O documento discute as causas da Revolução Francesa de 1789, identificando fatores políticos, econômicos, sociais e intelectuais. Apresenta quatro fontes históricas que descrevem a abolição do Antigo Regime e do feudalismo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e o significado deste documento revolucionário.
1. As revoluções liberais e a ruptura com o Antigo Regime
1. Antes de iniciar o estudo da Revolução Francesa, reflicta sobre as seguintes questões:
- O que entende por Revolução?
- Em que situação política, económica e social se encontrava a França nas vésperas da
Revolução de 1789?
- Quais foram os instrumentos jurídicos que regulamentaram a nova ordem liberal e em que
princípios se baseavam?
2. Leia, analise e interprete as fontes que seguem.
Fonte 1
As causas da revolução
“ A REVOLUÇÃO: SIMPLES ACIDENTE
Um primeiro grupo explicações, que só vê na revolução Francesa um mero acidente, resolve o problema
suprimindo dados. Segundo esta versão, a revolução não era fatal e podia não ter acontecido. Não foi
desejada pelo povo, quase não foi pelos revolucionários, e só um concurso imprevisto de circunstâncias
fortuitas teria provocado, por uma cascata de acidentes, o deflagrar da revolução. (…)
A INFLUÊNCIA OCULTA DAS MINORIAS
Este tipo de explicação, que encontra crédito junto de uma opinião que se satisfaz em pensar que a História
se reduz, em última análise, à acção de cabalas, faz o êxito de colecções de obras ou de publicações. O
esquema – um dos mais vulgarizados – pode aplicar-se a todos os fenómenos históricos, por exemplo, aos
conflitos sociais, que serão reduzidos à acção de alguns cabecilhas, depressa classificados de maus pastores,
aos quais se opõe a inocência de um rebanho perdido. (…) É então inútil empreender reformas: a culpa é de
um punhado de jacobinos que perverteram a opinião pública. (…)
OS FACTORES DE ORDEM ECONÓMICA
As causas financeiras da revolução têm a ver com o défice orçamental, que desempenhou seguramente um
papel nos acontecimentos, pois está na origem da convocação dos Estados Gerais. (…) A situação
cronicamente deficitária das finanças devida à ausência de administração financeira, a que se juntava a
impotência da monarquia para suprimir os privilégios.
A situação era agravada pela guerra de independência da América, que obriga a despesas consideráveis e
implica o recurso ao empréstimo. (…)
Por outro lado, as causas económicas são mais importantes e mais duradouras e dizem respeito ao próprio
regime da economia francesa, isto é, ao modo de organização da produção da riqueza e da distribuição dos
bens. (…) Em 1789, a economia francesa encontrava-se numa situação difícil e atribui-se frequentemente a
responsabilidade da crise que ela atravessava à aplicação dos tratados de comércio e navegação assinados
entre a França e os jovens Estados Unidos, a Inglaterra. (…) O tratado e as consequências que se lhe
atribuíam poderão ter contribuído para o nascimento de um estado de espírito revolucionário, já que o
azedume dos produtores os afastava de um regime que tão mal defendia a sua existência.
(…) A ameaça crónica da penúria faz da fome o primeiro problema dos indivíduos e dos governos; a França
vive na fobia da escassez, na recordação das fomes. (…)
Na verdade, em numerosos ramos de actividade, o trabalho não é livre, mas regulamentado, e só se pode
exercê-lo na condição de se pertencer a uma corporação. (…) O progresso técnico, a multiplicação das
invenções, a acumulação dos capitais, o nascimento de novas formas de indústria, a formação de uma classe
de negociantes, concorrem para tornar caduca esta organização. (…)
A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E A CRISE DA SOCIEDADE
(…) A crise desta sociedade é determinada pelo antagonismo que opõe uma organização tradicional
(fundada na hierarquia, na desigualdade, na existência das ordens, na defesa dos privilégios) e as novas
aspirações das classes em ascensão. De ano para ano, o desfasamento é acentuado pela deslocação da
riqueza, que empobrece a nobreza e enriquece a burguesia, e pela evolução dos espíritos, a contestação dos
fundamentos jurídicos e intelectuais da ordem tradicional. O endurecimento dos privilegiados, a firmeza
com que defendem os seus lugares, contribuem para exacerbar os antagonismos, para transformar as tensões
inerentes a qualquer sociedade em tensões propriamente revolucionárias, e tanto mais quanto mais o poder
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2. real, até então o árbitro das competições de amor-próprio e das concorrências de interesses, já não está em
posição de as dirimir.
AS CAUSAS POLÍTICAS
As causas políticas são talvez as mais determinantes de todas, pois a revolução vai atacar a própria forma do
regime e a organização do poder.
Convém, no entanto, dissipar um equívoco. Há uma interpretação da Revolução Francesa – que ainda
frequentemente inspira os manuais escolares – que apresenta a revolução de 1789 como uma reacção liberal
contra uma monarquia cujo jugo se teria tornado demasiado pesado, contra a autoridade e o absolutismo.
Tem muito disto, sem dúvida, e a tomada da Bastilha é o símbolo do derrube do despotismo por um povo
que quebra as grilhetas. Contudo, observando mais perto, para lá do simbolismo de acontecimentos
espectaculares, acabamos por interrogar-nos se a monarquia não terá perecido mais por excesso de fraqueza
do que de autoridade: por não ter conseguido impor aos privilegiados o respeito pelo interesse geral. Um
poder mais forte, mais respeitado, teria talvez sabido prevenir uma crise revolucionária. (…)
A revolução começou por ser uma revolta dos privilegiados antes de ser a revolta do Terceiro Estado contra
a sociedade privilegiada. Foram eles que deram o sinal de desobediência e abriram, à sua custa, a vida para
o processo revolucionário. Se a monarquia tivesse sido mais forte, se tivesse disposto de meios ao nível das
suas ambições, teria mantido os privilegiados na ordem e conseguido impor as reformas que lhe eram
ditadas por uma bem entendida preocupação com a razão de Estado. (…)
O conluio que é patente nas vésperas da revolução entre o poder real e os privilegiados lançará a burguesia
na oposição revolucionária. (…)
O MOVIMENTO DAS IDEIAS E A SUA DIFUSÃO NA OPINIÃO PÚBLICA
Os factores de ordem intelectual e o movimento das ideias do século XVIII contribuíram muito para a
génese da revolução. Na verdade, as teorias políticas não são apenas concebidas no silêncio dos gabinetes
por pensadores isolados, mas alimentam também os movimentos de opinião. No entanto, entre o conteúdo
original e a difusão, as teorias alteram-se. É assim que o que é retido dos escritos de Voltaire ou de
Montesquieu está consideravelmente afastado do que estes escreveram ou pensaram. (…) De facto, com os
leitores de Montesquieu e Rosseau ou os assinantes da Encyclopédie não haveria com que fazer uma
revolução: a Encyclopédie não teve mais de 4000 ou 5000 subscritos, menos do que as nossas revistas de
interesse geral (…).
Paralelamente aos escritos, existe também a virtude dos exemplos, o contributo dos precedentes e das
experiências. O da revolução americana propõe uma solução alternativa a uma parte da opinião pública que
deseja de forma confusa uma renovação profunda e para a qual as simples reformas já não se afiguram
suficientes. (…)
É a conjugação de todas estas causas que origina o poder explosivo da revolução e nos impede de a
tomarmos por um simples acidente. ”
René Rémond, Introdução à História do Nosso Tempo – Do Antigo Regime aos Nossos Dias,
Lisboa, Ed. Gradiva, 1994, pp. 85-93
Fonte 2
A abolição do regime feudal
“O reino flutua, neste momento, entre a alternativa da destruição da sociedade ou a formação de um
governo que será admirado e seguido em toda a Europa.
Como estabelecer este governo? Pela tranquilidade pública. Como esperar esta tranquilidade? Aclamando o
povo (…).
Para chegar a esta tranquilidade, tão necessária, eu proponho:
1.º Que seja anunciado antes da proclamação projectada da “Declaração Universal dos Direitos do Homem
e do Cidadão” que os representantes da Nação decidiram que o imposto será pago por todos os indivíduos
do reino na proporção dos seus rendimentos.
2.º Que todos os encargos públicos serão de futuro suportados igualmente por todos.
3.º Que todos os direitos feudais serão resgatados pela comunidade, em dinheiro ou trocados por uma justa
avaliação, calculada sobre dez anos de rendimento de um ano comum, conforme o rendimento de um ano
comum.
4.º Que as corveias senhorais, a mão-morta e outras servidões pessoais serão extintas sem indemnização.”
Discurso do Presidente da Assembleia Nacional, 4 de Agosto de 1789, in A. P. Manique e M. C. Proença,
História – Afirmação do Liberalismo, Lisboa, I.I.E., 1997
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3. Fonte 3
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
“Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância,
o esquecimento ou o desprezo pelos direitos do Homem são as únicas causas das infelicidades públicas e da
corrupção dos governos, resolveram expor, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e
sagrados do Homem. […] Portanto, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob os
auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:
Artigo 1.º – Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. (…)
Artigo 4.º – A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique outrem. (…)
Artigo 6.º – A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de participar
pessoalmente, ou através dos seus representantes, na sua formação. (…) Sendo todos os cidadãos iguais a
seus olhos, têm igualmente acesso a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua
capacidade, e sem outra distinção que nãos seja a das suas virtudes e talentos.
Artigo 7.º – Nenhum homem pode ser acusado, preso ou detido, a não ser nos casos previstos pela lei (…).
Artigo 9.º – Ninguém deverá ser perturbado pelas suas opiniões, mesmo religiosas. (…)
Artigo 11.º – A livre comunicação de pensamentos e opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem;
portanto, todo o homem deve poder falar, escrever, imprimir livremente. (…)
Artigo 13.º – Para manter a força pública e para as despesas da Administração, é indispensável uma
contribuição comum; deve ser repartida igualmente por todos os cidadãos, na razão das suas capacidades.
(…)
Artigo 15.º – A sociedade tem o direito de pedir contas a todos os agentes públicos pela sua administração.
(…)
Artigo 17.º – Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, a menos
que seja de utilidade pública legalmente constatada e sob condição de justa e prévia indemnização.”
Voilliard, Documents d’ Historie (1766-1850), A. Colin, Paris, 1964
Fonte 4
O significado da Declaração
“A 26 de Agosto de 1789, a Assembleia Constituinte terminou a redacção do texto jurídico a que chamou
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esta declaração constituía uma espécie de preâmbulo
para a futura Constituição e baseava-se nos princípios da filosofia iluminista e no articulado da Declaração
dos Direitos dos vários Estados americanos.
A liberdade individual foi, de facto, a ideia-base de todo o documento, que começa por afirmar que todos os
homens nascem e permanecem iguais. A liberdade individual é, por consequência, um direito natural,
inviolável e imprescritível, e manifesta-se pelo poder de fazer tudo o que não prejudique outrem. Inclui a
liberdade de opinião e a liberdade de imprensa (Todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir
livremente), embora nada mencione sobre a liberdade de culto, de ensino, de domicílio ou de comércio e
indústria. Os outros direitos naturais são, significativamente, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão.
A segunda ideia-base desta Declaração é a igualdade que é, segundo o artigo 1.º, um direito natural: os
homens nascem iguais. O direito à igualdade implicava a igualdade perante a lei, perante a justiça (Tudo
aquilo que não é proibido pela lei não pode impedido (…). Ninguém pode ser acusado, preso ou detido
senão os casos determinados pela lei), perante a administração e perante o imposto. A aprovação desta
Declaração significava, pois, a destruição da sociedade de ordens.
Como postulado destes direitos naturais, o poder maior residia no povo. Mas a soberania não era apenas
nacional, ela era também una e indivisível, o que, mais uma vez, excluía a existência da sociedade de
ordens.
O rei era apenas o mandatário do povo, de quem recebia o poder; e a lei, a expressão da vontade geral. Para
assegurar o respeito pela lei e a isenção do poder político, este devia funcionar tripartido, estando cada
função entregue a órgãos diferentes e independentes – era a concretização do princípio iluminista da
separação dos poderes.
Obra da burguesia letrada, maioritária na Assembleia Constituinte, a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão foi um documento revolucionário que ultrapassou em muito os ideais iluministas e as
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4. declarações americanas. Os seus princípios fundamentais não se dirigiam unicamente aos franceses, e os
seus preceitos eram aplicáveis a qualquer regime político e não apenas ao da França, em 1789.
Este carácter universalista, assumido pela Revolução Francesa desde o seu início, explica a tremenda
repercussão deste documento na Europa e no mundo.
2.1. Em que medida é o Antigo Regime atacado na sua estrutura social e política?
2.2. De que modo reflecte este documento a defesa da burguesia?
3. Verifique se atingiu os objectivos de aprendizagem.
Sim Não Aprofundei
- Interpretei o conceito de Revoluções Liberais?
- Analisei a crise económico-financeira?
- Relacionei as tentativas de reforma do poder político com a
reacção feudal?
- Interpretei a transformação dos Estados Gerais em Assembleia
Nacional Constituinte?
- Relacionei a abolição dos direitos feudais com a destruição da
sociedade do Antigo Regime?
- Sublinhei o significado social e político da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão?
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