língua é um fato social e um sistema que tudo contém: “Por ser a língua um fato social resulta
28

que a linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode recorrer
para dar conta da variação linguística é a mudança social”. (MEILLET apud CALVET, 2002,
p. 16).
          Paul Lafargue e Marcel Cohen, influenciados pelo pensamento marxista, apresentaram
a hipótese de relação entre mudança linguística e mudança social. Para Lafargue (1894 apud
CALVET, 2002) a mudança linguística resulta de mudanças políticas; foi o que demonstrou
em seu estudo do vocabulário francês antes e depois da Revolução, publicado em 1894. Já
Cohen (1956 apud Calvet, 2002) pondera que os fatos da língua devem ser analisados sob um
olhar sociológico e não mais apenas categorizados teoricamente.
          Basil Bernstein (1975) e William Bright (1966) são os estudiosos que, pela primeira
vez, defedem a relação entre mudança linguística e condição social dos falantes. Os estudos
de Bernstein sobre educação o leva a constatar que, o fracasso escolar de crianças, relaciona-
se à classe social à qual pertencem; fato que se verificava na produção do código linguístico
das crianças. Assim as crianças da working class tinham um código mais restrito e as crianças
da midle class um código mais elaborado. (BERNSTEIN, apud CALVET, 2002, p. 25). Essa
foi a primeira tentativa de descrever as diferenças linguísticas a partir das diferenças sociais.
          Bright (1966), por sua vez, contribui ao pensamento sociolinguístico quando, durante a
conferência sobre sociolinguística realizada na UCLA (Universidade da Califórnia, Los
Angeles) em maio de 1964, esclarece sobre as tarefas da Sociolinguística: (...) é mostrar que a
variação ou a diversidade não é livre, mas que é correlata às diferenças sociais sistemáticas.
(BRIGHT apud CALVET, ibid., p. 29).
          Portanto, a Sociolinguística surge devido à necessidade das pesquisas linguísticas em
reconhecer as influencia dos fatores extralinguísticos sobre a realização do sistema
linguístico. E ganha estatuto de ciência a partir dos estudos de William Labov, responsável
por delimitar o objeto e os métodos da pesquisa sociolinguística.
          Labov (2008) define a língua como “um instrumento utilizado pelos membros da
comunidade para se comunicar entre si.” (LABOV, 2008, p.320). Essa definição reconhece o
caráter heterogêneo da língua, tendo em vista que uma comunidade, por seu turno, não é
homogênea, pois, comporta indivíduos de diferentes classes social e econômica, faixa etária,
etc; fatores que interferem/contribuem para a diversidade linguística. Labov estabelece que o
objeto de estudo da Sociolinguística é a “língua em uso dentro da comunidade de fala”
(LABOV, ibid., p.215). Assim os dados que o sociolinguista coleta provém da língua em uso
real por seus falantes: falas menos monitoradas realizadas em momentos nos quais os falantes
preocupam-se com o que dizem, não como dizem.
29

        Os métodos propostos para a coleta dos dados podem ser de natureza quantitativa,
como o uso de questionários sociolinguísticos, propostos por Labov, através dos quais o
pesquisador objetiva identificar a frequência de determinada variante e sua relação com a
variável pré-estabelecida. E pode ser de natureza qualitativa, como as observações
participantes a fim de conhecer o contexto histórico e sociocultural da comunidade.
(BAERNERT-FUERST, 1989).
        Considerar os aspectos extralinguísticos no processo de construção do sistema
linguístico significa reconhecer que este sistema sofre influências de fatores sociais da
comunidade falante e fatores individuais inerentes a cada indivíduo.       Portanto, significa
reconhecer a heterogeneidade e dinamismo das línguas naturais que desencadeiam o processo
de variação linguística.


2.1.1 Variáveis e variantes sociolinguísticas


        As línguas naturais, por seu caráter heterogêneo relacionado a fatores linguísticos e
extralinguísticos, apresentam-se dinâmicas. Esse dinamismo resulta em variações do sistema
linguístico de ordem fonológica, morfológica, sintática ou semântica determinados por fatores
internos ou externos à língua.
        Os elementos linguísticos que apresentam formas alternativas de realização são
denominados variantes: a presença ou ausência do /s/ como marca de plural na língua
portuguesa, por exemplo. Em geral, há uma oposição entre uma variante mais conservadora e
outra mais inovadora cuja realização é determinada por variáveis. Tanto o fenômeno da
variação quanto o grupo de fatores que o determina são conhecidos por variável. As variáveis
são consideradas dependentes, pois não se realizam de modo aleatório, mas obedecendo a
regras ou grupos de fatores chamados variáveis independentes, de natureza social ou
estrutural.
        Segundo Mollica (2012, p. 11) as variáveis são em grande número e agem
simultaneamente sobre as variantes. Fatores de natureza fonomorfossintático, semânticos,
discursivos e lexicais são considerados variáveis internas ao sistema. Dentre as variáveis
externas ao sistema linguístico há fatores pertinentes ao indivíduo (como etnia, faixa etária e
sexo), fatores sociais (escolarização, nível de renda, profissão e classe social), contextuais
(grau de formalidade ou tensão discursiva).
        As variáveis, agindo simultaneamente, exercem forças sobre as variantes, e são ao
mesmo tempo as “armas” utilizadas pelas variantes para combaterem sua opositora e se
30

manterem vivas. Ao investigar o fenômeno de variação, em uma comunidade linguística, o
pesquisador busca depreender quais fatores determinam a utilização de uma variante
tradicional ou de uma variante conservadora. Para esta pesquisa interessam as variáveis
independentes faixa etária e gênero, que serão tratadas a seguir.
          A variável faixa etária é um fator de análise sincrônica que revela a estabilidade da
variação ou a mudança em progresso. No primeiro caso se verifica certo equilíbrio entre
frequência de uso das variantes e o fator faixa etária. No segundo caso se verifica a maior
frequência de uso da variável inovadora por um dos grupos etários. Tarallo (1986) afirma que
“se o uso da variante mais inovadora for mais frequente entre os jovens (...) você
[pesquisador] terá presenciado uma situação de mudança em progresso.” (TARALLO, 1986,
p. 65).
          Quanto à variável gênero/sexo o apontamento é o mesmo realizado para a variável
idade: exerce influencia sobre as variantes no fenômeno da variação. Todavia, possui
peculiaridades. Uma delas está ligada à “construção social dos papéis feminino e masculino.”
(PAIVA, 2012, p. 33).
          Segundo Paiva (2012) nas pesquisas sociolinguísticas a variável gênero/sexo está
relacionada, de modo mais evidente, às diferenças lexicais. Nas sociedades ocidentais essa
diferenciação não é tão evidente. A autora afirma que a influencia desta variável está
fortemente relacionada à preferencia de um ou outro sexo pela utilização da variante mais
prestigiada ou mais estigmatizada socialmente; ou ainda pela variante mais conservadora ou
mais inovadora.
          Essa característica, por sua vez, não tem relação com fatores biológicos e sim sociais:
a amplitude do círculo social do sexo masculino e do sexo feminino; o sentimento de
pertencimento a um grupo que compartilha, além das marcas culturais, as marcas linguísticas
como modo de individualizá-lo perante outro grupo. A este último caso há como exemplo a
supressão da oclusiva velar /k/ na fala dos homens Karajá, considerada menos conservadora
em relação à fala feminina. (RIBEIRO, 2001).


2.2 Bilinguismo e individuo bilíngue


          O termo bilinguismo designa o uso de duas línguas por um falante. Esse é o conceito
mais simples para o termo que também pode se referir à utilização de duas línguas por uma
comunidade, ou ainda, oficialização de duas línguas por um país. Há outras atribuições ao
termo: “políticas linguísticas que tendem a assegurar a cada uma das línguas faladas no país
31

um status oficial”; designa também o movimento de generalização por “medidas oficiais e
pelo ensino o uso corrente de determinada língua estrangeira além da língua materna”.
(DUBOIS et all, 2007).
         O bilinguismo também pode ser definido segundo o contexto, grau de proficiência ou
competência do falante em uma das duas línguas ou em ambas. Hamers e Blanc (1983)
apresentam algumas dessas concepções: a de Bloomfield “que define o bilinguismo como a
posse de uma competência de falante nativo em duas línguas.” (BLOOMFIELD, 1935 apud
HAMERS e BLANC, 1983, p. 22, tradução nossa) 4.
         Para Titone (1972) o bilinguismo é “(...) a capacidade de um indivíduo se exprimir em
uma segunda língua respeitando os conceitos e estruturas próprios desta língua sem
parafrasear sua língua materna”. (TITONE, 1972 apud HAMERS e BLANC, loc. cit.,
tradução nossa) 5.
         Os autores citam ainda a definição de bilinguismo dada por Macnamara: o bilíngue é
qualquer um que possui uma competência mínima em uma das quatro habilidades
linguísticas, compreender, falar, ler e escrever em uma língua diferente da sua língua materna.
(MACNAMARA, 1967ª apud HAMERS e BLANC, loc. cit., tradução nossa)6.
         As críticas apontadas por Hamers e Blanc (1983) às definições referem-se à
imprecisão das mesmas, pois não esclarecem o que se deve entender por “competência de
falante nativo”, “competência mínima em segunda língua” e “respeito aos conceitos e
estruturas próprios de uma língua”. Para os autores o bilinguismo é um fenômeno
multidimensional e assim deve ser            estudado       nas    pesquisas       empíricas.       Segundo       a
competência linguística do falante apontam duas distinções para os bilíngues: o bilíngue
equilibrado (equilibré) e o bilíngue dominante (dominant). O primeiro possui uma
competência equivalente nas duas línguas; o segundo possui competência superior na língua
materna.
         As definições apresentadas referem-se ao bilinguismo individual, ao falante bilíngue;
denominado por Hamers (1981a) bilingualité (igualdade bilíngue) que consiste no estado
psicológico de um falante que acessa dois códigos linguísticos; o que desconsidera o contexto
de usos dessas línguas e a construção sociocultural desses falantes.

4
  No original : « (...) qui définit le bilinguisme comme la possession d’une compétence de locuteur natif dans
deux langues. »
5
  No original : « (...) la capacité d'un individu de s'exprimer dans une seconde langue en repectant les concepts et
les structures propres à cette langue, plutôt qu'en paraphrasant sa langue maternelle. »
6
  No original: « (...) le bilíngue est quelqu’un qui possède une compétence minimale dans une des quatre
habiletés linguistiques, à savoir comprendre, parler, lire et écrire dans une langue autre que sa langue
maternelle. »
32

       Por bilinguismo social (bilinguisme), Hamers e Blanc (op. cit.) reconhecem o estado
de uma comunidade na qual se utilizam duas línguas por consequência do contato entre
línguas e inclui os indivíduos bilíngues. E concluem que o bilinguismo é um fenômeno global
que envolve falante e comunidade bilíngue.
       Vaid (2002 apud ZIMMER et all, 2008) define bilíngue os “indivíduos que conhecem
e usam duas línguas, as quais não seriam necessariamente utilizadas no mesmo contexto, nem
dominadas com os mesmos níveis de proficiência”. Essa é uma definição bastante abrangente
que envolve os falantes bilíngues que possuem diferentes competências e grau de proficiência
em uma das duas línguas faladas. E é essa a definição que interessa a presente pesquisa
conforme os objetivos apresentados.
       São muitos os fatores que levam um falante a tornar-se bilíngue, dentre os quais: o
casamento entre pessoas falantes de línguas diferentes e os filhos dessa união; as políticas de
ensino de língua estrangeira nas escolas; o desejo individual de aprender uma segunda língua
por razões culturais ou socioeconômicas; o convívio em territórios de contato linguístico ou
comunidades bilíngues, entre outros.


2.2.1 Contato entre línguas e comunidades indígenas bilíngues


       O contato linguístico ocorre quando indivíduos, ou coletividade, de línguas diferentes
compartilham um mesmo território. Contudo não é simples apontar uma definição para o
termo, visto que implica a necessidade, segundo Appel & Muysken (apud SANTOS, 2008, p.
23), de “definir a natureza, a escala e o grau desse contato e determinar quem entra em
contato com quem: indivíduos, famílias, comunidades ou sociedades inteiras”.
       A não definição do termo decorre, certamente, dos objetivos da Linguística que reside
em estudar as consequências do contato linguístico como afirma Calvet (op. cit., p.35) “o
resultado dos contatos linguísticos é um dos primeiros objetos de estudo da Sociolinguística”
e não o contato em si.
       Vale ressaltar que muitos fatores condicionam o contato linguístico e embora a
Ecolinguistica não seja uma abordagem para esta pesquisa é interessante apresentar os quatro
tipos de situações nas quais ocorre o contato linguístico e, consequentemente, o
bilinguismo/multilinguismo, conforme Couto (2009, p. 51-54):
i) Quando um povo se desloca para o território de outro povo que já constitui uma
comunidade linguística relativamente estabelecida e estabilizada. Quando o povo que se
33

deslocou é mais fraco política, econômica e militarmente o resultado deste fato é a Lei das
Três gerações:
                            (...) a primeira geração (quando migra já adulta) aprende quando muito uma
                            variedade pidginizada da língua hospedeira. Os seus filhos geralmente aprendem a
                            língua do país hospedeiro e a dos pais, sendo, portanto bilíngues, continuando a usar
                            a língua original em todas as interações intergrupais. Os netos, porém, tendem a
                            preferir a língua da nova terra, mantendo, quando muito, um conhecimento passivo
                            da língua original de seus avós. A quarta geração frequentemente não tem quase
                            nenhum conhecimento da língua dos antepassados. (COUTO, 2009, p. 51-52).

ii) Quando um povo mais forte política, econômica e militarmente se desloca para o território
de um povo mais fraco e impõe sua língua gradativamente ao povo autóctone, no decorrer do
tempo, devido às fortes influencias da língua do povo conquistador sobre a língua do povo
nativo, esta é falada em territórios e por populações cada vez mais reduzidas, o que configura
as ilhas linguísticas.
iii) Quando tanto o povo mais forte quanto o povo mais fraco se desloca para um terceiro
território que não lhes pertence há situação propicia ao surgimento de pidgin 7 e crioulo8.
iv) Quando tanto o grupo mais fraco se desloca temporária ou sazonalmente para o território
do povo mais fraco; quanto esse o faz para o território do grupo mais forte. Ou quando em
situações fronteiriças devidas a acidente geográfico um dos grupos se desloca para o território
do outro. Nesses casos cada grupo pode falar sua língua no território do outro. Porém, em
situações intercomunicativas a língua utilizada será a mais prestigiada socialmente.
        Couto (2009) pondera que alguns fatores influenciam nos resultados desse contato:
quantidade de pessoas que se deslocam, tempo de permanência no território para o qual se
deslocaram, intensidade do contato entre os povos e poder econômico, político e militar de
cada povo. O resultado desse contato, por sua vez, pode ser tanto a manutenção da língua com
algumas interferências; quanto, a obsolescência seguida de glototanásia 9 da língua
minoritária.
        No decorrer da constituição histórico-social do Brasil, mais de uma das situações
apresentadas acima ocorreram. Basta lembrar as massas de imigrantes italianos, alemães,
japoneses, entre outros, que em terras brasileiras formaram suas colônias, o que caracteriza a
situação i. A situação ii apresentada foi o que ocorreu com a chegada dos conquistadores

7
  Segunda língua de uma comunidade linguística nascida do contato entre línguas e possui sistema mais
complexo que o sistema do crioulo. (DUBOIS et all, 2007, p. 469).
8
  Dá-se o nome de crioulo a sabires (sistemas linguísticos reduzidos a algumas regras de combinação e ao
vocabulário de determinado campo léxico. Línguas compostas a partir do contato entre comunidades linguísticas
diferentes.), pseudo-sabires, ou pidgins, que, por motivos diversos de ordem histórica ou sociocultural, se
tornaram línguas maternas de toda uma comunidade. (DUBOIS et all, 2007, p. 161).
9
  Glototanásia é a morte da língua, refere-se à dinâmica das línguas, e ocorre quando deixa de ser usada, ou seja
não tem mais falantes. (COUTO, 2009, p. 84).
34

portugueses em terras, hoje brasileiras, e a imposição gradativa da língua portuguesa através
do etnocídio das populações indígenas. A situação iii ocorre nas regiões fronteiriças do Brasil.
       Esses fenômenos são argumentos suficientes para o reconhecimento do Brasil como
um país plurilíngue, afinal não se pode silenciar as vozes dos falantes das 180 línguas
ameríndias autóctones e das dezenas de línguas ocidentais trazidas por imigrantes. Estes
falantes compõem inúmeras comunidades bilíngues e/ou multilíngues por todo o território
nacional.
       Tratando especificamente das comunidades indígenas bilíngues, aquelas nas quais os
indivíduos possuem maior contato com a população envolvente, em geral as línguas usadas
são a nativa/indígena e uma variedade regional do português brasileiro. É o caso do Povo
Karajá e do Povo Asurini do Tocantins (cf. SILVA, 2001 e AQUINO, 2010,
respectivamente). E há outras comunidades bilíngues ou multilíngues conforme Braggio
(apud SILVA, op. cit., 26): “(...) são bilíngües, isto é, falam a língua materna e o Português
em graus e modos variados, os seguintes grupos: Karajá e Javaé, que fazem parte da família
lingüística Karajá, e os Xerente, Apinajé e Krahò, que integram a família lingüística Jê”.
       Além do contato, o bilinguismo é mantido devido ao ensino escolarizado que, embora
exista aproximadamente 90% de professores indígenas que atuam nas escolas de suas áreas
(cf. BANIWA, 2006), ainda conta com muitos professores não índios que não têm formação
adequada para atuar em áreas indígenas e, consequentemente, reproduzem alguns
preconceitos linguísticos; e os próprios professores indígenas que, em muitos casos, não
possuem formação linguística adequada; o resultado é a adoção da língua portuguesa como
língua de instrução, inclusive no ensino da língua indígena, como ocorre entre os Asurini do
Tocantins (AQUINO, op. cit.).
       É possível notar que a relação de domínio através da imposição cultural e linguística e
as políticas linguísticas para as populações indígenas brasileiras resultaram na existência
contemporânea de ilhas linguísticas, que sofrem cada vez mais as pressões da sociedade
envolvente através da escola, da televisão e dos padrões socioculturais ocidentais difundidos.
       Essa configuração sociolinguística contribui ainda para o sentimento de pertencimento
social e cultural do indivíduo ao seu povo, e consequentemente às atitudes e valores desse
para com sua língua e os usos que fazem de cada língua em determinados contextos. Se os
valores forem positivos concorrem para o fortalecimento e manutenção da língua nativa, L1.
Se as atitudes e valores forem negativos tendem a estigmatização da língua e, por conseguinte
o enfraquecimento ou obsolescência linguística. Sobre estes usos e suas implicações tratará a
seção seguinte.
35

2.3 Uso das línguas nas modalidades oral e escrita em comunidades indígenas


       As comunidades indígenas, que já iniciaram contato com a sociedade envolvente, além
da realidade bilíngue e por consequência a assimilação de elementos socioculturais ocidentais
(a língua e o universo semântico dessa sociedade), sofrem a imposição outra forma de
organização sociocultural: a linguagem escrita.
       Esta imposição apresenta dois pontos: se por um lado pode representar a
estigmatização da língua nativa frente ao fascínio da escrita; por outro lado pode contribuir
para o registro de elementos culturais através da língua escrita.
       Todavia, um ou outro resultado depende dos usos, do contexto de circulação e do valor
atribuído às modalidades oral e escrita.


2.3.1 A modalidade oral


       De acordo com Calvet (2011) sociedades de tradição oral são aquelas que têm na fala
o fundamento de sua regulamentação social que, por sua vez, são transmitidos geração a
geração pela prática das atividades tradicionais e pela linguagem oral. Nas sociedades de
tradição oral, como as ameríndias, o poder advém pelo que o autor chama de “força da fala”:
todos são governados “por uma tradição ancestral que não se inscreve nos livros, mas na
memória social” .
       Diferentemente do que ocorre nas sociedades de tradição escrita onde “todos são
governados por leis, decretos e tratados”. As línguas sem tradição escrita se mantem vivas
pela transmissão oral através da nomeação – topônimos, antropônimos, zoônimos – ditados,
trava-línguas, contos e músicas.
       Essas práticas integram o universo cultural do povo e constitui o discurso
especializado da prática de atividades culturais através do qual a língua mantem sua
vitalidade. Sem a realização das atividades tradicionais e a manutenção desse universo
semântico a língua perde sua dinâmica, sobrevivem apenas alguns elementos lexicais que
perdem o sentido no seio da comunidade no decorrer do tempo. Assim sendo, nas palavras de
Silva (2009),
                        (...) quando determinadas atividades culturais deixam de ser desenvolvidas, as
                        palavras e os enunciados referentes a esses contextos vão, com o tempo, perdendo
                        sentido na comunidade. Já quando essas atividades são mantidas, a língua não só é
                        preservada, mas expandida e renovada. Essa ampliação ocorre com os novos
                        conhecimentos que os indígenas adquirem a partir das novas experiências e criações.
                        (SILVA, 2009, p. 64-65).
36


           A renovação à qual a autora se refere é verificada, por exemplo, na formação de
palavras (neologismos) para nomear elementos ou objetos externos à cultura indígena, mas
integrados a partir do contato por imposição ou necessidade.
           Não se pode desconsiderar, porém, que a integração desses elementos é uma das
consequências do contato entre uma cultura dominada e outra dominante. E, assim como pode
ocorrer a renovação linguística pelos neologismos, pode ocorrer a invasão da língua pelos
empréstimos; ou até por substituição lexical, que é uma das causas da glototanásia.
           Os estudos sociolinguísticos revelam que nas comunidades indígenas bilíngues a
linguagem oral é realizada em língua nativa nos diversos domínios sociais e atividades
socioculturais, porém não exclui o uso da língua portuguesa com falantes índios ou não
índios, dependendo do contexto no qual estão inseridos.
           Cita-se, como exemplo da situação acima descrita, os povos Asuriní do Tocantins e
Karajá. Entre os Karajá a língua materna é falada em todos os domínios sociais, inclusive no
ensino escolar, e só recorrem à língua portuguesa quando há presença de “tori10” (cf. SILVA,
2001). Entre os Asuriní há equilíbrio entre os usos da língua indígena e da língua portuguesa,
mas em algumas situações a segunda pode prevalecer dependendo do contexto e dos falantes
(cf. AQUINO, 2010). Em geral, nessas comunidades, as atividades tradicionais são realizadas
em língua nativa devido à necessidade de proferir cantos, rezas, relembrar feitos dos
antepassados. Atividades que constituem a educação indígena.
           Referente ao contexto escolar, a língua de realização depende da política linguística
adotada, salvo exceções, a língua do ensino escolar é a língua portuguesa. Para os índios
contatados, é importante a aprendizagem do português oral, sobretudo para aqueles que
exercem na comunidade o papel de intermediário cultural. De acordo com Maher (1990) esses
índios são “os responsáveis pela interlocução com a sociedade nacional – interlocução que,
embora frequentemente mediada pelo texto escrito, depende em muito da capacidade destes
indivíduos entenderem a fala do branco e expressarem oralmente o ponto de vista indígena.”
(MAHER, 1990, p. 05).
           Esse aprendizado é importante e necessário, mas não deve, assim como na escrita,
negar a identidade e os saberes indígenas. Embora seja inegável sua importância, as atividades
orais desenvolvidas na escola estão mais relacionadas ao ensino na língua portuguesa do que
da modalidade oral da língua. É o que revela o estudo de Monte (1994) com Povos do Acre: a
aquisição da língua portuguesa como língua-meta na modalidade oral ocorre de modo

10
     Não índio.
37

descontínuo do processo de aquisição da modalidade escrita. Sobre a escrita tratará a seção
seguinte.


2.3.2 – A modalidade escrita


       O fato das sociedades indígenas serem, tradicionalmente, orais não significa que são
desprovidas de representação gráfica do universo cultural. O que não possuem é uma
representação gráfica organizada em alfabeto, e seus saberes não estão organizados nem são
transmitidos através de textos escritos, como a organização escrita ocidental.
       Esta tradição escrita ocidental adentra as sociedades indígenas por meio do contato
com a sociedade envolvente. O contato dos índios com a escrita ocorre simultaneamente ao
contato com o não-índio. Este oriundo de uma tradição escrita milenar que, ainda não sendo
letrado, possui um consolidado “numeramento”, devido à necessidade cotidiana de contar
pesos, medidas, valores, etc.
       Desse contato e as relações estabelecidas, faz-se necessário ao índio adquirir o
“numeramento” da sociedade que o envolve, a não indígena ou branca, para não se deixar
lograr nas novas relações estabelecidas: trabalho, comercialização, medidas, etc. E assim
ocorre o contato primário do índio com a escrita.
       Escrita, ressalva-se, na língua que tornasse sua segunda língua, a mesma falada pelo
colonizador. No caso específico do Brasil, a língua portuguesa. Língua que exerce função de
domínio. Pois, os índios, ao se fazer compreender são obrigados a aprendê-la e posteriormente
absorvem outros elementos da cultura “branca”.
       No Período Colonial Brasileiro algumas línguas indígenas foram grafadas, não por
iniciativa ou necessidade de seus falantes, mas, devido à necessidade dos missionários em
conhecer e dominar a língua a fim de professar a fé cristã entre os nativos. Assim surgiram
gramáticas, dicionários e vocabulários escritos nas línguas de origem Tupi ou Guarani. A
princípio não havia por parte dos índios interesse em aprender sua língua escrita, também não
havia interesse dos missionários em lhes ensinar. (D’ANGELLIS, 2007).
       Diversos autores concordam que, no decorrer do tempo de contato do índio com a
sociedade envolvente, fez-se necessário às sociedades indígenas grafar suas respectivas
línguas. Os motivos são vários e dependem da realidade sócio-histórica de cada povo:
administrar sua cooperativa ou barracão para não serem logrados pelos “brancos”; ascender
socialmente como os regionais através da educação escolar dominante; ou documentar
38

aspectos culturais a fim de fortalecimento e valorização linguística ante aos jovens. (MONTE,
1994; MONSERRAT, 1989; D’ANGELLIS, 2007).
       Ainda que o contato com a escrita se dê, concomitantemente ao contato com a cultura
envolvente, é a escola a instituição oficial responsável por inseri-la na comunidade, através da
alfabetização e do ensino escolarizado. Em geral, quando a escola chega à comunidade
indígena a língua nativa ainda não foi grafada, ou ainda não possui estrutura escrita definida
(alfabeto, ortografia, gramática). O ensino então se realiza na língua portuguesa e tem
algumas palavras ou enunciados traduzidos para a língua nativa, salvo exceções.
       A primeira etapa dessa inserção é a alfabetização do índio que apresenta duas
perspectivas: de um lado os interesses da sociedade nacional, de outro os interesses indígenas.
No primeiro caso é apresentado o discurso civilizatório da assimilação cultural: “(...) o índio
deve ter cultura, deve se intercomunicar, deve saber responder aos problemas criados pela
sociedade envolvente, deve se integrar.” (MELIÀ, 1979, p. 58).
       Já as sociedades indígenas veem a alfabetização como possibilidade de dominarem
uma técnica do branco e assim adquirirem prestígio, melhores possibilidades de emprego,
apropriar-se de instrumentos jurídicos para defender seus direitos e interesses, registrar suas
tradições. Contudo, para o indígena a alfabetização – entende-se também ensino escolar – é
um processo complementar da educação indígena e não um processo de assimilação cultural.
        Conforme Meliá (op. cit., p. 60) a alfabetização do índio é um problema complexo
que deve “(...) considerar detidamente as condições pedagógicas nas quais vai ser feita e a
situação linguística do índio, que vai ser alfabetizado, e a política linguística a ser seguida”.
       Ao dar continuidade à escolarização, o avançar das séries escolares defrontam os
alunos índios com conteúdos organizados de modo, em muitos casos, descontextualizados.
Conteúdos que representam os saberes das sociedades ocidentais com valores linguísticos e
culturais alheios à sua construção ontológica.
        Os materiais didáticos escritos na língua nativa quando existem não passam de
tradução dos saberes ocidentais, salvo exceções. Aqueles materiais didáticos escritos na
língua nativa que representam saberes tradicionais, ainda assim, apresentam problemas: foram
escritos! A transcrição dos saberes que são difundidos de forma tradicionalmente oral não
representa fielmente estes saberes, uma vez que, a escrita provoca a redução das formas orais
verbais e do seu conteúdo semântico, pois não possui mecanismos suficientes para representá-
los.
       Gnerre (1998) denomina esse fenômeno de “decadência do diálogo” e o define como o
“(...) processo de readaptação das formas discursivas na direção de novas exigências de
39

polarização ou/e reestruturação do poder discursivo, que em última análise é o poder.”
(GNERRE, 1998, p. 111).
           Embora o principal ambiente de uso da modalidade escrita da língua, indígena ou
portuguesa, seja a escola não significa que não se faça uso dessa modalidade em outros
ambientes. Nos postos de saúde, cooperativas e igrejas das aldeias há circulação de materiais
escritos: livros de anotações, prontuários, avisos, atas, bíblias, entre outros. Muitos desses
materiais, salvo algumas bíblias, são escritos em língua portuguesa. Porém, o uso desta
modalidade na língua do outro, a língua portuguesa, contribui para a legitimação que a escrita
pertence à língua portuguesa e vice-versa e a língua indígena tem seu lugar na oralidade.
           A realidade sociolinguística de usos das línguas indígenas e portuguesa nas
modalidades oral e escrita confirma a hipótese de Monte (1994) que no contexto de
bilinguismo nas sociedades indígenas
                             (...) o binômio oral/escrito vem sendo concebido e realizado, na escola e mesmo fora
                             dela, distintivamente em duas línguas: o lugar do oral, no meu entender, está sendo
                             ocupado preferencialmente pelas línguas indígenas, quando língua materna ou 1ª
                             língua. O lugar da escrita pela língua portuguesa, na maioria dos casos, 2ª língua
                             destes falantes. (MONTE, 1994, p. 55).

           A autora afirma ainda que esta construção pode ser explicada pela concepção dos
grupos, analisados por ela 11, sobre oralidade e escrita. A primeira é a linguagem “nativa,
tradicional e indígena”; a segunda é uma língua alheia pertencente ao mundo dos outros e
integrada ao mundo do índio por processos de dominação sociocultural e econômica.




11
     Projeto de Educação Indígena – Uma Experiência de Autoria desenvolvido com 10 etnias do Acre.
40

3 A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA NA ALDEIA SORORÓ


       A pesquisa de campo, com finalidade de coleta de dados, foi realizada na Aldeia
Sororó durante o período de 11 a 22 de agosto de 2012 e contou com a participação de alunos
do Curso de Licenciatura Intercultural da Universidade do Estado do Pará. Participação
promovida através da aplicação dos questionários sociolinguísticos (Figura 07), reuniões e
reflexões sobre os usos linguísticos e as práticas de leitura e escrita desenvolvidos na aldeia.
       Nesse momento foi possível conhecer o contexto sociocultural, descrito no primeiro
capítulo deste trabalho; verificar a demografia e o quantitativo de falantes monolíngues e
bilíngues; e, os usos linguísticos orais e escritos e situações nas quais se realizam na aldeia.
       Considera-se importante relatar a principal dificuldade enfrentada na realização da
pesquisa, fato que exigiu alteração da quantidade de entrevistados. A princípio os
questionários sociolinguísticos seriam realizados com índios da etnia Suruí-Aikewara de
ambos os sexos a partir de 8 anos de idade. Porém, ao dar início à realização dos primeiros
questionários com crianças de aproximadamente 10 anos, notou-se que as mesmas tinham
dificuldades de responder às questões apresentadas; algumas se calavam tímidas, outras
recorriam aos pais através do olhar e estes lhe diziam o que responder. Diante da situação foi
decidido realizar os questionários com pessoas a partir de 12 anos de idade e se obteve
sucesso.
       Ainda assim não foi possível realizar o questionário sociolinguístico com 29 pessoas,
por motivos diversos: alguns estavam acampados na mata, outras viajavam em busca de
serviços médicos, outros estavam ausentes da aldeia no momento da realização da pesquisa.
41




   Figura 07: Aluno da Licenciatura Intercultural/UEPA realizando questionário sociolinguístico com
   membros da comunidade. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.



3.1 Atores, instrumentos e métodos da pesquisa


       Esta pesquisa é qualitativa com levantamento de dados quantitativo. Como método de
coleta de dados foi utilizado observação participante e questionários sociolinguísticos (em
anexo), estes questionários foram adaptados para a realidade Aikewara a partir dos
questionários utilizados nas pesquisas desenvolvidas por Aquino (2010) e Silva, M. (2001).
       Os questionários foram realizados com 177 pessoas dos sexos masculinos e femininos
segmentando as faixas etárias em quatro: 12 – 21 anos, 22 – 40 anos, 41 – 60 anos e 61 anos
ou mais. Escolheu-se segmentar nas faixas etárias supracitadas em adaptação à realidade
observada na Aldeia Sororó.
       Os jovens de 12 – 21 anos, sem generalizações, ainda frequentam a escola e estão
iniciando sua vida matrimonial. Os adultos de 22 a 40 anos já não frequentam a escola, salvo
exceções, e em geral, além de casados já têm filhos. Os adultos da faixa etária de 41 – 60 anos
já são avós, e agregam ao seu núcleo familiar, a família de seus filhos e netos. A partir de 61
42

anos são velhos12 que, casados ou viúvos, mantem uma extensão familiar maior que a faixa
etária anteriormente citada. Dentre as faixas etárias, as pessoas acima de 61 anos são aquelas
que tendem a preservar a língua e os costumes aikewara, mesmo em face ao intenso contato, e
ensinam aos jovens. A tabela 01, a seguir, aponta a condição de monolíngue ou bilíngue.
           Considerando-se que o período em campo (12 dias) é insuficiente para se ter um
panorama da situação sociocultural do povo e dos usos linguísticos que realmente fazem em
seu dia-a-dia, recorreu-se à entrevistas semiestruturadas com pessoas da comunidades e com
professores indígenas.


3.2 Falantes monolíngues e bilíngues de acordo com as variáveis gênero e faixa etária


           Antes de apresentar os dados é necessário expor a demografia da Aldeia Sororó. Esses
dados demográficos foram obtidos a partir de tabelas demográficas disponibilizadas por
funcionários do posto de saúde da aldeia.
           De acordo com as tabelas13 do posto de saúde da Aldeia Sororó existem 364
indivíduos nessa aldeia (cf. SESAI). Dos quais 148 são crianças de 0 a 11 anos dos sexos
masculino ou feminino.
           Dos demais 216 indivíduos – de ambos os sexos – 01 é da etnia Gavião, 03 são da
etnia Parakanã e 07 não são indígenas. A população total da aldeia está distribuída em 61
casas, porém há 72 famílias. O maior número de famílias em relação ao número de casas se
deve ao casamento matrilocal. Deste modo, uma nova família é constituída habitando o
espaço territorial de uma família já existente.
           Dos 177 entrevistados 85 são do gênero feminino e 92 do gênero masculino. Há
equilíbrio entre gêneros das faixas etárias de 12 a 21 anos e de 22 a 40 anos, conforme
exposto nas tabelas 03 e 04. A tabela 01 abaixo apresenta o quantitativo de falantes bilíngues
e monolíngues de acordo com a faixa etária:




12
     Designação comum entre os Aikewara e não reflete preconceito.
13
     Atualizada no 1ª semestre de 2012.
43

Tabela 01
          Idade                           Monolíngue                             Bilíngue
                          Língua Suruí           Língua Portuguesa
12 – 21                                                                            66
22 – 40                                                                            81
41 – 60                                                                            21
61 ou +                             06                                             03
Total                                                        177


          A tabela 02 aponta os falantes bilíngues e monolíngues por gênero feminino e
masculino:


Tabela 02
                                    Monolíngue                        Bilíngue          Total
                     Língua Suruí        Língua Portuguesa
Masculino                    05                                         87               92
Feminino                     01                                         84               85


          As tabelas 03 e 04 agregam as variáveis faixa etária e gênero, feminino e masculino
respectivamente, de modo a encontrar aqueles falantes bilíngues ou monolíngues.


Tabela 03
          Idade                                     Gênero Feminino
                                          Monolíngue                             Bilíngue
                          Língua Suruí           Língua Portuguesa
12 – 21                                                                            31
22 – 40                                                                            40
41 – 60                                                                            12
61 ou +                             01                                             01
Total                                                        85
44

Tabela 04
          Idade                                           Gênero Masculino
                                               Monolíngue                                  Bilíngue
                           Língua Suruí                Língua Portuguesa
12 – 21                                                                                       35
22 – 40                                                                                       41
41 – 60                                                                                       09
61 ou +                               05                                                      02
Total                                                             92


          Com 30 famílias foram realizadas observações direcionadas pelas Fichas de
Observação Familiar – cujo principal objetivo foi identificar a língua de interação 14 entre os
membros da família – constatou-se que nas casas onde o chefe da família tem mais de 60 anos
de idade (Figura )a principal língua de interação desses com sua esposa, seus filhos e netos é a
Língua Suruí. Porém, em geral, a comunicação entre velhos e crianças é mediada por um
adulto (pai ou tio da criança e filho de um ancião) que compreende as duas línguas. Os pais
mais jovens, da faixa etária de 22 – 40 anos interagem com seus filhos, mais em língua
portuguesa. Contudo usam, esporadicamente, frases-prontas em sua língua materna, Suruí do
Tocantins, como os imperativos: “vem cá”, “vem comer”, “não vai”, “vai tomar banho”. E
ainda termos lexicais que designam objetos como facão, nomes de animais e partes do corpo.




14
  Estes resultados estão intimamente ligados à compreensão de língua dos índios. Conhecer e nomear um cesto,
um peixe, uma planta na língua Suruí significa falar a língua; mesmo que esta comunicação não se apresente
dinâmica, ou seja, composta pelos elementos lexicais, semânticos, e sintáticos da língua nativa. Sendo assim,
mesmo que conheçam apenas listas de palavras na língua nativa, consideram que a falam. Esta observação não se
aplica aos Suruí-Aikewara que possuem mais de 60 anos de idade e são monolíngue na língua Suruí.
45




             Figura 08: Anciãos Aikewara após realização do questionário sociolinguístico.
             Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.



       Ressalva-se que a pesquisa sociolinguística revelou que as crianças de 0 a 11 anos de
idade (Figura 09), embora compreendam alguns itens do léxico da Língua Suruí e frases
imperativas, utilizam principalmente a língua portuguesa para interagir com as diversas
pessoas da comunidade. Esse resultado foi obtido a partir da análise das fichas de interação
familiar e dos questionários sociolinguísticos, além da observação diária durante o período em
pesquisa de campo.
       Os indivíduos bilíngues, que responderam aos questionários, afirmaram que falam
mais em língua portuguesa com as crianças e falam, principalmente, em língua Suruí com os
anciãos.
46




 Figura 09: Crianças Aikewara brincando no pátio da aldeia. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.




3.3 Os usos linguísticos orais e escritos da Aldeia Sororó


       Os usos linguísticos referem-se às línguas utilizadas em diferentes situações e
ambientes cotidianos, especializados, tradicionais ou não. Nos questionários sociolinguísticos
havia perguntas sobre os usos linguísticos individuais. Entretanto, ao realizá-los se percebeu
que as resposta não correspondiam à realidade da aldeia ou à realidade do falante.
       Em alguns casos, o falante que declarou usar mais a língua indígena nas diversas
atividades declarou na seção Facilidade Linguística não compreender ou não falar a língua
nativa, há outros casos de falantes que embora declarassem compreender pouco a língua Suruí
afirmaram falar frequentemente nessa língua com as crianças.
       A unanimidade foi o reconhecimento que os velhos falam mais na língua suruí e as
crianças falam mais na língua portuguesa.
       Diante das situações expostas acima foi decidido desconsiderar os usos linguísticos
declarados individualmente nos questionários e partir para uma consideração mais ampla,
47

envolvendo os usos linguísticos da aldeia. A estratégia utilizada foi reunir os alunos da
Licenciatura Intercultural para discutir sobre esses usos. A fala que resume os usos
linguísticos da aldeia é a de Tyape Suruí: “em todas as atividades nossas aqui da aldeia tem as
duas línguas”.
           Os alunos ressaltaram que, quando existem atividades realizadas por crianças e velhos,
deve sempre estar presente alguém que compreende as duas línguas para fazer a mediação
entre os falantes. Os mesmos alunos afirmaram que nomes de plantas, animais e peixes da
Terra Indígena só conhecem na língua Suruí do Tocantins. Com base nas considerações e
discussões realizadas foi construída a tabela abaixo:


TABELA 05
                                                       USOS LINGUÍSTICOS
Atividades mais       Qual língua é utilizada nas situações abaixo              +LI15   +LP   AMBAS
Tradicionais          Nas festas tradicionais – Ex.: Sapurahái                   X
                      Nas cerimônias/rituais religiosos                          X
                      Nas atividades de caça                                     X
                            //        de pesca                                   X
                           // plantio (roça)                                     X
                           // coleta de frutas                                          X
                           // coleta de castanha                                 X
                      Durante confecção de artesanatos                           X
                      Nas reuniões internas na aldeia                            X
                      Brincadeiras infantis, banho no rio                               X
Atividades            Situações de compra e venda na aldeia entre parentes                     X
menos                 Reuniões na aldeia com pessoas de fora                                   X
tradicionais          Nas cerimônias católicas/cultos evangélicos realizados                   X
(inseridas        a   na aldeia
partir           do   Jogo de Futebol na Aldeia                                         X
contato)
                      Viagens em grupo                                                  X
                      Nas festas não tradicionais – Kamará ou aniversários              X
                      Oficinas      de    Formação      de   Professores   na           X
                      Aldeia/Licenciatura Intercultural
                      Namoro                                                                   X




           O que se infere da tabela é que nas atividades mais tradicionais prevalece o uso da
língua Suruí, complementa-se que este uso pode se dar através da nomeação de elementos da
fauna e da flora, da entoação de cantos ou narração de mitos e histórias antigas. Nas
atividades desenvolvidas a partir do contato, mesmo realizada somente por índios – como o
jogo de futebol, viagens em grupo e oficina de formação de professores – a língua mais falada
é a portuguesa. Há explicação: além dessas atividades não serem da cultura indígena as

15
     LI = Língua Indígena; LP = Língua Portuguesa.
48

pessoas que as desenvolvem são bilíngues e, sobretudo jovens que tem menos domínio da
língua em relação aos velhos.
         Nas cerimonias religiosas cristãs realizadas na aldeia são faladas as duas línguas, pois
nas cerimônias católicas há preces proferidas na língua nativa; e nos cultos evangélicos há
hinos cantados na língua Suruí.
         Durante a coleta de frutas, embora seja uma atividade tradicional, a comunicação se
realiza principalmente em língua portuguesa devido a grande participação de crianças nessa
atividade, a língua nativa é usada para nomear elementos da fauna e da flora.
         Os alunos do curso de licenciatura, que participaram da atividade de reflexão e
preenchimento da tabela, ressalvaram que durante as atividades de confecção dos artesanatos
a língua mais falada é a nativa porque as pessoas que ainda desenvolvem essa atividade são,
em geral, os velhos.
         A seguir a tabela 06, preenchida juntamente com alunos da Licenciatura Intercultural,
demonstra as práticas de leitura e escrita desenvolvidas na aldeia.


TABELA 06

                           PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA NA ALDEIA

Em qual(is) língua(s)      Só   Só   LI=LP                          Observações
são      escritos     os   LI   LP
seguintes textos que
circulam na aldeia:
Cartas e bilhetes          -    -       -     Não desenvolvem este tipo de texto.
Jornais e revistas              X
Cartazes, avisos                X
Materiais religiosos            X             Exceto alguns hinos e a oração do Pai Nosso que ainda
(Bíblia,      panfletos,                      não foram escritos.
hinário)
Histórias, mitos                X             Há escassas histórias na língua Suruí.
Textos Didáticos                X             Salvo algumas cartilhas.
Relatórios          (de         X
viagens, de reuniões,
etc.)
Atas de reuniões                X
Notícias                                      As notícias circulam na modalidade oral.
Tarefas escolares                       X     Há tarefas na língua portuguesa e língua Suruí, porém
                                              há mais na primeira.
Levantamento, listas            X
Letras de Músicas               X             As músicas tradicionais são cantadas em LI, mas as
                                              letras de músicas existentes são da cultura envolvente e
                                              portanto em LP.


         Depreende-se da tabela que as práticas de leitura e escrita são realizadas
principalmente em língua portuguesa. Este fato pode ser um reflexo do alfabeto na língua
49

Aikewara estar ainda em desenvolvimento; assim como pode ser consequência das políticas
de ensino e de línguas para as escolas indígenas que privilegiam o ensino da língua
portuguesa.
50

Considerações Finais


       A Aldeia Sororó é uma comunidade indígena bilíngue, cujo fenômeno do bilinguismo
se deu devido ao contato linguístico decorrente da migração da população envolvente para seu
território tradicional. A partir da regulamentação e constituição da Terra Indígena esse
território torna-se uma ilha linguística, característica de muitas comunidades indígenas.
       As observações revelaram que o risco de desaparecimento que a língua sofre não está
na frequência com que é falada, pois grande maioria dos falantes bilíngues Suruí – ao
responderem os questionários sociolinguísticos – declararam falar a língua em casa,
principalmente com os idosos e em atividades realizadas em outros ambientes pertinentes à
aldeia; como reunião no pátio, confecção de artesanatos, caça e pesca, preparação do roçado.
       Porém, as observações participantes revelaram que a língua que reconhecem falar são
palavras isoladas que tem sua função comunicativa complementada pelo uso da língua
portuguesa. Assim, o que se verificou foi o uso frequente de substantivos ou expressões do
universo sociocultural do Povo Aikewara. Utilizado principalmente por aqueles com menos
de 40 anos.
       Compreende-se que, em comunidades indígenas bilíngues, o uso de uma ou outra
língua constitui um fenômeno equivalente ao da variável linguística. O uso da língua nativa
ou da segunda língua são dois modos de realizar a comunicação na comunidade linguística.
        O uso da L1 (equivalente à variante conservadora) ou L2 (equivalente à variante
inovadora)    é   determinado   por   fatores   como    gênero,   faixa   etária,   escolaridade,
contexto/situação de fala, origem étnica do interlocutor.
       Do mesmo modo que há um conflito entre as variantes linguísticas em prol de sua
sobrevivência, há conflito entre as línguas. E este conflito é ainda mais grave, pois se a
mudança em progresso beneficiar a L2 pode resultar em morte da língua nativa, L1. Fato,
infelizmente, comum na história dos povos indígenas do Brasil.
       Os dados revelaram que pessoas da etnia Suruí de 12 a 40 anos são bilíngues. São
monolíngues em Língua Suruí do Tocantins pessoas acima de 60 anos e as crianças de 0 a 11
anos de idade tendem ao monolinguísmo em Língua Portuguesa, visto que seus familiares se
comunicam com elas nessa língua.
       As crianças só têm contato com a língua Suruí em situações e ambientes
especializados, como em festas e atividades tradicionais e rituais, além de estarem mais
expostas à cultura envolvente através da escola e dos valores disseminados pelas redes de
televisão.
Surui sociolinguistica tcc_ oliveira
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  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins Belém 2012
  • 2. 1 ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Licenciado em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Pará, sob a orientação da Profª Drª Eliete de Jesus Bararuá Solano e co- orientação da Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar. Belém 2012
  • 3. 2 Dados Internacionais de Catalogação na publicação Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA Oliveira, Ellen Cristiane de Souza Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins. / Ellen Cristiane de Souza, Belém, 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura Plena em Letras-Língua Portuguesa) Universidade do Estado do Pará, Belém, 2012. Orientação de: Eliete de Jesus Bararuá Solano; Co-orientação de: Joelma Cristina Parente Alencar 1. Sociolinguística. 2. Índios da América do Sul. I. Solano, Elite de Jesus Bararuá (Orientador). II. Alencar, Joelma Cristina Parente (Co-orientador) III. Título. CDD: 21 ed. 306.44
  • 4. 3 ELLEN CRISTIANE DE SOUZA OLIVEIRA Situação Sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do grau de Licenciado em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Pará, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Eliete de Jesus Bararuá Solano e co-orientação da Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar. Banca Examinadora ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Eliete de Jesus Bararuá Solano (UEPA) – Presidente ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar (UEPA) – Membro interno ____________________________________________________ Prof.ª Ms. Mara Silvia Jucá Acácio (UEPA) – Membro interno ____________________________________________________ Aprovado em: Belém,______ de__________de 2013.
  • 5. 4 Ao Povo Suruí-Aikewara, pelo carinho, respeito e hospitalidade com que me receberam; pela disposição em participar e contribuir para este trabalho, manifesto minha gratidão e dedico este trabalho.
  • 6. 5 AGRADECIMENTOS Meus sinceros agradecimentos À Edna Oliveira e José Augusto Rosa pelo empenho em oferecer o melhor aos seus filhos: amor e educação. Aos meus irmãos Andrey e Andreza, pela paciência, carinho, compreensão e principalmente por proporcionarem os momentos de leveza que tanto precisei. À Maria Cristina de Souza Oliveira (in memoriam), pelo amor, apoio e conselhos sábios e inesquecíveis. À Silvia Maria Aguiar Rezende, pelos conselhos e apoio inestimáveis que contribuíram ao meu despertar acadêmico. À Prof.ª Dr.ª Eliete Bararuá Solano, minha orientadora, pela acolhida acadêmica, pelas preciosas e incansáveis orientações, pela disposição em me ajudar em tudo que precisei e por me apresentar aos estudos das línguas indígenas, experiência determinante para minha escolha acadêmica e profissional. À Prof.ª Dr.ª Joelma Monteiro Alencar, responsável por despertar meu interesse pelos estudos indígenas, pelos conselhos providenciais e disponibilidade em me ajudar sempre. À Prof.ª Ph.D. Josebel Akel Fares, pelo apoio e pela iniciação na pesquisa, experiências que contribuíram ao meu aprendizado sobre ciência dos livros e da vida. À Prof.ª Dr.ª Juliana Araújo, pelos constantes incentivos acadêmicos. À Prof.ª Dr.ª Eneida Assis, pelo apoio e conversas-conselhos acadêmicos. Àqueles que contribuíram para minha constituição acadêmica: Prof.ª Ma. Mara Jucá, Prof.ª Ma. Rosana do Vale, Prof.ª Ma. Ionéli Bessa, Prof. Me. Almir Rodrigues, Prof. Me. José
  • 7. 6 Denis Bezerra, Prof. Me. Alonso Jr., Prof. Me. Hilton Silva, Prof. Dr.. Homerval Teixeira, Prof.ª Ma. Margareth Alves, Prof. Me. Maurício Garcia, Prof. Me. Marco Jaime, Prof. Dr. Fernando Costa, Prof.ª Ma. Kátia Andrea, Prof.ª Ma. Isilda Cordeiro, Prof. Dr. Marco Antonio Camelo e Prof. Dr. José Anchieta. Aos colegas de pesquisa e/ou de campo: Alexandra Borba, Plumma Corêcha, Thomas Alves, Tymykong Suruí, Ikatu Suruí, Murué Suruí, Tiape Suruí, Se’a Suruí, Francivaldo Freitas, Matânia Suruí, Amoneté Suruí, Saru Suruí, Arawi Suruí, Awarua Parakanã, Roitong Suruí, Nani Suruí, Winurru Suruí, e Warikatu Suruí, pelos preciosos auxílios. Aos meus amigos e colegas Emídio Bahia, Camila Maciel, Marcelo Tavares, Amanda Quaresma, Renata Colares, Évila Neves, Bianca Rodrigues, Douglas Rodrigues, Marcelo Deusdedith, Anna Monteiro, Tayná Zalouth, Raimundo Cesário Neto, Liege Lira, Marcilene Braga, Brena Sena, pela parceria a união ao longo da graduação. À Capes, pelo financiamento do Projeto Observatório da Educação Escolar Indígena que possibilitou o desenvolvimento dessa pesquisa. Ao Deus, que é amparo, palavra e ponto final em tudo o que faço, por sempre me colocar no exato lugar, acompanhada das pessoas com as quais deseja que eu esteja e aprenda!
  • 8. 7 RESUMO Este trabalho apresenta resultados e reflexões acerca da situação sociolinguística da Língua Suruí do Tocantins, língua materna do Povo Suruí-Aikewara (Estado do Pará). A Aldeia Sororó, lócus da pesquisa, está localizada entre os municípios de São Domingos do Araguaia e São Geraldo do Araguaia, população com a qual esse povo mantém intenso contato. O objetivo da pesquisa é descrever a situação sociolinguística da língua Suruí do Tocantins falada na Aldeia Sororó, considerando-se os seguintes aspectos: quantidade de falantes monolíngues e multilíngues de acordo com as variáveis gênero e faixa etária e usos linguísticos orais e escritos desenvolvidos na aldeia. Tem-se como referenciais teóricos Labov (2008), Tarallo (1986) e Paiva (2012) referentes à Sociolinguística; os estudos de Hammers e Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer (2008) e Couto (2009) são utilizados para tratar do Bilinguismo; sobre usos linguísticos orais e escritos e estes usos em comunidades indígenas tem-se como base os trabalhos desenvolvidos por Calvet (2011), D’Angelis (2007), Meliá (1979), Monte (1994), Gnerre (2003), Maher (1990) e Monserrat (1989). A abordagem da pesquisa é qualitativa e o levantamento de dados foi realizado através da observação participante e aplicação de formulários sociolinguísticos, adaptados para a realidade da Aldeia Sororó a partir dos questionários desenvolvidos por Aquino (2010) e Silva (2001). A aplicação dos formulários foi realicada com 177 índios da etnia Suruí-Aikewara a fim de identificar o quantitativo de falantes monolíngues e bilíngues. A observação participante teve a finalidade de conhecer o contexto sociocultural do povo e seus usos linguísticos orais e escritos. Os dados levantados revelaram que grande parte da população é bilíngue; os usos linguísticos orais são realizados em ambas as línguas pelos indivíduos bilíngues; e, nos usos linguísticos escritos há predominância da Língua Portuguesa. Espera-se que este trabalho possa contribuir para o conhecimento da realidade sociolinguística do Povo Suruí-Aikewara e para o desenvolvimento de projetos de fortalecimento linguístico. Palavras-chave: língua Suruí do Tocantins, Povo Suruí-Aikewara, Sociolinguística.
  • 9. 8 RÉSUMÉ Cet rapport présente les résultats et les réflexions sur la situation sociolinguistique de la langue Suruí Tocantins, langue maternelle du peuple Suruí-Aikewara (Pará). Le Sororó Village, lieu de recherche, est situé entre les villes de São Domingos do Araguaia et São Geraldo do Araguaia, de la population avec laquelle ce peuple est en contact intense. L'objectif de cette recherche est de décrire la situation sociolinguistique Suruí Tocantins langue parlée dans le village de Sororó, en tenant compte des aspects suivants: le nombre de locuteurs monolingues et multilingues en fonction de leur sexe et de l'âge et utilisations linguistique orale et écrite développés dans le village. En ayant comme référentielle théorique Labov (2008), Tarallo (1986) et Paiva (2012) en ce qui concerne Sociolinguistique; études de Hammers et Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer (2008) et Couto (2009) sont utilisés pour traiter l'le bilinguisme; utilisations du langage oral et écrit et ces usages dans les communautés autochtones a été basée sur le travail développé par Calvet (2011), d'Angelis (2007), Melia (1979), Monte (1994), Gnerre (2003), Maher (1990) et Montserrat (1989). l'approche de recherche est de nature qualitative et la collecte des données a été réalisée par l'observation participante et à l'application de questionnaires sociolinguistiques, adaptés à la réalité de la Sororó Village à partir de questionnaires élaborés par Aquino (2010) et Silva (2001), avec 177 Indiens ethniques Suruí-Aikewara pour identifier la quantité des locuteurs monolingues et bilingues. L'observation participante a été conçu pour répondre au contexte socio-culturel du peuple et de leurs usages oraux et la langue écrite. Les données recueillies ont révélé qu'une grande partie de la population est bilingue; utilisations linguistique orale sont effectuées dans les deux langues par des personnes bilingues, et le utilisation linguistique écrite est réalisé principalement dans le langue portugaise. Il est à espérer que ce travail contribuera à la connaissance de la réalité sociolinguistique du peuple Suruí-Aikewara et de développer des projets pour renforcer la langue. Mots-clés: Suruí Tocantins langue, Peuple Surui-Aikewara, la Sociolinguistique.
  • 10. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O POVO SURUI-AIKEWARA 12 1.1 O POVO SURUI-AIKEWARA 12 1.2 HISTÓRICO DO CONTATO 13 1.3 LOCALIZAÇÃO 14 1.4 ESPAÇOS DA ALDEIA SORORÓ 16 1.5 SUBSISTÊNCIA 19 1.6 ASPECTOS SOCIOCULTURAIS 20 1.7 ASPECTOS LINGUÍSTICOS 24 2 SOCIOLINGUÍSTICA, BILINGUISMO E USOS LINGUÍSTICOS 27 2.1 SOCIOLINGUÍSTICA: CONCEITOS E DEFINIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS 27 2.1.1 Variáveis e variantes sociolinguísticas 29 2.2 BILINGUISMO E INDIVIDUO BILÍNGUE 30 2.2.1 Contato entre línguas e comunidades indígenas bilíngues 32 2.3 USO DAS LÍNGUAS NAS MODALIDADES ORAL E ESCRITA EM COMUNIDADES INDÍGENAS 35 2.3.1 A modalidade oral 35 2.3.2 A modalidade escrita 37 3 A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA NA ALDEIA SORORÓ 40 3.1 ATORES, INSTRUMENTOS E MÉTODOS DA PESQUISA 41 3.2 FALANTES MONOLÍNGUES E BILÍNGUESDE ACORDO COM AS VARIÁVEIS GÊNERO E FAIXA ETÁRIA 42 3.3 OS USOS LINGUÍSTICOS ORAIS E ESCRITOS DA ALDEIA SORORÓ 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS 50 REFERENCIAS 54 ANEXOS 57
  • 11. 10 INTRODUÇÃO Tão importante quanto os estudos de descrição e documentação de línguas indígenas são os estudos sociolinguísticos que as tem como objeto. Devido à dificuldade que se tem em identificar nas pesquisas descritivas os falantes nativos dentro da densidade demográfica ocorre, em muitos casos, tomar-se por quantidade de falantes o número de indivíduos que compõem a população. (Moore; Galucio; Gabas Júnior, 2008). O estudo sociolinguístico das línguas indígenas, além de revelar a real quantidade de falantes nativos da língua, fornecem dados que permitem, entre outros aspectos, verificar a demografia, a quantidade de falantes bilíngues e monolíngues, o contexto sociocultural, os usos linguísticos orais e escritos e seus contextos, a vitalidade e a transmissão intergeracional da língua. O interesse em desenvolver esta pesquisa surgiu a partir de uma breve visita à Aldeia Sororó em maio de 2012, juntamente com coordenadores do Curso de Licenciatura Intercultural da Universidade do Estado do Pará – UEPA, a fim de aplicar a prova de seleção do curso aos candidatos Suruí-Aikewara. Na ocasião foi possível notar significativa quantidade de índios falantes da língua portuguesa, porém não havia clareza da quantidade de falantes da língua indígena e os usos de ambas as línguas; ciente de que o fato poderia e deveria ser investigado empiricamente, decidiu-se pela realização dessa pesquisa. O objetivo principal da pesquisa é descrever a situação sociolinguística da língua Suruí do Tocantins falada na Aldeia Sororó. Escolheu-se a referida aldeia por apresentar maior densidade populacional. A abordagem desta pesquisa é qualitativa e foram utilizados como instrumentos para o levantamento de dados a observação participante e formulários sociolinguísticos. O levantamento bibliográfico precedeu a pesquisa de campo, essa última foi realizada no período de 11 a 22 de agosto de 2012. Os formulários sociolinguísticos foram respondido por 177 Aikewara, dos sexos masculino e feminino das faixas etárias de 12 a 21 anos, 22 a 40 anos, 41 a 60 anos e acima de 60 anos, com finalidade de identificar quais os falantes bilíngues e monolíngues, seus usos linguísticos e suas práticas de leitura e escrita; a observação participante possibilitou conhecer aspectos do contexto sociocultural, no qual está inserido o Povo Suruí-Aikewara e as práticas de leitura e escrita desenvolvidas na aldeia. A presente pesquisa tem como questão norteadora “qual a situação socioliguistica da língua Suruí do Tocantins falada na Aldeia Sororó?”. Além do objetivo geral supracitado têm- se os seguintes objetivos específicos: i) Levantar a bibliografia existente sobre os aspectos linguísticos e socioculturais do Povo Suruí-Aikewara; ii) Identificar os falantes monolíngues,
  • 12. 11 bilíngues ou multilíngues e suas respectivas línguas de acordo com as variáveis sexo e idade; iii) Identificar os usos linguísticos orais e escritos desenvolvidos na comunidade. Espera-se com esta pesquisa contribuir para o estabelecimento de um projeto de fortalecimento da língua nativa do Povo Suruí-Aikewara tanto no sentido de valorização da língua oral, principalmente pelas crianças e jovens, quanto no ensino/aprendizagem da língua escrita, como forma de não deixá-la ser esquecida, diante da força imperiosa da língua portuguesa. Este trabalho está organizado em cinco partes: Introdução, Capítulo 1, Capítulo 2, Capítulo 3 e Considerações Finais. Na Introdução, como de praxe, são apresentados os aspectos relativos ao trabalho: relevância da pesquisa, metodologia, objetivos e hipóteses. Neste trabalho capítulo 1 apresenta aspectos socioculturais do Povo Suruí-Aikewara, como contato com a população envolvente, subsistência, atividades tradicionais e inseridas com o contato, localização e espaços da aldeia, e aspectos linguísticos. O capítulo 2 versa sobre o embasamento teórico do trabalho, nele são apresentados estudos e teorias referentes à Sociolinguística, Bilinguismo e usos orais e escritos em comunidades indígenas bilíngues. O capítulo 3 expõe os dados obtidos na pesquisa. Nesse capítulo é apresentado a demografia, o quantitativo de falantes monolíngues e bilíngues, de acordo com as variáveis gênero e faixa etária, e os usos linguísticos orais e escritos praticados na aldeia. Em Considerações Finais são discutidos os resultados obtidos relacionando-os com as discussões teóricas e contexto sociocultural. Essa parte do trabalho é sucedida por Referencias e Anexos, onde podem ser verificados os instrumentos de coleta de dados.
  • 13. 12 1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O POVO SURUI-AIKEWARA 1.1 O Povo Surui-Aikewara Segundo relatos de Ywynuhu Suruí apud Mastop-Lima (2002), os Suruí-Aikewára são originários de um único grupo que, após disputa interna por uma ave semelhante ao papagaio, foi dividido em três etnias: Asuriní do Tocantins, Parakanã e Suruí-Aikewára. Suruí foi o nome atribuído ao grupo por Frei Gil Gomes Leitão. Também são conhecidos por Suruí do Pará, forma de distingui-los dos Suruí de Rondônia. Mudjetire é o nome pelo qual lhes chamam os Kayapó. Aikewára é sua autodenominação, que significa “nós, a gente”. Esse é o motivo de empregar-se neste trabalho o termo composto Suruí- Aikewára. São falantes de língua homônima pertencente ao tronco linguístico Tupi, família linguística Tupi-Guarani (RODRIGUES, 2002); língua conhecida na literatura científica por Suruí do Tocantins. A partir do contato, em meados da década de 1940, aprenderam também o português brasileiro. O território habitado pelos Suruí-Aikewára é de predominância de indígenas do grupo linguístico Jê. De acordo com Arnaud (1989), na região Tocantins-Xingu habitam as seguintes etnias de origem Tupi e os respectivos referenciais hídricos: Akuáwa-Asuriní (Trocará, Tocantins); Suruí-Mudjetíre (Sororozinho – Tocantins); Parakanân (Tocantins – Xingu); Asuriní do Xingu (Piaçaba) e Araweté (Ipixuna - Xingu). Como se pode observar no Mapa 01 abaixo:
  • 14. 13 Mapa 01: Localização dos povos de origem Tupi. Fonte: ARNAUD, Expedito. O Índio e a Expansão Nacional. Belém: CEJUP, 1989. 1.2 Histórico do Contato Segundo Laraia & Matta (1967), as primeiras notícias sobre os Suruí-Aikewára foram feitas em 1923, por “Frei Antonio Sala, na revista dominicana Cayapós e Carajás: “Sororós – raça ainda não identificada, meio bravos, vagam pelas cabeceiras do rio Sororó, afluente direito do Itacaiúnas, defronte da povoação de Santa Isabel”. (op. cit., p. 29).
  • 15. 14 Os primeiros registros de contato com a sociedade envolvente datam de 1947. O Povo Suruí ao aproximarem-se de coletores de castanha esses “abriram fogo contra os indígenas ferindo alguns deles.” (loc. cit.). Em 1952, Frei Gil Gomes empreendeu a primeira tentativa de pacificação, no ano seguinte obteve o primeiro contato. Em 1960, com a morte do cacique Musenai e o enfraquecimento do grupo, o regional João Corrêa tentou transformar os índios em caçadores de pele, para tal utilizou-se do pretexto de civilizá-los e assim cometeu, juntamente com seus comparsas, verdadeiras barbáries entre o povo: da devastação das roças à prostituição das mulheres, além da disseminação da gripe. Estes episódios levaram à diminuição do grupo a cerca de 40 indivíduos. Com intervenção de Frei Gil em 1960, a expulsão dos intrusos e a guarda da área por um empregado dele, os Suruí-Aikewára puderam retomar o plantio das roças e seus hábitos tradicionais. Os Aikewara, para retomar sua população, abandonaram seu controle de natalidade e realizaram poligamia e casamentos com índios de outras etnias e com não índios. Não há notícia se a poligamia ainda é praticada, mas os casamentos com índios de outra etnia e “kamará1” ainda é praticado. Aproximadamente cinco décadas após os primeiros contatos os Suruí-Aikewára constituem uma população de aproximadamente 400 pessoas (cf. SESAI, 2012) que habitam a Terra Indígena (TI) Suruí Sororó. 1.3 Localização A TI do povo Suruí-Aikewara está localizada ao Sudeste do Estado do Pará entre os municípios de Marabá, São Geraldo do Araguaia e São Domingos do Araguaia. O acesso se dá pela rodovia BR-153, a qual corta a TI. A área da TI é de 26.257 ha e 73.706 km de perímetro (cf. DODDE, 2012). Possui duas aldeias habitadas: Aldeia Sororó e a Aldeia Itahy. Possui ainda outras aldeias abandonadas pelos Suruí, em razão de constantes alagamentos durante o período de chuvas. A TI tem como referencias hídricas os igarapés Gameleira (afluente do Rio Araguaia) e Grotão dos Caboclos (um dos formadores do Sororó, afluentes do Rio Itacaiúnas, um dos tributários do Rio Tocantins). O córrego Água Preta liga-se indiretamente ao Rio Itacaiúnas, e “norteia a utilização do território para caça e coleta de frutos e outros recursos não 1 Não índio.
  • 16. 15 madeireiros, além de ser utilizado atualmente como a principal fonte de pesca”. (op. cit., p. 97) Como se verifica no Mapa 02 abaixo: Mapa 02: Terra Indígena Suruí Sororó. Extraído de: Dodde, 2012.
  • 17. 16 1.4 Espaços da Aldeia Sororó A Aldeia Sororó é a mais antiga da TI, nela há maior concentração populacional com aproximadamente 370 pessoas, distribuídas em pouco mais de 72 famílias (cf. SESAI, 2012). É constituída por espaços de convívio, subsistência e habitação dos Suruí-Aikewára. Nesta aldeia ultrapassando o portão de entrada há uma casa de guarda e um curral. Seguindo pela estrada principal, ultrapassando algumas ladeiras e percorridos alguns quilômetros há as primeiras casas, o posto de saúde que atende à população da aldeia e finalmente a entrada da aldeia. As casas da aldeia estão dispostas de modo a formar um círculo com pátio ao centro, onde está localizado o campo de futebol, onde os Aikewara se reúnem às tardes para jogar futebol (Figura 01); e a “Casona” (Figura 03), um local de reuniões internas e externas. Na aldeia, há uma igreja evangélica, uma casa para alojar professores da educação básica que trabalham na escola da aldeia, o posto da FUNAI e a Escola Indígena Moroneikó Suruí. Figura 01: Jogo de futebol no pátio da Aldeia Sororó. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012.
  • 18. 17 Na aldeia há casas tradicionais construídas de madeira e palha (Figura 02) e casas de alvenaria (Figura 03) construídas recentemente, fomentadas pelo governo federal. Essas casas possuem banheiro e fossa séptica. Em geral na unidade territorial onde é construída uma casa abriga-se mais de uma família que se agrega à família principal através do casamento matrilocal - no qual o noivo muda-se para a casa dos pais da noiva; ou patrilocal, no qual a noiva muda-se para a casa dos pais do noivo. Figura 02: casas tradicionais da Aldeia Sororó. Foto: Joelma Alencar, 05/2012. Todas as casas são abastecidas por energia elétrica e muitas possuem aparelhos eletrônicos como televisores e rádios, e eletrodomésticos como ventiladores e refrigeradores (para conservação de carnes). Algumas têm água encanada proveniente de cinco caixas- d’água que abastecem a aldeia, com água retirada de poços artesianos. As famílias que não possuem água encanada em casa buscam água na Escola Moroneikó e armazenam em galões.
  • 19. 18 Figura 03: “Casona” no pátio da aldeia. Ao fundo casas recém construídas. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012. Os Aikewara costumam fazer roças coletivas e familiares em áreas que, assim como seus locais de caça e pesca, estão situados um pouco distante do pátio. Existe um local denominado de “Açaizal” (Figura 04), onde os Aikewara costumam colher frutas, lavar roupas e se banhar no Igarapé Gameleira, principalmente os mais velhos; embora a Aldeia seja abastecida por água encanada.
  • 20. 19 Figura 04: Igarapé Gameleira localizado no Açaizal – Aldeia Sororó. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012. 1.5 Subsistência A subsistência dos Suruí-Aikewára advém da caça, pesca, agricultura, coleta e comercialização de alguns produtos, entre eles a castanha-do-pará. Observou-se que o grupo utiliza o cultivo rotativo: a cada ano uma área diferente é preparada (derrubada da mata) permitindo que a área utilizada no plantio anterior se recupere. Os principais produtos cultivados são mandioca, milho, fava, feijão, banana, cará, inhame e macaxeira. Da caça e da pesca advém a fonte de proteínas. A caça é atividade constante entre os Suruí-Aikewára. De predomínio masculino, pode ocorrer de modo individual ou coletivo. Os principais animais objeto da caçada são: porco do mato/porcão, veado, anta, paca, cotia, macaco, jabuti, tatu, também apreciam muito a carne de jacaré. E aves, como arara, papagaio, tucano, mutum, entre outras das quais tanto se alimentam como aproveitam as penas para fazer artefatos. A pesca é permitida às mulheres e crianças, utilizam como isca as larvas que se criam dentro do coco babaçu.
  • 21. 20 Ressalta-se que durante a pesquisa de campo, não raro, ouvia-se reclamações dos índios pela escassez de caça e peixes. A excassez de caça os Aikewara atribuem à invasão da TI por caçadores ilícitos e às queimadas que se tornaram constantes a partir da abertura da BR-153; já a escassez de peixes os Aikewara consideram consequência dos impactos da Barragem Santa Izabel. Este fato é um indício que essas atividades permanecem cultivadas na aldeia como modo de manutenção do ritual. A coleta de frutas, castanha e mel complementa a alimentação e gera renda aos Suruí. As principais frutas coletadas são: cupuaçu, banana, bacaba e açaí; é comum a participação das crianças nessa atividade. Limão e caju são cultivados no quintal das casas. Graviola, bacuri e abacaxi também compõem a dieta. A castanha e o mel são fontes de alimentação e renda. O excedente do mel é comercializado nas cidades próximas à aldeia ou com os funcionários da FUNAI. A safra de castanha-do-pará ocorre entre os meses de dezembro a março, ou abril, do ano seguinte. Nesse período os Suruí-Aikewára adentram a mata e permanecem de cinco a dez dias, a depender do estoque de alimentos levados. O transporte da castanha para a aldeia é feito no carro da aldeia, por animais de carga ou num pequeno trator. Segue para ser comercializada em São Domingos do Araguaia ou Marabá no caminhão fretado pelo cacique Mairá. Com o dinheiro da venda da castanha são comprados, nos mesmos municípios, alimentos que abastecem os Suruí-Aikewára. (MASTOP-LIMA, 2002). 1.6 Aspectos Socioculturais O Povo Suruí mantém intenso contato com os habitantes dos municípios próximos - São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande e Marabá - são relações comerciais, trabalhistas e busca por serviços médicos. Alguns regionais também frequentam a aldeia: professores não indígenas, que ministram aulas na escola da aldeia, representantes de igrejas evangélicas e católicas que visitam a aldeia, e outras pessoas que são convidadas a visitar a aldeia em momentos festivos. Há também o contato cultural e linguístico estabelecido em função dos casamentos. Embora entre o Povo Suruí-Aikewara alguns pais ainda preservam a tradição do casamento arranjado, a escolha do parceiro matrimonial tem se tornado comum. E assim são realizados casamentos entre índios Aikewara e regionais ou entre Aikewara e índios/índias de outras etnias.
  • 22. 21 Elementos culturais tradicionais integram-se a elementos inseridos a partir do contato. Como exemplo tem-se a comemoração do aniversário de nascimento. Cita-se a comemoração do centenário do Pajé Awasai, presenciado no segundo período de pesquisa de campo. Em razão do aniversário havia presença de muitos regionais, os kamará; carne de diversas caças acompanhadas por arroz, salada e farinha (manime) foi servida aos convidados: índios e não- índios. Por se tratar de um momento festivo, os índios fizeram a pintura corporal, cujos traços representam elementos da fauna, da flora e do universo desse povo, como a pintura do jabuti (sauti), a pintura de cobra (moj) ou a da anta (tapi’ira). A pintura corporal, feita em diferentes momentos sociais, também constituiu um dos processos de preparação para a dança do Sapurahái, praticada na ocasião (Figura 05). Essa dança é realizada por homens, mulheres e crianças. Segundo Silva, G. (2007) tem a finalidade de afastar da aldeia os espíritos que levam doenças para os Aikewara. Nesta dança além de cocar (araraw) alguns homens empunham arco e flecha. Os cantos que conduzem a dança são acompanhados pelo wapusá (maracá) fabricado “(...) com Cuipí/Cuité (Crescentia cujete L.), sementes de Mungulú, axixá, Inimó/Fio de algodão, Akamacyrona/Taquara (Guadua angustifólia Kunth) e penas de arara.” (SILVA, G., 2007, p. 106). Dias depois de ocorrida a festa de aniversário, ao conversar com alguns índios jovens, verificou-se que a comemoração do aniversário não é uma tradição dos Aikewara, eles iniciaram esta prática por influencia dos brancos. Mais alguns dias decorridos se presencia uma mãe comentar com outra que naquela semana foi aniversário de uma de suas filhas e ela esqueceu 2. 2 Informação verbal em pesquisa de campo.
  • 23. 22 Figura 05: Anciãos Aikewara se preparando para iniciar a dança do Sapurahái em comemoração ao centenário do Pajé Awasai (sentado). Foto: Ellen Oliveira, 08/2012. A Festa dos Karuára não foi presenciada em pesquisa de campo, mas é descrita na literatura sobre o Povo Suruí, especificamente nos trabalhos de Mastop-Lima (2002) e Silva, G. (2007). Trata-se de um ritual de reverência aos espíritos, e seu início é anunciado por um vento forte, que traz o espírito Karuára, o pajé avisa a comunidade e ordena que queimem as roças, para com elas serem queimadas as “coisas ruins”. A preparação e o ritual duram alguns dias: a construção da tukása (casa ritual onde os espíritos serão aprisionados), a pintura corporal, a confecção de artefatos e cigarros a serem utilizados no ritual. É um ritual de predomínio masculino. E aos homens somam-se algumas mulheres somente no momento da dança no pátio da aldeia (Figura 06).
  • 24. 23 Figura 06: Suruí-Aikewára dançando em frente à tukása. Fonte: Silva, G., (2007). Os Suruí-Aikewára ainda preservam outros elementos de sua cultura material e imaterial. Entre as tradições orais, mitos, ritos e instrumentos musicais destacam-se alguns: entre os mitos há registro 3 dos seguintes: Mito da criança que tinha rabo; Mito da origem dos kamará; Mito do tamanduá; Mito da obtenção do fogo; Mito da índia que engravidou do pau; Mito da cobra; Mito do urubu-rei; Mito da origem das caças; Mito da mucura; Mito da cutia e Mito de origem . Além do wapusá, citado anteriormente, os Suruí utilizam e confeccionam outros instrumentos musicais como Symya (flautas), Sykã (chocalho em cacho) e Sautikapeháw (casco de jabuti). E artesanatos como anéis, pulseiras, colares e redes; fios de algodão, sementes e miçangas são as matérias-primas desses artigos, que além de utilizados como adornos próprios, também são comercializados com os kamará, que visitam a aldeia e se interessam pelos artigos. Confeccionam brinquedos; os araraw com penas de pássaros, flechas e armadilhas de caça; vestes e outros adornos utilizados nas danças ou rituais. 3 Op. Cit.
  • 25. 24 1.7 Aspectos Linguísticos Historicamente, o Tupinambá foi a língua que falavam os índios da costa brasileira quando chegaram os primeiros colonos portugueses. Esta língua se tornou língua genérica devida ao estereótipo de língua brasileira, deu origem a gramáticas e foi a mais utilizada nas missões jesuítas. Penetrou a Amazônia devido às constantes migrações do Povo Tupinambá. (DIETRICH, 2010, p. 12). Conforme Rodrigues (2000) na região que compreende a bacia hidrográfica do Rio Amazonas há o predomínio das famílias linguísticas Aruák, Karib e Tupi-Guarani. Esta última foi composta a partir da hipótese formuladas por linguistas que, através de estudos histórico-comparativos, verificaram a existência de correspondências regulares de aspectos fonológicos, lexicais e morfossintáticos, entre as línguas Tupinambá e o Guarani Antigo. Formulou-se então a hipótese de que ambas têm a mesma origem em uma proto- língua. Portanto, devido às semelhanças entre a Língua Tupi e Guarani, como pode ser observado, em uma simples amostragem, no vocabulário da tabela abaixo, os linguistas consideram que as duas línguas constituem única família linguística: Tupi-Guarani. Fonte: RODRIGUES, 1994 p.30 Essa família linguística, por sua vez, deu origem a outras línguas, que são agrupadas por Rodrigues & Cabral (2002), em oito subconjuntos:
  • 26. 25 Fonte: RODRIGUES & CABRAL (2002), p.335. A Língua Suruí pertence ao subconjunto IV da família Tupi-Guarani; juntamente com as línguas Tapirapé, Asuriní do Tocantins, Parakanã, Avá-Canoeiro, Tembé, Guajajára e Turiwára. Na tabela abaixo é possível visualizar a classificação das línguas em cada subconjunto. Quadro I: Nova constituição interna da família Tupi-Guarani Ramo I: Guarani Antigo Kaiwá (Kayová, Pãi), Ñandeva (Txiripá), Guaraí Paraguaio Mbyá Xetá (Serra dos Dourados) Tapieté, Chiriguano (Ava), Izoceño (Chané) Guayaki (Axé) Ramo II: Guarayo (Guarayú), Sirionó, Horá (Jorá) Ramo III: Tupí, Língua Geral Paulista (Tupí Austral) Tupinambá, Língua Geral Amazônica (Nhe’engatú) Ramo IV: Tapirapé Asuriní do Tocantins, Parakanã, Suruí (Mujetire), Avá-Canoeiro Tembé, Guajajára, Turiwára Ramo V: Araweté, Ararandewára-Amanajé, Anambé do Cairarí Asuriní do Xingu Ramo VI: Kayabí, Apiaká Parintintín (Kagwahíb), Tupí-Kawahíb (Tupí do Machado, Pawaté, Wiraféd, Uruewauwau, Amondáva, Karipúna,
  • 27. 26 etc.) Juma Ramo VII: Kamayurá Ramo VIII: Wayampí (Oyampí), Wayampípukú, Emérillon, Joé Urubu-ka’apór, Anambé de Ehrenreich Guajá Awré e Awrá Takunhapé Ibid., p. 335-336 Dos dados linguísticos produzidos sobre a língua Suruí do Tocantins foram encontrados vocabulários; e a análise fonológica da língua realizada por Barbosa (1993). O referido autor identificou na língua 23 fones consonantais, 13 fones vocálicos orais e 10 fones vocálicos nasais. É importante citar que os alunos Aikewara do Curso de Licenciatura Intercultural, em parcerias com professores da Universidade do Estado do Pará – UEPA e da Universidade de Brasília – UnB, estão desenvolvendo projetos linguísticos de natureza fonético-fonológica, morfossintática e lexical. A finalidade desses projetos é desenvolver a escrita oficial da língua Suruí que sirva para o desenvolvimento de materiais didáticos, documentação da língua e correção dos nomes próprios que, em grande parte, encontram-se grafados de modo equivocado.
  • 28. 27 2 SOCIOLINGUÍSTICA, BILINGUISMO E USOS LINGUÍSTICOS Este capítulo versará sobre as bases teóricas, que fundamentam a presente pesquisa. É importante ressaltar que nas pesquisas sociolinguísticas em comunidades indígenas utilizam- se diferentes bases teóricas, como aquelas pertinentes à Sociolinguística, Pragmática, Linguística Cognitiva e outros. Pois, pesquisas dessa natureza objetivam conhecer o povo, sua língua/línguas, as situações nas quais elas são utilizadas, e os valores que o povo atribuí à sua lingua. Na primeira parte deste capítulo são utilizados os estudos de Labov (2008), Tarallo (1986), Paiva (2012), Mollica (2012), Calvet (2002), Baernert-Fuerst (1989) e Cezário & Votre (2009) referentes à Sociolinguística. Na segunda parte os estudos de Hammers e Blanc (1983), Zimmer; Finger; Scherer (2008), Santos (2008), Couto (2009) e Baniwa (2006) são utilizados para tratar do Bilinguismo. Na terceira parte do capítulo são apresentados estudos sobre usos linguísticos orais e escritos e estes usos em comunidades indígenas tem-se como base os trabalhos desenvolvidos por Calvet (2011), D’Angelis (2007), Meliá (1979), Monte (1994) e Gnerre (2003), Maher (1990) e Monserrat (1989). Em ambas as partes se recorrem aos estudos de Ribeiro (2001), Aquino (2010) e Silva (2001) para ilustrar os fenômenos descritos. 2.1 Sociolinguística: conceitos e definições teórico-metodológicas A Sociolinguística é uma área da ciência linguística, que estuda a relação entre os fatores socioculturais e a realização linguística em uma comunidade de falantes. Segundo Cezário e Votre (2009) esta corrente concebe a língua como uma instituição social que deve ser analisada em seu uso real considerando o contexto situacional, a cultura e a história das pessoas que a fala. Os precursores dessa corrente manifestaram-se, no início do século XX, ao defenderem a importância de considerar nas pesquisas linguísticas as influencias que fatores sociais exercem sobre a mudança linguística. Calvet (2002) destaca entre eles: Antoine Meillet, Paul Lafargue, Marcel Cohen, Basil Bernstein e William Bright. Meillet, embora discípulo de Saussure manifesta-se, após a publicação póstuma do Curso de Linguística Geral, contrariamente à abordagem linguística estruturalista. Para ele, a língua é um fato social e um sistema que tudo contém: “Por ser a língua um fato social resulta
  • 29. 28 que a linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social”. (MEILLET apud CALVET, 2002, p. 16). Paul Lafargue e Marcel Cohen, influenciados pelo pensamento marxista, apresentaram a hipótese de relação entre mudança linguística e mudança social. Para Lafargue (1894 apud CALVET, 2002) a mudança linguística resulta de mudanças políticas; foi o que demonstrou em seu estudo do vocabulário francês antes e depois da Revolução, publicado em 1894. Já Cohen (1956 apud Calvet, 2002) pondera que os fatos da língua devem ser analisados sob um olhar sociológico e não mais apenas categorizados teoricamente. Basil Bernstein (1975) e William Bright (1966) são os estudiosos que, pela primeira vez, defedem a relação entre mudança linguística e condição social dos falantes. Os estudos de Bernstein sobre educação o leva a constatar que, o fracasso escolar de crianças, relaciona- se à classe social à qual pertencem; fato que se verificava na produção do código linguístico das crianças. Assim as crianças da working class tinham um código mais restrito e as crianças da midle class um código mais elaborado. (BERNSTEIN, apud CALVET, 2002, p. 25). Essa foi a primeira tentativa de descrever as diferenças linguísticas a partir das diferenças sociais. Bright (1966), por sua vez, contribui ao pensamento sociolinguístico quando, durante a conferência sobre sociolinguística realizada na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles) em maio de 1964, esclarece sobre as tarefas da Sociolinguística: (...) é mostrar que a variação ou a diversidade não é livre, mas que é correlata às diferenças sociais sistemáticas. (BRIGHT apud CALVET, ibid., p. 29). Portanto, a Sociolinguística surge devido à necessidade das pesquisas linguísticas em reconhecer as influencia dos fatores extralinguísticos sobre a realização do sistema linguístico. E ganha estatuto de ciência a partir dos estudos de William Labov, responsável por delimitar o objeto e os métodos da pesquisa sociolinguística. Labov (2008) define a língua como “um instrumento utilizado pelos membros da comunidade para se comunicar entre si.” (LABOV, 2008, p.320). Essa definição reconhece o caráter heterogêneo da língua, tendo em vista que uma comunidade, por seu turno, não é homogênea, pois, comporta indivíduos de diferentes classes social e econômica, faixa etária, etc; fatores que interferem/contribuem para a diversidade linguística. Labov estabelece que o objeto de estudo da Sociolinguística é a “língua em uso dentro da comunidade de fala” (LABOV, ibid., p.215). Assim os dados que o sociolinguista coleta provém da língua em uso real por seus falantes: falas menos monitoradas realizadas em momentos nos quais os falantes preocupam-se com o que dizem, não como dizem.
  • 30. 29 Os métodos propostos para a coleta dos dados podem ser de natureza quantitativa, como o uso de questionários sociolinguísticos, propostos por Labov, através dos quais o pesquisador objetiva identificar a frequência de determinada variante e sua relação com a variável pré-estabelecida. E pode ser de natureza qualitativa, como as observações participantes a fim de conhecer o contexto histórico e sociocultural da comunidade. (BAERNERT-FUERST, 1989). Considerar os aspectos extralinguísticos no processo de construção do sistema linguístico significa reconhecer que este sistema sofre influências de fatores sociais da comunidade falante e fatores individuais inerentes a cada indivíduo. Portanto, significa reconhecer a heterogeneidade e dinamismo das línguas naturais que desencadeiam o processo de variação linguística. 2.1.1 Variáveis e variantes sociolinguísticas As línguas naturais, por seu caráter heterogêneo relacionado a fatores linguísticos e extralinguísticos, apresentam-se dinâmicas. Esse dinamismo resulta em variações do sistema linguístico de ordem fonológica, morfológica, sintática ou semântica determinados por fatores internos ou externos à língua. Os elementos linguísticos que apresentam formas alternativas de realização são denominados variantes: a presença ou ausência do /s/ como marca de plural na língua portuguesa, por exemplo. Em geral, há uma oposição entre uma variante mais conservadora e outra mais inovadora cuja realização é determinada por variáveis. Tanto o fenômeno da variação quanto o grupo de fatores que o determina são conhecidos por variável. As variáveis são consideradas dependentes, pois não se realizam de modo aleatório, mas obedecendo a regras ou grupos de fatores chamados variáveis independentes, de natureza social ou estrutural. Segundo Mollica (2012, p. 11) as variáveis são em grande número e agem simultaneamente sobre as variantes. Fatores de natureza fonomorfossintático, semânticos, discursivos e lexicais são considerados variáveis internas ao sistema. Dentre as variáveis externas ao sistema linguístico há fatores pertinentes ao indivíduo (como etnia, faixa etária e sexo), fatores sociais (escolarização, nível de renda, profissão e classe social), contextuais (grau de formalidade ou tensão discursiva). As variáveis, agindo simultaneamente, exercem forças sobre as variantes, e são ao mesmo tempo as “armas” utilizadas pelas variantes para combaterem sua opositora e se
  • 31. 30 manterem vivas. Ao investigar o fenômeno de variação, em uma comunidade linguística, o pesquisador busca depreender quais fatores determinam a utilização de uma variante tradicional ou de uma variante conservadora. Para esta pesquisa interessam as variáveis independentes faixa etária e gênero, que serão tratadas a seguir. A variável faixa etária é um fator de análise sincrônica que revela a estabilidade da variação ou a mudança em progresso. No primeiro caso se verifica certo equilíbrio entre frequência de uso das variantes e o fator faixa etária. No segundo caso se verifica a maior frequência de uso da variável inovadora por um dos grupos etários. Tarallo (1986) afirma que “se o uso da variante mais inovadora for mais frequente entre os jovens (...) você [pesquisador] terá presenciado uma situação de mudança em progresso.” (TARALLO, 1986, p. 65). Quanto à variável gênero/sexo o apontamento é o mesmo realizado para a variável idade: exerce influencia sobre as variantes no fenômeno da variação. Todavia, possui peculiaridades. Uma delas está ligada à “construção social dos papéis feminino e masculino.” (PAIVA, 2012, p. 33). Segundo Paiva (2012) nas pesquisas sociolinguísticas a variável gênero/sexo está relacionada, de modo mais evidente, às diferenças lexicais. Nas sociedades ocidentais essa diferenciação não é tão evidente. A autora afirma que a influencia desta variável está fortemente relacionada à preferencia de um ou outro sexo pela utilização da variante mais prestigiada ou mais estigmatizada socialmente; ou ainda pela variante mais conservadora ou mais inovadora. Essa característica, por sua vez, não tem relação com fatores biológicos e sim sociais: a amplitude do círculo social do sexo masculino e do sexo feminino; o sentimento de pertencimento a um grupo que compartilha, além das marcas culturais, as marcas linguísticas como modo de individualizá-lo perante outro grupo. A este último caso há como exemplo a supressão da oclusiva velar /k/ na fala dos homens Karajá, considerada menos conservadora em relação à fala feminina. (RIBEIRO, 2001). 2.2 Bilinguismo e individuo bilíngue O termo bilinguismo designa o uso de duas línguas por um falante. Esse é o conceito mais simples para o termo que também pode se referir à utilização de duas línguas por uma comunidade, ou ainda, oficialização de duas línguas por um país. Há outras atribuições ao termo: “políticas linguísticas que tendem a assegurar a cada uma das línguas faladas no país
  • 32. 31 um status oficial”; designa também o movimento de generalização por “medidas oficiais e pelo ensino o uso corrente de determinada língua estrangeira além da língua materna”. (DUBOIS et all, 2007). O bilinguismo também pode ser definido segundo o contexto, grau de proficiência ou competência do falante em uma das duas línguas ou em ambas. Hamers e Blanc (1983) apresentam algumas dessas concepções: a de Bloomfield “que define o bilinguismo como a posse de uma competência de falante nativo em duas línguas.” (BLOOMFIELD, 1935 apud HAMERS e BLANC, 1983, p. 22, tradução nossa) 4. Para Titone (1972) o bilinguismo é “(...) a capacidade de um indivíduo se exprimir em uma segunda língua respeitando os conceitos e estruturas próprios desta língua sem parafrasear sua língua materna”. (TITONE, 1972 apud HAMERS e BLANC, loc. cit., tradução nossa) 5. Os autores citam ainda a definição de bilinguismo dada por Macnamara: o bilíngue é qualquer um que possui uma competência mínima em uma das quatro habilidades linguísticas, compreender, falar, ler e escrever em uma língua diferente da sua língua materna. (MACNAMARA, 1967ª apud HAMERS e BLANC, loc. cit., tradução nossa)6. As críticas apontadas por Hamers e Blanc (1983) às definições referem-se à imprecisão das mesmas, pois não esclarecem o que se deve entender por “competência de falante nativo”, “competência mínima em segunda língua” e “respeito aos conceitos e estruturas próprios de uma língua”. Para os autores o bilinguismo é um fenômeno multidimensional e assim deve ser estudado nas pesquisas empíricas. Segundo a competência linguística do falante apontam duas distinções para os bilíngues: o bilíngue equilibrado (equilibré) e o bilíngue dominante (dominant). O primeiro possui uma competência equivalente nas duas línguas; o segundo possui competência superior na língua materna. As definições apresentadas referem-se ao bilinguismo individual, ao falante bilíngue; denominado por Hamers (1981a) bilingualité (igualdade bilíngue) que consiste no estado psicológico de um falante que acessa dois códigos linguísticos; o que desconsidera o contexto de usos dessas línguas e a construção sociocultural desses falantes. 4 No original : « (...) qui définit le bilinguisme comme la possession d’une compétence de locuteur natif dans deux langues. » 5 No original : « (...) la capacité d'un individu de s'exprimer dans une seconde langue en repectant les concepts et les structures propres à cette langue, plutôt qu'en paraphrasant sa langue maternelle. » 6 No original: « (...) le bilíngue est quelqu’un qui possède une compétence minimale dans une des quatre habiletés linguistiques, à savoir comprendre, parler, lire et écrire dans une langue autre que sa langue maternelle. »
  • 33. 32 Por bilinguismo social (bilinguisme), Hamers e Blanc (op. cit.) reconhecem o estado de uma comunidade na qual se utilizam duas línguas por consequência do contato entre línguas e inclui os indivíduos bilíngues. E concluem que o bilinguismo é um fenômeno global que envolve falante e comunidade bilíngue. Vaid (2002 apud ZIMMER et all, 2008) define bilíngue os “indivíduos que conhecem e usam duas línguas, as quais não seriam necessariamente utilizadas no mesmo contexto, nem dominadas com os mesmos níveis de proficiência”. Essa é uma definição bastante abrangente que envolve os falantes bilíngues que possuem diferentes competências e grau de proficiência em uma das duas línguas faladas. E é essa a definição que interessa a presente pesquisa conforme os objetivos apresentados. São muitos os fatores que levam um falante a tornar-se bilíngue, dentre os quais: o casamento entre pessoas falantes de línguas diferentes e os filhos dessa união; as políticas de ensino de língua estrangeira nas escolas; o desejo individual de aprender uma segunda língua por razões culturais ou socioeconômicas; o convívio em territórios de contato linguístico ou comunidades bilíngues, entre outros. 2.2.1 Contato entre línguas e comunidades indígenas bilíngues O contato linguístico ocorre quando indivíduos, ou coletividade, de línguas diferentes compartilham um mesmo território. Contudo não é simples apontar uma definição para o termo, visto que implica a necessidade, segundo Appel & Muysken (apud SANTOS, 2008, p. 23), de “definir a natureza, a escala e o grau desse contato e determinar quem entra em contato com quem: indivíduos, famílias, comunidades ou sociedades inteiras”. A não definição do termo decorre, certamente, dos objetivos da Linguística que reside em estudar as consequências do contato linguístico como afirma Calvet (op. cit., p.35) “o resultado dos contatos linguísticos é um dos primeiros objetos de estudo da Sociolinguística” e não o contato em si. Vale ressaltar que muitos fatores condicionam o contato linguístico e embora a Ecolinguistica não seja uma abordagem para esta pesquisa é interessante apresentar os quatro tipos de situações nas quais ocorre o contato linguístico e, consequentemente, o bilinguismo/multilinguismo, conforme Couto (2009, p. 51-54): i) Quando um povo se desloca para o território de outro povo que já constitui uma comunidade linguística relativamente estabelecida e estabilizada. Quando o povo que se
  • 34. 33 deslocou é mais fraco política, econômica e militarmente o resultado deste fato é a Lei das Três gerações: (...) a primeira geração (quando migra já adulta) aprende quando muito uma variedade pidginizada da língua hospedeira. Os seus filhos geralmente aprendem a língua do país hospedeiro e a dos pais, sendo, portanto bilíngues, continuando a usar a língua original em todas as interações intergrupais. Os netos, porém, tendem a preferir a língua da nova terra, mantendo, quando muito, um conhecimento passivo da língua original de seus avós. A quarta geração frequentemente não tem quase nenhum conhecimento da língua dos antepassados. (COUTO, 2009, p. 51-52). ii) Quando um povo mais forte política, econômica e militarmente se desloca para o território de um povo mais fraco e impõe sua língua gradativamente ao povo autóctone, no decorrer do tempo, devido às fortes influencias da língua do povo conquistador sobre a língua do povo nativo, esta é falada em territórios e por populações cada vez mais reduzidas, o que configura as ilhas linguísticas. iii) Quando tanto o povo mais forte quanto o povo mais fraco se desloca para um terceiro território que não lhes pertence há situação propicia ao surgimento de pidgin 7 e crioulo8. iv) Quando tanto o grupo mais fraco se desloca temporária ou sazonalmente para o território do povo mais fraco; quanto esse o faz para o território do grupo mais forte. Ou quando em situações fronteiriças devidas a acidente geográfico um dos grupos se desloca para o território do outro. Nesses casos cada grupo pode falar sua língua no território do outro. Porém, em situações intercomunicativas a língua utilizada será a mais prestigiada socialmente. Couto (2009) pondera que alguns fatores influenciam nos resultados desse contato: quantidade de pessoas que se deslocam, tempo de permanência no território para o qual se deslocaram, intensidade do contato entre os povos e poder econômico, político e militar de cada povo. O resultado desse contato, por sua vez, pode ser tanto a manutenção da língua com algumas interferências; quanto, a obsolescência seguida de glototanásia 9 da língua minoritária. No decorrer da constituição histórico-social do Brasil, mais de uma das situações apresentadas acima ocorreram. Basta lembrar as massas de imigrantes italianos, alemães, japoneses, entre outros, que em terras brasileiras formaram suas colônias, o que caracteriza a situação i. A situação ii apresentada foi o que ocorreu com a chegada dos conquistadores 7 Segunda língua de uma comunidade linguística nascida do contato entre línguas e possui sistema mais complexo que o sistema do crioulo. (DUBOIS et all, 2007, p. 469). 8 Dá-se o nome de crioulo a sabires (sistemas linguísticos reduzidos a algumas regras de combinação e ao vocabulário de determinado campo léxico. Línguas compostas a partir do contato entre comunidades linguísticas diferentes.), pseudo-sabires, ou pidgins, que, por motivos diversos de ordem histórica ou sociocultural, se tornaram línguas maternas de toda uma comunidade. (DUBOIS et all, 2007, p. 161). 9 Glototanásia é a morte da língua, refere-se à dinâmica das línguas, e ocorre quando deixa de ser usada, ou seja não tem mais falantes. (COUTO, 2009, p. 84).
  • 35. 34 portugueses em terras, hoje brasileiras, e a imposição gradativa da língua portuguesa através do etnocídio das populações indígenas. A situação iii ocorre nas regiões fronteiriças do Brasil. Esses fenômenos são argumentos suficientes para o reconhecimento do Brasil como um país plurilíngue, afinal não se pode silenciar as vozes dos falantes das 180 línguas ameríndias autóctones e das dezenas de línguas ocidentais trazidas por imigrantes. Estes falantes compõem inúmeras comunidades bilíngues e/ou multilíngues por todo o território nacional. Tratando especificamente das comunidades indígenas bilíngues, aquelas nas quais os indivíduos possuem maior contato com a população envolvente, em geral as línguas usadas são a nativa/indígena e uma variedade regional do português brasileiro. É o caso do Povo Karajá e do Povo Asurini do Tocantins (cf. SILVA, 2001 e AQUINO, 2010, respectivamente). E há outras comunidades bilíngues ou multilíngues conforme Braggio (apud SILVA, op. cit., 26): “(...) são bilíngües, isto é, falam a língua materna e o Português em graus e modos variados, os seguintes grupos: Karajá e Javaé, que fazem parte da família lingüística Karajá, e os Xerente, Apinajé e Krahò, que integram a família lingüística Jê”. Além do contato, o bilinguismo é mantido devido ao ensino escolarizado que, embora exista aproximadamente 90% de professores indígenas que atuam nas escolas de suas áreas (cf. BANIWA, 2006), ainda conta com muitos professores não índios que não têm formação adequada para atuar em áreas indígenas e, consequentemente, reproduzem alguns preconceitos linguísticos; e os próprios professores indígenas que, em muitos casos, não possuem formação linguística adequada; o resultado é a adoção da língua portuguesa como língua de instrução, inclusive no ensino da língua indígena, como ocorre entre os Asurini do Tocantins (AQUINO, op. cit.). É possível notar que a relação de domínio através da imposição cultural e linguística e as políticas linguísticas para as populações indígenas brasileiras resultaram na existência contemporânea de ilhas linguísticas, que sofrem cada vez mais as pressões da sociedade envolvente através da escola, da televisão e dos padrões socioculturais ocidentais difundidos. Essa configuração sociolinguística contribui ainda para o sentimento de pertencimento social e cultural do indivíduo ao seu povo, e consequentemente às atitudes e valores desse para com sua língua e os usos que fazem de cada língua em determinados contextos. Se os valores forem positivos concorrem para o fortalecimento e manutenção da língua nativa, L1. Se as atitudes e valores forem negativos tendem a estigmatização da língua e, por conseguinte o enfraquecimento ou obsolescência linguística. Sobre estes usos e suas implicações tratará a seção seguinte.
  • 36. 35 2.3 Uso das línguas nas modalidades oral e escrita em comunidades indígenas As comunidades indígenas, que já iniciaram contato com a sociedade envolvente, além da realidade bilíngue e por consequência a assimilação de elementos socioculturais ocidentais (a língua e o universo semântico dessa sociedade), sofrem a imposição outra forma de organização sociocultural: a linguagem escrita. Esta imposição apresenta dois pontos: se por um lado pode representar a estigmatização da língua nativa frente ao fascínio da escrita; por outro lado pode contribuir para o registro de elementos culturais através da língua escrita. Todavia, um ou outro resultado depende dos usos, do contexto de circulação e do valor atribuído às modalidades oral e escrita. 2.3.1 A modalidade oral De acordo com Calvet (2011) sociedades de tradição oral são aquelas que têm na fala o fundamento de sua regulamentação social que, por sua vez, são transmitidos geração a geração pela prática das atividades tradicionais e pela linguagem oral. Nas sociedades de tradição oral, como as ameríndias, o poder advém pelo que o autor chama de “força da fala”: todos são governados “por uma tradição ancestral que não se inscreve nos livros, mas na memória social” . Diferentemente do que ocorre nas sociedades de tradição escrita onde “todos são governados por leis, decretos e tratados”. As línguas sem tradição escrita se mantem vivas pela transmissão oral através da nomeação – topônimos, antropônimos, zoônimos – ditados, trava-línguas, contos e músicas. Essas práticas integram o universo cultural do povo e constitui o discurso especializado da prática de atividades culturais através do qual a língua mantem sua vitalidade. Sem a realização das atividades tradicionais e a manutenção desse universo semântico a língua perde sua dinâmica, sobrevivem apenas alguns elementos lexicais que perdem o sentido no seio da comunidade no decorrer do tempo. Assim sendo, nas palavras de Silva (2009), (...) quando determinadas atividades culturais deixam de ser desenvolvidas, as palavras e os enunciados referentes a esses contextos vão, com o tempo, perdendo sentido na comunidade. Já quando essas atividades são mantidas, a língua não só é preservada, mas expandida e renovada. Essa ampliação ocorre com os novos conhecimentos que os indígenas adquirem a partir das novas experiências e criações. (SILVA, 2009, p. 64-65).
  • 37. 36 A renovação à qual a autora se refere é verificada, por exemplo, na formação de palavras (neologismos) para nomear elementos ou objetos externos à cultura indígena, mas integrados a partir do contato por imposição ou necessidade. Não se pode desconsiderar, porém, que a integração desses elementos é uma das consequências do contato entre uma cultura dominada e outra dominante. E, assim como pode ocorrer a renovação linguística pelos neologismos, pode ocorrer a invasão da língua pelos empréstimos; ou até por substituição lexical, que é uma das causas da glototanásia. Os estudos sociolinguísticos revelam que nas comunidades indígenas bilíngues a linguagem oral é realizada em língua nativa nos diversos domínios sociais e atividades socioculturais, porém não exclui o uso da língua portuguesa com falantes índios ou não índios, dependendo do contexto no qual estão inseridos. Cita-se, como exemplo da situação acima descrita, os povos Asuriní do Tocantins e Karajá. Entre os Karajá a língua materna é falada em todos os domínios sociais, inclusive no ensino escolar, e só recorrem à língua portuguesa quando há presença de “tori10” (cf. SILVA, 2001). Entre os Asuriní há equilíbrio entre os usos da língua indígena e da língua portuguesa, mas em algumas situações a segunda pode prevalecer dependendo do contexto e dos falantes (cf. AQUINO, 2010). Em geral, nessas comunidades, as atividades tradicionais são realizadas em língua nativa devido à necessidade de proferir cantos, rezas, relembrar feitos dos antepassados. Atividades que constituem a educação indígena. Referente ao contexto escolar, a língua de realização depende da política linguística adotada, salvo exceções, a língua do ensino escolar é a língua portuguesa. Para os índios contatados, é importante a aprendizagem do português oral, sobretudo para aqueles que exercem na comunidade o papel de intermediário cultural. De acordo com Maher (1990) esses índios são “os responsáveis pela interlocução com a sociedade nacional – interlocução que, embora frequentemente mediada pelo texto escrito, depende em muito da capacidade destes indivíduos entenderem a fala do branco e expressarem oralmente o ponto de vista indígena.” (MAHER, 1990, p. 05). Esse aprendizado é importante e necessário, mas não deve, assim como na escrita, negar a identidade e os saberes indígenas. Embora seja inegável sua importância, as atividades orais desenvolvidas na escola estão mais relacionadas ao ensino na língua portuguesa do que da modalidade oral da língua. É o que revela o estudo de Monte (1994) com Povos do Acre: a aquisição da língua portuguesa como língua-meta na modalidade oral ocorre de modo 10 Não índio.
  • 38. 37 descontínuo do processo de aquisição da modalidade escrita. Sobre a escrita tratará a seção seguinte. 2.3.2 – A modalidade escrita O fato das sociedades indígenas serem, tradicionalmente, orais não significa que são desprovidas de representação gráfica do universo cultural. O que não possuem é uma representação gráfica organizada em alfabeto, e seus saberes não estão organizados nem são transmitidos através de textos escritos, como a organização escrita ocidental. Esta tradição escrita ocidental adentra as sociedades indígenas por meio do contato com a sociedade envolvente. O contato dos índios com a escrita ocorre simultaneamente ao contato com o não-índio. Este oriundo de uma tradição escrita milenar que, ainda não sendo letrado, possui um consolidado “numeramento”, devido à necessidade cotidiana de contar pesos, medidas, valores, etc. Desse contato e as relações estabelecidas, faz-se necessário ao índio adquirir o “numeramento” da sociedade que o envolve, a não indígena ou branca, para não se deixar lograr nas novas relações estabelecidas: trabalho, comercialização, medidas, etc. E assim ocorre o contato primário do índio com a escrita. Escrita, ressalva-se, na língua que tornasse sua segunda língua, a mesma falada pelo colonizador. No caso específico do Brasil, a língua portuguesa. Língua que exerce função de domínio. Pois, os índios, ao se fazer compreender são obrigados a aprendê-la e posteriormente absorvem outros elementos da cultura “branca”. No Período Colonial Brasileiro algumas línguas indígenas foram grafadas, não por iniciativa ou necessidade de seus falantes, mas, devido à necessidade dos missionários em conhecer e dominar a língua a fim de professar a fé cristã entre os nativos. Assim surgiram gramáticas, dicionários e vocabulários escritos nas línguas de origem Tupi ou Guarani. A princípio não havia por parte dos índios interesse em aprender sua língua escrita, também não havia interesse dos missionários em lhes ensinar. (D’ANGELLIS, 2007). Diversos autores concordam que, no decorrer do tempo de contato do índio com a sociedade envolvente, fez-se necessário às sociedades indígenas grafar suas respectivas línguas. Os motivos são vários e dependem da realidade sócio-histórica de cada povo: administrar sua cooperativa ou barracão para não serem logrados pelos “brancos”; ascender socialmente como os regionais através da educação escolar dominante; ou documentar
  • 39. 38 aspectos culturais a fim de fortalecimento e valorização linguística ante aos jovens. (MONTE, 1994; MONSERRAT, 1989; D’ANGELLIS, 2007). Ainda que o contato com a escrita se dê, concomitantemente ao contato com a cultura envolvente, é a escola a instituição oficial responsável por inseri-la na comunidade, através da alfabetização e do ensino escolarizado. Em geral, quando a escola chega à comunidade indígena a língua nativa ainda não foi grafada, ou ainda não possui estrutura escrita definida (alfabeto, ortografia, gramática). O ensino então se realiza na língua portuguesa e tem algumas palavras ou enunciados traduzidos para a língua nativa, salvo exceções. A primeira etapa dessa inserção é a alfabetização do índio que apresenta duas perspectivas: de um lado os interesses da sociedade nacional, de outro os interesses indígenas. No primeiro caso é apresentado o discurso civilizatório da assimilação cultural: “(...) o índio deve ter cultura, deve se intercomunicar, deve saber responder aos problemas criados pela sociedade envolvente, deve se integrar.” (MELIÀ, 1979, p. 58). Já as sociedades indígenas veem a alfabetização como possibilidade de dominarem uma técnica do branco e assim adquirirem prestígio, melhores possibilidades de emprego, apropriar-se de instrumentos jurídicos para defender seus direitos e interesses, registrar suas tradições. Contudo, para o indígena a alfabetização – entende-se também ensino escolar – é um processo complementar da educação indígena e não um processo de assimilação cultural. Conforme Meliá (op. cit., p. 60) a alfabetização do índio é um problema complexo que deve “(...) considerar detidamente as condições pedagógicas nas quais vai ser feita e a situação linguística do índio, que vai ser alfabetizado, e a política linguística a ser seguida”. Ao dar continuidade à escolarização, o avançar das séries escolares defrontam os alunos índios com conteúdos organizados de modo, em muitos casos, descontextualizados. Conteúdos que representam os saberes das sociedades ocidentais com valores linguísticos e culturais alheios à sua construção ontológica. Os materiais didáticos escritos na língua nativa quando existem não passam de tradução dos saberes ocidentais, salvo exceções. Aqueles materiais didáticos escritos na língua nativa que representam saberes tradicionais, ainda assim, apresentam problemas: foram escritos! A transcrição dos saberes que são difundidos de forma tradicionalmente oral não representa fielmente estes saberes, uma vez que, a escrita provoca a redução das formas orais verbais e do seu conteúdo semântico, pois não possui mecanismos suficientes para representá- los. Gnerre (1998) denomina esse fenômeno de “decadência do diálogo” e o define como o “(...) processo de readaptação das formas discursivas na direção de novas exigências de
  • 40. 39 polarização ou/e reestruturação do poder discursivo, que em última análise é o poder.” (GNERRE, 1998, p. 111). Embora o principal ambiente de uso da modalidade escrita da língua, indígena ou portuguesa, seja a escola não significa que não se faça uso dessa modalidade em outros ambientes. Nos postos de saúde, cooperativas e igrejas das aldeias há circulação de materiais escritos: livros de anotações, prontuários, avisos, atas, bíblias, entre outros. Muitos desses materiais, salvo algumas bíblias, são escritos em língua portuguesa. Porém, o uso desta modalidade na língua do outro, a língua portuguesa, contribui para a legitimação que a escrita pertence à língua portuguesa e vice-versa e a língua indígena tem seu lugar na oralidade. A realidade sociolinguística de usos das línguas indígenas e portuguesa nas modalidades oral e escrita confirma a hipótese de Monte (1994) que no contexto de bilinguismo nas sociedades indígenas (...) o binômio oral/escrito vem sendo concebido e realizado, na escola e mesmo fora dela, distintivamente em duas línguas: o lugar do oral, no meu entender, está sendo ocupado preferencialmente pelas línguas indígenas, quando língua materna ou 1ª língua. O lugar da escrita pela língua portuguesa, na maioria dos casos, 2ª língua destes falantes. (MONTE, 1994, p. 55). A autora afirma ainda que esta construção pode ser explicada pela concepção dos grupos, analisados por ela 11, sobre oralidade e escrita. A primeira é a linguagem “nativa, tradicional e indígena”; a segunda é uma língua alheia pertencente ao mundo dos outros e integrada ao mundo do índio por processos de dominação sociocultural e econômica. 11 Projeto de Educação Indígena – Uma Experiência de Autoria desenvolvido com 10 etnias do Acre.
  • 41. 40 3 A PESQUISA SOCIOLINGUÍSTICA NA ALDEIA SORORÓ A pesquisa de campo, com finalidade de coleta de dados, foi realizada na Aldeia Sororó durante o período de 11 a 22 de agosto de 2012 e contou com a participação de alunos do Curso de Licenciatura Intercultural da Universidade do Estado do Pará. Participação promovida através da aplicação dos questionários sociolinguísticos (Figura 07), reuniões e reflexões sobre os usos linguísticos e as práticas de leitura e escrita desenvolvidos na aldeia. Nesse momento foi possível conhecer o contexto sociocultural, descrito no primeiro capítulo deste trabalho; verificar a demografia e o quantitativo de falantes monolíngues e bilíngues; e, os usos linguísticos orais e escritos e situações nas quais se realizam na aldeia. Considera-se importante relatar a principal dificuldade enfrentada na realização da pesquisa, fato que exigiu alteração da quantidade de entrevistados. A princípio os questionários sociolinguísticos seriam realizados com índios da etnia Suruí-Aikewara de ambos os sexos a partir de 8 anos de idade. Porém, ao dar início à realização dos primeiros questionários com crianças de aproximadamente 10 anos, notou-se que as mesmas tinham dificuldades de responder às questões apresentadas; algumas se calavam tímidas, outras recorriam aos pais através do olhar e estes lhe diziam o que responder. Diante da situação foi decidido realizar os questionários com pessoas a partir de 12 anos de idade e se obteve sucesso. Ainda assim não foi possível realizar o questionário sociolinguístico com 29 pessoas, por motivos diversos: alguns estavam acampados na mata, outras viajavam em busca de serviços médicos, outros estavam ausentes da aldeia no momento da realização da pesquisa.
  • 42. 41 Figura 07: Aluno da Licenciatura Intercultural/UEPA realizando questionário sociolinguístico com membros da comunidade. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012. 3.1 Atores, instrumentos e métodos da pesquisa Esta pesquisa é qualitativa com levantamento de dados quantitativo. Como método de coleta de dados foi utilizado observação participante e questionários sociolinguísticos (em anexo), estes questionários foram adaptados para a realidade Aikewara a partir dos questionários utilizados nas pesquisas desenvolvidas por Aquino (2010) e Silva, M. (2001). Os questionários foram realizados com 177 pessoas dos sexos masculinos e femininos segmentando as faixas etárias em quatro: 12 – 21 anos, 22 – 40 anos, 41 – 60 anos e 61 anos ou mais. Escolheu-se segmentar nas faixas etárias supracitadas em adaptação à realidade observada na Aldeia Sororó. Os jovens de 12 – 21 anos, sem generalizações, ainda frequentam a escola e estão iniciando sua vida matrimonial. Os adultos de 22 a 40 anos já não frequentam a escola, salvo exceções, e em geral, além de casados já têm filhos. Os adultos da faixa etária de 41 – 60 anos já são avós, e agregam ao seu núcleo familiar, a família de seus filhos e netos. A partir de 61
  • 43. 42 anos são velhos12 que, casados ou viúvos, mantem uma extensão familiar maior que a faixa etária anteriormente citada. Dentre as faixas etárias, as pessoas acima de 61 anos são aquelas que tendem a preservar a língua e os costumes aikewara, mesmo em face ao intenso contato, e ensinam aos jovens. A tabela 01, a seguir, aponta a condição de monolíngue ou bilíngue. Considerando-se que o período em campo (12 dias) é insuficiente para se ter um panorama da situação sociocultural do povo e dos usos linguísticos que realmente fazem em seu dia-a-dia, recorreu-se à entrevistas semiestruturadas com pessoas da comunidades e com professores indígenas. 3.2 Falantes monolíngues e bilíngues de acordo com as variáveis gênero e faixa etária Antes de apresentar os dados é necessário expor a demografia da Aldeia Sororó. Esses dados demográficos foram obtidos a partir de tabelas demográficas disponibilizadas por funcionários do posto de saúde da aldeia. De acordo com as tabelas13 do posto de saúde da Aldeia Sororó existem 364 indivíduos nessa aldeia (cf. SESAI). Dos quais 148 são crianças de 0 a 11 anos dos sexos masculino ou feminino. Dos demais 216 indivíduos – de ambos os sexos – 01 é da etnia Gavião, 03 são da etnia Parakanã e 07 não são indígenas. A população total da aldeia está distribuída em 61 casas, porém há 72 famílias. O maior número de famílias em relação ao número de casas se deve ao casamento matrilocal. Deste modo, uma nova família é constituída habitando o espaço territorial de uma família já existente. Dos 177 entrevistados 85 são do gênero feminino e 92 do gênero masculino. Há equilíbrio entre gêneros das faixas etárias de 12 a 21 anos e de 22 a 40 anos, conforme exposto nas tabelas 03 e 04. A tabela 01 abaixo apresenta o quantitativo de falantes bilíngues e monolíngues de acordo com a faixa etária: 12 Designação comum entre os Aikewara e não reflete preconceito. 13 Atualizada no 1ª semestre de 2012.
  • 44. 43 Tabela 01 Idade Monolíngue Bilíngue Língua Suruí Língua Portuguesa 12 – 21 66 22 – 40 81 41 – 60 21 61 ou + 06 03 Total 177 A tabela 02 aponta os falantes bilíngues e monolíngues por gênero feminino e masculino: Tabela 02 Monolíngue Bilíngue Total Língua Suruí Língua Portuguesa Masculino 05 87 92 Feminino 01 84 85 As tabelas 03 e 04 agregam as variáveis faixa etária e gênero, feminino e masculino respectivamente, de modo a encontrar aqueles falantes bilíngues ou monolíngues. Tabela 03 Idade Gênero Feminino Monolíngue Bilíngue Língua Suruí Língua Portuguesa 12 – 21 31 22 – 40 40 41 – 60 12 61 ou + 01 01 Total 85
  • 45. 44 Tabela 04 Idade Gênero Masculino Monolíngue Bilíngue Língua Suruí Língua Portuguesa 12 – 21 35 22 – 40 41 41 – 60 09 61 ou + 05 02 Total 92 Com 30 famílias foram realizadas observações direcionadas pelas Fichas de Observação Familiar – cujo principal objetivo foi identificar a língua de interação 14 entre os membros da família – constatou-se que nas casas onde o chefe da família tem mais de 60 anos de idade (Figura )a principal língua de interação desses com sua esposa, seus filhos e netos é a Língua Suruí. Porém, em geral, a comunicação entre velhos e crianças é mediada por um adulto (pai ou tio da criança e filho de um ancião) que compreende as duas línguas. Os pais mais jovens, da faixa etária de 22 – 40 anos interagem com seus filhos, mais em língua portuguesa. Contudo usam, esporadicamente, frases-prontas em sua língua materna, Suruí do Tocantins, como os imperativos: “vem cá”, “vem comer”, “não vai”, “vai tomar banho”. E ainda termos lexicais que designam objetos como facão, nomes de animais e partes do corpo. 14 Estes resultados estão intimamente ligados à compreensão de língua dos índios. Conhecer e nomear um cesto, um peixe, uma planta na língua Suruí significa falar a língua; mesmo que esta comunicação não se apresente dinâmica, ou seja, composta pelos elementos lexicais, semânticos, e sintáticos da língua nativa. Sendo assim, mesmo que conheçam apenas listas de palavras na língua nativa, consideram que a falam. Esta observação não se aplica aos Suruí-Aikewara que possuem mais de 60 anos de idade e são monolíngue na língua Suruí.
  • 46. 45 Figura 08: Anciãos Aikewara após realização do questionário sociolinguístico. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012. Ressalva-se que a pesquisa sociolinguística revelou que as crianças de 0 a 11 anos de idade (Figura 09), embora compreendam alguns itens do léxico da Língua Suruí e frases imperativas, utilizam principalmente a língua portuguesa para interagir com as diversas pessoas da comunidade. Esse resultado foi obtido a partir da análise das fichas de interação familiar e dos questionários sociolinguísticos, além da observação diária durante o período em pesquisa de campo. Os indivíduos bilíngues, que responderam aos questionários, afirmaram que falam mais em língua portuguesa com as crianças e falam, principalmente, em língua Suruí com os anciãos.
  • 47. 46 Figura 09: Crianças Aikewara brincando no pátio da aldeia. Foto: Ellen Oliveira, 08/2012. 3.3 Os usos linguísticos orais e escritos da Aldeia Sororó Os usos linguísticos referem-se às línguas utilizadas em diferentes situações e ambientes cotidianos, especializados, tradicionais ou não. Nos questionários sociolinguísticos havia perguntas sobre os usos linguísticos individuais. Entretanto, ao realizá-los se percebeu que as resposta não correspondiam à realidade da aldeia ou à realidade do falante. Em alguns casos, o falante que declarou usar mais a língua indígena nas diversas atividades declarou na seção Facilidade Linguística não compreender ou não falar a língua nativa, há outros casos de falantes que embora declarassem compreender pouco a língua Suruí afirmaram falar frequentemente nessa língua com as crianças. A unanimidade foi o reconhecimento que os velhos falam mais na língua suruí e as crianças falam mais na língua portuguesa. Diante das situações expostas acima foi decidido desconsiderar os usos linguísticos declarados individualmente nos questionários e partir para uma consideração mais ampla,
  • 48. 47 envolvendo os usos linguísticos da aldeia. A estratégia utilizada foi reunir os alunos da Licenciatura Intercultural para discutir sobre esses usos. A fala que resume os usos linguísticos da aldeia é a de Tyape Suruí: “em todas as atividades nossas aqui da aldeia tem as duas línguas”. Os alunos ressaltaram que, quando existem atividades realizadas por crianças e velhos, deve sempre estar presente alguém que compreende as duas línguas para fazer a mediação entre os falantes. Os mesmos alunos afirmaram que nomes de plantas, animais e peixes da Terra Indígena só conhecem na língua Suruí do Tocantins. Com base nas considerações e discussões realizadas foi construída a tabela abaixo: TABELA 05 USOS LINGUÍSTICOS Atividades mais Qual língua é utilizada nas situações abaixo +LI15 +LP AMBAS Tradicionais Nas festas tradicionais – Ex.: Sapurahái X Nas cerimônias/rituais religiosos X Nas atividades de caça X // de pesca X // plantio (roça) X // coleta de frutas X // coleta de castanha X Durante confecção de artesanatos X Nas reuniões internas na aldeia X Brincadeiras infantis, banho no rio X Atividades Situações de compra e venda na aldeia entre parentes X menos Reuniões na aldeia com pessoas de fora X tradicionais Nas cerimônias católicas/cultos evangélicos realizados X (inseridas a na aldeia partir do Jogo de Futebol na Aldeia X contato) Viagens em grupo X Nas festas não tradicionais – Kamará ou aniversários X Oficinas de Formação de Professores na X Aldeia/Licenciatura Intercultural Namoro X O que se infere da tabela é que nas atividades mais tradicionais prevalece o uso da língua Suruí, complementa-se que este uso pode se dar através da nomeação de elementos da fauna e da flora, da entoação de cantos ou narração de mitos e histórias antigas. Nas atividades desenvolvidas a partir do contato, mesmo realizada somente por índios – como o jogo de futebol, viagens em grupo e oficina de formação de professores – a língua mais falada é a portuguesa. Há explicação: além dessas atividades não serem da cultura indígena as 15 LI = Língua Indígena; LP = Língua Portuguesa.
  • 49. 48 pessoas que as desenvolvem são bilíngues e, sobretudo jovens que tem menos domínio da língua em relação aos velhos. Nas cerimonias religiosas cristãs realizadas na aldeia são faladas as duas línguas, pois nas cerimônias católicas há preces proferidas na língua nativa; e nos cultos evangélicos há hinos cantados na língua Suruí. Durante a coleta de frutas, embora seja uma atividade tradicional, a comunicação se realiza principalmente em língua portuguesa devido a grande participação de crianças nessa atividade, a língua nativa é usada para nomear elementos da fauna e da flora. Os alunos do curso de licenciatura, que participaram da atividade de reflexão e preenchimento da tabela, ressalvaram que durante as atividades de confecção dos artesanatos a língua mais falada é a nativa porque as pessoas que ainda desenvolvem essa atividade são, em geral, os velhos. A seguir a tabela 06, preenchida juntamente com alunos da Licenciatura Intercultural, demonstra as práticas de leitura e escrita desenvolvidas na aldeia. TABELA 06 PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA NA ALDEIA Em qual(is) língua(s) Só Só LI=LP Observações são escritos os LI LP seguintes textos que circulam na aldeia: Cartas e bilhetes - - - Não desenvolvem este tipo de texto. Jornais e revistas X Cartazes, avisos X Materiais religiosos X Exceto alguns hinos e a oração do Pai Nosso que ainda (Bíblia, panfletos, não foram escritos. hinário) Histórias, mitos X Há escassas histórias na língua Suruí. Textos Didáticos X Salvo algumas cartilhas. Relatórios (de X viagens, de reuniões, etc.) Atas de reuniões X Notícias As notícias circulam na modalidade oral. Tarefas escolares X Há tarefas na língua portuguesa e língua Suruí, porém há mais na primeira. Levantamento, listas X Letras de Músicas X As músicas tradicionais são cantadas em LI, mas as letras de músicas existentes são da cultura envolvente e portanto em LP. Depreende-se da tabela que as práticas de leitura e escrita são realizadas principalmente em língua portuguesa. Este fato pode ser um reflexo do alfabeto na língua
  • 50. 49 Aikewara estar ainda em desenvolvimento; assim como pode ser consequência das políticas de ensino e de línguas para as escolas indígenas que privilegiam o ensino da língua portuguesa.
  • 51. 50 Considerações Finais A Aldeia Sororó é uma comunidade indígena bilíngue, cujo fenômeno do bilinguismo se deu devido ao contato linguístico decorrente da migração da população envolvente para seu território tradicional. A partir da regulamentação e constituição da Terra Indígena esse território torna-se uma ilha linguística, característica de muitas comunidades indígenas. As observações revelaram que o risco de desaparecimento que a língua sofre não está na frequência com que é falada, pois grande maioria dos falantes bilíngues Suruí – ao responderem os questionários sociolinguísticos – declararam falar a língua em casa, principalmente com os idosos e em atividades realizadas em outros ambientes pertinentes à aldeia; como reunião no pátio, confecção de artesanatos, caça e pesca, preparação do roçado. Porém, as observações participantes revelaram que a língua que reconhecem falar são palavras isoladas que tem sua função comunicativa complementada pelo uso da língua portuguesa. Assim, o que se verificou foi o uso frequente de substantivos ou expressões do universo sociocultural do Povo Aikewara. Utilizado principalmente por aqueles com menos de 40 anos. Compreende-se que, em comunidades indígenas bilíngues, o uso de uma ou outra língua constitui um fenômeno equivalente ao da variável linguística. O uso da língua nativa ou da segunda língua são dois modos de realizar a comunicação na comunidade linguística. O uso da L1 (equivalente à variante conservadora) ou L2 (equivalente à variante inovadora) é determinado por fatores como gênero, faixa etária, escolaridade, contexto/situação de fala, origem étnica do interlocutor. Do mesmo modo que há um conflito entre as variantes linguísticas em prol de sua sobrevivência, há conflito entre as línguas. E este conflito é ainda mais grave, pois se a mudança em progresso beneficiar a L2 pode resultar em morte da língua nativa, L1. Fato, infelizmente, comum na história dos povos indígenas do Brasil. Os dados revelaram que pessoas da etnia Suruí de 12 a 40 anos são bilíngues. São monolíngues em Língua Suruí do Tocantins pessoas acima de 60 anos e as crianças de 0 a 11 anos de idade tendem ao monolinguísmo em Língua Portuguesa, visto que seus familiares se comunicam com elas nessa língua. As crianças só têm contato com a língua Suruí em situações e ambientes especializados, como em festas e atividades tradicionais e rituais, além de estarem mais expostas à cultura envolvente através da escola e dos valores disseminados pelas redes de televisão.