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... Cadernos :: edição: 2005 - N° 27 > Editorial > Índice > Resumo > Artigo

                                Aprendizagem: explicações para as dificuldades

                                                                                             Reinoldo Marquezan
                                                                                                               .
          O estudo apresenta alguns resultados encontrados pela pesquisa educacional que visava oferecer
    explicaç ão sobre as dificuldades de aprendizagem. Procura contextualizar a aprendizagem na conjuntura
    da sociedade da informação e comentar sobre a construção de conhec imentos que não mais tem a
    chancela da verdade e da c erteza acabadas e absolutas, mas que requerem contínua rec onstruç ão e
    tem duração relativa.

             Palavras-chave: Aprendizagem. Dific uldade de Aprendizagem. Sociedade da Informação.

           Uma parcela significativa do contingente de alunos que chega a escola dela pouco tem se
    beneficiado. Os saberes e as competências transmitidos pela esc ola não tem sido distribuído
    igualitariamente entre a população estudantil de modo que, parte desta, historic amente tem sido
    marginalizada na produção, na distribuição e no c onsumo dos bens c ulturais e materiais c onstruídos pela
    sociedade.

          Tomando-se c omo pressuposto a evidênc ia de diferenças escolares na transmissão e na
    apropriação dos conhecimentos, o objetivo deste trabalho é apresentar algumas explicações resultantes
    da pesquisa educacional que serviram e servem para justificar as dificuldades de aprendizagem que
    produzem o frac asso escolar dos alunos e, também, é uma tentativa de situar a aprendizagem no
    contexto da sociedade da informação. As explicações atribuídas ao aluno, as deficiência e diferenças
    culturais serão extraídas de Patto (1990) e Soares (1989); em Perrenoud (2000, 2001), vamos buscar os
    aspectos do fracasso relacionados às práticas pedagógic as e a proposição das pedagogias diferenciadas
    como uma alternativa potencialmente c apaz de elevar a produtividade da escola; em Pozo (2002, 2004),
    Castells e Flecha (1996) e em Meirieu (2002) os aspectos relac ionados à sociedade da informação.

           Os resultados da pesquisa educacional sobre o fracasso escolar inicialmente evidenciaram que ele
    dec orria das dific uldades de aprendizagem presentes no próprio aluno como, por exemplo, a não
    existência de “dom” para aprender. A c ontinuidade das pesquisas evidenciou que as diferenças de
    aproveitamento escolar ocorriam mais entre grupos sócio-economicamente diferentes do que entre
    indivíduos pertencentes ao mesmo grupo. Este ac hado produziu uma nova explicação: as dific uldades de
    aprendizagem derivavam da deficiência da cultura onde os alunos estavam submersos. Esta explic ação
    foi contestada pela evidência sócio-antropológica de que não existe c ultura deficitária. Foi, então,
    substituída pela “Teoria das diferenças culturais”. Esta postulava que a escola veiculava os
    conhecimentos de interesse das classes dominantes e não contemplava os c onhec imentos dos alunos
    das classes subalternas, ela era indiferente às diferenças dos alunos. Mais recentemente a pesquisa
    educacional inclui outras variáveis presentes na determinação da aprendizagem como a “cultura da
    aprendizagem” (POZO, 2002) no contexto de uma sociedade da informação.

           Nas soc iedades primitivas o processo educativo era informal, integrado a vida diária e visava à
    alimentaç ão, abrigo, defesa, nec essários à sobrevivência do indivíduo e do grupo. Na Antiguidade, na
    Cidade-Estado de Esparta, a vida familiar é mínima e o proc esso educ ativo, do menino, se restringe à
    preparação para servir ao Estado. Na Cidade-Estado de Atenas o proc esso educativo tem uma relevante
    importância e complexidade na formação do homem livre. Em Roma o processo educativo se expressa na
    formação do cidadão útil à Pátria, baseado no respeito à lei, a ordem e a tradiç ão. Na sociedade
    medieval a vinculação familiar se restringe à manutenção da propriedade, os cuidados à criança se
    limitam ao bebê, o processo educativo c onsistia no domínio de um ofício. Na modernidade a família, além
    da manutenção da propriedade, tem uma identidade, há um sentimento de família, ela cuida da educ ação
    do filho, infância se prolonga. O processo educ ativo se complexific a, surge à escola, primeiro da nobreza,
    depois a esc ola pública do proletariado.

             Até por volta de 1930, conforme Perrenoud (2000, p.29), os filhos da burguesia “... entravam aos
    seis ou sete anos diretamente nas primeiras classes dos lic eus e já estavam prometidas aos estudos
    completos, enquanto as outras crianças iam à escola primária para dela sair aos 11 ou 13 anos...” As
    desigualdades na educação não constituíam motivo para qualquer alarde, “... pareciam estar na ordem
    das coisas” (Ib. Id.). Não havia nenhum mal-estar em relaç ão ao frac asso, apenas um debate em torno
    do encaminhamento educativo às crianças deficientes ou com problemas de adaptação. Ainda persistiam
    algumas idéias difundidas no início do Séc. XIX de que “... não é bom que o povo seja instruído demais” e
    que

            Nas esc olas, ensinar-se-ia apenas a ler e a esc rever, a c ifrar e a contar; e, ao mesmo tempo, 1/5
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           Nas esc olas, ensinar-se-ia apenas a ler e a esc rever, a c ifrar e a contar; e, ao mesmo tempo,
    aqueles que são de uma origem baixa e inapta para as c iências seriam obrigados a prender os ofícios, e
    excluir-se-ia da escrita até mesmo aqueles que a Providência fez nascer em uma condição para laborar a
    terra, aos quais se deveria apenas ensinar a ler (p.29).

          As dificuldades de aprendizagem que vão c onstituir o fracasso escolar que se evidencia na
    reprovação, na evasão escolar e no encaminhamento para classe e/ou escolas especiais, se torna de
    fato um problema social após a Segunda Guerra Mundial. O término da guerra provoca um rápido
    crescimento da indústria mundial que, por sua vez requer mão-de-obra qualific ada. A escola então se
    abre e se organiza para atender a todos os alunos com base no mesmo modelo escolar. Oportunizando
    acesso a um número cada vez maior de alunos, a escola passa a abrigar uma população mais
    heterogênea e diversa. Em função desta heterogeneidade e diversidade, a escola experimenta uma maior
    e crescente diferenciação entre os desempenhos ac adêmicos dos seus alunos. A essas diferenças se
    atribuem causalidades conforme a compreensão e a ideologia dominante naquele momento.

          Uma primeira explic ação para o baixo aproveitamento de muitos alunos resultou de pesquisas,
    sobretudo no âmbito da Psic ologia, mais especificamente nos ramos da Psicometria e da Psicologia
    Diferenc ial. As pesquisas nestas áreas, através do uso maciço de testes psicológicos, indicaram que o
    baixo aproveitamento vinculava-se aos atrasos no desenvolvimento psic omotor, perceptivo, lingüístico,
    cognitivo, afetivo. O baixo aproveitamento esc olar sugere ser uma decorrência direta do déficit evolutivo
    gerado pela cultura. As crianças com essas defasagens evolutivas eram encontradas em famílias pobres
    cujo ambiente não era estimulador do desenvolvimento das características cognitivas, afetivas e
    psicomotora. Por causa destas c aracterísticas dos alunos, consideradas aquém do necessário, a escola
    se eximia da responsabilidade pelas dificuldades de aprendizagem que eles apresentavam, pois, à escola
    cabia o dever de ajustar, adaptar o aluno à sociedade e nada podia fazer por aqueles que não
    apresentassem a prontidão necessária para a sua adaptaç ão. Esta “Teoria da Deficiência Cultural” deu o
    respaldo científic o aos estereótipos atribuídos às classes populares: não oferece a estimulação para o
    desenvolvimento das habilidades para a aprendizagem.

          Uma segunda explicaç ão produzida pela pesquisa educacional atribui as dificuldades de
    aprendizagem à diferença c ultural dos alunos. Para a “Teoria das Diferenças Culturais”, a esc ola privilegia
    os valores e os c onhec imentos da classe dominante, não contemplando os valores e c onhec imentos
    adquiridos pelos alunos provenientes das classes subalternas. O aluno pobre não é c arente, é diferente.
    Ele não tem uma defic iência, mas usa linguagem, resolve problemas e tem experiênc ias diferentes dos
    alunos das classes média e alta. A escola não c onsidera a diversidade c ultural ao implementar suas
    ações pedagógicas.

           Outra, a terceira explicação que a pesquisa educacional produziu para explicar a dificuldade de
    aprendizagem dos alunos, refere-se às próprias práticas educacionais c omo partícipes no processo de
    produção do frac asso e da exclusão dos alunos pobres, deficientes, diferentes do padrão da normalidade
    hegemônica. As causas das dificuldades de aprendizagem destes alunos estão sendo atribuídas a um
    conjunto de condições sociais adversas às culturas dominadas, entre elas, às políticas públicas e a
    legislação educ acional; a formação, as condições de trabalho e a valorização dos professores. Esta
    pesquisa educ acional está dirigida para o processo de aprendizagem produzido dentro da escola, para as
    relações professor-aluno.

           Pozo (2002) refere à existência de uma crença bastante comum nos meios educac ionais segundo a
    qual os alunos aprendem cada vez menos. Embora não possa ser demonstrada empiricamente esta
    crença corresponde uma representação soc ial da deterioraç ão da aprendizagem. Este autor observa que
    para compreender as dificuldades implicadas nas atividades de aprendizagem é necessário situar estas
    atividades no contexto social onde são geradas. Isto porque é o contexto social quem vai determinar as
    demandas de c onhecimentos e habilidades que cada cidadão deverá dominar. Uma sociedade com um
    acelerado ritmo de mudanças demanda c ontinuamente, novas aprendizagens e requer uma integração de
    conhecimentos, resposta e atitudes, que excede a simples reprodução dos mesmos. Parece haver um
    descompasso entre quais conteúdos, qual a quantidade destes e as formas de apreendê-los.

          A aprendizagem tem c omo função principal a internalização de cultura. Ao incorporá-la, além de
    tornar-se parte dela, se incorpora também novas formas de aprendizagem. Conforme Vygotsky (1988),
    as funções psicológic as superiores são geradas na cultura. Cada cultura produz suas formas pec uliares
    de aprendizagem, isto é sua própria cultura de aprendizagem. As atividades de aprendizagem devem,
    portanto serem compreendidas no contexto das demandas sociais que as geram. Além de se aprenderem
    conteúdos diferentes em diferentes c ulturas, os processos de aprendizagem também variam. Deste
    modo, as relações entre o aprendiz e os objetos da aprendizagem são mediadas por processos
    específicos de aprendizagem, derivados da organização social dessas atividades e das metas
    estabelec idas pela cultura. Dessa forma, muda o que se aprende e muda a forma como se aprende.
    Assim,

          Se o que temos de aprender evolui, e ninguém duvida de que evolui e cada vez mais rapidamente,
    a forma c omo tem de se aprender e ensinar também deveria evoluir – e isso talvez não seja de costume
    se aceitar com a mesma facilidade... (POZO, 2002, p.26)
coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm                                                                                2/5
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           Conforme este autor, c onhec er as demandas sociais além de nos habilitar a compreendê-las e
    também nos posicionarmos critic amente em relação a elas de tal modo que seja possível uma
    seletividade dos objetos de aprendizagem.

          As práticas tradicionais de aprendizagem baseadas na memória entraram em colapso a partir dos
    resultados da pesquisa científica que apontou novas teorias educac ionais e das mudanças sociais,
    tecnológicas e culturais ocorridas na soc iedade. A crise das concepç ões tradicionais de aprendizagem se
    amplia progressivamente na medida em que evidenc ia um desajuste entre as maneiras de realizar a
    aprendizagem e o que a sociedade espera de seus cidadãos. A nova cultura da aprendizagem requer uma
    “... educação generalizada e uma formaç ão permanente e massiva, por uma saturação informativa
    produzida pelos novos sistemas de produção, c omunicação e c onservação da informação, e por um
    conhecimento descentralizado e diversificado.” (POZO, 2002, p.30)

         Essa sociedade de aprendizagem permanente, caracterizada pela densidade informativa e pela
    efemeridade do conhecimento, estabelec e demandas de aprendizagem que exigem novas formas de
    mediação. Essas novas demandas ultrapassam as “... capac idade e os recursos da maior parte dos
    aprendizes, produzindo um efeito paradoxal de deterioração da aprendizagem”. (Ib. Id.) Isto dá a
    sensação de que cada vez aprendemos menos enquanto nos é exigido mais e mais complexas
    aprendizagens.

          Uma outra característica das sociedades de aprendizagem, salientada por Pozo (2002), é a
    diversificaç ão dos contextos e das metas de aprendizagem: temos que aprender muitas coisas e c oisas
    diferentes. A diversificação das nec essidades e atividades de aprendizagem é incompatível com a idéia
    de que uma única teoria possa dar conta de toda a complexidade da aprendizagem. As atividades
    constantes dos programas escolares continuam sendo implementadas segundo um modelo de
    aprendizagem repetitivo, ignorando a existência da sociedade de informação, não possibilitando aos
    alunos organizar e dar sentido a esses saberes. Diante da dificuldade de elaboração das informações,
    Pozo (2002, p.35 e 36), produz uma c onstruç ão de linguagem singular:

          Sofremos uma certa obesidade informativa, conseqüência de uma dieta pouco equilibrada, daí que
    temos de nos submeter o quanto antes a um tratamento capaz de proporcionar novos processos e
    estratégias de aprendizagem que ajustem a dieta informativa a nossas verdadeiras necessidades de
    aprendizagem.

           Nesta mesma direç ão Pozo (2004) refere que na sociedade da informação, a escola não é a
    principal fonte de conhecimento para os alunos. Há uma multiplicidade de fontes informativas,
    tecnologias educac ionais e mudanças culturais profundas que caracterizam, para o autor, uma
    “sociedade de conhecimento múltiplo e descentralizado” (p.45). Todos, na sociedade da informaç ão,
    prescindimos de “informação para sobreviver, como necessitamos de alimento, calor ou contato social”,
    somos, diz Pozo (2002, p.35), utilizando a expressão de Pylyshyn (1984), informívoros.

          As teorias sociológicas, conforme Castells (1996), procurando interpretar as transformações
    estruturais das sociedades, identificam a “geração de conhecimentos e processamento da informação
    como as bases da nova revolução sócio-técnic a...” (CASTELLS, 1996 p.4) Os efeitos da revolução
    informacional serão c apazes de produzir fortes impactos sobre as pessoas e desencadear um processo
    de mudança da estrutura organizativa da soc iedade.

          O processamento da informação (FLECHA, 1996) está produzindo um incremento no poder de
    capital cultural das famílias com repercussão direta sobre o seu êxito escolar. Cria possibilidade para
    melhoria das c ondições de vida das pessoas. No entanto, sendo o modelo social hegemônic o, ele
    acentua as desigualdades já existentes e é capaz de produzir outras. Assim, na medida em que a
    sociedade da informação privilegia os recursos intelectuais, está reforçando a importância dos
    componentes culturais. Logo, ao implementar o currículo, a escola estará transformando as diferenças
    em desigualdades e c onsagrando um processo onde os que triunfam são previamente conhecidos. Neste
    novo processo, se repete a velha fórmula: “... são desqualificados os conhecimentos dos setores
    marginalizados, ainda que sejam mais ricos e c omplexos que os priorizados. Desta maneira, dá-se mais a
    quem mais tem, e menos a quem menos tem, configurando um círculo fechado da desigualdade”
    (FLECHA, 1996, p.36).

            A diversidade tem sido referenc iada para justificar reformas, projetos e posturas educacionais que
     visem adequar a aprendizagem de diferentes pessoas em diferentes c ulturas. Esta postura se embasa em
     argumentos de respeito às diferenças. Uma advertência feita por Flecha (Ib. Id.) merece atenção. Ele
     alerta para o fato de que as sociedades que promovem ações reformuladoras dos seus processos
     educacionais, “não somente é diversa como também é desigual” (p.45). Dessa forma, entende o autor,
     uma adequação à diversidade, pode signific ar uma adequação à desigualdade. Tendo os projetos
     educacionais referenciados na diversidade, a perspectiva de respeitar os diferentes itinerários de
     aprendizagem, supõe níveis educativos diferentes. As esc olas privadas, por exemplo, implementam
     atividades curriculares competitivas no sistema educacional, enquanto as escolas públicas de periferia
     esgotam-se nas tentativas de manter os alunos de maneira pacífica e com possibilidade de aprender
coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm ha (1996, p. 45),
     alguma coisa. Assim, para Flec                                                                             3/5
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    alguma coisa. Assim, para Flec ha (1996, p. 45),

          Quando se segue tal dinâmica, está se adaptando os alunos, já desde tenra idade, ao novo tipo de
    desigualdade que está gerando o modelo dual de sociedade de informação: do setor dos profissionais
    muito qualificados, com uma alta remuneraç ão e prestígio soc ial, ao dos desempregados estruturais, com
    condições de vida de segunda c ategoria.

          A igualdade, para este autor, é um conc eito mais amplo que diversidade e inclui o direito de todas
    as pessoas a serem diferentes e com elas educarem-se. E, alerta Flecha (Ib. Id.), que quando a
    referência à diversidade não privilegiar também a igualdade, “...está-se trabalhando mais a favor de seus
    efeitos ‘exclusores’ que a favor de seus efeitos ‘igualadores’” (p.47).

          Referindo-se a estas mudanças sociais presentes na modernidade, causadas pelo desenvolvimento
    tecnológico e pela maneira c omo a sociedade se estrutura, Heller (1999), acredita que elas podem
    comprometer a sobrevivênc ia dos poderes morais. Assim,

          Parece que, em futuro próximo, as sociedades estarão divididas em duas partes desiguais. Primeiro,
    uma minoria que fará um trabalho profissional altamente qualificado em c ampos sofisticados aprenderá
    muito, saberá muito, ganhará muito e trabalhará por períodos longos; não terá tempo para fazer qualquer
    outra coisa ou para desfrutar a vida, tornando-se ansiosa e neurótica, sofrendo de deficiência de
    sentido. E haverá uma maioria fazendo trabalho inferior em poucas horas ou mesmo não fazendo nenhum
    trabalho, ganhando pouco, aprendendo pouco, vivendo em estado de desintegração, ansiosa, neurótic a,
    perigosa. (p.27e 28)

          Ainda na perspectiva da perda dos poderes morais no mundo, a autora se expressa de forma ainda
    mais contundente. “Tal mundo subsistiria em estado de decomposiç ão, caos e desintegração. Um mundo
    dominado por um relativismo total, onde não valha a pena viver ou morrer por nada, onde os grupos de
    baixa renda vivam de c rack e os de alta renda de Prozac” (Heller, 1999, p.28).

          As mudanças educ acionais, pessoais, organizacionais, que advirão como resultantes e
    simultaneamente como produtoras da sociedade da informação, apontam para uma direção: a incerteza.
    A complexidade e a incerteza (CASTELLS, 1996) são as c aracterísticas presentes no cenário das
    organizaç ões. A flexibilidade é a ação mais potente para o ajustamento às mudanças. A incerteza,
    conforme Meirieu (2002), substitui a falsa idéia da pseudo-segurança oferecida pelos paradigmas da
    ação controlada (Taylorismo e Behaviorismo). A inc erteza diz Meirieu (Ib. Id.), “... é o nosso apanágio, e
    com ela se afasta a tentação da reprodução idêntica de capac idades estereotipadas, como a de
    promover comportamentos divinizantes, a serviço da obtenção apenas de ‘utilidades escolares’. (p.244)
    Dessa forma, em Meirieu (Ib. Id.) a incerteza não é atemorizadora. Ela constitui uma possibilidade para a
    implementação de práticas pedagógicas não referenciadas pelo controle dos resultados esperados a
    priori, sem a imposição sobre o aluno de c omportamentos que, a partir da leitura da esc ola, são bons
    para ele; uma oportunidade de acompanhar o desenvolvimento do conhecimento sem aprisioná-lo a um
    modelo rígido de referência. Morin (1996, p.285) sugere que é bom ter certeza, mas uma falsa certeza é
    muito ruim e, referindo-se a ruptura com o dogmatismo paradigmático da certeza, salienta a necessidade
    de aprendermos “a viver com a inc erteza e não, como nos quiseram ensinar há milênios, a fazer qualquer
    coisa para evitar a incerteza”.

           Ao encerrar a apresentação de algumas idéias extraídas dos autores que nos subsidiaram neste
    exame sobre as explicações sugeridas pela pesquisa educacional para a aprendizagem e para as
    dificuldades de aprendizagem, proc edemos a uma breve reflexão. As explicações sugeridas pela pesquisa
    educacional relativamente à dificuldade de aprendizagem c entraram-se no aluno, no seu entorno social e
    nas práticas educacionais. As políticas públic as, a legislação educacional, a valorizaç ão da educação de
    modo a constituir-se em instrumento de c idadania, são também apontados pela pesquisa sem, no
    entanto, rec eberem atenção, pois que podem representar ruptura com a hegemonia dos c olonizadores
    internac ionais que zelam pelo cumprimento local de suas diretrizes.

          A aprendizagem, como suc intamente tentamos evidenciar, tem suas idiossincrasias derivadas da
    multiplic idade de variáveis que lhe constituem. As dificuldades para sua construção resultam de um
    complexo de fatores políticos, históricos, culturais, que são produzidos sobre os alunos, por professores
    que, dando-se conta ou não, reproduzem um modelo social hegemônico que tenta de todas as maneiras
    manter-se. O professor, sua formação e as políticas de sua valorização, talvez seja, entre todos os
    fatores, o que mais dec isivamente contribui para a manutenção do quadro c aótico que se perpetua na
    educação. A formaç ão e a valorização profissional poderão levar o professor a acreditar em si e no aluno
    como potenciais de possibilidades, no conhecimento como instrumento de poder, no sonho como
    perspectiva e na alegria como forma de vida, pois, c onforme Boaventura de Sousa Santos (2003), “Hoje
    não se trata tanto de sobreviver como de saber viver”. (p.85)

            De outro lado, o paradigma científic o dominante, c onstruído a partir de verdades únicas e
     universais, de regularidades, dualismos, conhecimento fragmentado, a-histórico, a-geográfico e neutro,
     tem possibilitado a rejeição de todo o conhecimento que não seja funcional e pragmátic o, a exclusão de
     pessoas e ações diferentes, a negação da divergência. Essas “leis” influenciaram, e ainda continuam
     dirigindo, a forma de fazer conhecimento e o modo de sua apropriação.
coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm                                                                         4/5
22/11/2011                               :: Revista do Centro de Educação ::
    dirigindo, a forma de fazer conhecimento e o modo de sua apropriação.

          Na nova cultura da aprendizagem, Pozo (2002), a pretensão de adquirir conhecimentos definitivos
    e absolutos cede à perspectiva de relativizar e integrar saberes complementares, “... ninguém pode nos
    oferecer um conhecimento verdadeiro, socialmente relevante, que devamos repetir cegamente como
    aprendizes, teremos de aprender a construir nossas próprias verdades relativas que nos permitam tomar
    parte ativa na vida social e cultural”. (p.30) A incerteza, a c omplementaridade e interdisciplinaridade do
    conhecimento, vistos pelo paradigma da ciência moderna, como uma limitação acadêmica, começam a
    transformar-se em instrumentos de compreensão e adequaç ão da realidade às necessidades humanas. A
    nova cultura da aprendizagem que refere este autor se caracteriza por uma “educaç ão generalizada e
    uma formação permanente e massiva, por uma saturação informativa produzida pelos novos sistemas de
    produção, c omunicação e conservação da informação, e por um conhecimento desc entralizado e
    diversificado”. (Ib. Id.)

          Diferenc iar o ensino, como um caminho possível de superaç ão do fracasso, é uma proposta em
    discussão. Nela está contida a idéia de oferecer a cada aluno situações de aprendizagem compatíveis
    com possibilidades. A Pedagogia Diferenciada (PERRENOUD, 2000 e 2001) é uma abordagem centrada no
    aprendiz e em seu itinerário de aprendizagem, na individualização do percurso de formação. Implementar
    uma “educação sob medida” é, conforme Perrenoud (2000, p.9), “... um sonho de todos aqueles que
    acham absurdo ensinar a mesma coisa no mesmo momento, com os mesmos métodos, à alunos muito
    diferentes”. Assim, adequar o ensino às características de cada aprendiz, não é só uma questão de bom
    senso pedagógic o, se não uma questão de respeito à pessoa, faz parte da exigência inadiável de
    igualdade.

          A aprendizagem continua além da esfera escolar. Constitui-se em um imperativo de formação
    pessoal e profissional que segue, ao longo da nossa vida, como universo de possibilidade de relação da
    pessoa consigo e com a realidade. A diversidade, a incerteza, o inacabamento, mal-vistos na
    objetividade c ientífica, c omeçam a fazer parte do diálogo ac adêmico.


    Referências
    CASTELLS, Manuel e outros. Novas perspectivas críticas em Educação. Porto Alegre: Artes Médic as,
    1996.
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    crise dos paradigmas em Ciênc ias Sociais e os desafios para século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto,
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    MEIRIEU, Philippe. A Pedagogia entre o dizer e o fazer. Porto Alegre: Artmed, 2002.
    MORIN, Edgar. Epistemologia da Complexidade. In: SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e
    subjetividade. Porto Alegre: Artmed, 1996.
    PATTO, Maria Helena de Souza. A produção do fracasso esc olar: histórias de sub missão e rebeldia. São
    Paulo: E.T.A.Queiroz, 1990.
    PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada. Porto Alegre: Artmed, 2000.
    ______, A Pedagogia na escola das diferenças. Porto Alegre: Artmed, 2001.
    POZO, Juan Ignácio. Aprendizes e mestres. Porto Alegre: Artmed, 2002.
    ______, A crise da Educação científica: voltar ao básico ou voltar ao construtivismo? In: BARBERÁ,
    Elena. O Construtivismo na prática. Porto Alegre: Artmed, 2004.
    SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.
    SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Átic a 1989.
    VYGOTSKY, Lev S. A formação soc ial da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

    Notas

    1 Texto produzido para a disciplina “Desenvolvimento e Aprendizagem: dos meninos-lobos às
    comunidades de aprendizagem”, ministrada pela Profª. Drª. Beatriz Vargas Dorneles, UFRGS/FC/PPGEDU,
    1º Sem. 2004.

    Correspondência

    Reinoldo Marquezan - Universidade Federal de Santa Maria/Centro de Educação/Departamento de
    Educação Especial. Campus Universitário - 97105-900 - Santa Maria, RS.
    E-mail: reinoldomarquezan@terra.com.br

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.




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Aprendizagem:explicação para as dificuldades

  • 1. 22/11/2011 :: Revista do Centro de Educação :: ... Cadernos :: edição: 2005 - N° 27 > Editorial > Índice > Resumo > Artigo Aprendizagem: explicações para as dificuldades Reinoldo Marquezan . O estudo apresenta alguns resultados encontrados pela pesquisa educacional que visava oferecer explicaç ão sobre as dificuldades de aprendizagem. Procura contextualizar a aprendizagem na conjuntura da sociedade da informação e comentar sobre a construção de conhec imentos que não mais tem a chancela da verdade e da c erteza acabadas e absolutas, mas que requerem contínua rec onstruç ão e tem duração relativa. Palavras-chave: Aprendizagem. Dific uldade de Aprendizagem. Sociedade da Informação. Uma parcela significativa do contingente de alunos que chega a escola dela pouco tem se beneficiado. Os saberes e as competências transmitidos pela esc ola não tem sido distribuído igualitariamente entre a população estudantil de modo que, parte desta, historic amente tem sido marginalizada na produção, na distribuição e no c onsumo dos bens c ulturais e materiais c onstruídos pela sociedade. Tomando-se c omo pressuposto a evidênc ia de diferenças escolares na transmissão e na apropriação dos conhecimentos, o objetivo deste trabalho é apresentar algumas explicações resultantes da pesquisa educacional que serviram e servem para justificar as dificuldades de aprendizagem que produzem o frac asso escolar dos alunos e, também, é uma tentativa de situar a aprendizagem no contexto da sociedade da informação. As explicações atribuídas ao aluno, as deficiência e diferenças culturais serão extraídas de Patto (1990) e Soares (1989); em Perrenoud (2000, 2001), vamos buscar os aspectos do fracasso relacionados às práticas pedagógic as e a proposição das pedagogias diferenciadas como uma alternativa potencialmente c apaz de elevar a produtividade da escola; em Pozo (2002, 2004), Castells e Flecha (1996) e em Meirieu (2002) os aspectos relac ionados à sociedade da informação. Os resultados da pesquisa educacional sobre o fracasso escolar inicialmente evidenciaram que ele dec orria das dific uldades de aprendizagem presentes no próprio aluno como, por exemplo, a não existência de “dom” para aprender. A c ontinuidade das pesquisas evidenciou que as diferenças de aproveitamento escolar ocorriam mais entre grupos sócio-economicamente diferentes do que entre indivíduos pertencentes ao mesmo grupo. Este ac hado produziu uma nova explicação: as dific uldades de aprendizagem derivavam da deficiência da cultura onde os alunos estavam submersos. Esta explic ação foi contestada pela evidência sócio-antropológica de que não existe c ultura deficitária. Foi, então, substituída pela “Teoria das diferenças culturais”. Esta postulava que a escola veiculava os conhecimentos de interesse das classes dominantes e não contemplava os c onhec imentos dos alunos das classes subalternas, ela era indiferente às diferenças dos alunos. Mais recentemente a pesquisa educacional inclui outras variáveis presentes na determinação da aprendizagem como a “cultura da aprendizagem” (POZO, 2002) no contexto de uma sociedade da informação. Nas soc iedades primitivas o processo educativo era informal, integrado a vida diária e visava à alimentaç ão, abrigo, defesa, nec essários à sobrevivência do indivíduo e do grupo. Na Antiguidade, na Cidade-Estado de Esparta, a vida familiar é mínima e o proc esso educ ativo, do menino, se restringe à preparação para servir ao Estado. Na Cidade-Estado de Atenas o proc esso educativo tem uma relevante importância e complexidade na formação do homem livre. Em Roma o processo educativo se expressa na formação do cidadão útil à Pátria, baseado no respeito à lei, a ordem e a tradiç ão. Na sociedade medieval a vinculação familiar se restringe à manutenção da propriedade, os cuidados à criança se limitam ao bebê, o processo educativo c onsistia no domínio de um ofício. Na modernidade a família, além da manutenção da propriedade, tem uma identidade, há um sentimento de família, ela cuida da educ ação do filho, infância se prolonga. O processo educ ativo se complexific a, surge à escola, primeiro da nobreza, depois a esc ola pública do proletariado. Até por volta de 1930, conforme Perrenoud (2000, p.29), os filhos da burguesia “... entravam aos seis ou sete anos diretamente nas primeiras classes dos lic eus e já estavam prometidas aos estudos completos, enquanto as outras crianças iam à escola primária para dela sair aos 11 ou 13 anos...” As desigualdades na educação não constituíam motivo para qualquer alarde, “... pareciam estar na ordem das coisas” (Ib. Id.). Não havia nenhum mal-estar em relaç ão ao frac asso, apenas um debate em torno do encaminhamento educativo às crianças deficientes ou com problemas de adaptação. Ainda persistiam algumas idéias difundidas no início do Séc. XIX de que “... não é bom que o povo seja instruído demais” e que Nas esc olas, ensinar-se-ia apenas a ler e a esc rever, a c ifrar e a contar; e, ao mesmo tempo, 1/5 coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm
  • 2. 22/11/2011 :: Revista do Centro de Educação :: Nas esc olas, ensinar-se-ia apenas a ler e a esc rever, a c ifrar e a contar; e, ao mesmo tempo, aqueles que são de uma origem baixa e inapta para as c iências seriam obrigados a prender os ofícios, e excluir-se-ia da escrita até mesmo aqueles que a Providência fez nascer em uma condição para laborar a terra, aos quais se deveria apenas ensinar a ler (p.29). As dificuldades de aprendizagem que vão c onstituir o fracasso escolar que se evidencia na reprovação, na evasão escolar e no encaminhamento para classe e/ou escolas especiais, se torna de fato um problema social após a Segunda Guerra Mundial. O término da guerra provoca um rápido crescimento da indústria mundial que, por sua vez requer mão-de-obra qualific ada. A escola então se abre e se organiza para atender a todos os alunos com base no mesmo modelo escolar. Oportunizando acesso a um número cada vez maior de alunos, a escola passa a abrigar uma população mais heterogênea e diversa. Em função desta heterogeneidade e diversidade, a escola experimenta uma maior e crescente diferenciação entre os desempenhos ac adêmicos dos seus alunos. A essas diferenças se atribuem causalidades conforme a compreensão e a ideologia dominante naquele momento. Uma primeira explic ação para o baixo aproveitamento de muitos alunos resultou de pesquisas, sobretudo no âmbito da Psic ologia, mais especificamente nos ramos da Psicometria e da Psicologia Diferenc ial. As pesquisas nestas áreas, através do uso maciço de testes psicológicos, indicaram que o baixo aproveitamento vinculava-se aos atrasos no desenvolvimento psic omotor, perceptivo, lingüístico, cognitivo, afetivo. O baixo aproveitamento esc olar sugere ser uma decorrência direta do déficit evolutivo gerado pela cultura. As crianças com essas defasagens evolutivas eram encontradas em famílias pobres cujo ambiente não era estimulador do desenvolvimento das características cognitivas, afetivas e psicomotora. Por causa destas c aracterísticas dos alunos, consideradas aquém do necessário, a escola se eximia da responsabilidade pelas dificuldades de aprendizagem que eles apresentavam, pois, à escola cabia o dever de ajustar, adaptar o aluno à sociedade e nada podia fazer por aqueles que não apresentassem a prontidão necessária para a sua adaptaç ão. Esta “Teoria da Deficiência Cultural” deu o respaldo científic o aos estereótipos atribuídos às classes populares: não oferece a estimulação para o desenvolvimento das habilidades para a aprendizagem. Uma segunda explicaç ão produzida pela pesquisa educacional atribui as dificuldades de aprendizagem à diferença c ultural dos alunos. Para a “Teoria das Diferenças Culturais”, a esc ola privilegia os valores e os c onhec imentos da classe dominante, não contemplando os valores e c onhec imentos adquiridos pelos alunos provenientes das classes subalternas. O aluno pobre não é c arente, é diferente. Ele não tem uma defic iência, mas usa linguagem, resolve problemas e tem experiênc ias diferentes dos alunos das classes média e alta. A escola não c onsidera a diversidade c ultural ao implementar suas ações pedagógicas. Outra, a terceira explicação que a pesquisa educacional produziu para explicar a dificuldade de aprendizagem dos alunos, refere-se às próprias práticas educacionais c omo partícipes no processo de produção do frac asso e da exclusão dos alunos pobres, deficientes, diferentes do padrão da normalidade hegemônica. As causas das dificuldades de aprendizagem destes alunos estão sendo atribuídas a um conjunto de condições sociais adversas às culturas dominadas, entre elas, às políticas públicas e a legislação educ acional; a formação, as condições de trabalho e a valorização dos professores. Esta pesquisa educ acional está dirigida para o processo de aprendizagem produzido dentro da escola, para as relações professor-aluno. Pozo (2002) refere à existência de uma crença bastante comum nos meios educac ionais segundo a qual os alunos aprendem cada vez menos. Embora não possa ser demonstrada empiricamente esta crença corresponde uma representação soc ial da deterioraç ão da aprendizagem. Este autor observa que para compreender as dificuldades implicadas nas atividades de aprendizagem é necessário situar estas atividades no contexto social onde são geradas. Isto porque é o contexto social quem vai determinar as demandas de c onhecimentos e habilidades que cada cidadão deverá dominar. Uma sociedade com um acelerado ritmo de mudanças demanda c ontinuamente, novas aprendizagens e requer uma integração de conhecimentos, resposta e atitudes, que excede a simples reprodução dos mesmos. Parece haver um descompasso entre quais conteúdos, qual a quantidade destes e as formas de apreendê-los. A aprendizagem tem c omo função principal a internalização de cultura. Ao incorporá-la, além de tornar-se parte dela, se incorpora também novas formas de aprendizagem. Conforme Vygotsky (1988), as funções psicológic as superiores são geradas na cultura. Cada cultura produz suas formas pec uliares de aprendizagem, isto é sua própria cultura de aprendizagem. As atividades de aprendizagem devem, portanto serem compreendidas no contexto das demandas sociais que as geram. Além de se aprenderem conteúdos diferentes em diferentes c ulturas, os processos de aprendizagem também variam. Deste modo, as relações entre o aprendiz e os objetos da aprendizagem são mediadas por processos específicos de aprendizagem, derivados da organização social dessas atividades e das metas estabelec idas pela cultura. Dessa forma, muda o que se aprende e muda a forma como se aprende. Assim, Se o que temos de aprender evolui, e ninguém duvida de que evolui e cada vez mais rapidamente, a forma c omo tem de se aprender e ensinar também deveria evoluir – e isso talvez não seja de costume se aceitar com a mesma facilidade... (POZO, 2002, p.26) coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm 2/5
  • 3. 22/11/2011 :: Revista do Centro de Educação :: Conforme este autor, c onhec er as demandas sociais além de nos habilitar a compreendê-las e também nos posicionarmos critic amente em relação a elas de tal modo que seja possível uma seletividade dos objetos de aprendizagem. As práticas tradicionais de aprendizagem baseadas na memória entraram em colapso a partir dos resultados da pesquisa científica que apontou novas teorias educac ionais e das mudanças sociais, tecnológicas e culturais ocorridas na soc iedade. A crise das concepç ões tradicionais de aprendizagem se amplia progressivamente na medida em que evidenc ia um desajuste entre as maneiras de realizar a aprendizagem e o que a sociedade espera de seus cidadãos. A nova cultura da aprendizagem requer uma “... educação generalizada e uma formaç ão permanente e massiva, por uma saturação informativa produzida pelos novos sistemas de produção, c omunicação e c onservação da informação, e por um conhecimento descentralizado e diversificado.” (POZO, 2002, p.30) Essa sociedade de aprendizagem permanente, caracterizada pela densidade informativa e pela efemeridade do conhecimento, estabelec e demandas de aprendizagem que exigem novas formas de mediação. Essas novas demandas ultrapassam as “... capac idade e os recursos da maior parte dos aprendizes, produzindo um efeito paradoxal de deterioração da aprendizagem”. (Ib. Id.) Isto dá a sensação de que cada vez aprendemos menos enquanto nos é exigido mais e mais complexas aprendizagens. Uma outra característica das sociedades de aprendizagem, salientada por Pozo (2002), é a diversificaç ão dos contextos e das metas de aprendizagem: temos que aprender muitas coisas e c oisas diferentes. A diversificação das nec essidades e atividades de aprendizagem é incompatível com a idéia de que uma única teoria possa dar conta de toda a complexidade da aprendizagem. As atividades constantes dos programas escolares continuam sendo implementadas segundo um modelo de aprendizagem repetitivo, ignorando a existência da sociedade de informação, não possibilitando aos alunos organizar e dar sentido a esses saberes. Diante da dificuldade de elaboração das informações, Pozo (2002, p.35 e 36), produz uma c onstruç ão de linguagem singular: Sofremos uma certa obesidade informativa, conseqüência de uma dieta pouco equilibrada, daí que temos de nos submeter o quanto antes a um tratamento capaz de proporcionar novos processos e estratégias de aprendizagem que ajustem a dieta informativa a nossas verdadeiras necessidades de aprendizagem. Nesta mesma direç ão Pozo (2004) refere que na sociedade da informação, a escola não é a principal fonte de conhecimento para os alunos. Há uma multiplicidade de fontes informativas, tecnologias educac ionais e mudanças culturais profundas que caracterizam, para o autor, uma “sociedade de conhecimento múltiplo e descentralizado” (p.45). Todos, na sociedade da informaç ão, prescindimos de “informação para sobreviver, como necessitamos de alimento, calor ou contato social”, somos, diz Pozo (2002, p.35), utilizando a expressão de Pylyshyn (1984), informívoros. As teorias sociológicas, conforme Castells (1996), procurando interpretar as transformações estruturais das sociedades, identificam a “geração de conhecimentos e processamento da informação como as bases da nova revolução sócio-técnic a...” (CASTELLS, 1996 p.4) Os efeitos da revolução informacional serão c apazes de produzir fortes impactos sobre as pessoas e desencadear um processo de mudança da estrutura organizativa da soc iedade. O processamento da informação (FLECHA, 1996) está produzindo um incremento no poder de capital cultural das famílias com repercussão direta sobre o seu êxito escolar. Cria possibilidade para melhoria das c ondições de vida das pessoas. No entanto, sendo o modelo social hegemônic o, ele acentua as desigualdades já existentes e é capaz de produzir outras. Assim, na medida em que a sociedade da informação privilegia os recursos intelectuais, está reforçando a importância dos componentes culturais. Logo, ao implementar o currículo, a escola estará transformando as diferenças em desigualdades e c onsagrando um processo onde os que triunfam são previamente conhecidos. Neste novo processo, se repete a velha fórmula: “... são desqualificados os conhecimentos dos setores marginalizados, ainda que sejam mais ricos e c omplexos que os priorizados. Desta maneira, dá-se mais a quem mais tem, e menos a quem menos tem, configurando um círculo fechado da desigualdade” (FLECHA, 1996, p.36). A diversidade tem sido referenc iada para justificar reformas, projetos e posturas educacionais que visem adequar a aprendizagem de diferentes pessoas em diferentes c ulturas. Esta postura se embasa em argumentos de respeito às diferenças. Uma advertência feita por Flecha (Ib. Id.) merece atenção. Ele alerta para o fato de que as sociedades que promovem ações reformuladoras dos seus processos educacionais, “não somente é diversa como também é desigual” (p.45). Dessa forma, entende o autor, uma adequação à diversidade, pode signific ar uma adequação à desigualdade. Tendo os projetos educacionais referenciados na diversidade, a perspectiva de respeitar os diferentes itinerários de aprendizagem, supõe níveis educativos diferentes. As esc olas privadas, por exemplo, implementam atividades curriculares competitivas no sistema educacional, enquanto as escolas públicas de periferia esgotam-se nas tentativas de manter os alunos de maneira pacífica e com possibilidade de aprender coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm ha (1996, p. 45), alguma coisa. Assim, para Flec 3/5
  • 4. 22/11/2011 :: Revista do Centro de Educação :: alguma coisa. Assim, para Flec ha (1996, p. 45), Quando se segue tal dinâmica, está se adaptando os alunos, já desde tenra idade, ao novo tipo de desigualdade que está gerando o modelo dual de sociedade de informação: do setor dos profissionais muito qualificados, com uma alta remuneraç ão e prestígio soc ial, ao dos desempregados estruturais, com condições de vida de segunda c ategoria. A igualdade, para este autor, é um conc eito mais amplo que diversidade e inclui o direito de todas as pessoas a serem diferentes e com elas educarem-se. E, alerta Flecha (Ib. Id.), que quando a referência à diversidade não privilegiar também a igualdade, “...está-se trabalhando mais a favor de seus efeitos ‘exclusores’ que a favor de seus efeitos ‘igualadores’” (p.47). Referindo-se a estas mudanças sociais presentes na modernidade, causadas pelo desenvolvimento tecnológico e pela maneira c omo a sociedade se estrutura, Heller (1999), acredita que elas podem comprometer a sobrevivênc ia dos poderes morais. Assim, Parece que, em futuro próximo, as sociedades estarão divididas em duas partes desiguais. Primeiro, uma minoria que fará um trabalho profissional altamente qualificado em c ampos sofisticados aprenderá muito, saberá muito, ganhará muito e trabalhará por períodos longos; não terá tempo para fazer qualquer outra coisa ou para desfrutar a vida, tornando-se ansiosa e neurótica, sofrendo de deficiência de sentido. E haverá uma maioria fazendo trabalho inferior em poucas horas ou mesmo não fazendo nenhum trabalho, ganhando pouco, aprendendo pouco, vivendo em estado de desintegração, ansiosa, neurótic a, perigosa. (p.27e 28) Ainda na perspectiva da perda dos poderes morais no mundo, a autora se expressa de forma ainda mais contundente. “Tal mundo subsistiria em estado de decomposiç ão, caos e desintegração. Um mundo dominado por um relativismo total, onde não valha a pena viver ou morrer por nada, onde os grupos de baixa renda vivam de c rack e os de alta renda de Prozac” (Heller, 1999, p.28). As mudanças educ acionais, pessoais, organizacionais, que advirão como resultantes e simultaneamente como produtoras da sociedade da informação, apontam para uma direção: a incerteza. A complexidade e a incerteza (CASTELLS, 1996) são as c aracterísticas presentes no cenário das organizaç ões. A flexibilidade é a ação mais potente para o ajustamento às mudanças. A incerteza, conforme Meirieu (2002), substitui a falsa idéia da pseudo-segurança oferecida pelos paradigmas da ação controlada (Taylorismo e Behaviorismo). A inc erteza diz Meirieu (Ib. Id.), “... é o nosso apanágio, e com ela se afasta a tentação da reprodução idêntica de capac idades estereotipadas, como a de promover comportamentos divinizantes, a serviço da obtenção apenas de ‘utilidades escolares’. (p.244) Dessa forma, em Meirieu (Ib. Id.) a incerteza não é atemorizadora. Ela constitui uma possibilidade para a implementação de práticas pedagógicas não referenciadas pelo controle dos resultados esperados a priori, sem a imposição sobre o aluno de c omportamentos que, a partir da leitura da esc ola, são bons para ele; uma oportunidade de acompanhar o desenvolvimento do conhecimento sem aprisioná-lo a um modelo rígido de referência. Morin (1996, p.285) sugere que é bom ter certeza, mas uma falsa certeza é muito ruim e, referindo-se a ruptura com o dogmatismo paradigmático da certeza, salienta a necessidade de aprendermos “a viver com a inc erteza e não, como nos quiseram ensinar há milênios, a fazer qualquer coisa para evitar a incerteza”. Ao encerrar a apresentação de algumas idéias extraídas dos autores que nos subsidiaram neste exame sobre as explicações sugeridas pela pesquisa educacional para a aprendizagem e para as dificuldades de aprendizagem, proc edemos a uma breve reflexão. As explicações sugeridas pela pesquisa educacional relativamente à dificuldade de aprendizagem c entraram-se no aluno, no seu entorno social e nas práticas educacionais. As políticas públic as, a legislação educacional, a valorizaç ão da educação de modo a constituir-se em instrumento de c idadania, são também apontados pela pesquisa sem, no entanto, rec eberem atenção, pois que podem representar ruptura com a hegemonia dos c olonizadores internac ionais que zelam pelo cumprimento local de suas diretrizes. A aprendizagem, como suc intamente tentamos evidenciar, tem suas idiossincrasias derivadas da multiplic idade de variáveis que lhe constituem. As dificuldades para sua construção resultam de um complexo de fatores políticos, históricos, culturais, que são produzidos sobre os alunos, por professores que, dando-se conta ou não, reproduzem um modelo social hegemônico que tenta de todas as maneiras manter-se. O professor, sua formação e as políticas de sua valorização, talvez seja, entre todos os fatores, o que mais dec isivamente contribui para a manutenção do quadro c aótico que se perpetua na educação. A formaç ão e a valorização profissional poderão levar o professor a acreditar em si e no aluno como potenciais de possibilidades, no conhecimento como instrumento de poder, no sonho como perspectiva e na alegria como forma de vida, pois, c onforme Boaventura de Sousa Santos (2003), “Hoje não se trata tanto de sobreviver como de saber viver”. (p.85) De outro lado, o paradigma científic o dominante, c onstruído a partir de verdades únicas e universais, de regularidades, dualismos, conhecimento fragmentado, a-histórico, a-geográfico e neutro, tem possibilitado a rejeição de todo o conhecimento que não seja funcional e pragmátic o, a exclusão de pessoas e ações diferentes, a negação da divergência. Essas “leis” influenciaram, e ainda continuam dirigindo, a forma de fazer conhecimento e o modo de sua apropriação. coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm 4/5
  • 5. 22/11/2011 :: Revista do Centro de Educação :: dirigindo, a forma de fazer conhecimento e o modo de sua apropriação. Na nova cultura da aprendizagem, Pozo (2002), a pretensão de adquirir conhecimentos definitivos e absolutos cede à perspectiva de relativizar e integrar saberes complementares, “... ninguém pode nos oferecer um conhecimento verdadeiro, socialmente relevante, que devamos repetir cegamente como aprendizes, teremos de aprender a construir nossas próprias verdades relativas que nos permitam tomar parte ativa na vida social e cultural”. (p.30) A incerteza, a c omplementaridade e interdisciplinaridade do conhecimento, vistos pelo paradigma da ciência moderna, como uma limitação acadêmica, começam a transformar-se em instrumentos de compreensão e adequaç ão da realidade às necessidades humanas. A nova cultura da aprendizagem que refere este autor se caracteriza por uma “educaç ão generalizada e uma formação permanente e massiva, por uma saturação informativa produzida pelos novos sistemas de produção, c omunicação e conservação da informação, e por um conhecimento desc entralizado e diversificado”. (Ib. Id.) Diferenc iar o ensino, como um caminho possível de superaç ão do fracasso, é uma proposta em discussão. Nela está contida a idéia de oferecer a cada aluno situações de aprendizagem compatíveis com possibilidades. A Pedagogia Diferenciada (PERRENOUD, 2000 e 2001) é uma abordagem centrada no aprendiz e em seu itinerário de aprendizagem, na individualização do percurso de formação. Implementar uma “educação sob medida” é, conforme Perrenoud (2000, p.9), “... um sonho de todos aqueles que acham absurdo ensinar a mesma coisa no mesmo momento, com os mesmos métodos, à alunos muito diferentes”. Assim, adequar o ensino às características de cada aprendiz, não é só uma questão de bom senso pedagógic o, se não uma questão de respeito à pessoa, faz parte da exigência inadiável de igualdade. A aprendizagem continua além da esfera escolar. Constitui-se em um imperativo de formação pessoal e profissional que segue, ao longo da nossa vida, como universo de possibilidade de relação da pessoa consigo e com a realidade. A diversidade, a incerteza, o inacabamento, mal-vistos na objetividade c ientífica, c omeçam a fazer parte do diálogo ac adêmico. Referências CASTELLS, Manuel e outros. Novas perspectivas críticas em Educação. Porto Alegre: Artes Médic as, 1996. FLECHA, Ramón. As novas desigualdades educativas. In: CASTELLS, Manuel et al. Novas perspectivas críticas em Educação. Porto Alegre: Artes Médic as, 1996. HELLER, Agnes. Uma crise global da civilizaç ão: os desafios futuros. In: SANTOS, Theotônio. (Org.) A crise dos paradigmas em Ciênc ias Sociais e os desafios para século XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. MEIRIEU, Philippe. A Pedagogia entre o dizer e o fazer. Porto Alegre: Artmed, 2002. MORIN, Edgar. Epistemologia da Complexidade. In: SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artmed, 1996. PATTO, Maria Helena de Souza. A produção do fracasso esc olar: histórias de sub missão e rebeldia. São Paulo: E.T.A.Queiroz, 1990. PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada. Porto Alegre: Artmed, 2000. ______, A Pedagogia na escola das diferenças. Porto Alegre: Artmed, 2001. POZO, Juan Ignácio. Aprendizes e mestres. Porto Alegre: Artmed, 2002. ______, A crise da Educação científica: voltar ao básico ou voltar ao construtivismo? In: BARBERÁ, Elena. O Construtivismo na prática. Porto Alegre: Artmed, 2004. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003. SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Átic a 1989. VYGOTSKY, Lev S. A formação soc ial da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988. Notas 1 Texto produzido para a disciplina “Desenvolvimento e Aprendizagem: dos meninos-lobos às comunidades de aprendizagem”, ministrada pela Profª. Drª. Beatriz Vargas Dorneles, UFRGS/FC/PPGEDU, 1º Sem. 2004. Correspondência Reinoldo Marquezan - Universidade Federal de Santa Maria/Centro de Educação/Departamento de Educação Especial. Campus Universitário - 97105-900 - Santa Maria, RS. E-mail: reinoldomarquezan@terra.com.br Edição anterior Página inicial Próxima edição Cadernos :: edição: 2005 - N° 27 > Editorial > Índic e > Resumo > Artigo . coralx.ufsm.br/revce/ceesp/…/a11.htm 5/5