Este documento discute os fundamentos celulares, químicos, físicos e genéticos da bioquímica. Ele descreve as características comuns de todas as células, incluindo a membrana plasmática, o citoplasma, e o núcleo ou nucleoide. Também discute os limites superiores e inferiores do tamanho celular determinados pela difusão.
1. Com a célula, a biologia descobriu seu átomo... Dessa forma,
para caracterizar a vida, é essencial estudar a célula e analisar
sua estrutura: escolher os denominadores comuns necessários
para a vida de cada célula, assim como identificar diferenças
1
associadas com o desempenho de funções especiais.
— François Jacob, La logique du vivant: une histoire de l’hérédité
(A Lógica da Vida: Uma História da Hereditariedade), 1970
Fundamentos da Bioquímica
1.1 Fundamentos celulares 2 (Fig. 1-1a). Elas incluem polímeros muito longos, cada
um com sua sequência característica de subunidades,
1.2 Fundamentos químicos 11 sua estrutura tridimensional única e sua seleção alta-
mente específica de parceiros de interação na célula.
1.3 Fundamentos físicos 19
Sistemas para extrair, transformar e utilizar a
1.4 Fundamentos genéticos 27 energia do ambiente (Fig. 1-1b), permitindo aos orga-
nismos construir e manter suas intrincadas estruturas,
1.5 Fundamentos evolutivos 29 assim como realizar trabalho mecânico, químico, osmó-
tico e elétrico, o que neutraliza a tendência de toda a
matéria de decair para um estado mais desorganizado,
C
erca de quinze bilhões de anos atrás, o universo surgiu
como uma erupção cataclísmica de partículas subatô- entrando assim em equilíbrio com seu ambiente.
micas quentes e ricas em energia. Os elementos mais Funções definidas para cada um dos componen-
simples (hidrogênio e hélio) se formaram em segundos. À tes de um organismo e interações reguladas en-
medida que o universo se expandia e esfriava, o material tre eles. Isto é válido não somente para as estruturas
condensava sob a influência da gravidade para formar es- macroscópicas, como as folhas e os ramos ou corações
trelas. Algumas estrelas se tornaram enormes e explodiram e pulmões, mas também para estruturas intracelulares
como supernovas, liberando a energia necessária para a fu- microscópicas e compostos químicos individuais. A
são de núcleos atômicos mais simples em elementos mais interação entre os componentes químicos de um orga-
complexos. Desta maneira foram produzidos, no decurso de nismo vivo é dinâmica; mudanças em um componen-
bilhões de anos, a própria Terra e os elementos químicos en- te causam mudanças coordenadas ou compensatórias
contrados nela hoje. Cerca de quatro bilhões de anos atrás, em outro, com o todo manifestando uma característica
surgiu a vida – micro-organismos simples com a capacida- além daquelas de suas partes individuais. O conjunto de
de de extrair energia de compostos químicos e, mais tarde, moléculas realiza um programa, cujo resultado final é a
da luz solar, que era usada por eles para produzir um vasto reprodução e a autopreservação do conjunto de molé-
conjunto de biomoléculas mais complexas a partir dos ele- culas – em resumo, vida.
mentos simples e compostos encontrados na superfície da
Terra. Mecanismos para sentir e responder às altera-
ções no seu ambiente, com ajustes constantes a es-
A bioquímica questiona como as extraordinárias pro-
sas mudanças por adaptações de sua química interna
priedades dos organismos vivos se originaram a partir de
ou sua localização no ambiente.
milhares de biomoléculas diferentes. Quando estas molécu-
las são isoladas e examinadas individualmente, elas estão de Capacidade de autorreplicação e automontagem
acordo com todas as leis físicas e químicas que descrevem o precisas (Fig. 1-1c). Uma célula bacteriana isolada co-
comportamento da matéria inanimada – assim como todos locada em um meio nutritivo estéril pode dar origem,
os processos que ocorrem nos organismos vivos. O estudo em 24 horas, a um bilhão de “filhas” idênticas. Cada
da bioquímica mostra como o conjunto de moléculas ina- célula contém milhares de moléculas diferentes, mui-
nimadas que constitui os organismos vivos interage para tas extremamente complexas; mas cada bactéria é uma
manter e perpetuar a vida exclusivamente pelas leis físicas e cópia fiel da original, sendo sua construção totalmente
químicas que regem o universo inanimado. direcionada a partir da informação contida no material
Os organismos, no entanto, possuem atributos extra- genético da célula original.
ordinários, propriedades que os distinguem de outros con-
Capacidade de se alterar ao longo do tempo por
juntos de matéria. Quais são estas características peculiares
evolução gradual. Os organismos alteram suas es-
dos organismos vivos?
tratégias de vida herdadas, em graus muito pequenos,
Um alto grau de complexidade química e organi- para sobreviver em condições novas. O resultado de
zação microscópica. Milhares de moléculas diferen- eras de evolução é uma enorme variedade de formas de
tes formam as intrincadas estruturas celulares internas vida, muito diferentes superficialmente (Fig. 1-2), mas
2. 2 David L. Nelson & Michael M. Cox
Neste capítulo introdutório é feito um resumo dos co-
nhecimentos celulares, químicos, físicos e genéticos para
a bioquímica e o importante princípio da evolução – o de-
senvolvimento das propriedades das células vivas ao longo
das gerações. À medida que você avançar na leitura do livro,
perceberá a utilidade de retornar a este capítulo de tempos
em tempos, para refrescar sua memória sobre esses conhe-
cimentos básicos.
1.1 Fundamentos celulares
(a) (b) A unidade e a diversidade dos organismos se tornam apa-
rentes mesmo no nível celular. Os menores organismos con-
sistem em células isoladas e são microscópicos. Os organis-
mos multicelulares maiores possuem muitos tipos celulares
diferentes, os quais variam em tamanho, forma e função es-
pecializada. Apesar dessas diferenças óbvias, todas as célu-
las dos organismos, desde o mais simples ao mais complexo,
compartilham determinadas propriedades fundamentais,
que podem ser vistas no nível bioquímico.
As células são as unidades estruturais e funcionais de
todos os organismos vivos
Todos os tipos de células compartilham determinadas ca-
racterísticas estruturais (Fig. 1-3). A membrana plasmá-
tica define o contorno da célula, separando seu conteúdo
(c) do ambiente. Ela é composta por moléculas de lipídeos e
proteínas que formam uma barreira fina, resistente, flexível
FIGURA 1-1 Algumas características da matéria viva. (a) A com-
plexidade microscópica e a organização são aparentes nesse corte
colorido de tecido muscular de vertebrado, visto ao microscópio
eletrônico. (b) Um falcão da campina capta nutrientes consumindo
uma ave menor. (c) A reprodução biológica ocorre com uma fide-
lidade quase perfeita.
fundamentalmente relacionadas por sua ancestralidade
compartilhada. Esta unidade fundamental dos organis-
mos vivos se reflete na similaridade das sequências gê-
nicas e nas estruturas proteicas.
Apesar dessas propriedades comuns, e da unidade fun-
damental da vida que elas mostram, é difícil fazer generali-
zações sobre os organismos vivos. A Terra tem uma enorme
diversidade de organismos. A variação de habitats, das fon-
tes termais à tundra do Ártico, dos intestinos animais aos
dormitórios das universidades, se combina com uma ampla
variação de adaptações bioquímicas específicas, alcançadas
dentro de uma estrutura química comum. Neste livro, para
uma maior clareza às vezes são feitas determinadas genera-
lizações, as quais, embora não perfeitas, se mostram úteis;
também com frequência são apresentadas exceções, as
quais podem se mostrar esclarecedoras.
A bioquímica descreve em termos moleculares as estru- FIGURA 1-2 Diferentes organismos vivos compartilham caracte-
turas, os mecanismos e os processos químicos compartilha- rísticas químicas comuns. Aves, animais selvagens, plantas e mi-
dos por todos os organismos e estabelece princípios de or- cro-organismos do solo compartilham com os humanos as mesmas
unidades estruturais básicas (células) e os mesmos tipos de macro-
ganização que são a base da vida em todas as suas diversas
moléculas (DNA, RNA, proteínas) compostas dos mesmos tipos de
formas, princípios esses referidos como a lógica molecular
subunidades monoméricas (nucleotídeos, aminoácidos). Eles uti-
da vida. Embora a bioquímica proporcione importantes in-
lizam as mesmas vias para a síntese dos componentes celulares,
formações e aplicações práticas na medicina, na agricultura, compartilham o mesmo código genético, e provêm dos mesmos
na nutrição e na indústria, sua preocupação final é com o ancestrais evolutivos. Na figura é mostrado um detalhe do “Jardim
milagre da vida em si. do Éden”, por Jan van Kessel Junior (1626-1679).
3. Princípios de Bioquímica de Lehninger 3
e hidrofóbica ao redor da célula. A membrana é uma barrei- O volume interno envolto pela membrana plasmática, o
ra para a passagem livre de íons inorgânicos e para a maioria citoplasma (Fig. 1-3), é composto por uma solução aquosa,
de outros compostos carregados ou polares. Proteínas de o citosol, e uma grande variedade de partículas em sus-
transporte na membrana plasmática permitem a passagem pensão com funções específicas. O citosol é uma solução
de determinados íons e moléculas; proteínas receptoras altamente concentrada que contém enzimas e as moléculas
transmitem sinais para o interior da célula; e enzimas de de RNA que as codificam; os componentes (aminoácidos e
membrana participam em algumas reações. Como os lipí- nucleotídeos) que formam estas macromoléculas; centenas
deos individuais e as proteínas da membrana não estão co- de moléculas orgânicas pequenas chamadas de metabóli-
valentemente ligados, toda a estrutura é extraordinariamen- tos, intermediários em rotas biossintéticas e degradativas;
te flexível, permitindo mudanças na forma e no tamanho da coenzimas, compostos essenciais em muitas reações catali-
célula. À medida que a célula cresce, novas moléculas de sadas por enzimas; íons inorgânicos; e estruturas macromo-
proteínas e de lipídeos são inseridas na membrana plasmá- leculares como os ribossomos, sítios de síntese proteica,
tica; a divisão celular produz duas células, cada uma com e os proteassomos, que degradam proteínas que a célula
sua própria membrana. O crescimento e a divisão celular não necessita mais.
(fissão) ocorrem sem perda da integridade da membrana. Todas as células possuem, pelo menos em alguma par-
te de sua vida, ou um núcleo ou um nucleoide, onde o
genoma – o conjunto completo de genes composto por
Núcleo (eucariotos) ou nucleoide DNA – é armazenado e replicado. O nucleoide, em bac-
(bactérias, arquibactérias)
Contém material genético – DNA e
térias e em arquibactérias, não é separado do citoplasma
proteínas associadas. O núcleo é por uma membrana; o núcleo, nos eucariotos, consiste
circundado por uma membrana. no material nuclear envolto por uma membrana dupla, o
envelope nuclear. As células com envelope nuclear com-
Membrana plasmática
põem o grande grupo dos Eukarya (do grego eu,“verdade”,
Bicamada lipídica resistente,
flexível. Seletivamente permeável e karyon, “núcleo”). Os micro-organismos sem envelope
a substâncias polares. Inclui nuclear, antigamente agrupados como procariotos (do
proteínas de membrana que grego pro, “antes”), são agora reconhecidos como perten-
atuam no transporte, centes a dois grupos muito diferentes, Bacteria e Archaea,
na recepção de sinal
e como enzimas. descritos a seguir.
As dimensões celulares são determinadas pela difusão
A maioria das células é microscópica, invisível a olho nu.
As células dos animais e das plantas têm um diâmetro de
50 a 100 μm, e muitos micro-organismos têm comprimento
de 1 a 2 μm (veja no verso da capa as informações sobre as
unidades e suas abreviaturas). O que limita as dimensões de
uma célula? O limite inferior provavelmente é determinado
Citoplasma pelo número mínimo de cada tipo de biomolécula requerido
Conteúdo celular aquoso pela célula. As menores células, certas bactérias conhecidas
e partículas e organelas como micoplasmas, têm diâmetro de 300 nm e um volume
em suspensão.
de cerca de 10-14 mL. Um único ribossomo bacteriano possui
20 nm na sua dimensão mais longa, de forma que poucos
centrifugação a 150.000 g ribossomos ocupam uma fração substancial do volume de
uma célula de micoplasma.
Sobrenadante: citosol
O limite superior de tamanho celular provavelmente é
Solução concentrada determinado pela taxa de difusão das moléculas de soluto
de enzimas, RNA, nos sistemas aquosos. Por exemplo, uma célula bacteria-
subunidades monoméricas, na que depende de reações de consumo de oxigênio para
metabólitos, íons
inorgânicos.
produção de energia deve obter oxigênio molecular, por
difusão, a partir do meio ambiente através de sua mem-
Sedimento: partículas e organelas
brana plasmática. A célula é tão pequena, e a relação en-
Ribossomos, grânulos de tre sua área de superfície e seu volume é tão grande, que
armazenamento, mitocôndrias, cada parte do seu citoplasma é facilmente alcançada pelo
cloroplastos, lisossomos, retículo O2 que se difunde para dentro dela. Com o aumento do
endoplasmático.
tamanho celular, no entanto, a relação superfície-volume
FIGURA 1-3 As características universais das células vivas. Todas diminui, até que o metabolismo consuma O2 mais rapida-
as células têm um núcleo ou nucleoide, uma membrana plasmática mente do que o que pode ser suprido por difusão. Assim, o
e o citoplasma. O citosol é definido como sendo a parte do cito- metabolismo que requer O2 torna-se impossível quando o
plasma que permanece no sobrenadante após rompimento suave tamanho da célula aumenta além de um determinado pon-
da membrana plasmática e centrifugação do extrato resultante a to, estabelecendo um limite superior teórico para o tama-
150.000 g por 1 hora. nho das células.
4. 4 David L. Nelson & Michael M. Cox
Eukarya
Animais
Bactérias Entamebas
Bacteria verdes não Musgos
sulfurosas Archaea
Fungos
Bactérias
gram- Methanosarcina
Plantas
Methanobacterium
Protobactérias positivas Halófilos Ciliados
(bactérias púrpura) Thermoproteus Methanococcus
Cianobactérias Pyrodictium Thermococcus
celer Flagelados
Flavobactérias
Tricomonados
Thermotogales
Microsporídeos
Diplomonados
FIGURA 1-4 Filogenia dos três domínios da vida. As relações filo- ser construídas a partir de similaridades na sequência de amino-
genéticas são frequentemente ilustradas por uma “árvore genealó- ácidos de uma única proteína entre as espécies. Por exemplo, as
gica” deste tipo. A base para esta árvore é a similaridade na sequên- sequências da proteína GroEL (uma proteína bacteriana que atua
cia nucleotídica dos RNAs ribossomais de cada grupo; a distância no dobramento proteico) são comparadas para gerar a árvore da
entre os ramos representa o grau de diferença entre duas sequên- Fig. 3-32. A árvore da Figura 3-33 é uma árvore “consenso”, que
cias, sendo que, quanto mais similar for a sequência, mais próxima usa várias comparações como essas para fazer a melhor estimativa
é a localização dos ramos. As árvores filogenéticas também podem do relacionamento evolutivo de um grupo de organismos.
Existem três domínios distintos de vida lagos salgados, fontes termais, pântanos altamente ácidos e
as profundezas oceânicas. As evidências disponíveis suge-
Todos os organismos vivos se incluem em três grandes gru-
pos (domínios) que definem três ramos evolutivos a partir rem que Bacteria e Archaea divergiram cedo na evolução.
de um ancestral comum (Fig. 1-4). Dois grandes grupos Todos os organismos eucarióticos, que formam o terceiro
de micro-organismos unicelulares podem ser distinguidos domínio, Eukarya, evoluíram a partir do mesmo ramo que
em bases genéticas e bioquímicas: Bacteria e Archaea. As deu origem às Archaea; por isso, os eucariotos são mais re-
bactérias habitam o solo, as águas de superfície e os tecidos lacionados às arquibactérias do que às bactérias.
de organismos vivos ou em decomposição. Muitas das arqui- Dentro dos domínios Archaea e Bacteria existem sub-
bactérias, reconhecidas na década de 1980 por Carl Woese grupos identificados por seus habitats. No habitat aeróbico
como um domínio distinto, habitam ambientes extremos – com suprimento pleno de oxigênio, alguns organismos re-
Todos os organismos
Combustível
reduzido
Fototróficos Quimiotróficos Combustível
Fonte de (energia da luz) (energia da oxidação de combustíveis químicos) oxidado
energia
Litotróficos Organotróficos
(combustíveis (combustíveis
inorgânicos) orgânicos)
Fonte de Heterotróficos
Autotróficos (carbono de
carbono (carbono do CO2) compostos orgânicos)
Cianobactérias Bactérias púrpura Bactérias sulfurosas A maioria das bactérias
Plantas vasculares Bactérias verdes Bactérias hidrogênicas Todos os eucariotos
não fototróficos
Exemplos
FIGURA 1-5 Os organismos podem ser classificados de acordo com a fonte de energia (luz solar ou compostos químicos oxidáveis) e a fonte
de carbono usadas para a síntese do material celular.
5. Princípios de Bioquímica de Lehninger 5
sidentes obtêm energia pela transferência de elétrons das cos de massa molecular menor do que 1.000 (metabólitos
moléculas de combustível para o oxigênio. Outros ambien- e cofatores), e uma grande variedade de íons inorgânicos.
tes são anaeróbios, praticamente desprovidos de oxigênio,
e os micro-organismos adaptados a esses ambientes obtêm Ribossomos Os ribossomos bacterianos são menores
energia pela transferência de elétrons para o nitrato (for- do que os eucarióticos, mas têm a mesma função –
mando N2), o sulfato (formando H2S) ou o CO2 (formando síntese proteica a partir de uma mensagem de RNA.
CH4). Muitos organismos que evoluíram em ambientes ana-
Nucleoide Contém uma
eróbios são anaeróbios obrigatórios: eles morrem quando única molécula de DNA,
expostos ao oxigênio. Outros são anaeróbios facultativos, simples, longa e circular.
capazes de viver com ou sem oxigênio.
Podemos classificar os organismos de acordo com a Pili Produz
maneira como obtêm a energia e o carbono que necessi- pontos de
tam para sintetizar o material celular (conforme resumido adesão à
na Fig. 1-5). Existem duas amplas categorias com base superfície de
outras células.
nas fontes de energia: fototróficos (do grego trofe, “nu-
trição”), que captam e usam a luz solar, e quimiotrófi-
cos, que obtêm sua energia pela oxidação do combustível Flagelos
Propulsionam
químico. Alguns quimiotróficos, os litotróficos, oxidam a célula no
– 0
os combustíveis inorgânicos – por exemplo, HS a S (en- seu ambiente.
0 – – – 2ϩ 3ϩ
xofre elementar), S a SO 4, NO 2 a NO 3, ou Fe a Fe . Os
organotróficos oxidam uma ampla gama de compostos
orgânicos disponíveis em seu ambiente. Os fototróficos e
os quimiotróficos também podem ser divididos naqueles
que obtêm todo o carbono necessário do CO2 (autotró-
ficos) e nos que requerem nutrientes orgânicos (hete-
rotróficos). Envelope celular
A estrutura varia
com o tipo de
A Escherichia coli é a bactéria melhor estudada bactéria.
As células bacterianas compartilham determinadas caracte-
rísticas estruturais comuns, mas também mostram especia-
lizações grupo-específicas (Fig. 1-6). E. coli é usualmente
um habitante inofensivo do trato intestinal humano. A célu-
la de E. coli tem 2 μm de comprimento e um pouco menos
de 1 μm de diâmetro, possuindo uma membrana externa
protetora e uma membrana plasmática interna que envol-
ve o citoplasma e o nucleoide. Entre a membrana interna
e a externa existe uma fina, mas resistente, camada de um
polímero (peptidoglicano) que confere à célula sua forma Membrana externa Camada de
e rigidez. A membrana plasmática e as camadas externas a Camada de peptidoglicanos
ela constituem o envelope celular. Pode ser notado aqui peptidoglicanos Membrana interna
Membrana interna
Membrana interna
que, nas arquibactérias, a rigidez é conferida por um tipo
diferente de polímero (pseudopeptidoglicano). A membra-
na plasmática das bactérias consiste em uma bicamada fina
de moléculas lipídicas impregnadas de proteínas. As mem-
branas das arquibactérias têm uma arquitetura semelhante, Bactérias gram-negativas Bactérias gram-positivas
mas os lipídeos são surpreendentemente diferentes daque- Membrana externa; Sem membrana externa;
camada de peptidoglicanos camada de peptidoglicanos
les das bactérias (veja a Fig. 10-12). mais espessa
O citoplasma da E. coli contém cerca de 15.000 ribos-
somos, números variados de cópias (de 10 a milhares) de
1.000 diferentes enzimas, talvez 1.000 compostos orgâni-
FIGURA 1-6 Características estruturais comuns das células bacte-
rianas. Devido a diferenças na estrutura do envelope celular, algu-
mas bactérias (gram-positivas) retêm o corante de Gram (introdu-
zido por Hans Christian Gram em 1882), e outras (gram-negativas)
não. E. coli é gram-negativa. As cianobactérias são distinguidas por Cianobactérias Arquibactérias
Gram-negativas; camada Sem membrana externa;
seu extenso sistema de membranas internas, onde se localizam os de peptidoglicanos mais camada de peptidoglicanos
pigmentos fotossintéticos. Embora os envelopes das arquibactérias rígida; extenso sistema do lado de fora da
e das bactérias gram-positivas pareçam semelhantes ao microscó- de membranas internas membrana plasmática
pio eletrônico, a estrutura dos lipídeos de membrana e dos polissa- com pigmentos
carídeos é muito diferente (veja a Fig. 10-12). fotossintéticos
6. 6 David L. Nelson & Michael M. Cox
O nucleoide contém uma única molécula de DNA circular, e e antibióticos ambientais. No laboratório, estes segmentos
o citoplasma (como na maioria das bactérias) contém seg- de DNA são sensíveis à manipulação experimental e são
mentos circulares de DNA chamados de plasmídios. Na ferramentas poderosas para a engenharia genética (veja o
natureza, alguns plasmídios conferem resistência a toxinas Capítulo 9).
(a) Célula animal
Os ribossomos são máquinas
de sintetizar proteínas
O peroxissomo oxida ácidos graxos
O citoesqueleto sustenta as células e
auxilia no movimento das organelas
O lisossomo degrada restos intracelulares
O transporte de vesículas faz o
trânsito de proteínas e lipídeos
entre o RE, o complexo de Golgi
e a membrana plasmática
O complexo de Golgi processa,
empacota e envia proteínas para
outras organelas ou para exportação
O retículo endoplasmático liso
(REL) é o local de síntese de
lipídeos e de metabolismo
de drogas
O envelope nuclear separa a O nucléolo é o local de síntese
cromatina (DNA ϩ proteína) de RNA ribossomal
do citoplasma O núcleo contém os
O retículo endoplasmático
rugoso (RER) é o local de muita genes (cromatina)
A membrana plasmática separa a síntese proteica
célula do meio e regula o movimento Envelope
dos materiais para dentro e para nuclear Ribossomos Citoesqueleto
fora da célula
A mitocôndria oxida os
combustíveis para produzir ATP
Complexo
de Golgi
O cloroplasto absorve a luz solar
e produz ATP e carboidratos
Os grânulos de amido armazenam
temporariamente os carboidratos
produzidos na fotossíntese
As tilacoides são locais de
síntese de ATP movida pela luz
A parede celular dá forma e
rigidez, protegendo a célula
da intumescência osmótica
O vacúolo degrada e recicla
macromoléculas e armazena
metabólitos Parede celular de
O plasmodesma permite
células adjacentes
a comunicação entre duas
células vegetais O glioxissomo contém enzimas
do ciclo do glioxilato
(b) Célula vegetal
FIGURA 17 Estrutura da célula eucariótica. Ilustrações esquemá- As estruturas marcadas em vermelho são exclusivas das células
ticas dos dois principais tipos de célula eucariótica: (a) uma célula animais ou vegetais. Os micro-organismos eucarióticos (como pro-
animal representativa e (b) uma célula vegetal representativa. As tistas e fungos) têm estruturas semelhantes às das células animais e
células vegetais geralmente têm um diâmetro de 10 a 100 m – vegetais, mas muitos também possuem organelas especializadas,
maiores do que as células animais, que variam entre 5 e 30 m. não ilustradas aqui.
7. Princípios de Bioquímica de Lehninger 7
A maioria das bactérias (incluindo E. coli) existe como bém possuem vacúolos e cloroplastos (Fig. 1-7). No citoplas-
células individuais, mas as células de algumas espécies bacte- ma de muitas células estão presentes também grânulos ou
rianas (p.ex., as mixobactérias) mostram um comportamento gotículas contendo nutrientes armazenados como amido e
social simples, formando agregados multicelulares. gordura.
Em um avanço importante na bioquímica, Albert
As células eucarióticas possuem uma grande variedade Claude, Christian de Duve e George Palade desenvolveram
métodos para separar as organelas do citosol e umas das
de organelas membranares, que podem ser isoladas para outras – uma etapa essencial na investigação de suas estru-
estudo turas e funções. Em um processo de fragmentação típico
As células eucarióticas típicas (Fig. 1-7) são muito maiores (Fig. 1-8), as células ou os tecidos em solução são suave-
do que as bactérias – em geral de 5 a 100 μm de diâmetro, mente rompidos por cisalhamento físico. Este tratamento
com um volume de mil a um milhão de vezes maior do que rompe a membrana plasmática, mas deixa intacta a maioria
o das bactérias. As características que distinguem os euca- das organelas. O homogeneizado é então centrifugado; or-
riotos são o núcleo e uma grande variedade de organelas en- ganelas como núcleo, mitocôndria e lisossomos diferem em
voltas por membranas com funções específicas: mitocôndria, tamanho e por isso sedimentam em velocidades diferentes.
retículo endoplasmático, complexo de Golgi, peroxissomos e A centrifugação diferencial resulta em um fracionamen-
lisossomos. Além dessas organelas, as células vegetais tam- to preliminar do conteúdo citoplasmático, que pode ser pos-
FIGURA 1-8 Fracionamento subcelular de tecidos. Um tecido
como o hepático é homogeneizado mecanicamente para romper
as células e dispersar seu conteúdo em um tampão aquoso. O
meio com sacarose tem uma pressão osmótica semelhante à das
organelas, equilibrando assim a difusão da água para dentro e
para fora das organelas, as quais intumesceriam e estourariam
em uma solução de osmolaridade mais baixa (veja a Fig. 2-12).
(a) As partículas grandes e pequenas em suspensão podem ser
separadas por centrifugação em diferentes velocidades, ou (b) as
partículas de diferentes densidades podem ser separadas por cen-
trifugação isopícnica, na qual se enche o tubo de centrífuga com
(a) Centrifugação uma solução cuja densidade aumenta do topo para o fundo; um
diferencial soluto como a sacarose é dissolvido em diferentes concentrações
para produzir o gradiente de densidade. Quando uma mistura
Homogeneização de organelas for colocada no topo do gradiente de densidade e
do tecido
o tubo for centrifugado a alta velocidade, as organelas sedimen-
tam até que sua densidade de flutuação se iguale à do gradiente.
Centrifugação a baixa velocidade
(1.000 g, 10 min)
Cada camada pode ser coletada separadamente.
(b) Centrifugação
▲▲
❚
▲ isopícnica (em
▲
▲❚
▲
densidade de sacarose)
▲
Sobrenadante centrifugado
❚
❚
❚
❚
▲ a velocidade média
❚ ▲
❚▲ ▲
▲
▲❚
(20.000 g, 20 min)
▲
❚
❚ ❚
▲
❚
▲ ❚ Centrifugação
❚
❚
▲ ▲ ❚▲ ❚
▲
Sobrenadante
▲
▲
▲ ❚
▲
❚
centrifugado a
❚
❚
▲
❚ ❚
velocidade alta
▲
Homogeneizado ❚
▲ ❚▲ (80.000 g, 1 h)
de tecido
❚
▲
▲ ❚ ❚ ❚
❚
▲ ❚
▲ Sobrenadante
▲❚
▲
❚
▲
▲ centrifugado
▲
▲ ❚
▲
❚
a velocidade
❚ muito alta
❚
Sedimento contém
❚
células inteiras, ❚
❚ (150.000 g, 3 h)
núcleos,
❚
❚
citoesqueleto,
▲
▲
▲
membrana Amostra
▲▲
▲ ▲
▲
▲
plasmática
Sedimento Gradiente
contém de sacarose
mitocôndrias,
lisossomos, Sobrenadante
peroxissomos ❚ ❚ ❚ contém
❚
❚ ❚❚
Componente
❚❚
❚
proteínas
❚
menos denso
Sedimento solúveis
contém Fracionamento
microssomos Componente
(fragmentos de RE), mais denso
pequenas
vesículas
Sedimento contém
ribossomos, macromolé-
culas grandes 8 7 6 5 4 3 2 1
8. 8 David L. Nelson & Michael M. Cox
teriormente purificado por centrifugação isopícnica (“mesma e forma à célula. Os filamentos de actina e os microtúbulos
densidade”). Neste procedimento, as organelas com diferen- também auxiliam na produção de movimento das organelas
tes densidades de flutuação (resultantes de razões diferentes e da célula inteira.
entre lipídeo e proteína em cada tipo de organela) são sepa- Cada tipo de componente do citoesqueleto é compos-
radas por centrifugação por meio de uma coluna de solven- to por subunidades proteicas simples que se associam de
te com gradiente de densidade. Pela remoção cuidadosa do forma não covalente para formar filamentos de espessura
material de cada região do gradiente e observação ao micros- uniforme. Estes filamentos não são estruturas permanentes,
cópio, o bioquímico pode estabelecer a posição de sedimen- sendo submetidos a constante desmontagem em suas subu-
tação de cada organela e obter organelas purificadas para nidades e remontagem novamente em filamentos. Sua loca-
estudo posterior. Esses métodos foram utilizados para esta- lização na célula não é fixa, podendo mudar drasticamen-
belecer, por exemplo, que os lisossomos contêm enzimas de- te com a mitose, a citocinese, o movimento ameboide ou
gradativas, as mitocôndrias contêm enzimas oxidativas, e os mudanças na forma celular. A montagem, a desmontagem e
cloroplastos contêm pigmentos fotossintéticos. O isolamento a localização de todos os tipos de filamentos são reguladas
de uma organela enriquecida em determinada enzima com por outras proteínas, as quais servem para ligar ou reunir
frequência é a primeira etapa na purificação dessa enzima. os filamentos ou para mover as organelas citoplasmáticas
ao longo deles. O quadro que emerge desta breve visão da
O citoplasma é organizado pelo citoesqueleto e é estrutura da célula eucariótica é o de uma célula com uma
trama de fibras estruturais e um sistema complexo de com-
altamente dinâmico partimentos envoltos por membranas (Fig. 1-7). Os filamen-
A microscopia de fluorescência revela vários tipos de fi- tos se desmontam e se remontam em outro lugar. As vesícu-
lamentos proteicos atravessando a célula eucariótica em las membranares brotam de uma organela e se fundem com
várias direções, formando uma rede tridimensional inter- outra. As organelas se movem pelo citoplasma ao longo de
ligada, o citoesqueleto. Existem três tipos gerais de fila- filamentos proteicos, e seu movimento é impulsionado por
mentos citoplasmáticos – filamentos de actina, microtúbu- proteínas motoras dependentes de energia. O sistema de
los e filamentos intermediários (Fig. 1-9) – que diferem em endomembranas segrega processos metabólicos específi-
largura (de 6 a 22 nm), composição, e função específica. To- cos e provê superfícies sobre as quais ocorrem determina-
dos os tipos conferem estrutura e organização ao citoplasma das reações catalisadas por enzimas. A exocitose e a endo-
(a) (b)
FIGURA 1-9 Os três tipos de filamentos do citoesqueleto: fila- vermelho; os microtúbulos, irradiando a partir do centro da célu-
mentos de actina, microtúbulos e filamentos intermediários. As la, estão marcados em verde; e os cromossomos (no núcleo) estão
estruturas celulares podem ser marcadas com um anticorpo (que marcados em azul. (b) Uma célula de pulmão de salamandra em
reconheça uma determinada proteína) covalentemente ligado a um mitose. Os microtúbulos (em verde) ligados a estruturas chamadas
composto fluorescente. As estruturas marcadas são visíveis quan- de cinetócoros (em amarelo) sobre os cromossomos condensados
do a célula é observada sob um microscópio de fluorescência. (a) (em azul) puxam os cromossomos para polos opostos, ou centros-
Células endoteliais da artéria pulmonar bovina. Feixes de filamen- somos (em magenta), da célula. Os filamentos intermediários, for-
tos de actina denominados “fibras de estresse” estão marcados em mados de queratina (em vermelho), mantêm a estrutura da célula.
9. Princípios de Bioquímica de Lehninger 9
citose, mecanismos de transporte (para fora e para dentro As interações entre o citoesqueleto e as organelas são não
da célula, respectivamente) que envolvem fusão e fissão de covalentes, reversíveis e sujeitas à regulação em resposta a
membranas, produzem vias entre o citoplasma e o meio cir- vários sinais intra e extracelulares.
cundante, permitindo a secreção de substâncias produzidas
na célula e a captação de materiais extracelulares. As células constroem estruturas supramoleculares
Esta organização do citoplasma, embora complexa, está
longe de ser aleatória. O movimento e o posicionamento das As macromoléculas e suas subunidades monoméricas di-
organelas e dos elementos do citoesqueleto estão sob uma ferem muito em tamanho (Fig. 1-10). Uma molécula de
regulação firme, e uma célula eucariótica é submetida, em alanina tem menos de 0,5 nm de comprimento. Uma molé-
determinados estágios da vida, a reorganizações dramáti- cula de hemoglobina, a proteína transportadora de oxigênio
cas conduzidas com exatidão, como nos eventos da mitose. dos eritrócitos (células vermelhas do sangue), consiste em
subunidades contendo cerca de 600 resíduos de aminoáci-
dos em quatro longas cadeias, dobradas em forma globular
(a) Alguns dos aminoácidos das proteínas
e associadas em uma estrutura de 5,5 nm de diâmetro. As
proteínas, por sua vez, são muito menores do que os ribos-
Ϫ Ϫ Ϫ
COO COO COO somos (cerca de 20 nm de diâmetro), os quais, por sua vez,
ϩ ϩ ϩ
H 3N C H H 3N C H H 3N C H
são menores do que organelas como as mitocôndrias, que
têm 1.000 nm de diâmetro. É um grande salto das biomolé-
CH3 CH2OH CH2 culas simples às estruturas celulares que podem ser vistas
Ϫ ao microscópio óptico. A Figura 1-11 ilustra a hierarquia
Alanina Serina COO
estrutural na organização celular.
Aspartato
As subunidades monoméricas das proteínas, dos áci-
Ϫ
COO
Ϫ dos nucleicos e dos polissacarídeos são unidas por ligações
COO
ϩ ϩ Ϫ
COO
H 3N C H H 3N C H ϩ FIGURA 1-10 Os compostos orgânicos a partir dos quais é formada
H 3N C H a maior parte dos materiais celulares: o ABC da bioquímica. Estão
CH2 CH2
NH CH2 mostrados aqui (a) seis dos 20 aminoácidos que formam todas as
C
CH proteínas (as cadeias laterais estão sombreadas em cor-de-rosa); (b)
SH as cinco bases nitrogenadas, os dois açúcares de cinco carbonos e
HC ϩ
NH
Cisteína os íons fosfato que formam os ácidos nucleicos; (c) os cinco compo-
OH Histidina nentes dos lipídeos de membrana; e (d) D-glicose, o açúcar simples
Tirosina
que origina a maioria dos carboidratos. Observe que o fosfato é um
componente dos ácidos nucleicos e dos lipídeos de membrana.
(b) Os componentes dos ácidos nucleicos (c) Alguns componentes dos lipídios
O O
NH2 COOϪ COOϪ CH2OH
C C CH3 CH2 CH2 CHOH
HN CH HN C N CH
CH2 CH2 CH2OH
C CH C CH C CH Glicerol
O N O N O N CH2 CH2
H H H
CH2 CH2
Uracil Timina Citosina CH3
CH2 CH2 ϩ
CH3 N CH2CH2OH
NH2 O CH2 CH2
CH3
C C OϪ CH2 CH2 Colina
N N
N C HN C CH CH2
CH CH HO P OH
HC C C C CH CH2
N N H2N N N O
H H
Fosfato CH2 CH2
Adenina Guanina (d) O açúcar de origem
CH2 CH2
Bases nitrogenadas
CH2 CH2
HOCH2 O H HOCH2 O CH2 CH2 CH 2OH
H
H H CH2 CH2 O
H H H H
H OH H
H OH CH2 CH3 OH H
OH OH OH H Palmitato HO OH
CH2
␣-D-Ribose H OH
2-desoxi-␣-D-ribose CH3
Açúcares de cinco carbonos Oleato ␣-D-Glicose
10. 10 David L. Nelson & Michael M. Cox
Nível 4: Nível 3: Nível 2: Nível 1:
A célula e Complexos Macromoléculas Unidades
suas organelas supramoleculares monoméricas
NH2
Nucleotídeos N
DNA
OϪ
O N
Ϫ
O P O CH2 O
O
H H
H H
OH H
Cromatina
Aminoácidos
H
ϩ
H3N C COOϪ
Proteína CH3
Membrana
plasmática Celulose
OH
CH 2 O
H
H H OH
OH
HO OH
H
Açúcares CH
2 OH
H
Parede celular O
FIGURA 1-11 Hierarquia estrutural na organização molecular das células. O núcleo desta célula vegetal é uma organela que contém
vários tipos de complexos supramoleculares, incluindo cromatina. A cromatina consiste em dois tipos de macromoléculas, DNA e muitas
proteínas diferentes, sendo cada uma delas formada por subunidades simples.
covalentes. Nos complexos supramoleculares, contudo, as go da célula. Em resumo, uma dada molécula pode ter um
macromoléculas são unidas por interações não covalentes comportamento muito diferente na célula e in vitro. Um de-
– individualmente muito mais fracas do que as covalentes. safio central na bioquímica é entender as influências da orga-
Entre estas interações estão as ligações de hidrogênio (en- nização celular e das associações macromoleculares sobre a
tre grupos polares), as interações iônicas (entre grupos car- função das enzimas individuais e outras biomoléculas – para
regados), as interações hidrofóbicas (entre grupos apolares entender a função in vivo assim como in vitro.
em solução aquosa) e as interações de van der Waals (forças
de London) – todas elas com energia muito menor do que as RESUMO 1.1 Fundamentos celulares
ligações covalentes. Essas interações são descritas no Capí- ■ Todas as células são delimitadas por uma membrana
tulo 2. O grande número de interações fracas entre as ma- plasmática, tendo um citosol contendo metabólitos, co-
cromoléculas em complexos supramoleculares estabilizam enzimas, íons inorgânicos e enzimas, possuindo um con-
essas agregações, gerando suas estruturas singulares. junto de genes contidos dentro de um nucleoide (bacté-
rias e arquibactérias) ou de um núcleo (eucariotos).
Estudos in vitro podem omitir interações importantes ■ Os fototróficos usam a luz do sol para realizar trabalho;
entre moléculas os quimiotróficos oxidam combustíveis, transferindo
elétrons para bons aceptores: compostos inorgânicos,
Uma abordagem para o entendimento de um processo bioló-
compostos orgânicos ou oxigênio molecular.
gico é o estudo in vitro de moléculas purificadas (“no vidro”
– no tubo de ensaio), sem a interferência de outras molécu- ■ As células de bactérias e de arquibactérias contêm cito-
las presentes na célula intacta – isto é, in vivo (“no vivo”). sol, um nucleoide e plasmídeos. As células eucarióticas
Embora esta abordagem seja muito esclarecedora, deve-se têm um núcleo e são multicompartimentalizadas, com
considerar que o interior de uma célula é totalmente diferen- determinados processos segregados em organelas es-
te do interior de um tubo de ensaio. Os componentes “inter- pecíficas; as organelas podem ser separadas e estuda-
ferentes” eliminados na purificação podem ser críticos para a das isoladamente.
função biológica ou para a regulação da molécula purificada. ■ As proteínas do citoesqueleto se organizam em longos
Por exemplo, estudos in vitro de enzimas puras são comu- filamentos que dão forma e rigidez às células e servem
mente realizados com concentrações muito baixas da enzima como trilhos ao longo dos quais as organelas celulares
em soluções aquosas sob agitação. Na célula, uma enzima se deslocam por toda a célula.
está dissolvida ou suspensa em um citosol com consistência ■ Complexos supramoleculares são mantidos unidos por
gelatinosa junto com milhares de outras proteínas, sendo que interações não covalentes e formam uma hierarquia
algumas delas se ligam à enzima e influenciam sua atividade. de estruturas, algumas delas visíveis ao microscópio
Algumas enzimas são componentes de complexos multienzi- óptico. Quando moléculas individuais são removidas
máticos nos quais os reagentes passam de uma enzima para destes complexos para serem estudadas in vitro, al-
a outra, sem interagir com o solvente. A difusão é dificultada gumas interações, importantes na célula viva, podem
no citosol gelatinoso, e a composição citosólica varia ao lon- ser perdidas.
11. Princípios de Bioquímica de Lehninger 11
1 2 FIGURA 1-12 Elementos essenciais para a
H He
vida e a saúde animal. Os elementos princi-
3 4 Elementos principais 5 6 7 8 9 10 pais (em laranja) são componentes estruturais
Li Be Elementos-traço B C N O F Ne
das células e dos tecidos e são requeridos na
11 12 13 14 15 16 17 18 dieta em uma quantidade de vários gramas
Na Mg Al Si P S Cl Ar
por dia. Para os elementos-traço (em amarelo
19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 brilhante) as quantidades requeridas são mui-
K Ca Sc Ti V Cr Mn Fe Co Ni Cu Zn Ga Ge As Se Br Kr
to menores: para humanos, alguns miligramas
37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54
por dia de ferro, cobre e zinco são suficientes,
Rb Sr Y Zr Nb Mo Tc Ru Rh Pd Ag Cd In Sn Sb Te I Xe
e quantidades ainda menores dos demais ele-
55 56 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86
mentos. As necessidades mínimas para plan-
Cs Ba Hf Ta W Re Os Ir Pt Au Hg Tl Pb Bi Po At Rn
tas e micro-organismos são similares às mos-
87 88
Fr Ra
Lantanídeos tradas aqui; o que varia são as maneiras pelas
Actinídeos quais eles adquirem estes elementos.
1.2 Fundamentos químicos são hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono, que juntos
constituem mais de 99% da massa das células. Eles são os
A bioquímica tenta explicar as formas e as funções bioló- elementos mais leves capazes de formar eficientemente
gicas em termos químicos. No final do século XVIII, os quí- uma, duas, três e quatro ligações; em geral, os elementos
micos concluíram que a composição da matéria viva é im- mais fracos formam as ligações mais fortes. Os elemen-
pressionantemente diferente daquela do mundo inanimado. tos-traço (Fig. 1-12) representam uma fração minúscula
Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794) percebeu a relativa do peso do corpo humano, mas todos são essenciais à vida,
simplicidade do “mundo mineral” e contrastou-a com a com- geralmente por serem essenciais para a função de proteí-
plexidade dos “mundos animal e vegetal”. Estes últimos ele nas específicas, incluindo muitas enzimas. A capacidade de
sabia serem constituídos de compostos ricos nos elementos transporte de oxigênio da hemoglobina, por exemplo, é to-
carbono, oxigênio, nitrogênio e fósforo. talmente dependente de quatro íons de ferro, que somados
Durante a primeira metade do século XX, investigações representam somente 0,3% da massa total.
bioquímicas conduzidas em paralelo sobre a oxidação da gli-
cose em leveduras e células de músculo animal revelaram
similaridades químicas marcantes nestes dois tipos celulares
Biomoléculas são compostos de carbono com uma grande
aparentemente muito distintos, indicando que a queima da variedade de grupos funcionais
glicose em leveduras e células musculares envolve os mesmos A química dos organismos vivos está organizada em torno
10 intermediários químicos e as mesmas 10 enzimas. Estudos do carbono, que contribui em mais da metade do peso seco
subsequentes de muitos outros processos químicos em dife- das células. O carbono pode formar ligações simples com
rentes organismos confirmaram a generalidade desta observa- átomos de hidrogênio, assim como ligações simples e duplas
ção, resumida em 1954 por Jacques Monod: “O que vale para com átomos de oxigênio e nitrogênio (Fig. 1-13). A capaci-
a E. coli também vale para um elefante”. A atual compreensão dade dos átomos de carbono de formar ligações simples es-
de que todos os organismos têm uma origem evolutiva comum táveis com até quatro outros átomos de carbono é de grande
tem como base em parte esta observação, de que todos parti- importância na biologia. Dois átomos de carbono também
cipam dos mesmos processos e intermediários químicos, o que podem compartilhar dois (ou três) pares de elétrons, for-
muitas vezes é denominado unidade bioquímica. mando assim ligações duplas (ou triplas).
Menos de 30 entre os mais de 90 elementos químicos As quatro ligações simples que podem ser formadas
de ocorrência natural são essenciais para os organismos. A pelo átomo de carbono se projetam a partir do núcleo for-
maioria dos elementos da matéria viva tem um número atô- mando os quatro vértices de um tetraedro (Fig. 1-14), com
mico relativamente baixo; somente dois possuem números um ângulo de aproximadamente 109,5° entre duas ligações
atômicos maiores que o selênio, 34 (Fig. 1-12). Os quatro quaisquer e tendo um comprimento médio de ligação de
elementos químicos mais abundantes nos organismos vivos, 0,154 nm. A rotação é livre em torno de cada ligação sim-
em termos de porcentagem do total de número de átomos, ples, a menos que grupos muito grandes ou altamente car-
C ϩ H C H C H C ϩ N C N C N
C ϩ O C O C O C ϩ C C C C C
FIGURA 1-13 A versatilidade do
carbono em formar ligações. O
C ϩ O C O C O C ϩ C C C C C carbono pode formar ligações co-
valentes simples, duplas e triplas
(indicadas em vermelho), particu-
C ϩ N C N C N C ϩ C C C C C larmente com outros átomos de
carbono. Ligações triplas são raras
em biomoléculas.
12. 12 David L. Nelson & Michael M. Cox
(a) (b) (c)
X
A 120
109,5 C
C C
C
C Y
109,5 B
FIGURA 1-14 Geometria da ligação do carbono. (a) Os átomos de (CH3—CH3). (c) Ligações duplas são mais curtas e não permitem
carbono têm um arranjo tetraédrico bem característico para suas rotação. Os dois carbonos ligados por ligação dupla e os átomos
quatro ligações simples. (b) A ligação simples carbono-carbono designados por A, B, X e Y estão todos no mesmo plano rígido.
tem liberdade de rotação, como mostrado para o composto etano
H H H
Metil R C H Éter R1 O R2 Guanidina R N C N
H ϩ
N H
H H
H H
Etil R C C H Éster R1 C O R2 Imidazol R C CH
H H O HN N:
C
H
H H
C C H
Fenil R C CH Acetil R O C C H Sulfidril R S H
C C O H
H H
Carbonil R C H Anidrido R1 C O C R2 Dissulfeto R1 S S R2
(aldeído) (dois ácidos
O O O
carboxílicos)
H
Carbonil R 1
C R 2
Amino R Nϩ H Tioéster R1 C S R2
(cetona) (protonado)
O H O
H OϪ
Carboxil R C OϪ Amida R C N Fosforil R O P OH
O H O
O
H
N OϪ OϪ
1 2 1
Hidroxil R O H Imina R C R Fosfoanidrido R O P O P O R2
(álcool)
O O
O H H OϪ
R3
Enol R C C Imina N- Anidrido misto R C O P OH
substituída N (de ácido carboxílico
H H O O
(base de e ácido fosfórico;
R1 C R2
Schiff) também chamado
de acil-fosfato)
FIGURA 1-15 Alguns grupos funcionais comuns de biomolécu- de hidrogênio, mas tipicamente será um grupo contendo carbono.
las. Nesta figura e em todo o livro, será usado R para representar Quando dois ou mais substituintes são mostrados em uma molécu-
“qualquer substituinte”. Ele pode ser tão simples como um átomo la, serão designados como R1, R2 e assim por diante.