Revolução russa e mexicana. Slides explicativos e atividades
Ensaio: os rótulos e as ‘verdades’ absolutas
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Ensaio: Os Rótulos e as ‘Verdades’ Absolutas1
Fernanda Matos
Daniela Diniz
O mundo acadêmico, cada vez mais guiado pelo gerencialismo 2 tem admitido o
enquadramento do ensino e da pesquisa às lógicas de gestão de empresas. Em um ajustamento
de tudo em caixinhas organizadas e nominadas, como que expostas em prateleiras de
supermercados organizadas por seções, ou como estoques que adotam o modelo kanban.
Permitiu-se, portanto, que as instituições responsáveis pela geração e difusão do
conhecimento – atividades complexas, que demandam arte 3 , tempo e reflexão – se
submetessem ao modus operandi das organizações produtoras de latas de sardinha, em uma
visão linear de processo, onde impera a minimização de inputs e a maximização de outputs.
Neste aspecto, igualando o trabalho do professor e pesquisador ao ofício do administrador
gerencial.
Alcadipani (2011) vai além, dizendo que a academia está prestes a virar fast-food, no
qual os docentes prestadores de serviços precisam agradar seus alunos clientes. Nesta
necessidade de sempre agradar, ou seja, acrescida à arte de animar salas de aula e auditórios,
está a participação na ‘Corrida Maluca4’ dos pontos de produtividade no âmbito da pós-
graduação stricto sensu. Mas, “não é só a pontuação da Capes como meta que desvirtua nossa
almejada produção, mas, também, o modo como atingimos esses pontos” (Bertero et al.;
2013). Outros problemas à lógica de produção está a ‘noção de autoria’ que ‘está à beira de
ser desvirtuada’, bem como o ‘horror à crítica’ que se estabelece.5 Ou seja, os pesquisadores
não realizam uma leitura aprofundada, crítica e posicionada das teorias e métodos produzidos
em outros países. Barros e Carrieri (2013) advertem que é preciso colocar o conhecimento sob
análise a partir de um olhar histórico, buscando entender seu aparecimento e seu
1 Publicado no Linkedin / Pulse em 04 de mar de 2016. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/ensaio-
os-r%C3%B3tulos-e-verdades-absolutas-fernanda-matos?trk=hp-feed-article-title-publish
2 O gerencialismo quando aplicado ao ensino e a pesquisa corrói a essência da produção da produção e a
divulgação do conhecimento. O problema da inserção da lógica gerencial no meio educacional é que ela passa a
impor um ‘ethos’ corporativo para um tipo de atividade que pouco ou nada tem a ver com o mundo das
empresas.
3 Arte no sentido de craft como aponta Mattos (2006)
4 Referência aos desenhos de Hanna Barbera (1968)
5 Alcadipani (2011); Bertero et. Al (2013)
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desenvolvimento. Esse “produtivismo6” conduz justamente a problemas de reprodução, de
falta de originalidade e baixo aprofundamento nas questões epistemológicas e teóricas, tão
caras a uma produção científica de qualidade.
Nesse regime produtivista, pesquisadores subjugados vivem a dicotomia de publicar
em maior quantidade. Mas o que interessa mais à ciência: publicar muito ou desenvolver
estudos que possam contribuir para o avanço do conhecimento na área e para elucidar
fenômenos brasileiros? Estuda-se muito pouco a Administração no Brasil. Uma das razões de
falta de originalidade deve-se ao fato de olharmos muito pouco para a realidade local (Paula,
2013).
Os pesquisadores enfrentam, ainda, a ira de outros competidores que defendem outras
linhas e/ou métodos. Além do produtivismo é preciso observar o paroquialismo 7 ,
estrangeirismo e o colonialismo8. Isto é, a academia está limitada por posições antagônicas,
preconceitos, antagonismos de natureza profissional e pessoal que comprometem a
possibilidade de se criar uma agenda construtiva de debates entre diferentes perspectivas. É
preciso ter cuidado, ser político.
Nossa comunidade, como observado por Bertero et al. (2013), aplica etiquetas a
autores e teorias com frequência, citando algumas delas: neoinstitucionalista, universalita,
funcionalistas, estruturalistas, afinal quantos ‘istas’ pode haver!? Quantitativos ou
qualitativos. Por que a necessidade de se escolher apenas um caminho ou uma linha? Porque
atermos a cercas e terrenos tão demarcados!? E porque classificarmos e definirmos o nosso
estudo em um ‘paradigma’ ou ‘posição’?
A evolução do conhecimento sociológico e organizacional não ocorre por meio de
dicotomias e antagonismos, mas com a adoção de uma perspectiva que buscar somar as
diversas abordagens e interesses cognitivos. Faz-se necessário superar a mentalidade
paradigmática inserida por Burrell e Morgan (1979)9, com a intenção de tonar os estudos
organizacionais um campo mais pluralista e flexível, sem amarras.
6 Produtivismo, para Bertero et al. (2013, p.182) é a atitude desequilibrada na qual a qualidade, a pertinência e os
padrões éticos cederiam ao imperativo de pontuações e CVs recheados de títulos.
7 O paroquialismo ou provincialismo, como define Bertero et al. (2013 p.182), é uma atitude desequilibrada na
avaliação de autores, de teorias e da produção científica em geral, que acabam sendo sobreapreciados pelo fato
de ser nacionais.
8 Colonialismo acadêmico, no qual aqueles que avaliam nossa produção raramente são imparciais. Bertero et al.
(2013).
9 Citados nos textos de Machado-da-Silva et al. (1990), e Paula (2013)
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Essa imposição dos modelos enlatados e rotulados não é recente, nem exclusivo à
academia. O diretor Hector Babenco no filme ‘Brincando nos Campos do Senhor’10, baseado
em um livro de mesmo nome, faz uma crítica narrativa permeada pela matriz ocidental do
pensamento único, os missionários impondo uma visão de mundo, uma origem legitimada
pela ortodoxia fundamentalista ou católica. Aborda a dificuldade que as pessoas têm em
aceitar o que é diferente e a tentativa incansável de torná-los iguais. Nessa visão, o outro
“indígena, selvagem, pecador, preguiçoso” precisa ser “pacificado, civilizado, disciplinado,
convertido, trazido da escuridão à luz, ser um bom cidadão”, tendo ainda, como pano de
fundo o interesse pela terra. Ainda nessa linha, da aceitabilidade do outro, apesar de
construídas a partir da mesma ‘base’ de crença e os fundamentos do Cristianismo, Católicos,
Presbiterianos, e outras denominações, que rotularam Deus em seitas que muitas vezes se
agridem, em que se mata e morre em nome de uma ‘verdade’ absoluta, construída do rótulo.
Rótulos deveriam ser utilizados apenas para produtos, não para pessoas. Mas não
somos neutros, enquanto professores e pesquisas, percebemos que é uma mistura de vários
rótulos que nos aproxima e nos afasta dos outros que são diferentes. Seriam eles os diferentes
ou seriam nós? Quem nos empodera de sermos o modelo ou torna ‘nossa verdade é a verdade
universal’?. Mattos (2009, p.356) corrobora com a discussão, ao afirmar que Karl Popper - O
filósofo e professor emérito da London School of Economics and Political Science – nos traz
fortes ensinamentos. Para Popper é preciso, sobretudo na profissão acadêmica, “ser crítico e
criterioso em relação à própria experiência ou aos ‘fatos’ que nos são relatados, e que
absorvemos [...] sob o estereótipo do ‘fato, pura realidade’ ou ‘fato, argumento definitivo’”.
Misoczky e Vecchio (2006), acrescentam ainda que um dos fatores mais frustrantes
no campo da administração é a incapacidade da maioria de seus personagens de aceitar a
provocação para pensar a possibilidade de que possam existir arranjos organizacionais e
políticos diferentes dos atuais. Uma das causas dessa incapacidade está na aceitação acrítica
de discursos e prescrições que compõem a tradição teórica dos estudos organizacionais.
Politicamente, uma teoria ganha novos adeptos quando outros indivíduos e grupos
referenciam o trabalho atestando sua concordância ao divulgado. Paula (2013 p.19) adverte
que um “ponto crucial para a sustentação e a sobrevivência das perspectivas alternativas” é a
integração dos pesquisadores que as sustentam, sem ela o movimento que permanece dividido
e perde sua força. Neste caminhar, quanto mais adeptos mais força e repercussão. Nesse
10 At Play in the Fields of the Lord é um filme estadunidense-brasileiro de 1991, filmado na Amazônia, do
gênero drama, dirigido por Hector Babenco e com roteiro baseado em livro de Peter Matthiessen.
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sentido, no meio científico-acadêmico, devemos seguir junto com a maioria ou devemos
buscar maior pluralidade?
Referências
ALCADIPANI, R. Academia e a fábrica de sardinhas. Organizações & Sociedade, v.18, n.57,
p.345-348,2011.
BABENCO,Hector. Brincando nos campos do senhor. Filme, 1991.
BARROS, A. N; CARRIERI, A. P. Ensino superior em Administração entre os anos de 1940
4 1950: uma discussão a partir dos acordos de cooperação Brasil-Estados Unidos. Cadenos
EBAPE.BR,v.11, n.1, p.256-273, 2013.
BERTERO, C. O; ALCADIPANI, R.; CABRAL, S.; FARIA, A.; ROSSINI, L. Os desafios da
produção de conhecimento em Administração no Brasil. Cadernos EBAPE.BR, v.11, n.1, p.182-196,
2013.
MACHADO-DA-SILVA, C. CUNHA, V.C. DA; AMBON, N. Organizações: o estado da arte
da produção acadêmica no Brasil. In: Encontro Nacional de Programas de Pós-Graduação em
Administração, 14, 1990, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Anpad, 1990. V.6,p. 11-28.
MATTOS, P. L. C. L. Administração é ciência ou arte? E que podemos aprender com este
mal-entendido? RAE, n.3, v.49, São Paula, p. 349-360. Jul./set. 2009.
MISOVSKY, M. C..; CARRIERI, A. P. Notas provisórias sobre o desenvolvimento e a
superação dos estudos organizacionais. In: Encontro Nacional dos Programas de Pós-graduação e
Pesquisas em Administração, 2009, São Paulo. Enanpad, 2009.
PAULA, A. P. P. Repensando os estudos organizacionais: o circulo das matrizes
epistemológicas e a abordagem Freudo-Frankfurtina. Tese Titular. Belo Horizonte: CAD/UFMG,
2013.