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FGV.BR/EAESP/MPGC
“TODO MUNDO SABE
QUE A FGV EAESP
É O TOPO EM ADMINISTRAÇÃO.
O CURSO REFORÇA ESSA VISÃO.”
MESTRADO PROFISSIONAL EM
GESTÃO PARA COMPETITIVIDADE
FGV EAESP
TODA A EXCELÊNCIA,
CONHECIMENTO E INOVAÇÃO
DA FGV PARA QUE
PROFISSIONAIS E EMPRESAS SE
DESTAQUEM NO MERCADO.
• FINANÇAS E CONTROLADORIA
• GESTÃO DE PESSOAS
• GESTÃO DE SAÚDE
• SUPPLY CHAIN
• SUSTENTABILIDADE
• TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO
• VAREJO
SANDRO BENELLI
SUPERINTENDENTE DOS
SUPERMERCADOS IRMÃOS LOPES
E DA BOMBRIL
ALUNO DO MPGC - VAREJO
FGV EAESP. ACREDITADA POR
TRÊS ENTIDADES INTERNACIONAIS
ESPECIALIZADAS NO ASSUNTO.
VOLUME18-NÚMERO4-JULHO/AGOSTO2019GVexecutivoFGV-EAESP
C O N H E C I M E N TO E I M PA C TO E M G E S TÃ O
Publicação da Fundação Getulio Vargas
VOLUME 18, NÚMERO 4
JULHO/AGOSTO 2019
ENTREVISTA
RACHEL MAIA,
PRESIDENTE DA
LACOSTE, FALA
SOBRE COMO SE
TORNOU UMA
OUTLIER
QUEM QUER
PRODUTOS
PARA DURAR?
FALHAS NAS
POLÍTICAS DE
INOVAÇÃO
R$30,00
977180689700248100
A ERA DOS DADOS
ESPECIAL
ALFABETIZAÇÃO DIGITAL | REÚSO DE DADOS | UMA LEI PARA INOVAR
| BIG DATA PARA O BEM COMUM | TECNOLOGIA A FAVOR DA
SUSTENTABILIDADE | PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
A
GV-executivo
está disponível
para smartphones
e tablets nas
plataformas Android
e iOS (Apple)
fgv.br/gvexecutivo
PwC Brasil
@PwCBrasil
PwC Brasil
PwC Brasil @PwCBrasil
Excelência da estratégia à execução, agora
reconhecida também pela Forrester Research*.
PwC
Cybersecurity
Services
Neste documento, “PwC” refere-se à PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda., firma membro do network da PricewaterhouseCoopers, ou conforme o contexto sugerir, ao
próprio network. Cada firma membro da rede PwC constitui uma pessoa jurídica separada e independente. Para mais detalhes acerca do network PwC, acesse:
www.pwc.com/structure
© 2019 PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda. Todos os direitos reservados.
* Forrester Research é uma das mais importantes empresas globais de pesquisa
e consultoria em tecnologia.
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| 2 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
| EDITORIAL
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 3 |
O FUTURO
QUE NOS ESPERA
O
tempo circular, a repetição das estações e a
inexistência do relógio organizaram a vida
cotidiana até meados da Idade Média. Com o
advento do relógio, que marcava apenas o ho-
rário das rezas nas grandes torres das igrejas,
no território que chamamos hoje de Europa,
a vida passou a ser organizada também por um tempo cha-
mado linear, infinito. A incorporação do tempo do relógio
na vida cotidiana levou vários séculos, e só recentemente o
tempo mundial foi unificado, apesar de alguns países ainda
guardarem temporalidades diferentes (como China e Israel).
Anoção de tempo, uma construção humana, passou a guiar
a vida nas escolas, no trabalho, no lazer, no transporte, en-
fim, em todas as atividades do dia a dia.
Todavia, esse tempo linear transformou-se no tempo
simultâneo dos computadores, que nos bombardeia com
informações de toda ordem. Não é possível prever o que
vai acontecer quando os humanos incorporarem o tem-
po simultâneo, mas já podemos sentir o sabor do futuro
que nos espera. Milhões de dados podem ser acessados ao
mesmo tempo, decisões precisam ser tomadas sem que se
possa avaliar a totalidade das informações... Torna-se cada
vez mais necessário desenvolver a capacidade de proces-
sar e de interpretar dados para decisões em tempo real.
Assim, a GV-executivo traz o debate contemporâneo
sobre essa era dos dados, com foco em suas consequên-
cias para o mundo dos negócios. Agradecemos ao profes-
sor Eduardo Henrique Diniz, que conduziu a organização
dos artigos que compõem este caderno especial e que tra-
tam de alguns dos assuntos mais relevantes sobre a temáti-
ca. João Luiz Becker e Eduardo Henrique Diniz discutem
como disseminar a linguagem dos dados; Simone S. Lu-
vizan debate a questão do reúso dos dados, ou seja, num
ecossistema complexo, como os dados são utilizados para
diferentes fins aos quais foram gerados, um problema atu-
al que traz a necessidade de incluir procedimentos éticos
no manuseio das informações. Em continuidade, Aron Be-
linky mostra que o big data ainda não foi incorporado nos
indicadores de sustentabilidade; Silvia Rodrigues Follador
e Julie Ricard tratam da utilização do big data para várias
situações: mapeamento de pobreza, monitoramento de flu-
xos migratórios e planejamento de transportes, para o bem
comum. O caderno especial traz ainda dois artigos sobre
regulação dos dados: Maria Cecília Oliveira Gomes explo-
ra os novos direitos nesse campo, e Bruno Ricardo Bioni
discute as leis de proteção de dados pessoais.
Completam a edição o artigo de Glessia Silva e Luiz
Carlos Di Serio, que mostra que os programas de inovação
brasileiros não são adequados às necessidades dos peque-
nos negócios nem ao desenvolvimento econômico, social
e local do país; o texto de Viviane Monteiro, trazendo a in-
teressante história da obsolescência planejada, que come-
çou em 1924 com o cartel das produtoras de lâmpadas, e
discutindo necessidades psicossociais de novos produtos;
e o artigo de Felipe Bogéa, Eliane Zamith Brito e Lilian
Carvalho sobre as incertezas que cercam o investimento e
o controle do marketing nas redes sociais.
Apresentamos ainda as colunas Sociedade e Gestão,
de Amon Narciso de Barros; Carreira, de Beatriz Maria
Braga; e Economia, de Paulo Sandroni; além de uma en-
trevista com Rachel Maia, mulher negra que superou bar-
reiras, esteve à frente de empresas do mercado de luxo
como Pandora e Tiffany & Co. no Brasil e hoje responde
pela Lacoste no país.
Desejamos uma ótima leitura a todos.
Maria José Tonelli – Editora chefe
Adriana Wilner – Editora adjunta
ARTIGOS
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 5 |
ENTREVISTA > RACHEL MAIA
48 Sociedade e gestão
O fim da fantasia - Amon Narciso de Barros
49 Economia
Brasília, Buenos Aires, ou Caracas? - Paulo Sandroni
50 Projeto de vida
O trabalho estaria perdendo a importância? -
Beatriz Maria Braga
COLUNAS
A outlier
Aline Lilian dos Santos e Adriana Wilner
6
Siga-me
Felipe Bogéa, Eliane Zamith Brito
e Lilian Carvalho
38
As falhas das
políticas de inovação
Glessia Silva e Luiz Carlos Di Serio
42
Quem quer
produtos para durar?
Viviane Monteiro
45
FOTO:DIVULGAÇÃO
| ENTREVISTA • RACHEL MAIA
| 6 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
E
| POR ALINE LILIAN DOS SANTOS E ADRIANA WILNER
N
o Brasil, apenas 18% das empresas possuem mulheres na
presidência, de acordo com a pesquisa Panorama Mulher,
realizada pela Talenses em parceria com o Insper. Quando
falamos em mulheres negras, a situação é ainda mais preo-
cupante: apenas 0,4% ocupam cargos executivos nas maio-
res corporações do país, segundo o estudo Perfil social, racial e de gênero
das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, do Instituto
Ethos, em cooperação com o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), a Fundação Getulio Vargas (FGV) e outras instituições.
Rachel Maia é uma das profissionais que se destacam nessa minoria.
Depois de ser chief financial officer (CFO) da Tiffany & Co. por sete anos
e chief executive officer (CEO) da Pandora por quase nove, ela está à fren-
te da Lacoste no Brasil.
Caçula de sete irmãos, Rachel foi criada na região da Cidade Dutra, zona
sul de São Paulo. Inspirada por seu pai, que, autodidata, saiu da posição
de faxineiro para a de mecânico de voo na extinta companhia aérea Viação
Aérea São Paulo (Vasp), ela sempre se dedicou aos estudos. Após cursar
Ciências Contábeis pelo Centro Universitário das Faculdades Metropoli-
tanas Unidas (FMU), trabalhou como controller na rede de conveniências
da 7-Eleven. Depois de sete anos, ao sair do emprego, usou o dinheiro da
rescisão para estudar nos Estados Unidos por dois anos. Esse investimen-
to foi fundamental para o seu próximo passo como chief financial officer
(CFO) na farmacêutica Novartis e, depois, para o mercado de luxo. Ra-
chel fez – e continua fazendo – diversos cursos em instituições como Har-
vard, FGV EAESP e Universidade de São Paulo (USP).
Em entrevista exclusiva à GV-executivo, Rachel fala sobre sua trajetória,
os desafios que enfrentou para chegar onde está, a relevância do conheci-
mento para o crescimento profissional, além de seu propósito de incenti-
var as pessoas a acreditarem que é possível conquistar o que se quer, in-
dependentemente de cor, gênero ou condição social: “Sim, esse pode ser
seu lugar também, mas estude, vá atrás”.
A OUTLIER
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 7 |
| ENTREVISTA • RACHEL MAIA
GV-executivo: O que você sonhava
em ser quando era criança?
Rachel: Eu não sonhava em atingir
a presidência de uma empresa. Come-
cei trabalhando como monitora aos 14
anos. Meus pais nunca fizeram ques-
tão que meu salário fosse para casa,
mas sempre ajudei com alguma con-
ta ou com a mistura. O resto ia para
o próximo.
GV-executivo: Em uma sociedade
em que o preconceito é muito pre-
sente, você, mulher, negra, atingiu o
cargo de presidência em empresas
como Pandora e Lacoste. Como en-
frentou os obstáculos e quais fato-
res contribuíram para chegar onde
está?
Rachel:Afirmo com convicção ple-
na e total que a educação foi a mola
propulsora para me fazer sentar onde
estou hoje. A sorte também fez par-
te da minha vida. Estive no lugar cer-
to, na hora certa. Também soube dar a
resposta correta, porque, se você não
vem com uma bagagem acadêmica, não
adianta. Na entrevista para a Tiffany, o
CFO global me perguntou o que esta-
va acontecendo no mundo. Num pri-
meiro momento, eu, nervosa, falei:
“Meu nome é Rachel Maia, meu cur-
rículo é...”. Ele respondeu: “Seu cur-
rículo tenho na minha mão, quero sa-
ber o que está acontecendo no mundo”.
Voltei para meu eixo. Leio jornal to-
dos os dias e consegui dizer quais eram
as principais notícias daquele momen-
to. Além disso, sabia quais marcas de
luxo e cores estavam na passarela. Isso
porque sou muito curiosa, nunca fiquei
sem um livro de cabeceira: nesse mo-
mento, no lado direito, tem a biogra-
fia da Michelle Obama e, no lado es-
querdo, sempre vai ter a Bíblia. Seu
conhecimento lhe basta hoje? Talvez,
mas amanhã não necessariamente vai te
levar ao sucesso. Então, você tem que
ralar muito, estar superantenado para
trazer mais coisas. Tenho dois MBAs
[Master of Business Administration]
e um de CEO, da FGV ─ que está em
andamento ─, dois aperfeiçoamentos...
Tenho inglês fluente, mas, como estou
numa empresa francesa, vou começar
a aprender francês. Meu presidente fa-
lou: “Rachel, não precisa”. Mas eu que-
ro! Conhecimento adquirido ninguém
tira.Avida te proporciona oportunida-
des e, se você é uma pessoa de men-
te aberta, pode mudar. Tudo bem se
você quebrar a cara. Se olhar a minha
balança de “sim” e “não”, tenho mui-
to mais “não” do que “sim”, mais er-
ros do que acertos. Faz parte da vida.
GV-executivo: Como você entrou no
mercado de marcas de luxo?
Rachel: Eu defino onde quero estar.
Minha responsabilidade é impulsionar
mais dos meus para que também se sin-
tam capazes de estar. Se hoje posso ser
um exemplo, que seja usado como po-
sitivo. Eu não tinha ninguém para me
ajudar e vi o copo meio cheio. Falei:
“Quero aquele lugar! O que vou fazer
para alcançá-lo?”. Muitas vezes, sen-
ti que o sapato era maior que o pé; pus
algodãozinho, jornalzinho, até meu pé
se encaixar nele.
GV-executivo: Você já declarou que
“o luxo é loiro, magro e tem olhos
azuis”. Nesse sentido, você quebrou
paradigmas, não?
Rachel: O luxo era isso. Hoje você
vê grandes marcas internacionais que
dão preferência a diferentes arquétipos.
Isso é fantástico! Por isso, acho que
essa frase não se aplica mais. O Latin
American tem muito a aprender com
isso, porque muitas vezes somos medí-
ocres na questão do: “Eu preconceitu-
oso? Imagina!”. Olha o seu ciclo ime-
diato, quantos negros tem? Não tem.
GV-executivo: Você faz parte de vá-
rias ações e organizações interna-
cionais que incentivam a inclusão
social e profissional, bem como a di-
versidade. Como vê a evolução des-
ta questão?
Rachel: Acho que o conjunto faz
muito mais, por isso precisamos ter di-
versidade de pensamento. Em um con-
texto de gestão, converso com os ho-
mens para entender quais são as ideias
deles do diverso, para eu me aprimo-
rar e melhorar. Esse é o meu perfil, sou
agregadora, gosto de olhar a mesa e
ver vários estilos. Aqui vem gente de
VOCÊ PODE, VOCÊ TEM VEZ, VOCÊ TEM VOZ, MAS SE POSICIONE, NÃO
FIQUE ESPERANDO UM TERCEIRO VIR E TE CHAMAR, PORQUE NÃO VAI
ACONTECER. DIGA: “VOU PEGAR A MELHOR FATIA DO BOLO”.
| 8 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
FOTO: DIVULGAÇÃO
RAIO X
Rachel Maia
Graduada em Ciências
Contábeis pela FMU
Pós-graduada em finanças
pela USP e possui cursos
de especialização na FGV
São Paulo; em Vancouver, no
Canadá; e na Universidade de
Harvard, nos EUA
Foi CFO da Novartis
Foi CFO da Tiffany & Co.
no Brasil
Foi CEO da Pandora no Brasil
Atual CEO da Lacoste no Brasil
short, bermuda, tatuagem,brinco.Éisso
que quero. Vou para o boteco com eles,
comox-tudo,aquelascalabresinhas...As
pessoas se sentem genuinamente mais
agregadas pelo fato de a posição não
trazer diferenças. Tem a posição x e só
pode estar no lugar y? Não! Você pode
ficar onde quiser, desde que esteja feliz.
GV-executivo: Como costuma res-
ponder a situações de preconceito
no ambiente profissional?
Rachel:Acho que temos de ser mais
motivadores no discurso. O olhar po-
sitivo faz com que as pessoas tenham
esperança. Minha característica não é
responder na mesma moeda, não sou
agressiva, violenta. Quero mostrar por
meio de incentivos como ser do bem
com alguém que olhou para mim de
forma excludente. Tratar a pessoa bem
agride muito mais. Não faço para agre-
dir, mas para falar: “Olha, sei o meu
valor, não precisa ficar me falando”.
Estou aqui para somar e acho que as
pessoas me vendo vão naturalmente
se sentir incluídas. No Brasil, não há
como falar que o negro não sofre pre-
conceito, porém existem formas de li-
dar com a situação. Você se esconde ou
se mostra? Quer saber? Vou me mos-
trar. Vão ter que me engolir.
GV-executivo: Muitas mulheres não
ascendem na vida profissional por
não conseguirem conciliar a vida fa-
miliar com o trabalho. Como você
vê isso?
Rachel: Às vezes somos nossas pró-
prias limitadoras. Claro, há muitas situ-
ações em que a mulher ouve: “Se você
é mãe, não vou te dar mais oportuni-
dades”. Mas em muitos casos foi uma
opção dela parar de trabalhar para criar
os filhos, e está tudo bem. Temos que
ser fortes inclusive para assumir nos-
sas escolhas. Tenho uma filha e estou
na fila para a adoção de outra criança.
Nunca tive vergonha de bater na por-
ta da vizinha, pedir ajuda para minha
mãe, meu pai, minha irmã, porque te-
nho meus objetivos claros. Vivencio
isso: tem muitas mães que querem tra-
balhar, que não querem, que querem e
não podem, que querem e o marido não
deixa, que querem e a empresa não dá
oportunidade... Acho que a gente tem
que ser mais justo e não colocar a res-
ponsabilidade só em um meio. Quer fi-
car dois anos fora do mercado? Tudo
bem, mas saiba que esses dois anos
vão te colocar para trás, porque o que
serve hoje para uma empresa amanhã
não serve mais. Crie metas na sua vida.
GV-executivo: Como promover a di-
versidade em uma organização?
Rachel: Por meio das ações. Se você
olha o seu ciclo imediato e não tem
diversidade, tem que se questionar.
Hoje, não basta se posicionar como:
“Não atuo dessa forma”. Como você
está agindo para agregar, para melho-
rar a situação?
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 9 |
| ENTREVISTA • RACHEL MAIA
GV-executivo: Você acredita que es-
tamos evoluindo em termos de di-
versidade nas organizações?
Rachel: Tem muita evolução, mas
vejo que muitos gestores precisam se
desenvolver para trazer essa naturali-
zação de modo a não sermos iguais.
As pessoas tendem a escolher os seus,
e isso não traz essa naturalização. No
entanto, como também trabalho com
o lado de lá ─ tenho um projeto de
capacitação ─, vejo que existe uma
zona de deterioração da autoestima,
pois as pessoas que querem ser ajuda-
das não estendem a mão. O que fazer
para mudar a situação? Passei por tan-
tos perrengues que era para ter desis-
tido. Não quero dar essa ideia para nin-
guém, mas sei que vai ser duro. Para a
mulher, é duro duas vezes; para a mu-
lher negra, você não tem noção do que
é. Eu poderia falar só de tombos, porra-
das e das vezes em que fui ameaçada,
mas não é isso que vai fazer a diferen-
ça. Devemos incentivar essa geração:
você pode, você tem vez, você tem voz,
mas se posicione, não fique esperando
um terceiro vir e te chamar, porque isso
não vai acontecer. Diga: “Vou pegar a
melhor fatia do bolo”. Isso vai pare-
cer meio pretensioso, mas tudo bem.
Os lugares não são poucos? Então,
faça a sua escolha. Única chefe pre-
tinha globalmente, sou eu.
GV-executivo: É preciso muita de-
terminação, além de preparo, não?
Rachel: Há 20 anos, eu era control-
ler, a única mulher. Eu ia para a Suíça
defender investimentos com aqueles
loiros, lindos, maravilhosos. As pes-
soas me olhavam com um ar que que-
ria dizer: “Não tem nada lá para você”.
Há muitos anos eu ficava mal com isso,
hoje não mais. Por isso, faço coaching,
mentoring, análise e tudo mais. Costu-
mo fazer palestras, principalmente na
periferia, e digo: “Vamos mostrar que
você é o outlier do processo, mas seja
o outlier do processo”.
GV-executivo: Você idealizou o pro-
jeto Capacita-me, que forma profis-
sionais para o mercado de trabalho.
Como você vê a evolução dessas mu-
lheres nesse contexto de mudança?
Rachel:Amulherada está meio que
tomando conta do mercado. Está pe-
rigoso até. Quando fiz contabilidade,
ainda era uma classe de 20% mulheres
e 80% homens. Hoje, se não for meio
a meio..., o gender do quadro acadê-
mico já é feminino. Fiz parte de um
movimento do Sebrae [Serviço Bra-
sileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas], e na camiseta estava escri-
to: “Eu sou mulher, e daí?”, ou algo do
tipo. Uma das meninas falou: “Vou ter
que tirar isso quando chegar no meu
bairro”. Faz total sentido! Porque ain-
da existe uma transformação e a gen-
te tem que ser smart o suficiente para
saber aonde podemos chegar por meio
da educação, do engajamento, de tra-
zer para o mesmo lado.
GV-executivo: O que você diria para
outras mulheres e mulheres negras,
particularmente, que desejam trilhar
uma carreira como a sua?
Rachel: Preste atenção nos sinais
que a vida te dá. Foi isso que me fez
estar no lugar certo, na hora certa. Per-
ceba as coisas que a vida te proporcio-
na, a oportunidade não morre. Se não
for você, alguém vai pegar. Minha fi-
lha me deu um sinal em relação ao meu
olhar que, antes de ela nascer, era muito
mais duro; e a Sarah Maria sempre teve
um olhar muito doce. Pensei: “Olha aí:
tem alguma coisa para eu aprender”.
Então, comecei a traduzir aquilo que
no fim do dia me fazia feliz, uma fala
mais mansa, um olhar mais suave, ser
mais convidativa em vez de repelir.
Sou muito grata pelas lições que vie-
ram dos meus pais, de ver o lado bom
da história. Acho que vou continuar
tentando incentivar as pessoas.
ALINE LILIAN DOS SANTOS > Jornalista da GV-executivo >
aline.lilian@fgv.br
ADRIANA WILNER > Editora adjunta da GV-executivo >
adriana.wilner@fgv.br
| 10 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
PRESTE ATENÇÃO NOS SINAIS QUE A VIDA TE DÁ. FOI ISSO QUE ME
FEZ ESTAR NO LUGAR CERTO, NA HORA CERTA. A OPORTUNIDADE NÃO
MORRE. SE NÃO FOR VOCÊ, ALGUÉM VAI PEGAR.
| CADERNO ESPECIAL • A ERA DOS DADOS
CE
Como disseminar a
linguagem dos dados12
Desafios de usar
dados para novos fins16
Em busca do
investimento
sustentável
22
Big data para o
bem comum26
Inovar pela lei30
Novos direitos34
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 11 |
CE | A ERA DOS DADOS • COMO DISSEMINAR A LINGUAGEM DOS DADOS
| 12 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
COMO DISSEMINAR
A LINGUAGEM
DOS DADOS
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 13 |
| POR JOÃO LUIZ BECKER E EDUARDO HENRIQUE DINIZ
P
ara interagir e conviver atualmente com
outros indivíduos e com o mundo do tra-
balho, as pessoas cada vez mais neces-
sitam ser “letradas” em dados. Pesqui-
sa realizada com executivos pelo Grupo
Gartner revela que 80% das organizações
pretendem iniciar programas internos de
data literacy, expressão que surgiu para identificar a habi-
lidade de ler, escrever e compreender dados. O objetivo é
cobrir deficiências de formação que impedem que se use
o potencial dos dados para gerar valor para os negócios.
Precisamos, portanto, levar profissionais de administração
a conhecerem, simultaneamente, ferramentais quantitativos,
estatísticos, computacionais e de tecnologia da informação.
Aeducação dos gestores dos setores privado e público deve
envolver uma reflexão sobre como várias metodologias e
técnicas podem ser usadas para resolver problemas práticos,
capacitando tais gestores a solucionar questões complexas
a partir da análise de grandes volumes de dados.
POTENCIAIS E DIFICULDADES
Considere-se, por exemplo, a crescente utilização de gran-
des volumes de dados para analisar a mobilidade humana.
Com o rastreamento do uso de celular de milhões de usuá-
rios de telefonia monitorados on-line, é possível estudar o
comportamento das pessoas em situações específicas. No
caso da avaliação de riscos de uma catástrofe, torna-se viá-
vel compreender para onde e como as pessoas se deslocam
e, com isso, propor modelos mais seguros para enfrentar
momentos críticos. Em um plano micro, uma loja de de-
partamentos pode avaliar o movimento dos consumidores
em seu estabelecimento para propor-lhes melhores serviços.
Podemos também pensar em cruzamentos de bases de da-
dos distintas com a finalidade de conhecer comportamen-
tos que hoje só conseguimos analisar superficialmente. Um
exemplo com muito potencial de estudo é o Cadastro Único,
que contém dados das famílias mais pobres do Brasil e ser-
ve de base para mais de duas dezenas de políticas públicas
do país, como o Programa Bolsa Família e o Programa de
Todos podem aprender as habilidades de ler, escrever e compreender
dados, desde que se mudem os paradigmas de ensino de data literacy.
| A ERA DOS DADOS • COMO DISSEMINAR A LINGUAGEM DOS DADOS
O aprendizado centrado no participante e na prática
quotidiana ajuda a valorizar as ferramentas analíticas de
baixo para cima, em um processo de “aprender fazendo”.
| 14 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
Apoio à Conservação Ambiental. A dificuldade é avaliar o
impacto desses programas na vida dos beneficiários de for-
ma mais abrangente. Qual é a relação entre o Bolsa Família
e o consumo de tecnologia das famílias beneficiárias, por
exemplo? Como o Programa Nacional de Crédito Fundiá-
rio afeta a incidência de doenças no interior do país? Essas
perguntas só podem ser respondidas com um olhar atento à
lógica dos dados históricos existentes tanto na base do Ca-
dastro Único quanto em bases da área de saúde e de siste-
mas de telefonia, por exemplo.
Há duas categorias de problemas para a materialização
das análises desses casos que mencionamos anteriormente.
A primeira é como acessar os dados de forma segura e sem
ferir a privacidade dos indivíduos que serão “monitorados”.
Essa primeira categoria de problemas é abordada, nesta edi-
ção, em dois artigos, um sobre a nova legislação de prote-
ção de dados e o outro sobre projetos para o uso dos dados
em benefício da população, como o da ferramenta OPAL
(ou Open Algorithms), desenvolvida pela organização não
governamental (ONG) Data-Pop Alliance.
Neste artigo, queremos explorar a segunda categoria de
problemas, que está diretamente relacionada à deficiência
de data literacy. A formação de cidadãos capazes de pen-
sar em problemas que envolvem grandes massas de dados
exige o domínio de certa “linguagem de dados”, o que não
é elementar.
É necessário desenvolver capacidade crítica para o ade-
quado uso dos dados, pois nem sempre as informações que
vêm à tona são pertinentes ou relevantes. Tome-se, por exem-
plo, uma notícia divulgada no site de um município do in-
terior do Brasil comparando índices de saúde da população
antes e depois de determinada ação de suas autoridades. À
primeira vista, passa-se a impressão de que a ação desen-
cadeada promoveu a melhoria da saúde dos munícipes, as-
pecto ressaltado no comunicado. Mas um exame mais acu-
rado, fazendo uma comparação com os demais municípios
da região, mostra que os índices melhoraram no entorno
no mesmo ritmo, o que coloca em dúvida a relação entre a
ação promovida pela prefeitura e a melhoria na saúde dos
habitantes. O caso remete à postura crítica indispensável
para quem utiliza dados massivamente, com permanente
vigilância a respeito das premissas embutidas nas análises,
de maneira especial sobre sua representatividade.
PROBLEMAS NO ENSINO
O que dificulta a disseminação de pensar sobre dados
está ligado a processos arraigados de ensino de linguagens
não naturais.
Tomemos como exemplo o ensino da matemática. En-
quanto as crianças aprendem a linguagem oral naturalmente,
apenas interagindo com um círculo relativamente pequeno
de pessoas, só conseguimos aprender matemática em um
processo sistemático, às vezes árduo, na escola.
Embora o ser humano tenha aprendido a contar logo após
ter criado a linguagem oral, antes mesmo de ter inventado
a escrita, a matemática exige nível alto de abstração. Para
entender a ligação entre o concreto e o abstrato na matemá-
tica, considere a diferença entre a aritmética, que lida com
números elementares e com algumas operações entre eles,
e a álgebra, que estuda a manipulação formal de equações.
Para as crianças pequenas, a matemática é a aritmética, a
arte de contar, uma atividade ligada ao mundo que as cer-
ca. A partir de certo momento no processo educacional, os
estudantes são apresentados à álgebra, muito mais abstrata,
momento em que a maioria deles passa a acreditar que não
consegue aprender matemática, mesmo que tivessem sido
bons em aritmética poucos anos antes.
O problema no ensino dessa linguagem formal está as-
sociado à falta de consciência dos instrutores de que a pas-
sagem da aritmética para a álgebra é um enorme salto em
abstração para o aprendiz. Bastaria dizer que, enquanto a
aritmética tem suas origens há mais de 30 mil anos, a álgebra
JOÃO LUIZ BECKER > Professor da FGV EAESP > joão.becker@fgv.br
EDUARDO HENRIQUE DINIZ > Professor da FGV EAESP > eduardo.diniz@fgv.br
PARA SABER MAIS:
−	 João Luiz Becker. Estatística Elementar: transformando dados em informação, 2015.
−	 Valerie Logan. Fostering Data Literacy and Information as a Second Language: a Gartner
trend insight report, 2019.
−	 Paulo Freire. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, 2011.
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 15 |
aparece “apenas” algumas dezenas de milhares de anos de-
pois. Ou seja, foi necessário encadear conhecimentos ao
longo de milênios para a humanidade fazer essa transição
que exigimos que adolescentes percorram de um ano para
o outro. Com isso, perdemos uma quantidade enorme de
jovens que odiarão matemática para sempre.
Não bastasse a dificuldade dos instrutores de entender
os interesses legítimos de seus pupilos em encontrar sig-
nificado no ensino dessa linguagem formal, alguns fazem
questão de tornar esse conhecimento mais hermético. Pitá-
goras (570 a.C. – 495 a.C.) criou toda uma simbologia em
torno dos números e da geometria, considerados divinos,
para ser apreciada apenas por iniciados. “Neopitagóricos”
contemporâneos costumam dar mais importância às “reve-
lações” dos números do que ao conteúdo prático que pode
ser extraído deles.
DE BAIXO PARA CIMA
E o que o ensino da linguagem matemática tem a ver com
a alfabetização para os dados? Muitas vezes, treinamentos
oferecidos por provedores de ferramentas analíticas valo-
rizam os processos quantitativos em detrimento da checa-
gem das premissas envolvidas nas análises. Dissociada do
contexto em que será utilizada, a linguagem de dados não
ajuda no entendimento das mudanças que devem ser reali-
zadas nos processos de negócios.
A competência numérica que devemos incentivar, ao
contrário, deve promover a constante vigilância acerca dos
pressupostos dos modelos quantitativos. Entendemos que
o aprendizado centrado no participante ajuda a valorizar as
ferramentas analíticas de baixo para cima, em um proces-
so de “aprender fazendo”, experimentando com a prática
quotidiana. Adaptando os ensinamentos de Paulo Freire, a
leitura dos dados deve ser precedida pela leitura de mundo
que o aprendiz traz para o treinamento. É o diálogo dessas
leituras que conecta as formas oral e escrita de interpretação,
permitindo o entendimento e a transformação do mundo.
Em meio à abundância de dados em que vivemos, graças
à ampla disseminação das tecnologias digitais, a tarefa que
temos é formar jovens competentes para entender ativida-
des de negócios, estruturas sociais e padrões de comporta-
mento por meio da interpretação desses mesmos dados. Da
mesma forma que desenvolvemos competências para criar a
linguagem dos números ao longo dos séculos para lidar com
problemas práticos, precisamos agora elaborar a linguagem
dos dados com o objetivo de desenvolver mecanismos de
representação da realidade que nos ajudem a transformar
de modo positivo o nosso mundo.
Promover data literacy significa massificar o poder de
manejar os dados que nos cercam. A disseminação dessa
linguagem dos dados para todos, e não apenas para um gru-
po de iniciados que conhecem os “segredos dos números”, é
essencial para a construção de uma sociedade mais justa.
| 16 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CE | A ERA DOS DADOS • DESAFIOS DE USAR DADOS PARA NOVOS FINS
DESAFIOS
DE USAR DADOS
PARA NOVOS FINS
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 17 |
| POR SIMONE S. LUVIZAN
E
scândalos recentes de vazamento e uso
indevido de dados envolvendo gigantes
de tecnologia e agentes públicos trouxe-
ram à tona riscos e consequências nocivas
do reúso de dados. O caso da Cambridge
Analytica, por exemplo, expôs práticas co-
merciais sombrias e falhas na segurança
em relação a dados dos usuários do Facebook. Já o evento
conhecido como WikiLeaks desvelou procedimentos obs-
curos de coleta de dados individuais pela Agência Nacio-
nal de Segurança (NSA) dos Estados Unidos. Marketing
abusivo, fraudes eleitorais e invasão de privacidade foram
revelados nesses episódios, despertando o debate público e
a atuação regulatória sobre o reúso de dados.
Nesse momento de transformação, as preocupações ficam
concentradas em alguns aspectos do reúso de dados, como
os relacionados à privacidade e às práticas de marketing e
comércio de dados. Porém, para ampliar a visão sobre o
tema, é preciso refletir mais profundamente sobre a diver-
sidade de dados e de seus possíveis reúsos. Algumas situa-
ções, como a análise de dados pessoais para fins comerciais,
devem ser regulamentadas, controladas e, em alguns casos,
coibidas. Em contrapartida, outras aplicações, como a reuti-
lização de dados para pesquisas nas instituições científicas,
devem ser estimuladas e desenvolvidas para que possamos,
de fato, nos beneficiar desse novo paradigma informacional.
Para avançarmos nesse debate, é preciso abrir a caixa preta
do reúso de dados e reconhecer seu ecossistema complexo.
Para explorar o potencial pleno do big data, precisamos compreender
a complexidade de questões operacionais, tecnológicas, legais,
econômicas e sociais que surgem quando informações são reutilizadas.
| A ERA DOS DADOS • DESAFIOS DE USAR DADOS PARA NOVOS FINS
Multidisciplinar por
natureza, o reúso de dados
envolve diversos atores e
impactos que vão além
da tecnologia.
| 18 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ABRINDO A CAIXA-PRETA
O reúso de dados consiste na utilização de dados para
fins diferentes daqueles para os quais eles foram gerados.
Há diversas formas de reutilizar dados (ver quadro abaixo),
cada uma com suas particularidades e desafios. A iniciativa
de um grande banco brasileiro para promover o reúso de
dados de seus diversos sistemas internos demandou gran-
de esforço corporativo para superar restrições culturais,
mudar processos e políticas internas e ajustar a estrutura
tecnológica e organizacional. Já a iniciativa de uma fin-
tech criada por grandes investidores do Vale do Silício,
que propõe usar dados de telefonia celular para avaliação
FONTE DOS DADOS
Dados Internos
Dados da entidade que está
promovendo o reúso
Dados Públicos
Dados de domínio público,
abertos ao acesso livre
Dados Privados
Externos
Dados privados de uma
entidade diferente da que
está promovendo o reúso
FINALIDADEDOREÚSODEDADOS
Repropósito
Reúsoparafins
relacionadosaopropósito
originaldosdados
Repropósito ou
recontextualização de
dados internos:
Envolve desafios como
a revisão de políticas de
governança, gestão de
acessos, padrões para
qualidade e curadoria
de dados internos. Pode
também impactar a divisão
de responsabilidades
entre as áreas geradoras e
consumidoras dos dados e
as equipes de tecnologia da
informação (TI) responsáveis
pelos sistemas geradores
e consumidores dos
dados. A organização tem
acesso direto ao processo
de geração e reúso dos
dados, podendo mobilizar
os recursos necessários
para superar os desafios
emergentes.
Repropósito de dados públicos ou privados externos:
Pode envolver desafios como acesso e qualidade de dados,
segurança digital, legalidade e aceitação do reúso de dados
pelos envolvidos nos processos de geração e reúso dos
dados. Também pode implicar novas parcerias e modelos de
negócio para viabilizar o fornecimento de dados de maneira
sustentável. A organização que está promovendo o reúso tem
de interagir com agentes externos para resolver diversos dos
impactos emergentes.
Recontextualização
Reúsoparafinsnãorelacionadosao
propósitooriginaldosdados
Recontextualização de dados
públicos ou privados externos:
Todos os desafios do repropósito de dados públicos ou
privados externos também estão presentes aqui e são
intensificados pela diversidade dos atores envolvidos. Ao usar
dados externos gerados para fins não relacionados ao seu
propósito original, o reúso dos dados pode implicar a interação
de agentes oriundos de ambientes distintos, com diferentes
interesses, valores e níveis de maturidade digital. A proposta
de valor do reúso também tende a ser mais inovadora, o que
pode dificultar ainda mais sua compreensão pelos envolvidos
e aumentar as incertezas do processo.
TIPOS DE REÚSO DE DADOS E SEUS POTENCIAIS DESAFIOS
O reúso de dados
implica desafios que vão
desde a mudança de processos
e de cultura interna até as
expectativas e os impactos
na sociedade.
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 19 |
AS DIMENSÕES DO REÚSO DE DADOS E SUAS QUESTÕES CENTRAIS
FONTE: INSPIRADO EM ADVANCING THE EU DATA ECONOMY: CONDITIONS FOR REALIZING THE FULL POTENTIAL OF DATA REUSE E COMPLEMENTADO PELA AUTORA
Dimensão
Aspecto
crítico
Questão
central
Exemplos
de temas
pertinentes
à questão
Legal Tecnológica Intrínseca Societal Econômica
Legalidade
O reúso de dados
é permitido?
- Privacidade e
proteção de dados
- Propriedade
intelectual
Factibilidade
O reúso de dados
é factível?
- Interoperabilidade
do sistema
- Formato e
portabilidade dos
dados
Operacionalidade
O reúso de dados é
operacional?
- Interesses e recursos
das partes diretamente
envolvidas
- Adaptação de
processos
Aceitabilidade
O reúso de dados
é aceitável?
- Opinião pública
- Expectativas e
impactos sociais
- Padrões culturais
Viabilidade
O reúso de dados
é viável?
- Custos e
investimentos
diretos e indiretos
- Modelo de
negócio
de crédito, enfrenta questões totalmente distintas. Nesse
caso, mais do que rearranjos internos, o tipo de reúso de
dados exige suporte legal e apoio da opinião pública, en-
tre outros desafios.
Refletir sobre a situação envolvida em cada categoria ajuda
a abrir a caixa-preta do reúso de dados. Essa visão estimula
a discussão sobre caminhos para explorar seus benefícios
e mitigar suas dificuldades e consequências indesejadas.
RECONHECENDO O
ECOSSISTEMA COMPLEXO
Além de reconhecer os diversos tipos de reúso de dados,
é também fundamental compreender a complexidade de
seu ecossistema, que envolve múltiplas dimensões: legal,
tecnológica, intrínseca, societal e econômica.
Para que o reúso de dados possa acontecer de forma sus-
tentável, é preciso que todas as dimensões estejam resol-
vidas favoravelmente. Vale lembrar também que elas não
operam de maneira isolada. A reprovação da opinião pú-
blica, por exemplo, pode ter impacto nas leis e vice-versa.
A disponibilidade tecnológica e o apoio dos agentes envol-
vidos no processo podem afetar a viabilidade econômica e
vice-versa.Assim, é importante que todas as dimensões se-
jam analisadas e encaminhadas em conjunto.
O ecossistema de reúso de dados está ainda mais com-
plexo e dinâmico nesse momento em que seus desafios
estão amplificados pelas transformações culturais e tec-
nológicas que vivemos. Por exemplo, ao implementar
novas práticas de reúso de dados, uma organização pode
sentir falta de profissionais capacitados em suas equipes
e, ao buscá-los no mercado, provavelmente terá certa di-
ficuldade em encontrá-los. Nesse ambiente de mudanças,
torna-se ainda mais crítico que todas as dimensões do re-
úso de dados recebam atenção.
BUSCANDO NOVOS CAMINHOS
O reúso de dados não é um tema inédito. Desde os primór-
dios dos sistemas de informação, sempre houve a expectativa
SIMONE S. LUVIZAN > Doutora em Tecnologia e Data Science pela FGV EAESP e
diretora de Desenvolvimento e Projetos da Octua > sluvizan@octua.com.br
PARA SABER MAIS:
−	 Bart Custers e Daniel Bachlechner. Advancing the EU data economy: Conditions for
realizing the full potential of data reuse. Information Polity, v.22, n.4, 2017. Disponível
em: dx.doi.org/10.2139/ssrn.3091038
−	 Mackinsey Global Institute. The Age of Analytics: Competing in a Data-Driven World, 2016
Disponível em: mckinsey.com/business-functions/mckinsey-analytics/our-insights/the-age-
of-analytics-competing-in-a-data-driven-world
−	 Simone S. Luvizan. Reúso de dados na era do big data: uma jornada rumo a novos
paradigmas no setor financeiro, 2019
| A ERA DOS DADOS • DESAFIOS DE USAR DADOS PARA NOVOS FINS
| 20 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
de “reaproveitar” os dados coletados.Adisponibilidade atual
de dados e de tecnologia, no entanto, fez dele um fenôme-
no promissor e sem precedentes na história da humanida-
de. Em um mundo cada vez mais orientado a dados, para
muitas empresas explorar informações internas e externas
passou a ser uma questão de sobrevivência.
As empresas “nativas digitais” já surgem com alguma
cultura analítica. Às empresas tradicionais, têm cabido a
árdua missão de se transformar para desenvolver uma nova
cultura digital. Ainda que as primeiras larguem na frente,
nenhuma delas está livre dos desafios do novo paradigma
de dados, especialmente neste momento de mudanças que
estamos atravessando. Multidisciplinar por natureza, o reúso
de dados envolve diversos atores e impactos que vão além
da tecnologia. Compreender a diversidade desse fenômeno
e a amplitude de seu ecossistema é um passo fundamental
nessa jornada. Precisamos ampliar nossa visão sobre o tema
para buscar novos caminhos.
Temática Exemplos de desafios
Tecnologia
Incompatibilidades e problemas de integração com sistemas legados; falta de padrões e boas práticas
para implantação de ferramentas novas; procedimentos de governança de tecnologia da informação (TI)
inadequados às novas estruturas tecnológicas; falta de conhecimento sobre como implementar controles
adequados às novas dinâmicas de uso de dados.
Acesso
aos dados
Políticas de segurança da informação e procedimentos de governança que restringem ou desestimulam
o reúso de dados nas organizações; custos de obtenção de dados incompatíveis com o uso; dificuldades
de acesso a dados para validação de modelos; abordagens de gestão de risco orientadas ao acesso e não
ao uso; incertezas sobre a legislação e a opinião pública sobre o reúso dos dados e os novos modelos
de negócio que dele emergem.
Qualidade dos dados
Paradigma de qualidade de dados orientado pelo uso de dados inadequado à situação atual em que nem
todos os fins são previstos; necessidade de mudanças no padrão de qualidade dos dados em função
de seus novos usos; interferências culturais e de comportamentos individuais sobre a qualidade dos
dados públicos.
Curadoria de dados
Falta de estrutura de documentação e metadados para suportar a disseminação do reúso de dados
internos; falta de curadoria para estimular o reúso dos dados já capturados de fontes externas ou internas.
Profissionais
capacitados
Escassez de profissionais capacitados no uso de novas tecnologias e métodos estatísticos tanto na área
de TI (data scientist) como nas áreas de negócio (citizen data scientist).
DESAFIOS AMPLIFICADOS NESSE
MOMENTO DE TRANSFORMAÇÃO
6
7
| 22 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CE | A ERA DOS DADOS • EM BUSCA DO INVESTIMENTO SUSTENTÁVEL
EM BUSCA DO
INVESTIMENTO
SUSTENTÁVEL
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 23 |
| POR ARON BELINKY
A
era dos dados promete enorme avan-
ço em sistemas sustentáveis de pro-
dução e consumo. Há de fato moti-
vos para otimismo, mas a efetivação
desse potencial depende de como as
novidades tecnológicas vão ser utili-
zadas para responder a uma pergunta
crucial para investidores, empreendedores e gestores: onde
alocar capitais em sintonia com a grande transformação que
acontece no ambiente de negócios? Ou, em outras palavras,
como identificar e priorizar negócios com base em sua ca-
pacidade de contribuir com a construção de uma economia
verde e inclusiva e, ao mesmo tempo, se beneficiar dela?
Para que as tecnologias peculiares da era dos dados ajudem
a responder a essa pergunta, é preciso combinar, de um lado,
a capacidade de captura, processamento e análise de dados
e, de outro, referenciais analíticos e metodologias capazes de
indicar – com objetividade, consistência e boa dose de certeza
– as relações entre as atividades empresariais e os impactos
positivos e negativos que estas geram para a sociedade, o
meio ambiente e suas demais partes interessadas (confira uma
proposta de modelo geral de avaliação no box deste artigo).
O ponto de partida, naturalmente, são as iniciativas que desde
os anos 1990 vêm sendo desenvolvidas para levantar indi-
cadores de sustentabilidade nas organizações. Essas inicia-
tivas, porém, foram em sua maioria criadas em um contexto
anterior à abundância de dados e ao acesso viável a grande
poder de processamento. Por isso, em geral, baseiam-se em
questionários, relatórios e/ou pesquisas especializadas, e ain-
da não incorporam possibilidades que as novas tecnologias
podem viabilizar, como o uso de algoritmos e ferramentas
estatísticas para captura e análise de informações disponíveis
na internet ou de dados gerados por sensores de Internet of
Things (IoT) e por transações on-line.
Esse é um desafio que enfrentam os mais conhecidos ins-
trumentos para avaliação da sustentabilidade empresarial
hoje em uso, como os referenciais para relatos autodecla-
ratórios – a exemplo das diretrizes da Global Reporting
Como a era dos dados abre novas perspectivas
para a identificação de negócios afinados com a sustentabilidade.
A bolsa de valores
brasileira (B3) iniciou
um projeto para incorporar
ao seu modelo de índice de
sustentabilidade empresarial
métricas objetivas extraídas
do big data.
| A ERA DOS DADOS • EM BUSCA DO INVESTIMENTO SUSTENTÁVEL
| 24 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
Initiative (GRI), ou do International Integrated Reporting
Council (IIRC), e/ou ainda do Pacto Global da Organização
das Nações Unidas (ONU). O mesmo aplica-se também
aos instrumentos que calculam indicadores baseados em
questionários, quer para o cálculo de métricas por critérios
ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de gover-
nança) utilizados por atores do mercado financeiro, quer
para autoavaliação (como os Indicadores Ethos de Res-
ponsabilidade Social), avaliações de impacto (B Impact
Assessment), ou ainda para processos de rankeamento ou
seleção, como os empregados por índices de sustentabi-
lidade criados por bolsas de valores, a exemplo do Dow
Jones Sustainability Index (DJSI), da Bolsa de Valores de
Nova York, e do Índice de Sustentabilidade Empresarial
(ISE) da B3, no Brasil.
Nesse contexto, merece especial atenção a atual iniciati-
va desta última – que visa incorporar novos componentes
com o uso de Big Data Analytics e Inteligência Artificial
(BDAI), ao processo de composição e gestão da carteira em
que se baseia o ISE B3.
BIG DATA PARA UM
PORTFÓLIO MAIS SUSTENTÁVEL
Quarto índice desse tipo no mundo, o ISE B3 tem uma
história de pioneirismo e ousadia. Trata-se de um índice
financeiro que mede a valorização de uma carteira teóri-
ca formada por ações de companhias listadas na B3 que se
destacam por adotar políticas e práticas voltadas à susten-
tabilidade. A seleção dessas empresas é feita anualmente e
resulta da combinação entre três elementos:
•	 um questionário, que gera uma avaliação quantitativa das
empresas respondentes;
•	 uma análise amostral de evidências das respostas dadas
pelas empresas, que gera uma avaliação qualitativa;
•	 uma avaliação abrangente, feita pelo Conselho Delibera-
tivo do ISE, que decide as empresas que serão incluídas
na carteira, levando em conta as duas outras avaliações
mencionadas, combinadas ao julgamento e à experiência
do conjunto de 11 conselheiros, representantes de orga-
nizações nacionais e internacionais de relevância tanto
no mercado financeiro quanto no campo da sustentabi-
lidade. A metodologia e o questionário do ISE B3 vêm
sendo construídos ao longo de 15 anos de atividades, que
incluem a revisão por especialistas nos temas enfocados
e, também, processos anuais de consulta pública, com
participação tanto de empresas quanto de investidores
e de outros stakeholders. Traduzem, assim, a agenda de
sustentabilidade empresarial no país.
Em sintonia com as mudanças em curso, o ISE B3 está
empenhado em incorporar a esse processo o uso de tecno-
logias trazidas pela era de dados. Em 2018, uma parceria
entre a B3, o Columbia Center on Sustainable Investment
(CCSI), da Columbia University, e o Centro de Estudos em
Sustentabilidade, da Fundação Getulio Vargas (FGVces),
resultou em uma série de três debates multidisciplinares
envolvendo representantes de 53 organizações do Brasil e
do exterior, visando identificar o estado da arte e as prin-
cipais tendências e desafios no uso de BDAI para avaliar a
contribuição das empresas para os Objetivos do Desenvol-
vimento Sustentável (ODS). O registro completo dos traba-
lhos está disponível em bit.ly/BDAI4SD-2018 e inclui, por
exemplo, um atualíssimo guia de fornecedores de métricas
ESG com uso de BDAI.
Avançando sobre os conhecimentos assim acumulados,
a B3 lançou em abril de 2019 uma iniciativa para a cons-
trução do Léxico ISE B3 (LISE): uma solução tecnológi-
ca pensada para a realidade brasileira e que objetiva apoiar
empresas, investidores e outros stakeholders no uso de in-
formações públicas para avaliação da sustentabilidade em-
presarial e da relação desta com os ODS e as métricas ESG
disponíveis no mercado. Prevista para terminar em dezem-
bro de 2020, a fase inicial desse projeto prevê a construção
da metodologia e dos instrumentos tecnológicos básicos e
incluirá a interlocução com empresas e outras partes inte-
ressadas. Para saber mais e participar, visite iseb3.com.br.
Em termos práticos, o LISE ambiciona contribuir com
um conjunto de informações adicionais às hoje utiliza-
das pelo Conselho Deliberativo do ISE B3 na escolha e
no monitoramento das empresas que comporão a carteira
do índice a cada ano. Para isso, deverá produzir relató-
rios contendo indicadores objetivos para a avaliação do
desempenho e/ou relacionamento de uma empresa com
ARON BELINKY > Professor da FGV EAESP > aron.belinky@fgv.br
PARA SABER MAIS:
−	 Volans. Breakthrough business models: exponentially more social, lean, integrated
and circular, 2016. Disponível em: volans.com/wp-content/uploads/2016/09/Volans_
Breakthrough-Business-Models_Report_Sep2016.pdf
−	 Unep Finance Initiative, United Nations Global Compact. The SDG investment case:
principles for responsible investment, 2017. Disponível em: unpri.org/download?ac=5909
−	 Aron Belinky. Da Empresa cowboy à astronauta. GV-executivo, v.16, n.5, 2017. Disponível
em: bit.ly/cowboy-astronauta
−	 Aron Belinky. A Terceira geração da sustentabilidade empresarial. GV-executivo, v.15, n.2,
2016. Disponível em: http://bit.ly/3aGeracao
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 25 |
temas da sustentabilidade. Esses indicadores serão pro-
duzidos pela combinação de informações públicas com
manifestações das próprias empresas, extraídas tanto de
textos (notícias, relatórios, websites e outros documen-
tos) quanto de fontes de dados estruturadas (registros
públicos e legais, relatórios contábeis etc.). É planejado
que os resultados desse sistema serão traduzidos em dois
insumos para os processos anuais do ISE B3: um rela-
tório de transparência ativa, que abrangerá períodos de
tempo predeterminados (ano, semestre, trimestre); e um
sistema de monitoramento cotidiano das empresas inte-
grantes da carteira em vigor.
POTENCIAIS E CUIDADOS
Concluindo, é importante destacar o momento que vive-
mos: estamos apenas no início de uma radical transforma-
ção tecnológica e produtiva, que trará consigo profundas
mudanças sociais e culturais. Há um enorme potencial para
a geração de impactos positivos, mas é também necessário
cuidado com as possíveis consequências indesejáveis (os
impactos negativos) que tais modificações nos padrões de
produção e consumo poderão gerar, tanto sobre o meio am-
biente quanto sobre os seres humanos. Dirigentes empre-
sariais e investidores têm nesse processo papel essencial,
pois suas decisões definirão, em grande medida, o balanço
desses impactos. Assim, é de fundamental importância que
rapidamente conheçam e utilizem instrumentos que os aju-
dem a se orientar nesse novo e fascinante capítulo do de-
senvolvimento humano.
UM MODELO PARA AVALIAR A SINERGIA ENTRE O NEGÓCIO E A SUSTENTABILIDADE
Em um cenário de tantas e tão rápidas transformações, torna-se cada vez mais difícil discernir os negócios mais promissores, ainda mais quando
praticamente todas as empresas tentam, de uma forma ou de outra, vestir os figurinos de "sustentável" e "inovadora". Uma forma possivelmente
eficaz de ultrapassar essa cortina de fumaça e separar o joio do trigo é a análise da sinergia entre o negócio que se deseja avaliar e as demandas
da sustentabilidade. Esse modelo combina um cenário e duas variáveis. Como cenário, é considerado o contexto emergente: um ambiente de
negócios caracterizado pela transparência (ampliada pela era dos dados) e pela exigência de sustentabilidade. Como variáveis, de um lado, deve-
se considerar a vantagem relativa que, no contexto emergente, se prevê para o negócio em análise e, de outro lado, a previsível contribuição
desse negócio para a sociedade, em linha com o contexto emergente (veja no diagrama).
VANTAGEM relativa para o
negócio, no contexto emergente:
Fortalecimento em relação
aos concorrentes;
Aumento da aceitação social;
Abertura de oportunidades/
mercados potenciais;
Valorização de certas
capacidades e ativos;
Maior disponibilidade de recursos:
matérias-primas, recursos
humanos, capital e tecnologia.
CONTRIBUIÇÃO do negócio para a
sociedade no contexto emergente:
Menos pressão sobre os limites ambientais;
Menores impactos negativos /
externalidades negativas;
Maiores impactos positivos /
externalidades positivas;
Mais eficiência no uso de recursos /
decoupling;
Mais transparência efetiva e accountability;
Mais empoderamento dos
stakeholders e da sociedade em geral;
Mais produtividade e equidade (mais
eficiência na geração e distribuição de valor).
*O DIAGRAMA APRESENTA POSSÍVEIS CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO DAS VARIÁVEIS, CUJA COMBINAÇÃO GERA PELO MENOS NOVE QUADRANTES, DE MODO QUE
CADA VARIÁVEL SEJA CONSIDERADA NEGATIVA, NEUTRA OU POSITIVA. A PREDOMINÂNCIA DO TOM VERDE INDICA NEGÓCIOS MAIS PROMISSORES, E A DO TOM
VERMELHO, NEGÓCIOS A SEREM EVITADOS.
DIAGRAMA DE ANÁLISE DE NEGÓCIOS MAIS E MENOS PROMISSORES*
VANTAGEM
CONTRIBUIÇÃO
Positiva
Neutra
Negativa
Negativa Neutra Positiva
CE | A ERA DOS DADOS • BIG DATA PARA O BEM COMUM
| 26 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
BIG DATA
PARA O BEM COMUM
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 27 |
| POR SILVIA RODRIGUES FOLLADOR E JULIE RICARD
D
esde o início do século XX, a maioria
de nossas ações e interações tem sido
mediada e capturada por dispositivos
eletrônicos. Os rastros de dados dei-
xados pelo caminho resultam no que
foi batizado de big data. Embora a ex-
ploração do big data tenha sido desen-
volvida por gigantes da internet, que transformaram a mi-
neração dessas migalhas digitais em uma de suas principais
fontes de lucro, o interesse em entender como novas fontes
de dados e tecnologias podem ser empregadas na formula-
ção de políticas públicas e no desenvolvimento sustentável
tem aumentado de maneira significativa.
OPORTUNIDADES PARA O BEM COMUM
Pela sua natureza, o big data pode fornecer informações
inovadoras sobre comportamentos humanos, como padrões de
mobilidade física, de comunicação e de consumo, em níveis
de granularidade sem precedentes. Análises baseadas no big
data têm sido usadas para diagnosticar uma vasta gama de
situações, tais como o mapeamento de pobreza, o monitora-
mento de fluxos migratórios e o planejamento de transportes.
Como exemplo dessas iniciativas, vê-se a parceria entre os
pesquisadores da Flowminder, uma fundação com base na
Suécia, e do Programa WorldPop, da Universidade de Sou-
thampton (no Reino Unido), que criaram formas inovadoras
para a medição dos indicadores de pobreza em Bangladesh,
por meio dos registros de chamadas de telefones celulares
e de imagens de satélite. Essas novas maneiras de captura
de informações têm o potencial de se tornarem fontes com-
plementares valiosas para mecanismos tradicionais de censo
que, sobretudo em países carentes, dependem de coletas de
periodicidade irregular e de cobertura restrita.
Atualmente, pesquisadores do think tank Data-PopAllian-
ce e do MIT Media Lab buscam quantificar, pela primeira
vez, em grande escala e com alto nível de detalhes, as mu-
danças de comportamento de consumo individuais induzi-
das pela criminalidade, a partir de metadados de transações
bancárias, de modo a quantificar o impacto econômico de
choques de violência.
Esses são apenas alguns dos exemplos de iniciativas que
usam o big data em benefício da Agenda 2030 para o De-
senvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Uni-
das (ONU), como a erradicação da pobreza, o fim da fome,
a promoção da saúde e a redução das desigualdades sociais.
De maneira geral, análises com base em metadados deriva-
dos do uso de celulares, cartões de crédito ou débito, cartões
de transporte ou registros de navegação on-line oferecem a
vantagem de produzir informações mais detalhadas, poten-
cialmente em tempo real, e menos custosas que por outros
meios. Afinal, há casos em que não existem formas alterna-
tivas para o monitoramento de determinados indicadores.
Multiplicam-se as oportunidades de uso de rastros digitais na
elaboração de políticas públicas e no desenvolvimento sustentável.
| A ERA DOS DADOS • BIG DATA PARA O BEM COMUM
| 28 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
DESAFIOS LIGADOS AO USO DE BIG DATA
Se o aparecimento do big data foi acompanhado de grandes
expectativas em relação ao potencial para a análise dos pro-
blemas da sociedade, logo foram apontados riscos em relação
à proteção de dados pessoais. As preocupações a respeito da
proteção de dados pessoais cresceram à medida que foi no-
tado pela academia que métodos de anonimização de dados
podem não ser suficientes. No mesmo período, escândalos de
alcance global, como as denúncias de Edward Snowden sobre
a extensão das atividades de vigilância daAgência Nacional
de Segurança dos Estados Unidos, ajudaram a amplificar as
preocupações com a privacidade dos cidadãos.
Além disso, é necessário ressaltar o fato de que grande par-
te dos dados pertence ao setor privado (como operadores de
telefonia e bancos). Dessa forma, a obtenção de acesso para
alavancar as fontes de big data coletadas por tais empresas
tem sido um desafio, por motivos éticos e comerciais legí-
timos. De fato, até o momento, não existem sistemas nem
padrões desenvolvidos para que isso seja feito de maneira
escalável e de forma ética e segura.
Dada essa conjuntura, foi criado o projeto Open Algori-
thms (OPAL), uma inovação sociotecnológica, sem fins lu-
crativos, desenvolvida pelo MIT Media Lab, pelo Imperial
College London, pela Orange, pelo Fórum Econômico Mun-
dial e pela Data-Pop Alliance. Seu objetivo é elaborar um
sistema resguardado, ético e replicável de acesso a dados do
setor privado para impulsionar o seu uso para fins públicos.
O primeiro passo consiste na criação de uma plataforma com
Tipos de dados Exemplos Oportunidades de uso
Metadados derivados
do uso de celulares
Registros de chamadas de celulares
(call detail records, ou CDR)
Estimar a distribuição da pobreza e o status socioeconômico da
população para informar políticas públicas.
Transporte
Cartões de transporte (bilhete único, milhas
de avião etc.), passes para pagamento
automático de pedágio, sistema de
posicionamento global (GPS) (rastreamento
de frota, rotas e horários de ônibus)
Construir a matriz de viagem dos indivíduos, de uso de redes de
transporte e de estradas para melhorar o planejamento urbano.
Transações financeiras Cartões de crédito e de débito
Quantificar comportamentos de consumo dos indivíduos para entender
padrões de comportamento e/ou realizar estimações econômicas.
Registros de
navegação on-line
Cookies, endereços, internet protocol (IP),
buscas on-line
Criar indicadores para dar suporte a ações dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por exemplo, dados on-line já
foram utilizados para monitorar epidemias de influenza e dengue
(por meio do “Google Dengue Trends”).
Redes sociais
Tweets (Twitter API), conteúdo do Facebook,
vídeos do YouTube, check-in pelo Foursquare
Fornecer alerta antecipado sobre ameaças que vão desde surtos de
doença (influenza, por exemplo) até insegurança alimentar.
Sensores remotos
Imagens de satélite (Administração Nacional
da Aeronáutica e Espaço – NASA, Tropical
Rainfall Measuring Mission – TRMM, Landsat),
dados de veículos aéreos não tripulados
(veículo aéreo não tripulado – VANT, drones)
Identificar áreas de risco de inundação, estudar mudanças na qualidade
do solo, verificar disponibilidade de água e informar possíveis
intervenções no setor agrícola de países em desenvolvimento.
Crowd-sourced data
Mapeamento (OpenStreetMap, Google Maps,
Yelp), monitoramento/relatórios (U-Report)
Preencher lacunas de dados, particularmente em áreas
marginalizadas, por meio da contribuição dos próprios cidadãos.
Por exemplo, em Nairóbi, no Quênia, membros das comunidades
Kibera, Mathare e Mukuru mapeiam zonas antes em branco no mapa,
lançando mão de ferramentas como o OpenStreetMap (Map Kibera).
FONTE: DATA-POP ALLIANCE. BASEADO EM THOUGHTS ON BIG DATA AND THE SDGS, DE EMMANUEL LETOUZÉ E MARIA MARTINHO, 2015, E LEVERAGING BIG DATA
FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT TOOLKIT, 2016.
TIPOS DE BIG DATA PARA
A AGENDA DO DESENVOLVIMENTO
SILVIA RODRIGUES FOLLADOR > Consultora da Data-Pop Alliance >
srodriguesfollador@datapopalliance.org
JULIE RICARD > Diretora adjunta da Data-Pop Alliance > jricard@datapopalliance.org
Análises baseadas no big data têm sido usadas
para diagnosticar uma vasta gama de situações, como
o mapeamento de pobreza, o monitoramento de fluxos
migratórios e o planejamento de transportes.
PARA SABER MAIS:
−	 Data-Pop Alliance. Disponível em: datapopalliance.org
−	 OPAL Project. Disponível em: opalproject.org/
−	 Data-Pop Alliance . Beyond data literacy: reinventing community engagement and
empowerment in the age of data, 2015. Disponível em: datapopalliance.org/wp-content/
uploads/2015/11/Beyond-Data-Literacy-2015.pdf
−	 Alejandro Noriega-Campero, Alex Rutherford, Oren Lederman, Yves Montjoye, Alex Pentland.
Mapping the Privacy-Utility Tradeoff in Mobile Phone Data for Development, 2018.
Disponível em: arxiv.org/abs/1808.00160
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 29 |
tecnologia de preservação de privacidade de última geração,
para a qual se podem enviar algoritmos para a consulta de
dados, e não o contrário, evitando assim que os dados sejam
expostos a roubos e ao uso indevido. O segundo passo é a
criação de um sistema de governança participativa para co-
projetar, com atores locais, o desenvolvimento e o uso dos
algoritmos abertos, de modo a atender às necessidades e
aos padrões locais, em vez de impor perspectivas e conhe-
cimentos externos. Atualmente, dois pilotos do OPAL estão
em desenvolvimento na Colômbia e no Senegal, em parce-
ria com seus respectivos governos e com as operadoras de
telecomunicações Orange-Sonatel e Telefónica Colombia.
Outro desafio é diminuir as desigualdades mundiais no
acesso e na habilidade do uso de dados, conforme alertou a
ONU em relatório recente. No início da década de 1990, o
sociólogo francêsAlain Desrosières já chamava atenção para
o fato de que o espaço público dependeria cada vez mais de
informações estatísticas acessíveis a todos. No entanto, ape-
sar do “dilúvio de dados” em que vivemos, ainda existem la-
cunas de informação a respeito de certas regiões do mundo e
de suas populações, em geral aquelas que já são mais vulne-
rabilizadas. Essa é uma das principais preocupações de nos-
sos dias, uma vez que a “invisibilidade estatística” tem sido
agravada pelo “analfabetismo digital”, configurando o que o
pesquisador Emmanuel Letouzé, um dos fundadores da Da-
ta-Pop Alliance, definiu como hiato digital: a desigualdade
de acesso e de capacidade de uso das novas tecnologias, que
aprofundam as desigualdades socioeconômicas preexistentes.
Nesse sentido, uma sociedade formada exclusivamente por
cientistas de dados não seria necessariamente “alfabetizada em
dados”. A Data-Pop Alliance propõe uma definição holística
de data literacy (leia mais sobre o tema no artigo Como disse-
minar a linguagem dos dados), que pode ser resumida como
a vontade e a capacidade de se engajar construtivamente na
sociedade por meio dos (ou sobre os) dados. Essa definição
considera fundamental que os cidadãos entendam as implica-
ções políticas, econômicas e éticas ligadas ao uso de dados
para o usufruto e a garantia de seus direitos. Isso pressupõe, por
exemplo,acompreensãodecomoGoogle,Apple,Facebookou
Amazon coletam e analisam dados, o questionamento acerca
da existência de consentimento prévio e a exigência de que os
dados pessoais sejam protegidos.
PRÓXIMOS PASSOS NO BRASIL
Aestruturação de um ecossistema emergente de big data,
capaz de promover o uso de dados para o bem comum e o
empoderamento dos cidadãos, requer uma visão colabora-
tiva e educativa que não se resume ao desenvolvimento de
capacidades técnicas e tecnológicas.
Na continuação de sua atuação institucional na América
Latina, cujas metas são a promoção do uso de dados e de no-
vas tecnologias em políticas públicas e no desenvolvimento
sustentável, a Data Pop-Alliance (cofundada pelo MIT Me-
dia Lab, pela Harvard Humanitarian Initiative e pelo Overse-
as Development Institute) abrirá, em setembro de 2019, um
escritório com sede na Cidade do México, a fim de alavan-
car projetos no Brasil, no Chile, na Colômbia e no México.
Em maio deste ano, a Data-Pop Alliance, a Universidade
de Manchester e a FGV EAESP organizaram o evento Big
Data para o Bem Comum, para discutir as oportunidades
do big data no contexto brasileiro. Um dos resultados dos
grupos de trabalho realizados com representantes do poder
público, de empresas privadas e de organizações da socieda-
de civil é a consolidação de uma proposta para a implemen-
tação de um programa de alfabetização de dados no Brasil,
no México e na Colômbia, em parceria com a Universidade
de Manchester. Outro se refere à consolidação de uma co-
alizão de dados para o bem comum no Brasil, para a qual
gostaríamos de convidar todas e todos os interessados.
| 30 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
| A ERA DOS DADOS • INOVAR PELA LEI
INOVAR
PELA LEI
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 31 |
| POR BRUNO RICARDO BIONI
E
m 2017, ficou famosa a capa da The Eco-
nomist com a mensagem de que o recur-
so mais valioso do mundo não era mais
o petróleo, mas, sim, os dados. A revista
inglesa ilustrava as grandes empresas de
tecnologia como as estações petrolíferas
que extrairiam riqueza desse novo ativo.
Um ano depois, em agosto de 2018, o Brasil aprovou a sua
Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº
13.709/2018), mesmo ano em que passou a valer o regu-
lamento de proteção de dados na União Europeia, a Gene-
ral Data Protection Regulation (GDPR). Agora, em 2019,
ganha força o movimento dos Estados Unidos para que o
país também crie uma regulação a nível federal, depois de
alguns estados, sobretudo a Califórnia, terem legislado a
respeito do assunto.
Ao longo desses últimos três anos, estamos testemunhando
uma verdadeira ebulição do tema e, mais especialmente no
cenário nacional, estamos vivendo isso à flor da pele com
uma nova lei que estabelece definitivamente as regras do
jogo. É hora de dar um passo atrás, recuperar os registros
do porquê e de como se gestaram leis gerais de proteção de
dados pessoais. Com esse diagnóstico, pretende-se apontar
possíveis tendências dessa nova agenda.
OLHANDO PARA A HISTÓRIA
Olhar no retrovisor faz com que se perceba que a deman-
da por regular o uso de dados pessoais em si não é nova.
Viktor Mayer, professor da Universidade de Oxford, apon-
ta que as primeiras iniciativas deram errado por tentarem
domesticar a tecnologia. Logo se constatou ser impossível
prescrever de antemão uma lista fechada sobre seus usos
lícitos e ilícitos. Migrou-se, então, para uma abordagem
focada na definição dos direitos do titular da informação,
cidadãos-consumidores e deveres das organizações que pro-
cessavam tais dados.
Desde a década de 1980 até hoje, os chamados princípios
e práticas informacionais justos – Fair Information Practice
A formação de uma cultura de proteção de dados a partir
da nova legislação pode trazer valor agregado para as organizações.
A nova regulação sobre dados terá possivelmente impacto
muito maior do que foi a edição do Código de Defesa do Consumidor nos
anos 1990, já na medida em que abraça relações de trabalho e, também,
do cidadão com o setor público.
| A ERA DOS DADOS • INOVAR PELA LEI
| 32 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
Principles (FIPPs) – são a espinha dorsal das leis de proteção
de dados pessoais. Originados no âmbito do Departamen-
to de Bem-Estar Social dos Estados Unidos, tais princípios
foram espelhados nas Diretrizes sobre Privacidade e Livre
Fluxo Informacional da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na Convenção In-
ternacional para a Proteção de Dados do Conselho da Eu-
ropa. OS FIPPs não só capilarizaram tais normas em nível
global, como também demarcaram o duplo objetivo dessa
empreitada regulatória: proteger os direitos e as liberdades
fundamentais dos cidadãos e, ao mesmo, estimular o desen-
volvimento econômico.
Já naquela época havia o diagnóstico em torno da neces-
sidade de se estabelecer as regras do jogo para que fosse
nutrida a confiança do cidadão em conceder seus dados para
organizações públicas e privadas. Caso contrário, censos de-
mográficos e técnicas de marketing ainda incipientes, que
respectivamente nada mais são do que a conversão de dados
pessoais em estatísticas e informações para a formulação
de melhores políticas públicas e bens de consumo, seriam
possivelmente represados.
O Brasil chegou atrasado, mas finalmente entrou para o rol
de mais de 120 países com leis gerais de proteção de dados
pessoais. Espera-se que o novo marco regulatório cumpra
o seu objetivo de estimular o fluxo informacional e, com
isso, o desenvolvimento socioeconômico dele dependente,
conforme uma lógica de sustentabilidade entre quem pro-
duz essa matéria-prima e quem a explora.
IMPACTO REGULATÓRIO E
SOCIOECONÔMICO DA LGPD
O adjetivo geral é aqui o elemento-chave. A LGPD vem
para complementar uma série de leis setoriais já existentes
no Brasil, mas que era uma regulação precária e não voca-
cionada para lidar com uma economia e sociedade cada vez
mais movidas por dados (veja no artigo Novos direitos quais
são os direitos de LGPD). Na medida em que se tem uma lei
de aplicação transversal, elimina-se a assimetria regulatória
antes existente por uma abordagem fragmentada.Agora to-
dos os setores da economia estarão cobertos, e há uma peça
central do quebra-cabeça regulatório que dita um mínimo
de uniformidade. Com isso, garante-se segurança jurídica
para que se estimule a troca de dados nas mais diferentes
situações e momentos, por intermédio de um regramento e
de um vocabulário de definições comuns.
Não é só, portanto, os setores de tecnologia e de internet
que são afetados pela LGPD, como se poderia concluir a
partir da citada capa da The Economist. Todos os outros,
inclusive os mais tradicionais, terão de tratar os dados dos
seus consumidores e colaboradores de acordo com a LGPD.
A nova regulação terá possivelmente um impacto muito
maior do que foi a edição do Código de Defesa do Consu-
midor nos anos 1990, tendo em vista que abraça relações
de trabalho e, também, do cidadão com o setor público.
A lei adota um conceito amplo de dado pessoal: uma in-
formação relacionada a uma pessoa identificada ou identi-
ficável. Muito além daquele conjunto de informações que
nos identifica de forma direta e imediata (como nome, Re-
gistro Geral – RG, Cadastro de Pessoa Física – CPF ou bio-
metria), também estão debaixo do guarda-chuva da LGPD
aqueles dados que nos identificam de forma remota ou indi-
reta (como apelidos, fotos, endereços de e-mail, endereços
residenciais, endereços de IP, dados de geocalicazação etc.).
Os tentáculos LGPD são, portanto, enormes. É difícil
imaginar em que momento não estamos trocando dados e,
sobretudo, quando nossas vidas não são orquestradas com
base no que um banco de dados diz a nosso respeito. Da
concessão de crédito, passando pelo acesso a benefícios
sociais até a timeline da rede social, todas essas atividades
são automaticamente personalizadas com base nos registros
que geramos. Por isso, regulações desse tipo e nesse estágio
equivalem ao nosso próprio contrato social contemporâneo.
BRUNO RICARDO BIONI > Consultor na área de proteção de dados pessoais e
privacidade e professor fundador do Data Privacy Brasil > bioni@brunobioni.com.br
PARA SABER MAIS:
−	 Bruno Ricardo Bioni. Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites do consentimento, 2019.
−	 Bruno Ricardo Bioni. 18 textos para entender privacidade e proteção de dados pessoais, 2018.
−	 Bruno Ricardo Bioni. Regulação de dados é uma janela de oportunidade. Valor Econômico, 2019.
−	 Maria Cecília Oliveira Gomes. Para além de uma obrigação legal: o que a metodologia
de benefícios e riscos nos ensina sobre o papel dos relatórios de impacto à proteção de
dados, 2019.
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 33 |
MUDANÇA DE CULTURA
E OPORTUNIDADES
Apesar de uma nova regulação causar receio em relação
aos custos de conformidade (o aumento do custo Brasil), a
LGPD representa uma janela de oportunidade. Primeiramen-
te, porque as organizações terão de colocar ordem na casa,
pois vão precisar conhecer melhor as suas bases de dados
e lhes atribuir uma finalidade específica – um dos princí-
pios da lei. É um exercício que poderá trazer insights para
se repensar o próprio modelo de negócio ou política pública
e para lançar novos produtos e serviços. Em segundo lugar,
porque a adequação à legislação pode melhorar a reputação
da empresa, na medida em que o tratamento adequado dos
dados pode ser explorado no plano de comunicação para
reforçar a confiança com o titular da informação. Tercei-
ro, porque a lei traz exigências associadas à segurança da
informação no sentido não só de prevenir o vazamento de
dados, mas também de remediá-lo da forma mais eficiente
caso isso ocorra. Trata-se de medidas cujo saldo final pode
agregar valor e competitividade a uma organização, a de-
pender de qual mentalidade orientará o seu processo de
conformidade (veja no quadro).
De forma geral, a mineração de dados, para utilizar um
termo da ciência da computação, sempre procura levar a um
lugar: a extração de uma informação. Essa é, também, a ra-
cionalidade por trás da nova regulação, por meio da qual a
organização precisa não só conhecer os dados que possui,
como também deve convertê-los em informação útil. Todo
o sistema gira em torno da lógica de se criar uma trilha
auditável do dado, um modelo de governança para que o
cidadão e os demais agentes envolvidos enxerguem a re-
percussão do uso dessas informações em suas atividades
econômicas e relações sociais.
A edição de uma lei é apenas o primeiro passo na forma-
ção de uma cultura de proteção de dados pessoais no Brasil.
Tomando como exemplo a edição do Código de Defesa do
Consumidor, nos anos 1990, demorou certo tempo para que
o cidadão, os órgãos de fiscalização e os próprios agentes
econômicos fizessem a lei pegar. Após quase quatro déca-
das, é possível dizer que a lei trouxe “civilidade” ao mer-
cado de consumo, com produtos e serviços mais seguros.
As organizações que enxergaram no novo marco regula-
tório uma oportunidade em agregar valor e reputação aos
seus produtos até hoje colhem os frutos de sua estratégia.
Da mesma forma, aquelas que estabelecerem processos de
governança de dados, investindo em capital humano e não só
tecnológico, tudo isso como parte da sua missão institucio-
nal, se anteciparão e capitalizarão o processo da formação
de uma cultura de proteção de dados pessoais no Brasil.
UMA OBRIGAÇÃO LEGAL UMA JANELA DE OPORTUNIDADE
Manutenção e revisão dos produtos existentes.
Criação de novos produtos e revisão
de modelo de negócio ou política pública.
Análise estanque centrada no diagnóstico de riscos.
Análise dinâmica centrada no que
a organização pode gerar de valor.
Gestão baseada em mitigação de risco. Gestão baseada em inovação.
Reputação com base no medo de sanções.
Reputação com base em dar
mais transparência ao uso dos dados.
- inovação - competividade - reputação + inovação + competividade + reputação
DUAS MENTALIDADES DE PROCESSO DE CONFORMIDADE À LGPD
LGDP: LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS.
FONTE: ELABORADO EM COAUTORIA COM MARIA CECLILIA OLIVEIRA GOMES, AUTORA DE PARA ALÉM DE UMA OBRIGAÇÃO LEGAL: O QUE A METODOLOGIA DE BENEFÍCIOS E RISCOS NOS
ENSINA SOBRE O PAPEL DOS RELATÓRIOS DE IMPACTO À PROTEÇÃO DE DADOS, 2019.
| 34 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CE | A ERA DOS DADOS • NOVOS DIREITOS
NOVOS DIREITOS
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 35 |
| POR MARIA CECÍLIA OLIVEIRA GOMES
A
Lei Geral de Proteção de Dados Pes-
soais (LGPDP), sancionada no ano
passado, entra em vigor em agosto de
2020. Até lá, as empresas vão ter de
se reorganizar para atender aos direi-
tos dos titulares de dados. Mas como
fazê-lo?
No ordenamento jurídico brasileiro, já existiam mais de
40 leis, resoluções e normativas setoriais sobre o tema,
mas elas nem sempre eram cumpridas. A LGPDP (Lei nº
13.709/2018) engloba a proteção já conferida nas legislações
anteriores, como a possibilidade de os cidadãos confirma-
rem, acessarem, corrigirem e excluírem seus dados, com a
diferença que agora há a sinalização de que a fiscalização
será mais rigorosa.
ALGPDP também atende a novos direitos, os quais foram
gestados mais recentemente por conta do volume expressivo
de tratamento de dados automatizados na era do big data
e da dificuldade de proteger os seus titulares. A utilização
de algoritmos para definir o perfil de um indivíduo corre o
risco de utilizar critérios pouco claros que resultam em de-
cisões discriminatórias e prejuízos aos titulares de dados.
QUAIS SÃO OS NOVOS DIREITOS?
Podemos identificar 13 direitos nos artigos 18 e 20 da
LGPDP. Quem deve atender a eles são os chamados agentes
de tratamento, nesse caso, controladores e operadores. Con-
trolador é o responsável por determinar quais dados pessoais
devem ser coletados. Por exemplo, quando uma farmácia
pede o cadastro de pessoa física (CPF) ou outro dado do
seu cliente para o seu programa de fidelidade, ela é contro-
ladora e responsável por essa relação. Já os operadores vão
agir a pedido ou em nome dos controladores. Utilizando o
mesmo exemplo, o software usado para emissão de nota
fiscal é da empresa operadora, que, a pedido da farmácia,
vai tratar os dados.
Para facilitar a compreensão e torná-la mais acessível,
podemos classificar os direitos da seguinte forma:
•	direitos tradicionais, já presentes em leis setoriais de pro-
teção de dados no Brasil;
•	direitos novos, incorporados na LGPDP por meio do Re-
gulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR), ou
expandidos.
Quanto aos direitos tradicionais, podemos identificá-los
nos seguintes direitos:
•	 confirmação da existência de tratamento;
•	 acesso aos dados;
•	 correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados.
Já os novos podemos encontrar nos seguintes direitos:
•	 anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desne-
cessários, excessivos ou tratados em desconformidade;
•	 portabilidade dos dados;
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais traz aspectos inéditos que
afetam a gestão das empresas. Confira quais são e como cumpri-los.
Caso fique comprovado que determinada empresa
não possui um padrão de segurança adequado para fazer uso
dos dados pessoais coletados, pode ser impedida de continuar
realizando o tratamento deles.
| A ERA DOS DADOS • NOVOS DIREITOS
| 36 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
•	 eliminação dos dados pessoais tratados com o consenti-
mento do titular;
•	 informação das entidades públicas e privadas com as quais
o controlador realizou uso compartilhado de dados;
•	 informação sobre a possibilidade de não fornecer consen-
timento e sobre as consequências da negativa;
•	 revogação do consentimento;
•	 direito de peticionar em relação aos seus dados contra o
controlador perante a autoridade nacional;
•	 direito de oposição nas hipóteses de dispensa de consen-
timento;
•	 direito de revisões de decisões automatizadas;
•	 direito à explicação.
Atualmente, controladores e operadores estão preocupa-
dos em entender esses novos direitos e em como atender a
eles. Destacamos quatro deles que estão sendo alvo de in-
tensos debates hoje no Brasil, os direitos de:
•	 anonimização, bloqueio e eliminação;
•	portabilidade;
•	 revisão de decisão automatizada;
•	 direito à explicação.
Em relação ao primeiro, de forma breve, vale explicar que,
na anonimização, é possível descaracterizar dados para que
não seja possível a reidentificação do titular deles. Dados
anonimizados não são dados pessoais. Por isso, em caso
de incidente de segurança, se a base de dados estiver ano-
nimizada, o dano causado é menor. No caso do bloqueio,
caso fique comprovado que determinada empresa não pos-
sui um padrão de segurança adequado para fazer uso dos
dados pessoais coletados, é possível que seja impedida de
continuar realizando o tratamento deles, até que seu padrão
de segurança seja melhorado.
A eliminação é o pedido de exclusão dos dados pessoais
pelo próprio titular dos dados. Caso um usuário encerre sua
conta de e-mail, por exemplo, pode solicitar à empresa que
fornece o serviço para apagar seus dados pessoais; esta só
pode se recusar a fazê-lo se tiver uma justificativa legal.
Dados relacionados ao IP, que ficam armazenados em cada
uma das vezes em que o e-mail é acessado, devem obriga-
toriamente ser guardados pela empresa de correio eletrô-
nico pelo prazo de seis meses, em cumprimento ao Marco
Civil da Internet.
Já a portabilidade está relacionada à possibilidade de o
titular portar ou transmitir seus dados pessoais de um con-
trolador para outro. Os dados devem ter caráter estruturado
e interoperável, a fim de facilitar a transmissão. Muitas em-
presas estão preocupadas em como atender a esse direito.
A verdade é que a LGPDP não traz critérios claros sobre
o tema e, enquanto isso não é esclarecido pela Autoridade
Nacional de Proteção de Dados (ANPD), é recomendável
que as empresas comecem a fazer um inventário para es-
truturar e catalogar as bases de dados pessoais que retêm.
Arevisão de decisão automatizada refere-se à possibilida-
de de a decisão tomada unicamente com base em tratamen-
to automatizado ser revista quando impactar os interesses
dos titulares, a fim de evitar decisões discriminatórias. Um
exemplo clássico é o do credit score, quando um titular de-
seja obter crédito para comprar um produto, mas tem seu
pedido negado, porque um algoritmo entendeu que ele não
teria capacidade financeira para pagar o empréstimo. Esse
direito já estava presente na Lei de Cadastro Positivo, es-
pecificamente para a finalidade de crédito, tendo sido ago-
ra na LGPDP expandido para outros tipos de finalidades
de tratamento de dados, como a possibilidade de revisão
do que o algoritmo entende que você iria gostar de ver na
sua timeline do Facebook ou do Instagram (propagandas,
fotos, vídeos etc.).
Por fim, o direito à explicação é a possibilidade de o titular
dos dados requerer esclarecimentos sobre os critérios e os
procedimentos utilizados para uma decisão tomada unica-
mente com base em tratamento automatizado, observados
os segredos comercial e industrial.
MARIA CECÍLIA OLIVEIRA GOMES > Advogada especializada em Privacidade e
Proteção de Dados, pesquisadora e líder de Projeto de Proteção de Dados na FGV >
mariacecilia.og@gmail.com
PARA SABER MAIS:
−	 Bruno Ricardo Bioni. Proteção de Dados Pessoais: A função e os limites do consentimento, 2018.
−	 Ana Frazão. Nova LGPD: os direitos dos titulares de dados pessoais, Jota, 2018.
Disponível em: jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/nova-
lgpd-os-direitos-dos-titulares-de-dados-pessoais-17102018
−	 Renato Leite Monteiro. Existe um direito à explicação na Lei Geral de Proteção de Dados?
Instituto Igarapé, 2018.
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 37 |
COMO CUMPRI-LOS?
Além de procurar compreender os direitos da LGPDP, os
controladores estão questionando dois pontos:
•	 Qual é o prazo de atendimento a esses direitos;
•	 Qual é a forma de atender a eles?
Ainda estão bastante nublados a forma, o prazo e os cri-
térios de atendimento a todos esses direitos, por mais que
nos artigos 19 e 20 da LGPDP haja breves esclarecimentos
sobre alguns. Dessa forma, o ideal é ir organizando a pró-
pria “casa” para que se possa ter conhecimento sobre to-
dos os dados pessoais que estão presentes nas bases e nos
fluxos da empresa.
Quanto ao prazo, é importante mencionar que os únicos
direitos em que há indicação expressa na lei são os de aces-
so e o de confirmação de tratamento, sendo este último o
direito de o titular ter a confirmação de que um controla-
dor ou operador possui seus dados pessoais armazenados.
A LGPDP determina o atendimento deles em até 15 dias,
contados da solicitação do titular. Em relação aos demais,
a lei não se atentou em estabelecer o prazo. A interpreta-
ção existente, por mais subjetiva que seja, é a de que eles
deverão ser cumpridos em um prazo razoável, o que pode
ser de uma semana para algumas empresas, ou de um mês
para outras, dependendo da organização interna em pro-
cessar os pedidos.
Para atender aos direitos da LGPDP, existem atualmente
no mercado várias formas de gerenciar as requisições dos
titulares. O investimento em uma ferramenta ou aplicação
vai depender do volume de solicitações dos titulares e da
complexidade dos tratamentos envolvidos. Caso haja baixo
volume de pedidos – quando o modelo de negócio é mais
focado em pessoa jurídica, por exemplo –, um canal ade-
quado pode ser um chatbot ou e-mail, que o controlador
é capaz de administrar mesmo com uma equipe pequena.
Caso o volume de requisições seja elevado e as operações
de tratamento sejam complexas, o ideal é ter soluções auto-
matizadas como um privacy dashboard (plataforma de priva-
cidade) para gerenciar os pedidos e para o titular dos dados
conseguir ter acesso imediato a alguns de seus direitos. Se a
gestão for manual, será necessária uma quantidade expres-
siva de pessoas dedicadas a atender a todas as solicitações.
Considerando os direitos que já eram previstos nas leis
setoriais brasileiras de proteção de dados e os mais recentes,
gestados por conta do crescimento do tratamento automati-
zado de dados, é possível enxergar a fotografia atual do tema
no Brasil: já havia direitos, mas não necessariamente eles
eram cumpridos.Agora, com o acréscimo de novos direitos
e a clara intenção de fiscalização da lei, provavelmente o
cenário vai se alterar. Por esses motivos, é importante que
os controladores se atentem para esse tema nesse momen-
to, a fim de estarem em conformidade com as obrigações
previstas relativas aos direitos dos titulares antes da entrada
em vigor da LGPDP.
| 38 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
A | MARKETING • SIGA-ME
SIGA-ME
AS EMPRESAS ADOTAM MARKETING NAS REDES SOCIAIS NÃO PELA
RACIONALIDADE ECONÔMICA, MAS POR INFLUÊNCIA OU PRESSÃO DE
PARES, FUNCIONÁRIOS, CONCORRENTES E CLIENTES.
| POR FELIPE BOGÉA, ELIANE ZAMITH BRITO E LILIAN CARVALHO
GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 39 |
N
os primeiros dias da internet, os gestores não
faziam ideia de como a world wide web iria
transformar os negócios. Cada empresa luta-
va, com estratégias e táticas diferentes, para
prever como a internet poderia mudar sua
interação com os stakeholders, transformar
seus processos e gerar valor. Dinâmica parecida ocorre hoje
com as redes sociais. Sem conseguir enxergar claramente o
impacto das novas mídias, as empresas vão tateando cau-
telosamente o universo do YouTube, Facebook, Instagram,
Twitter, LinkedIn.
A despeito de as pessoas adotarem rapidamente essa for-
ma onipresente de comunicação, muitas organizações têm
resistido em implantar atividades de marketing nas redes
sociais. Para entender os desafios enfrentados no contex-
to brasileiro, fizemos uma pesquisa com profissionais de
marketing do país. Em uma primeira fase, foram entrevista-
dos, em profundidade, 17 profissionais de grandes empresas
para identificarmos os fatores que impulsionam a adoção
de marketing nas redes sociais. Depois, procuramos medir
quais desses fatores eram relevantes, com base em questio-
nários enviados a gestores que atuavam em organizações
de pequeno, médio e grande porte.
INCERTEZAS E FACILITADORES
Um fator que se destacou diz respeito à mensuração de
resultados. Os gestores precisam poder tornar tangíveis os
resultados do investimento, mas, nas entrevistas, eles ex-
pressaram incerteza sobre o retorno das estratégias nas re-
des sociais. Há dúvidas acerca de como mensurar os resul-
tados e como associar a alocação de recursos nesse tipo de
marketing aos ganhos de produtividade, rentabilidade e par-
ticipação de mercado, ou seja, à utilidade do investimento.
Como é difícil reconhecer a efetividade do marketing em
redes sociais, falta apoio institucional da alta liderança das
empresas para que esses investimentos sejam realizados.
Os gestores mencionaram também a maior complexidade
do contexto de marketing e comunicação nos últimos anos,
o que leva à percepção de que é preciso dispender mais es-
forço para gerenciar efetivamente a relação com o consu-
midor e com os canais de comunicação. Essa complexida-
de, misturada com a falta de conhecimento dos executivos
sobre marketing nas redes sociais, gera um sentimento de
incerteza. São muitas variáveis a serem controladas em
marketing em redes sociais: o tipo de rede, o tipo de anún-
cio (texto? Imagem? Vídeo?).
Uma rede de especialistas externos ou de membros da
equipe que sejam mais jovens e que possam apoiar a atuação
nas redes sociais potencializa positivamente a intenção de
adotar estratégias de marketing nas redes sociais. Os exe-
cutivos consultados fazem parte de uma geração de imi-
grantes digitais, pessoas que nasceram em um mundo ana-
lógico, sem internet. Esse perfil de profissionais expressa
insegurança ao lidar com investimentos nas novas mídias.
A presença de pessoas mais jovens é vista como positiva,
pois estes são os chamados nativos digitais e podem dar
mais firmeza ao gestor.
Ter por perto gente que navegue bem pelo mundo virtu-
al anula o efeito negativo da percepção de que é necessá-
rio muito esforço para gerenciar iniciativas de marketing
nas redes sociais. Nesse sentido, o papel das agências de
marketing digital pode ganhar relevância no futuro próxi-
mo, assim como o de funcionários que tenham treinamento
específico nas tecnologias de comunicação digital.
INFLUÊNCIA DE STAKEHOLDERS
Os resultados mostraram que, diante das dificuldades
em compreender o funcionamento das novas mídias e das
incertezas em relação ao retorno da estratégia, os gestores
acabam muitas vezes investindo em marketing das redes
sociais por influência ou pressão de seus pares, de líderes
de opinião, de clientes e de concorrentes.
Os entrevistados mencionaram o senso comum genérico
de que o marketing em mídia social “é o futuro”. Essa per-
cepção está associada aos movimentos de empresas de re-
ferência ou de concorrentes. Estudos anteriores já haviam
chamado a atenção para esse aspecto. Em artigo publicado
na revista acadêmica Journal of the Academy of Marketing
Science, Fang Wu, Vijay Mahajan e Sridhar Balasubramanian
mostram que, quando o ambiente de competição é inten-
so, as empresas acabam por adotar o marketing digital sem
considerar seus benefícios reais, seguindo apenas a estra-
tégia dos concorrentes.
A segunda fase da nossa pesquisa mostrou que, de fato, a
influência social tem impacto positivo na intenção de adotar
TER POR PERTO GENTE QUE NAVEGUE
BEM PELO MUNDO VIRTUAL ANULA O
EFEITO NEGATIVO DA PERCEPÇÃO DE QUE
É NECESSÁRIO MUITO ESFORÇO PARA
GERENCIAR INICIATIVAS DE MARKETING
NAS REDES SOCIAIS.
| 40 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
|MARKETING • SIGA-ME
PARA SABER MAIS:
−	 Pratyush Bharati, Chen Zhang e Abhijit Chaudhury. Social media assimilation in firms:
Investigating the roles of absorptive capacity and institutional pressures.  Information
Systems Frontiers, v.16, n.2, 2014.
−	 Marcia DiStaso, Tina McCorkindale e Donald Wright. How public relations executives
perceive and measure the impact of social media in their organizations. Public Relations
Review, v.37, n.3, 2011.
−	 Yogesh Dwivedi, Nripendra Rana, Anand Jeyaraj, Marc Clement e Michael Williams.
Re-examining the unified theory of acceptance and use of technology: towards a revised
theoretical model. Information Systems Frontiers, 2017. Disponível em: doi.org/10.1007/
s10796-017-9774-y
−	 John Meyer e Brian Rowan. Institutionalized organizations: formal structure as myth and
ceremony. American Journal of Sociology, v.83, n.2, 1977.
−	 Social Media Trends. Inteligência Rock Content. 2019. Disponível em: inteligencia.
rockcontent.com/social-media-trends-2019-panorama-das-empresas-e-dos-usuarios-nas-
redes-sociais/
−	 Fang Wu, Vijay Mahajan e Sridhar Balasubramanian. An analysis of e-business adoption
and its impact on business performance. Journal of the Academy of Marketing Science,
v.31, n.4, 2003. Disponível em: doi.org/10.1177/0092070303255379
o marketing nas redes sociais. Ou seja, outros profissionais
da empresa ou líderes de opinião do mercado podem incen-
tivar o gestor a iniciar atividades nas novas mídias.As ações
de marketing nas redes sociais dos principais competido-
res também são fator de enorme pressão. O efeito é mais
sensível se os clientes reconhecem a vantagem do concor-
rente. Por meio desse comparativo ou não, os clientes tam-
bém influenciam as empresas a investirem em marketing
em redes sociais.
RECOMENDAÇÕES
De acordo com os achados combinados das duas fases
da pesquisa, a influência social e as pressões do ambiente
competitivo são o que efetivamente promovem a decisão
de investir em marketing nas redes sociais.
Além disso, as empresas podem investir em condições
que facilitem a adoção de atividades voltadas às novas mí-
dias. Os gestores de marketing devem direcionar esforços
para ter uma equipe qualificada a fim de implantar estra-
tégias de marketing nas redes sociais e que seja capaz de
capturar os efetivos efeitos dessa atuação no desempenho
da marca ou da empresa.
FELIPE BOGÉA > Sócio da F2F Digital e doutor pela FGV EAESP >
felipe.bogea@f2f-digital.com.br
ELIANE ZAMITH BRITO > Professora da FGV EAESP e coordenadora do GV Redes
> eliane.brito@fgv.br
LILIAN CARVALHO > Professora da FGV EAESP e coordenadora adjunta do GV
Redes > lilian.carvalho@fgv.br
FONTE: SOCIAL MEDIA TRENDS/ROCK CONTENT, 2019.
EVOLUÇÃO DA PRESENÇA DAS EMPRESAS NAS REDES SOCIAIS NO BRASIL
Facebook
0
25
50
75
%
100
Instagram LinkedIn Twitter Youtube Pinterest Snapchat OutroGoogle+
97,6
63,3
80,2
89,4
56,4
44,6
44,2
32,8
9,9
8,7
2,4
0,7
1,2
1,2
2,0
8,5
7,9
21,9
19,8
33,6
47,6
47,6
30,4
46,2
47,2
97,5
98,8
Panorama 2017 Panorama 2018 Panorama 2019
Como o grande empecilho para o avanço dessas atividades
são as dúvidas em relação ao retorno do investimento, as pla-
taformas de redes sociais devem se concentrar em demonstrar
o valor para os negócios de suas soluções de marketing.
| 42 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
A | GESTÃO • AS FALHAS DAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO
AS FALHAS DAS
POLÍTICAS DE INOVAÇÃO
OS PROGRAMAS BRASILEIROS DE INOVAÇÃO NÃO DEMONSTRAM
ADERÊNCIA ÀS NECESSIDADES DOS PEQUENOS NEGÓCIOS E DO
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL LOCAL DO PAÍS.
| POR GLESSIA SILVA E LUIZ CARLOS DI SERIO
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GV-executivo, vol. 18, n. 4, julho-agosto 2019

  • 1. FGV.BR/EAESP/MPGC “TODO MUNDO SABE QUE A FGV EAESP É O TOPO EM ADMINISTRAÇÃO. O CURSO REFORÇA ESSA VISÃO.” MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO PARA COMPETITIVIDADE FGV EAESP TODA A EXCELÊNCIA, CONHECIMENTO E INOVAÇÃO DA FGV PARA QUE PROFISSIONAIS E EMPRESAS SE DESTAQUEM NO MERCADO. • FINANÇAS E CONTROLADORIA • GESTÃO DE PESSOAS • GESTÃO DE SAÚDE • SUPPLY CHAIN • SUSTENTABILIDADE • TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO • VAREJO SANDRO BENELLI SUPERINTENDENTE DOS SUPERMERCADOS IRMÃOS LOPES E DA BOMBRIL ALUNO DO MPGC - VAREJO FGV EAESP. ACREDITADA POR TRÊS ENTIDADES INTERNACIONAIS ESPECIALIZADAS NO ASSUNTO. VOLUME18-NÚMERO4-JULHO/AGOSTO2019GVexecutivoFGV-EAESP C O N H E C I M E N TO E I M PA C TO E M G E S TÃ O Publicação da Fundação Getulio Vargas VOLUME 18, NÚMERO 4 JULHO/AGOSTO 2019 ENTREVISTA RACHEL MAIA, PRESIDENTE DA LACOSTE, FALA SOBRE COMO SE TORNOU UMA OUTLIER QUEM QUER PRODUTOS PARA DURAR? FALHAS NAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO R$30,00 977180689700248100 A ERA DOS DADOS ESPECIAL ALFABETIZAÇÃO DIGITAL | REÚSO DE DADOS | UMA LEI PARA INOVAR | BIG DATA PARA O BEM COMUM | TECNOLOGIA A FAVOR DA SUSTENTABILIDADE | PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
  • 2. A GV-executivo está disponível para smartphones e tablets nas plataformas Android e iOS (Apple) fgv.br/gvexecutivo PwC Brasil @PwCBrasil PwC Brasil PwC Brasil @PwCBrasil Excelência da estratégia à execução, agora reconhecida também pela Forrester Research*. PwC Cybersecurity Services Neste documento, “PwC” refere-se à PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda., firma membro do network da PricewaterhouseCoopers, ou conforme o contexto sugerir, ao próprio network. Cada firma membro da rede PwC constitui uma pessoa jurídica separada e independente. Para mais detalhes acerca do network PwC, acesse: www.pwc.com/structure © 2019 PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda. Todos os direitos reservados. * Forrester Research é uma das mais importantes empresas globais de pesquisa e consultoria em tecnologia.
  • 3. PwC Brasil @PwCBrasil PwC Brasil PwC Brasil @PwCBrasil Excelência da estratégia à execução, agora reconhecida também pela Forrester Research*. PwC Cybersecurity Services Neste documento, “PwC” refere-se à PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda., firma membro do network da PricewaterhouseCoopers, ou conforme o contexto sugerir, ao próprio network. Cada firma membro da rede PwC constitui uma pessoa jurídica separada e independente. Para mais detalhes acerca do network PwC, acesse: www.pwc.com/structure © 2019 PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda. Todos os direitos reservados. * Forrester Research é uma das mais importantes empresas globais de pesquisa e consultoria em tecnologia.
  • 4. | 2 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS | EDITORIAL
  • 5. GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 3 | O FUTURO QUE NOS ESPERA O tempo circular, a repetição das estações e a inexistência do relógio organizaram a vida cotidiana até meados da Idade Média. Com o advento do relógio, que marcava apenas o ho- rário das rezas nas grandes torres das igrejas, no território que chamamos hoje de Europa, a vida passou a ser organizada também por um tempo cha- mado linear, infinito. A incorporação do tempo do relógio na vida cotidiana levou vários séculos, e só recentemente o tempo mundial foi unificado, apesar de alguns países ainda guardarem temporalidades diferentes (como China e Israel). Anoção de tempo, uma construção humana, passou a guiar a vida nas escolas, no trabalho, no lazer, no transporte, en- fim, em todas as atividades do dia a dia. Todavia, esse tempo linear transformou-se no tempo simultâneo dos computadores, que nos bombardeia com informações de toda ordem. Não é possível prever o que vai acontecer quando os humanos incorporarem o tem- po simultâneo, mas já podemos sentir o sabor do futuro que nos espera. Milhões de dados podem ser acessados ao mesmo tempo, decisões precisam ser tomadas sem que se possa avaliar a totalidade das informações... Torna-se cada vez mais necessário desenvolver a capacidade de proces- sar e de interpretar dados para decisões em tempo real. Assim, a GV-executivo traz o debate contemporâneo sobre essa era dos dados, com foco em suas consequên- cias para o mundo dos negócios. Agradecemos ao profes- sor Eduardo Henrique Diniz, que conduziu a organização dos artigos que compõem este caderno especial e que tra- tam de alguns dos assuntos mais relevantes sobre a temáti- ca. João Luiz Becker e Eduardo Henrique Diniz discutem como disseminar a linguagem dos dados; Simone S. Lu- vizan debate a questão do reúso dos dados, ou seja, num ecossistema complexo, como os dados são utilizados para diferentes fins aos quais foram gerados, um problema atu- al que traz a necessidade de incluir procedimentos éticos no manuseio das informações. Em continuidade, Aron Be- linky mostra que o big data ainda não foi incorporado nos indicadores de sustentabilidade; Silvia Rodrigues Follador e Julie Ricard tratam da utilização do big data para várias situações: mapeamento de pobreza, monitoramento de flu- xos migratórios e planejamento de transportes, para o bem comum. O caderno especial traz ainda dois artigos sobre regulação dos dados: Maria Cecília Oliveira Gomes explo- ra os novos direitos nesse campo, e Bruno Ricardo Bioni discute as leis de proteção de dados pessoais. Completam a edição o artigo de Glessia Silva e Luiz Carlos Di Serio, que mostra que os programas de inovação brasileiros não são adequados às necessidades dos peque- nos negócios nem ao desenvolvimento econômico, social e local do país; o texto de Viviane Monteiro, trazendo a in- teressante história da obsolescência planejada, que come- çou em 1924 com o cartel das produtoras de lâmpadas, e discutindo necessidades psicossociais de novos produtos; e o artigo de Felipe Bogéa, Eliane Zamith Brito e Lilian Carvalho sobre as incertezas que cercam o investimento e o controle do marketing nas redes sociais. Apresentamos ainda as colunas Sociedade e Gestão, de Amon Narciso de Barros; Carreira, de Beatriz Maria Braga; e Economia, de Paulo Sandroni; além de uma en- trevista com Rachel Maia, mulher negra que superou bar- reiras, esteve à frente de empresas do mercado de luxo como Pandora e Tiffany & Co. no Brasil e hoje responde pela Lacoste no país. Desejamos uma ótima leitura a todos. Maria José Tonelli – Editora chefe Adriana Wilner – Editora adjunta
  • 6.
  • 7. ARTIGOS GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 5 | ENTREVISTA > RACHEL MAIA 48 Sociedade e gestão O fim da fantasia - Amon Narciso de Barros 49 Economia Brasília, Buenos Aires, ou Caracas? - Paulo Sandroni 50 Projeto de vida O trabalho estaria perdendo a importância? - Beatriz Maria Braga COLUNAS A outlier Aline Lilian dos Santos e Adriana Wilner 6 Siga-me Felipe Bogéa, Eliane Zamith Brito e Lilian Carvalho 38 As falhas das políticas de inovação Glessia Silva e Luiz Carlos Di Serio 42 Quem quer produtos para durar? Viviane Monteiro 45
  • 8. FOTO:DIVULGAÇÃO | ENTREVISTA • RACHEL MAIA | 6 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS E
  • 9. | POR ALINE LILIAN DOS SANTOS E ADRIANA WILNER N o Brasil, apenas 18% das empresas possuem mulheres na presidência, de acordo com a pesquisa Panorama Mulher, realizada pela Talenses em parceria com o Insper. Quando falamos em mulheres negras, a situação é ainda mais preo- cupante: apenas 0,4% ocupam cargos executivos nas maio- res corporações do país, segundo o estudo Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, do Instituto Ethos, em cooperação com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Fundação Getulio Vargas (FGV) e outras instituições. Rachel Maia é uma das profissionais que se destacam nessa minoria. Depois de ser chief financial officer (CFO) da Tiffany & Co. por sete anos e chief executive officer (CEO) da Pandora por quase nove, ela está à fren- te da Lacoste no Brasil. Caçula de sete irmãos, Rachel foi criada na região da Cidade Dutra, zona sul de São Paulo. Inspirada por seu pai, que, autodidata, saiu da posição de faxineiro para a de mecânico de voo na extinta companhia aérea Viação Aérea São Paulo (Vasp), ela sempre se dedicou aos estudos. Após cursar Ciências Contábeis pelo Centro Universitário das Faculdades Metropoli- tanas Unidas (FMU), trabalhou como controller na rede de conveniências da 7-Eleven. Depois de sete anos, ao sair do emprego, usou o dinheiro da rescisão para estudar nos Estados Unidos por dois anos. Esse investimen- to foi fundamental para o seu próximo passo como chief financial officer (CFO) na farmacêutica Novartis e, depois, para o mercado de luxo. Ra- chel fez – e continua fazendo – diversos cursos em instituições como Har- vard, FGV EAESP e Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista exclusiva à GV-executivo, Rachel fala sobre sua trajetória, os desafios que enfrentou para chegar onde está, a relevância do conheci- mento para o crescimento profissional, além de seu propósito de incenti- var as pessoas a acreditarem que é possível conquistar o que se quer, in- dependentemente de cor, gênero ou condição social: “Sim, esse pode ser seu lugar também, mas estude, vá atrás”. A OUTLIER GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 7 |
  • 10. | ENTREVISTA • RACHEL MAIA GV-executivo: O que você sonhava em ser quando era criança? Rachel: Eu não sonhava em atingir a presidência de uma empresa. Come- cei trabalhando como monitora aos 14 anos. Meus pais nunca fizeram ques- tão que meu salário fosse para casa, mas sempre ajudei com alguma con- ta ou com a mistura. O resto ia para o próximo. GV-executivo: Em uma sociedade em que o preconceito é muito pre- sente, você, mulher, negra, atingiu o cargo de presidência em empresas como Pandora e Lacoste. Como en- frentou os obstáculos e quais fato- res contribuíram para chegar onde está? Rachel:Afirmo com convicção ple- na e total que a educação foi a mola propulsora para me fazer sentar onde estou hoje. A sorte também fez par- te da minha vida. Estive no lugar cer- to, na hora certa. Também soube dar a resposta correta, porque, se você não vem com uma bagagem acadêmica, não adianta. Na entrevista para a Tiffany, o CFO global me perguntou o que esta- va acontecendo no mundo. Num pri- meiro momento, eu, nervosa, falei: “Meu nome é Rachel Maia, meu cur- rículo é...”. Ele respondeu: “Seu cur- rículo tenho na minha mão, quero sa- ber o que está acontecendo no mundo”. Voltei para meu eixo. Leio jornal to- dos os dias e consegui dizer quais eram as principais notícias daquele momen- to. Além disso, sabia quais marcas de luxo e cores estavam na passarela. Isso porque sou muito curiosa, nunca fiquei sem um livro de cabeceira: nesse mo- mento, no lado direito, tem a biogra- fia da Michelle Obama e, no lado es- querdo, sempre vai ter a Bíblia. Seu conhecimento lhe basta hoje? Talvez, mas amanhã não necessariamente vai te levar ao sucesso. Então, você tem que ralar muito, estar superantenado para trazer mais coisas. Tenho dois MBAs [Master of Business Administration] e um de CEO, da FGV ─ que está em andamento ─, dois aperfeiçoamentos... Tenho inglês fluente, mas, como estou numa empresa francesa, vou começar a aprender francês. Meu presidente fa- lou: “Rachel, não precisa”. Mas eu que- ro! Conhecimento adquirido ninguém tira.Avida te proporciona oportunida- des e, se você é uma pessoa de men- te aberta, pode mudar. Tudo bem se você quebrar a cara. Se olhar a minha balança de “sim” e “não”, tenho mui- to mais “não” do que “sim”, mais er- ros do que acertos. Faz parte da vida. GV-executivo: Como você entrou no mercado de marcas de luxo? Rachel: Eu defino onde quero estar. Minha responsabilidade é impulsionar mais dos meus para que também se sin- tam capazes de estar. Se hoje posso ser um exemplo, que seja usado como po- sitivo. Eu não tinha ninguém para me ajudar e vi o copo meio cheio. Falei: “Quero aquele lugar! O que vou fazer para alcançá-lo?”. Muitas vezes, sen- ti que o sapato era maior que o pé; pus algodãozinho, jornalzinho, até meu pé se encaixar nele. GV-executivo: Você já declarou que “o luxo é loiro, magro e tem olhos azuis”. Nesse sentido, você quebrou paradigmas, não? Rachel: O luxo era isso. Hoje você vê grandes marcas internacionais que dão preferência a diferentes arquétipos. Isso é fantástico! Por isso, acho que essa frase não se aplica mais. O Latin American tem muito a aprender com isso, porque muitas vezes somos medí- ocres na questão do: “Eu preconceitu- oso? Imagina!”. Olha o seu ciclo ime- diato, quantos negros tem? Não tem. GV-executivo: Você faz parte de vá- rias ações e organizações interna- cionais que incentivam a inclusão social e profissional, bem como a di- versidade. Como vê a evolução des- ta questão? Rachel: Acho que o conjunto faz muito mais, por isso precisamos ter di- versidade de pensamento. Em um con- texto de gestão, converso com os ho- mens para entender quais são as ideias deles do diverso, para eu me aprimo- rar e melhorar. Esse é o meu perfil, sou agregadora, gosto de olhar a mesa e ver vários estilos. Aqui vem gente de VOCÊ PODE, VOCÊ TEM VEZ, VOCÊ TEM VOZ, MAS SE POSICIONE, NÃO FIQUE ESPERANDO UM TERCEIRO VIR E TE CHAMAR, PORQUE NÃO VAI ACONTECER. DIGA: “VOU PEGAR A MELHOR FATIA DO BOLO”. | 8 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
  • 11. FOTO: DIVULGAÇÃO RAIO X Rachel Maia Graduada em Ciências Contábeis pela FMU Pós-graduada em finanças pela USP e possui cursos de especialização na FGV São Paulo; em Vancouver, no Canadá; e na Universidade de Harvard, nos EUA Foi CFO da Novartis Foi CFO da Tiffany & Co. no Brasil Foi CEO da Pandora no Brasil Atual CEO da Lacoste no Brasil short, bermuda, tatuagem,brinco.Éisso que quero. Vou para o boteco com eles, comox-tudo,aquelascalabresinhas...As pessoas se sentem genuinamente mais agregadas pelo fato de a posição não trazer diferenças. Tem a posição x e só pode estar no lugar y? Não! Você pode ficar onde quiser, desde que esteja feliz. GV-executivo: Como costuma res- ponder a situações de preconceito no ambiente profissional? Rachel:Acho que temos de ser mais motivadores no discurso. O olhar po- sitivo faz com que as pessoas tenham esperança. Minha característica não é responder na mesma moeda, não sou agressiva, violenta. Quero mostrar por meio de incentivos como ser do bem com alguém que olhou para mim de forma excludente. Tratar a pessoa bem agride muito mais. Não faço para agre- dir, mas para falar: “Olha, sei o meu valor, não precisa ficar me falando”. Estou aqui para somar e acho que as pessoas me vendo vão naturalmente se sentir incluídas. No Brasil, não há como falar que o negro não sofre pre- conceito, porém existem formas de li- dar com a situação. Você se esconde ou se mostra? Quer saber? Vou me mos- trar. Vão ter que me engolir. GV-executivo: Muitas mulheres não ascendem na vida profissional por não conseguirem conciliar a vida fa- miliar com o trabalho. Como você vê isso? Rachel: Às vezes somos nossas pró- prias limitadoras. Claro, há muitas situ- ações em que a mulher ouve: “Se você é mãe, não vou te dar mais oportuni- dades”. Mas em muitos casos foi uma opção dela parar de trabalhar para criar os filhos, e está tudo bem. Temos que ser fortes inclusive para assumir nos- sas escolhas. Tenho uma filha e estou na fila para a adoção de outra criança. Nunca tive vergonha de bater na por- ta da vizinha, pedir ajuda para minha mãe, meu pai, minha irmã, porque te- nho meus objetivos claros. Vivencio isso: tem muitas mães que querem tra- balhar, que não querem, que querem e não podem, que querem e o marido não deixa, que querem e a empresa não dá oportunidade... Acho que a gente tem que ser mais justo e não colocar a res- ponsabilidade só em um meio. Quer fi- car dois anos fora do mercado? Tudo bem, mas saiba que esses dois anos vão te colocar para trás, porque o que serve hoje para uma empresa amanhã não serve mais. Crie metas na sua vida. GV-executivo: Como promover a di- versidade em uma organização? Rachel: Por meio das ações. Se você olha o seu ciclo imediato e não tem diversidade, tem que se questionar. Hoje, não basta se posicionar como: “Não atuo dessa forma”. Como você está agindo para agregar, para melho- rar a situação? GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 9 |
  • 12. | ENTREVISTA • RACHEL MAIA GV-executivo: Você acredita que es- tamos evoluindo em termos de di- versidade nas organizações? Rachel: Tem muita evolução, mas vejo que muitos gestores precisam se desenvolver para trazer essa naturali- zação de modo a não sermos iguais. As pessoas tendem a escolher os seus, e isso não traz essa naturalização. No entanto, como também trabalho com o lado de lá ─ tenho um projeto de capacitação ─, vejo que existe uma zona de deterioração da autoestima, pois as pessoas que querem ser ajuda- das não estendem a mão. O que fazer para mudar a situação? Passei por tan- tos perrengues que era para ter desis- tido. Não quero dar essa ideia para nin- guém, mas sei que vai ser duro. Para a mulher, é duro duas vezes; para a mu- lher negra, você não tem noção do que é. Eu poderia falar só de tombos, porra- das e das vezes em que fui ameaçada, mas não é isso que vai fazer a diferen- ça. Devemos incentivar essa geração: você pode, você tem vez, você tem voz, mas se posicione, não fique esperando um terceiro vir e te chamar, porque isso não vai acontecer. Diga: “Vou pegar a melhor fatia do bolo”. Isso vai pare- cer meio pretensioso, mas tudo bem. Os lugares não são poucos? Então, faça a sua escolha. Única chefe pre- tinha globalmente, sou eu. GV-executivo: É preciso muita de- terminação, além de preparo, não? Rachel: Há 20 anos, eu era control- ler, a única mulher. Eu ia para a Suíça defender investimentos com aqueles loiros, lindos, maravilhosos. As pes- soas me olhavam com um ar que que- ria dizer: “Não tem nada lá para você”. Há muitos anos eu ficava mal com isso, hoje não mais. Por isso, faço coaching, mentoring, análise e tudo mais. Costu- mo fazer palestras, principalmente na periferia, e digo: “Vamos mostrar que você é o outlier do processo, mas seja o outlier do processo”. GV-executivo: Você idealizou o pro- jeto Capacita-me, que forma profis- sionais para o mercado de trabalho. Como você vê a evolução dessas mu- lheres nesse contexto de mudança? Rachel:Amulherada está meio que tomando conta do mercado. Está pe- rigoso até. Quando fiz contabilidade, ainda era uma classe de 20% mulheres e 80% homens. Hoje, se não for meio a meio..., o gender do quadro acadê- mico já é feminino. Fiz parte de um movimento do Sebrae [Serviço Bra- sileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], e na camiseta estava escri- to: “Eu sou mulher, e daí?”, ou algo do tipo. Uma das meninas falou: “Vou ter que tirar isso quando chegar no meu bairro”. Faz total sentido! Porque ain- da existe uma transformação e a gen- te tem que ser smart o suficiente para saber aonde podemos chegar por meio da educação, do engajamento, de tra- zer para o mesmo lado. GV-executivo: O que você diria para outras mulheres e mulheres negras, particularmente, que desejam trilhar uma carreira como a sua? Rachel: Preste atenção nos sinais que a vida te dá. Foi isso que me fez estar no lugar certo, na hora certa. Per- ceba as coisas que a vida te proporcio- na, a oportunidade não morre. Se não for você, alguém vai pegar. Minha fi- lha me deu um sinal em relação ao meu olhar que, antes de ela nascer, era muito mais duro; e a Sarah Maria sempre teve um olhar muito doce. Pensei: “Olha aí: tem alguma coisa para eu aprender”. Então, comecei a traduzir aquilo que no fim do dia me fazia feliz, uma fala mais mansa, um olhar mais suave, ser mais convidativa em vez de repelir. Sou muito grata pelas lições que vie- ram dos meus pais, de ver o lado bom da história. Acho que vou continuar tentando incentivar as pessoas. ALINE LILIAN DOS SANTOS > Jornalista da GV-executivo > aline.lilian@fgv.br ADRIANA WILNER > Editora adjunta da GV-executivo > adriana.wilner@fgv.br | 10 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS PRESTE ATENÇÃO NOS SINAIS QUE A VIDA TE DÁ. FOI ISSO QUE ME FEZ ESTAR NO LUGAR CERTO, NA HORA CERTA. A OPORTUNIDADE NÃO MORRE. SE NÃO FOR VOCÊ, ALGUÉM VAI PEGAR.
  • 13. | CADERNO ESPECIAL • A ERA DOS DADOS CE Como disseminar a linguagem dos dados12 Desafios de usar dados para novos fins16 Em busca do investimento sustentável 22 Big data para o bem comum26 Inovar pela lei30 Novos direitos34 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 11 |
  • 14. CE | A ERA DOS DADOS • COMO DISSEMINAR A LINGUAGEM DOS DADOS | 12 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
  • 15. COMO DISSEMINAR A LINGUAGEM DOS DADOS GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 13 | | POR JOÃO LUIZ BECKER E EDUARDO HENRIQUE DINIZ P ara interagir e conviver atualmente com outros indivíduos e com o mundo do tra- balho, as pessoas cada vez mais neces- sitam ser “letradas” em dados. Pesqui- sa realizada com executivos pelo Grupo Gartner revela que 80% das organizações pretendem iniciar programas internos de data literacy, expressão que surgiu para identificar a habi- lidade de ler, escrever e compreender dados. O objetivo é cobrir deficiências de formação que impedem que se use o potencial dos dados para gerar valor para os negócios. Precisamos, portanto, levar profissionais de administração a conhecerem, simultaneamente, ferramentais quantitativos, estatísticos, computacionais e de tecnologia da informação. Aeducação dos gestores dos setores privado e público deve envolver uma reflexão sobre como várias metodologias e técnicas podem ser usadas para resolver problemas práticos, capacitando tais gestores a solucionar questões complexas a partir da análise de grandes volumes de dados. POTENCIAIS E DIFICULDADES Considere-se, por exemplo, a crescente utilização de gran- des volumes de dados para analisar a mobilidade humana. Com o rastreamento do uso de celular de milhões de usuá- rios de telefonia monitorados on-line, é possível estudar o comportamento das pessoas em situações específicas. No caso da avaliação de riscos de uma catástrofe, torna-se viá- vel compreender para onde e como as pessoas se deslocam e, com isso, propor modelos mais seguros para enfrentar momentos críticos. Em um plano micro, uma loja de de- partamentos pode avaliar o movimento dos consumidores em seu estabelecimento para propor-lhes melhores serviços. Podemos também pensar em cruzamentos de bases de da- dos distintas com a finalidade de conhecer comportamen- tos que hoje só conseguimos analisar superficialmente. Um exemplo com muito potencial de estudo é o Cadastro Único, que contém dados das famílias mais pobres do Brasil e ser- ve de base para mais de duas dezenas de políticas públicas do país, como o Programa Bolsa Família e o Programa de Todos podem aprender as habilidades de ler, escrever e compreender dados, desde que se mudem os paradigmas de ensino de data literacy.
  • 16. | A ERA DOS DADOS • COMO DISSEMINAR A LINGUAGEM DOS DADOS O aprendizado centrado no participante e na prática quotidiana ajuda a valorizar as ferramentas analíticas de baixo para cima, em um processo de “aprender fazendo”. | 14 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Apoio à Conservação Ambiental. A dificuldade é avaliar o impacto desses programas na vida dos beneficiários de for- ma mais abrangente. Qual é a relação entre o Bolsa Família e o consumo de tecnologia das famílias beneficiárias, por exemplo? Como o Programa Nacional de Crédito Fundiá- rio afeta a incidência de doenças no interior do país? Essas perguntas só podem ser respondidas com um olhar atento à lógica dos dados históricos existentes tanto na base do Ca- dastro Único quanto em bases da área de saúde e de siste- mas de telefonia, por exemplo. Há duas categorias de problemas para a materialização das análises desses casos que mencionamos anteriormente. A primeira é como acessar os dados de forma segura e sem ferir a privacidade dos indivíduos que serão “monitorados”. Essa primeira categoria de problemas é abordada, nesta edi- ção, em dois artigos, um sobre a nova legislação de prote- ção de dados e o outro sobre projetos para o uso dos dados em benefício da população, como o da ferramenta OPAL (ou Open Algorithms), desenvolvida pela organização não governamental (ONG) Data-Pop Alliance. Neste artigo, queremos explorar a segunda categoria de problemas, que está diretamente relacionada à deficiência de data literacy. A formação de cidadãos capazes de pen- sar em problemas que envolvem grandes massas de dados exige o domínio de certa “linguagem de dados”, o que não é elementar. É necessário desenvolver capacidade crítica para o ade- quado uso dos dados, pois nem sempre as informações que vêm à tona são pertinentes ou relevantes. Tome-se, por exem- plo, uma notícia divulgada no site de um município do in- terior do Brasil comparando índices de saúde da população antes e depois de determinada ação de suas autoridades. À primeira vista, passa-se a impressão de que a ação desen- cadeada promoveu a melhoria da saúde dos munícipes, as- pecto ressaltado no comunicado. Mas um exame mais acu- rado, fazendo uma comparação com os demais municípios da região, mostra que os índices melhoraram no entorno no mesmo ritmo, o que coloca em dúvida a relação entre a ação promovida pela prefeitura e a melhoria na saúde dos habitantes. O caso remete à postura crítica indispensável para quem utiliza dados massivamente, com permanente vigilância a respeito das premissas embutidas nas análises, de maneira especial sobre sua representatividade. PROBLEMAS NO ENSINO O que dificulta a disseminação de pensar sobre dados está ligado a processos arraigados de ensino de linguagens não naturais. Tomemos como exemplo o ensino da matemática. En- quanto as crianças aprendem a linguagem oral naturalmente, apenas interagindo com um círculo relativamente pequeno de pessoas, só conseguimos aprender matemática em um processo sistemático, às vezes árduo, na escola. Embora o ser humano tenha aprendido a contar logo após ter criado a linguagem oral, antes mesmo de ter inventado a escrita, a matemática exige nível alto de abstração. Para entender a ligação entre o concreto e o abstrato na matemá- tica, considere a diferença entre a aritmética, que lida com números elementares e com algumas operações entre eles, e a álgebra, que estuda a manipulação formal de equações. Para as crianças pequenas, a matemática é a aritmética, a arte de contar, uma atividade ligada ao mundo que as cer- ca. A partir de certo momento no processo educacional, os estudantes são apresentados à álgebra, muito mais abstrata, momento em que a maioria deles passa a acreditar que não consegue aprender matemática, mesmo que tivessem sido bons em aritmética poucos anos antes. O problema no ensino dessa linguagem formal está as- sociado à falta de consciência dos instrutores de que a pas- sagem da aritmética para a álgebra é um enorme salto em abstração para o aprendiz. Bastaria dizer que, enquanto a aritmética tem suas origens há mais de 30 mil anos, a álgebra
  • 17. JOÃO LUIZ BECKER > Professor da FGV EAESP > joão.becker@fgv.br EDUARDO HENRIQUE DINIZ > Professor da FGV EAESP > eduardo.diniz@fgv.br PARA SABER MAIS: − João Luiz Becker. Estatística Elementar: transformando dados em informação, 2015. − Valerie Logan. Fostering Data Literacy and Information as a Second Language: a Gartner trend insight report, 2019. − Paulo Freire. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, 2011. GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 15 | aparece “apenas” algumas dezenas de milhares de anos de- pois. Ou seja, foi necessário encadear conhecimentos ao longo de milênios para a humanidade fazer essa transição que exigimos que adolescentes percorram de um ano para o outro. Com isso, perdemos uma quantidade enorme de jovens que odiarão matemática para sempre. Não bastasse a dificuldade dos instrutores de entender os interesses legítimos de seus pupilos em encontrar sig- nificado no ensino dessa linguagem formal, alguns fazem questão de tornar esse conhecimento mais hermético. Pitá- goras (570 a.C. – 495 a.C.) criou toda uma simbologia em torno dos números e da geometria, considerados divinos, para ser apreciada apenas por iniciados. “Neopitagóricos” contemporâneos costumam dar mais importância às “reve- lações” dos números do que ao conteúdo prático que pode ser extraído deles. DE BAIXO PARA CIMA E o que o ensino da linguagem matemática tem a ver com a alfabetização para os dados? Muitas vezes, treinamentos oferecidos por provedores de ferramentas analíticas valo- rizam os processos quantitativos em detrimento da checa- gem das premissas envolvidas nas análises. Dissociada do contexto em que será utilizada, a linguagem de dados não ajuda no entendimento das mudanças que devem ser reali- zadas nos processos de negócios. A competência numérica que devemos incentivar, ao contrário, deve promover a constante vigilância acerca dos pressupostos dos modelos quantitativos. Entendemos que o aprendizado centrado no participante ajuda a valorizar as ferramentas analíticas de baixo para cima, em um proces- so de “aprender fazendo”, experimentando com a prática quotidiana. Adaptando os ensinamentos de Paulo Freire, a leitura dos dados deve ser precedida pela leitura de mundo que o aprendiz traz para o treinamento. É o diálogo dessas leituras que conecta as formas oral e escrita de interpretação, permitindo o entendimento e a transformação do mundo. Em meio à abundância de dados em que vivemos, graças à ampla disseminação das tecnologias digitais, a tarefa que temos é formar jovens competentes para entender ativida- des de negócios, estruturas sociais e padrões de comporta- mento por meio da interpretação desses mesmos dados. Da mesma forma que desenvolvemos competências para criar a linguagem dos números ao longo dos séculos para lidar com problemas práticos, precisamos agora elaborar a linguagem dos dados com o objetivo de desenvolver mecanismos de representação da realidade que nos ajudem a transformar de modo positivo o nosso mundo. Promover data literacy significa massificar o poder de manejar os dados que nos cercam. A disseminação dessa linguagem dos dados para todos, e não apenas para um gru- po de iniciados que conhecem os “segredos dos números”, é essencial para a construção de uma sociedade mais justa.
  • 18. | 16 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CE | A ERA DOS DADOS • DESAFIOS DE USAR DADOS PARA NOVOS FINS
  • 19. DESAFIOS DE USAR DADOS PARA NOVOS FINS GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 17 | | POR SIMONE S. LUVIZAN E scândalos recentes de vazamento e uso indevido de dados envolvendo gigantes de tecnologia e agentes públicos trouxe- ram à tona riscos e consequências nocivas do reúso de dados. O caso da Cambridge Analytica, por exemplo, expôs práticas co- merciais sombrias e falhas na segurança em relação a dados dos usuários do Facebook. Já o evento conhecido como WikiLeaks desvelou procedimentos obs- curos de coleta de dados individuais pela Agência Nacio- nal de Segurança (NSA) dos Estados Unidos. Marketing abusivo, fraudes eleitorais e invasão de privacidade foram revelados nesses episódios, despertando o debate público e a atuação regulatória sobre o reúso de dados. Nesse momento de transformação, as preocupações ficam concentradas em alguns aspectos do reúso de dados, como os relacionados à privacidade e às práticas de marketing e comércio de dados. Porém, para ampliar a visão sobre o tema, é preciso refletir mais profundamente sobre a diver- sidade de dados e de seus possíveis reúsos. Algumas situa- ções, como a análise de dados pessoais para fins comerciais, devem ser regulamentadas, controladas e, em alguns casos, coibidas. Em contrapartida, outras aplicações, como a reuti- lização de dados para pesquisas nas instituições científicas, devem ser estimuladas e desenvolvidas para que possamos, de fato, nos beneficiar desse novo paradigma informacional. Para avançarmos nesse debate, é preciso abrir a caixa preta do reúso de dados e reconhecer seu ecossistema complexo. Para explorar o potencial pleno do big data, precisamos compreender a complexidade de questões operacionais, tecnológicas, legais, econômicas e sociais que surgem quando informações são reutilizadas.
  • 20. | A ERA DOS DADOS • DESAFIOS DE USAR DADOS PARA NOVOS FINS Multidisciplinar por natureza, o reúso de dados envolve diversos atores e impactos que vão além da tecnologia. | 18 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ABRINDO A CAIXA-PRETA O reúso de dados consiste na utilização de dados para fins diferentes daqueles para os quais eles foram gerados. Há diversas formas de reutilizar dados (ver quadro abaixo), cada uma com suas particularidades e desafios. A iniciativa de um grande banco brasileiro para promover o reúso de dados de seus diversos sistemas internos demandou gran- de esforço corporativo para superar restrições culturais, mudar processos e políticas internas e ajustar a estrutura tecnológica e organizacional. Já a iniciativa de uma fin- tech criada por grandes investidores do Vale do Silício, que propõe usar dados de telefonia celular para avaliação FONTE DOS DADOS Dados Internos Dados da entidade que está promovendo o reúso Dados Públicos Dados de domínio público, abertos ao acesso livre Dados Privados Externos Dados privados de uma entidade diferente da que está promovendo o reúso FINALIDADEDOREÚSODEDADOS Repropósito Reúsoparafins relacionadosaopropósito originaldosdados Repropósito ou recontextualização de dados internos: Envolve desafios como a revisão de políticas de governança, gestão de acessos, padrões para qualidade e curadoria de dados internos. Pode também impactar a divisão de responsabilidades entre as áreas geradoras e consumidoras dos dados e as equipes de tecnologia da informação (TI) responsáveis pelos sistemas geradores e consumidores dos dados. A organização tem acesso direto ao processo de geração e reúso dos dados, podendo mobilizar os recursos necessários para superar os desafios emergentes. Repropósito de dados públicos ou privados externos: Pode envolver desafios como acesso e qualidade de dados, segurança digital, legalidade e aceitação do reúso de dados pelos envolvidos nos processos de geração e reúso dos dados. Também pode implicar novas parcerias e modelos de negócio para viabilizar o fornecimento de dados de maneira sustentável. A organização que está promovendo o reúso tem de interagir com agentes externos para resolver diversos dos impactos emergentes. Recontextualização Reúsoparafinsnãorelacionadosao propósitooriginaldosdados Recontextualização de dados públicos ou privados externos: Todos os desafios do repropósito de dados públicos ou privados externos também estão presentes aqui e são intensificados pela diversidade dos atores envolvidos. Ao usar dados externos gerados para fins não relacionados ao seu propósito original, o reúso dos dados pode implicar a interação de agentes oriundos de ambientes distintos, com diferentes interesses, valores e níveis de maturidade digital. A proposta de valor do reúso também tende a ser mais inovadora, o que pode dificultar ainda mais sua compreensão pelos envolvidos e aumentar as incertezas do processo. TIPOS DE REÚSO DE DADOS E SEUS POTENCIAIS DESAFIOS
  • 21. O reúso de dados implica desafios que vão desde a mudança de processos e de cultura interna até as expectativas e os impactos na sociedade. GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 19 | AS DIMENSÕES DO REÚSO DE DADOS E SUAS QUESTÕES CENTRAIS FONTE: INSPIRADO EM ADVANCING THE EU DATA ECONOMY: CONDITIONS FOR REALIZING THE FULL POTENTIAL OF DATA REUSE E COMPLEMENTADO PELA AUTORA Dimensão Aspecto crítico Questão central Exemplos de temas pertinentes à questão Legal Tecnológica Intrínseca Societal Econômica Legalidade O reúso de dados é permitido? - Privacidade e proteção de dados - Propriedade intelectual Factibilidade O reúso de dados é factível? - Interoperabilidade do sistema - Formato e portabilidade dos dados Operacionalidade O reúso de dados é operacional? - Interesses e recursos das partes diretamente envolvidas - Adaptação de processos Aceitabilidade O reúso de dados é aceitável? - Opinião pública - Expectativas e impactos sociais - Padrões culturais Viabilidade O reúso de dados é viável? - Custos e investimentos diretos e indiretos - Modelo de negócio de crédito, enfrenta questões totalmente distintas. Nesse caso, mais do que rearranjos internos, o tipo de reúso de dados exige suporte legal e apoio da opinião pública, en- tre outros desafios. Refletir sobre a situação envolvida em cada categoria ajuda a abrir a caixa-preta do reúso de dados. Essa visão estimula a discussão sobre caminhos para explorar seus benefícios e mitigar suas dificuldades e consequências indesejadas. RECONHECENDO O ECOSSISTEMA COMPLEXO Além de reconhecer os diversos tipos de reúso de dados, é também fundamental compreender a complexidade de seu ecossistema, que envolve múltiplas dimensões: legal, tecnológica, intrínseca, societal e econômica. Para que o reúso de dados possa acontecer de forma sus- tentável, é preciso que todas as dimensões estejam resol- vidas favoravelmente. Vale lembrar também que elas não operam de maneira isolada. A reprovação da opinião pú- blica, por exemplo, pode ter impacto nas leis e vice-versa. A disponibilidade tecnológica e o apoio dos agentes envol- vidos no processo podem afetar a viabilidade econômica e vice-versa.Assim, é importante que todas as dimensões se- jam analisadas e encaminhadas em conjunto. O ecossistema de reúso de dados está ainda mais com- plexo e dinâmico nesse momento em que seus desafios estão amplificados pelas transformações culturais e tec- nológicas que vivemos. Por exemplo, ao implementar novas práticas de reúso de dados, uma organização pode sentir falta de profissionais capacitados em suas equipes e, ao buscá-los no mercado, provavelmente terá certa di- ficuldade em encontrá-los. Nesse ambiente de mudanças, torna-se ainda mais crítico que todas as dimensões do re- úso de dados recebam atenção. BUSCANDO NOVOS CAMINHOS O reúso de dados não é um tema inédito. Desde os primór- dios dos sistemas de informação, sempre houve a expectativa
  • 22. SIMONE S. LUVIZAN > Doutora em Tecnologia e Data Science pela FGV EAESP e diretora de Desenvolvimento e Projetos da Octua > sluvizan@octua.com.br PARA SABER MAIS: − Bart Custers e Daniel Bachlechner. Advancing the EU data economy: Conditions for realizing the full potential of data reuse. Information Polity, v.22, n.4, 2017. Disponível em: dx.doi.org/10.2139/ssrn.3091038 − Mackinsey Global Institute. The Age of Analytics: Competing in a Data-Driven World, 2016 Disponível em: mckinsey.com/business-functions/mckinsey-analytics/our-insights/the-age- of-analytics-competing-in-a-data-driven-world − Simone S. Luvizan. Reúso de dados na era do big data: uma jornada rumo a novos paradigmas no setor financeiro, 2019 | A ERA DOS DADOS • DESAFIOS DE USAR DADOS PARA NOVOS FINS | 20 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS de “reaproveitar” os dados coletados.Adisponibilidade atual de dados e de tecnologia, no entanto, fez dele um fenôme- no promissor e sem precedentes na história da humanida- de. Em um mundo cada vez mais orientado a dados, para muitas empresas explorar informações internas e externas passou a ser uma questão de sobrevivência. As empresas “nativas digitais” já surgem com alguma cultura analítica. Às empresas tradicionais, têm cabido a árdua missão de se transformar para desenvolver uma nova cultura digital. Ainda que as primeiras larguem na frente, nenhuma delas está livre dos desafios do novo paradigma de dados, especialmente neste momento de mudanças que estamos atravessando. Multidisciplinar por natureza, o reúso de dados envolve diversos atores e impactos que vão além da tecnologia. Compreender a diversidade desse fenômeno e a amplitude de seu ecossistema é um passo fundamental nessa jornada. Precisamos ampliar nossa visão sobre o tema para buscar novos caminhos. Temática Exemplos de desafios Tecnologia Incompatibilidades e problemas de integração com sistemas legados; falta de padrões e boas práticas para implantação de ferramentas novas; procedimentos de governança de tecnologia da informação (TI) inadequados às novas estruturas tecnológicas; falta de conhecimento sobre como implementar controles adequados às novas dinâmicas de uso de dados. Acesso aos dados Políticas de segurança da informação e procedimentos de governança que restringem ou desestimulam o reúso de dados nas organizações; custos de obtenção de dados incompatíveis com o uso; dificuldades de acesso a dados para validação de modelos; abordagens de gestão de risco orientadas ao acesso e não ao uso; incertezas sobre a legislação e a opinião pública sobre o reúso dos dados e os novos modelos de negócio que dele emergem. Qualidade dos dados Paradigma de qualidade de dados orientado pelo uso de dados inadequado à situação atual em que nem todos os fins são previstos; necessidade de mudanças no padrão de qualidade dos dados em função de seus novos usos; interferências culturais e de comportamentos individuais sobre a qualidade dos dados públicos. Curadoria de dados Falta de estrutura de documentação e metadados para suportar a disseminação do reúso de dados internos; falta de curadoria para estimular o reúso dos dados já capturados de fontes externas ou internas. Profissionais capacitados Escassez de profissionais capacitados no uso de novas tecnologias e métodos estatísticos tanto na área de TI (data scientist) como nas áreas de negócio (citizen data scientist). DESAFIOS AMPLIFICADOS NESSE MOMENTO DE TRANSFORMAÇÃO
  • 23. 6 7
  • 24. | 22 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CE | A ERA DOS DADOS • EM BUSCA DO INVESTIMENTO SUSTENTÁVEL
  • 25. EM BUSCA DO INVESTIMENTO SUSTENTÁVEL GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 23 | | POR ARON BELINKY A era dos dados promete enorme avan- ço em sistemas sustentáveis de pro- dução e consumo. Há de fato moti- vos para otimismo, mas a efetivação desse potencial depende de como as novidades tecnológicas vão ser utili- zadas para responder a uma pergunta crucial para investidores, empreendedores e gestores: onde alocar capitais em sintonia com a grande transformação que acontece no ambiente de negócios? Ou, em outras palavras, como identificar e priorizar negócios com base em sua ca- pacidade de contribuir com a construção de uma economia verde e inclusiva e, ao mesmo tempo, se beneficiar dela? Para que as tecnologias peculiares da era dos dados ajudem a responder a essa pergunta, é preciso combinar, de um lado, a capacidade de captura, processamento e análise de dados e, de outro, referenciais analíticos e metodologias capazes de indicar – com objetividade, consistência e boa dose de certeza – as relações entre as atividades empresariais e os impactos positivos e negativos que estas geram para a sociedade, o meio ambiente e suas demais partes interessadas (confira uma proposta de modelo geral de avaliação no box deste artigo). O ponto de partida, naturalmente, são as iniciativas que desde os anos 1990 vêm sendo desenvolvidas para levantar indi- cadores de sustentabilidade nas organizações. Essas inicia- tivas, porém, foram em sua maioria criadas em um contexto anterior à abundância de dados e ao acesso viável a grande poder de processamento. Por isso, em geral, baseiam-se em questionários, relatórios e/ou pesquisas especializadas, e ain- da não incorporam possibilidades que as novas tecnologias podem viabilizar, como o uso de algoritmos e ferramentas estatísticas para captura e análise de informações disponíveis na internet ou de dados gerados por sensores de Internet of Things (IoT) e por transações on-line. Esse é um desafio que enfrentam os mais conhecidos ins- trumentos para avaliação da sustentabilidade empresarial hoje em uso, como os referenciais para relatos autodecla- ratórios – a exemplo das diretrizes da Global Reporting Como a era dos dados abre novas perspectivas para a identificação de negócios afinados com a sustentabilidade.
  • 26. A bolsa de valores brasileira (B3) iniciou um projeto para incorporar ao seu modelo de índice de sustentabilidade empresarial métricas objetivas extraídas do big data. | A ERA DOS DADOS • EM BUSCA DO INVESTIMENTO SUSTENTÁVEL | 24 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Initiative (GRI), ou do International Integrated Reporting Council (IIRC), e/ou ainda do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU). O mesmo aplica-se também aos instrumentos que calculam indicadores baseados em questionários, quer para o cálculo de métricas por critérios ESG (sigla em inglês para ambiental, social e de gover- nança) utilizados por atores do mercado financeiro, quer para autoavaliação (como os Indicadores Ethos de Res- ponsabilidade Social), avaliações de impacto (B Impact Assessment), ou ainda para processos de rankeamento ou seleção, como os empregados por índices de sustentabi- lidade criados por bolsas de valores, a exemplo do Dow Jones Sustainability Index (DJSI), da Bolsa de Valores de Nova York, e do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, no Brasil. Nesse contexto, merece especial atenção a atual iniciati- va desta última – que visa incorporar novos componentes com o uso de Big Data Analytics e Inteligência Artificial (BDAI), ao processo de composição e gestão da carteira em que se baseia o ISE B3. BIG DATA PARA UM PORTFÓLIO MAIS SUSTENTÁVEL Quarto índice desse tipo no mundo, o ISE B3 tem uma história de pioneirismo e ousadia. Trata-se de um índice financeiro que mede a valorização de uma carteira teóri- ca formada por ações de companhias listadas na B3 que se destacam por adotar políticas e práticas voltadas à susten- tabilidade. A seleção dessas empresas é feita anualmente e resulta da combinação entre três elementos: • um questionário, que gera uma avaliação quantitativa das empresas respondentes; • uma análise amostral de evidências das respostas dadas pelas empresas, que gera uma avaliação qualitativa; • uma avaliação abrangente, feita pelo Conselho Delibera- tivo do ISE, que decide as empresas que serão incluídas na carteira, levando em conta as duas outras avaliações mencionadas, combinadas ao julgamento e à experiência do conjunto de 11 conselheiros, representantes de orga- nizações nacionais e internacionais de relevância tanto no mercado financeiro quanto no campo da sustentabi- lidade. A metodologia e o questionário do ISE B3 vêm sendo construídos ao longo de 15 anos de atividades, que incluem a revisão por especialistas nos temas enfocados e, também, processos anuais de consulta pública, com participação tanto de empresas quanto de investidores e de outros stakeholders. Traduzem, assim, a agenda de sustentabilidade empresarial no país. Em sintonia com as mudanças em curso, o ISE B3 está empenhado em incorporar a esse processo o uso de tecno- logias trazidas pela era de dados. Em 2018, uma parceria entre a B3, o Columbia Center on Sustainable Investment (CCSI), da Columbia University, e o Centro de Estudos em Sustentabilidade, da Fundação Getulio Vargas (FGVces), resultou em uma série de três debates multidisciplinares envolvendo representantes de 53 organizações do Brasil e do exterior, visando identificar o estado da arte e as prin- cipais tendências e desafios no uso de BDAI para avaliar a contribuição das empresas para os Objetivos do Desenvol- vimento Sustentável (ODS). O registro completo dos traba- lhos está disponível em bit.ly/BDAI4SD-2018 e inclui, por exemplo, um atualíssimo guia de fornecedores de métricas ESG com uso de BDAI. Avançando sobre os conhecimentos assim acumulados, a B3 lançou em abril de 2019 uma iniciativa para a cons- trução do Léxico ISE B3 (LISE): uma solução tecnológi- ca pensada para a realidade brasileira e que objetiva apoiar empresas, investidores e outros stakeholders no uso de in- formações públicas para avaliação da sustentabilidade em- presarial e da relação desta com os ODS e as métricas ESG disponíveis no mercado. Prevista para terminar em dezem- bro de 2020, a fase inicial desse projeto prevê a construção da metodologia e dos instrumentos tecnológicos básicos e incluirá a interlocução com empresas e outras partes inte- ressadas. Para saber mais e participar, visite iseb3.com.br. Em termos práticos, o LISE ambiciona contribuir com um conjunto de informações adicionais às hoje utiliza- das pelo Conselho Deliberativo do ISE B3 na escolha e no monitoramento das empresas que comporão a carteira do índice a cada ano. Para isso, deverá produzir relató- rios contendo indicadores objetivos para a avaliação do desempenho e/ou relacionamento de uma empresa com
  • 27. ARON BELINKY > Professor da FGV EAESP > aron.belinky@fgv.br PARA SABER MAIS: − Volans. Breakthrough business models: exponentially more social, lean, integrated and circular, 2016. Disponível em: volans.com/wp-content/uploads/2016/09/Volans_ Breakthrough-Business-Models_Report_Sep2016.pdf − Unep Finance Initiative, United Nations Global Compact. The SDG investment case: principles for responsible investment, 2017. Disponível em: unpri.org/download?ac=5909 − Aron Belinky. Da Empresa cowboy à astronauta. GV-executivo, v.16, n.5, 2017. Disponível em: bit.ly/cowboy-astronauta − Aron Belinky. A Terceira geração da sustentabilidade empresarial. GV-executivo, v.15, n.2, 2016. Disponível em: http://bit.ly/3aGeracao GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 25 | temas da sustentabilidade. Esses indicadores serão pro- duzidos pela combinação de informações públicas com manifestações das próprias empresas, extraídas tanto de textos (notícias, relatórios, websites e outros documen- tos) quanto de fontes de dados estruturadas (registros públicos e legais, relatórios contábeis etc.). É planejado que os resultados desse sistema serão traduzidos em dois insumos para os processos anuais do ISE B3: um rela- tório de transparência ativa, que abrangerá períodos de tempo predeterminados (ano, semestre, trimestre); e um sistema de monitoramento cotidiano das empresas inte- grantes da carteira em vigor. POTENCIAIS E CUIDADOS Concluindo, é importante destacar o momento que vive- mos: estamos apenas no início de uma radical transforma- ção tecnológica e produtiva, que trará consigo profundas mudanças sociais e culturais. Há um enorme potencial para a geração de impactos positivos, mas é também necessário cuidado com as possíveis consequências indesejáveis (os impactos negativos) que tais modificações nos padrões de produção e consumo poderão gerar, tanto sobre o meio am- biente quanto sobre os seres humanos. Dirigentes empre- sariais e investidores têm nesse processo papel essencial, pois suas decisões definirão, em grande medida, o balanço desses impactos. Assim, é de fundamental importância que rapidamente conheçam e utilizem instrumentos que os aju- dem a se orientar nesse novo e fascinante capítulo do de- senvolvimento humano. UM MODELO PARA AVALIAR A SINERGIA ENTRE O NEGÓCIO E A SUSTENTABILIDADE Em um cenário de tantas e tão rápidas transformações, torna-se cada vez mais difícil discernir os negócios mais promissores, ainda mais quando praticamente todas as empresas tentam, de uma forma ou de outra, vestir os figurinos de "sustentável" e "inovadora". Uma forma possivelmente eficaz de ultrapassar essa cortina de fumaça e separar o joio do trigo é a análise da sinergia entre o negócio que se deseja avaliar e as demandas da sustentabilidade. Esse modelo combina um cenário e duas variáveis. Como cenário, é considerado o contexto emergente: um ambiente de negócios caracterizado pela transparência (ampliada pela era dos dados) e pela exigência de sustentabilidade. Como variáveis, de um lado, deve- se considerar a vantagem relativa que, no contexto emergente, se prevê para o negócio em análise e, de outro lado, a previsível contribuição desse negócio para a sociedade, em linha com o contexto emergente (veja no diagrama). VANTAGEM relativa para o negócio, no contexto emergente: Fortalecimento em relação aos concorrentes; Aumento da aceitação social; Abertura de oportunidades/ mercados potenciais; Valorização de certas capacidades e ativos; Maior disponibilidade de recursos: matérias-primas, recursos humanos, capital e tecnologia. CONTRIBUIÇÃO do negócio para a sociedade no contexto emergente: Menos pressão sobre os limites ambientais; Menores impactos negativos / externalidades negativas; Maiores impactos positivos / externalidades positivas; Mais eficiência no uso de recursos / decoupling; Mais transparência efetiva e accountability; Mais empoderamento dos stakeholders e da sociedade em geral; Mais produtividade e equidade (mais eficiência na geração e distribuição de valor). *O DIAGRAMA APRESENTA POSSÍVEIS CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO DAS VARIÁVEIS, CUJA COMBINAÇÃO GERA PELO MENOS NOVE QUADRANTES, DE MODO QUE CADA VARIÁVEL SEJA CONSIDERADA NEGATIVA, NEUTRA OU POSITIVA. A PREDOMINÂNCIA DO TOM VERDE INDICA NEGÓCIOS MAIS PROMISSORES, E A DO TOM VERMELHO, NEGÓCIOS A SEREM EVITADOS. DIAGRAMA DE ANÁLISE DE NEGÓCIOS MAIS E MENOS PROMISSORES* VANTAGEM CONTRIBUIÇÃO Positiva Neutra Negativa Negativa Neutra Positiva
  • 28. CE | A ERA DOS DADOS • BIG DATA PARA O BEM COMUM | 26 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
  • 29. BIG DATA PARA O BEM COMUM GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 27 | | POR SILVIA RODRIGUES FOLLADOR E JULIE RICARD D esde o início do século XX, a maioria de nossas ações e interações tem sido mediada e capturada por dispositivos eletrônicos. Os rastros de dados dei- xados pelo caminho resultam no que foi batizado de big data. Embora a ex- ploração do big data tenha sido desen- volvida por gigantes da internet, que transformaram a mi- neração dessas migalhas digitais em uma de suas principais fontes de lucro, o interesse em entender como novas fontes de dados e tecnologias podem ser empregadas na formula- ção de políticas públicas e no desenvolvimento sustentável tem aumentado de maneira significativa. OPORTUNIDADES PARA O BEM COMUM Pela sua natureza, o big data pode fornecer informações inovadoras sobre comportamentos humanos, como padrões de mobilidade física, de comunicação e de consumo, em níveis de granularidade sem precedentes. Análises baseadas no big data têm sido usadas para diagnosticar uma vasta gama de situações, tais como o mapeamento de pobreza, o monitora- mento de fluxos migratórios e o planejamento de transportes. Como exemplo dessas iniciativas, vê-se a parceria entre os pesquisadores da Flowminder, uma fundação com base na Suécia, e do Programa WorldPop, da Universidade de Sou- thampton (no Reino Unido), que criaram formas inovadoras para a medição dos indicadores de pobreza em Bangladesh, por meio dos registros de chamadas de telefones celulares e de imagens de satélite. Essas novas maneiras de captura de informações têm o potencial de se tornarem fontes com- plementares valiosas para mecanismos tradicionais de censo que, sobretudo em países carentes, dependem de coletas de periodicidade irregular e de cobertura restrita. Atualmente, pesquisadores do think tank Data-PopAllian- ce e do MIT Media Lab buscam quantificar, pela primeira vez, em grande escala e com alto nível de detalhes, as mu- danças de comportamento de consumo individuais induzi- das pela criminalidade, a partir de metadados de transações bancárias, de modo a quantificar o impacto econômico de choques de violência. Esses são apenas alguns dos exemplos de iniciativas que usam o big data em benefício da Agenda 2030 para o De- senvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Uni- das (ONU), como a erradicação da pobreza, o fim da fome, a promoção da saúde e a redução das desigualdades sociais. De maneira geral, análises com base em metadados deriva- dos do uso de celulares, cartões de crédito ou débito, cartões de transporte ou registros de navegação on-line oferecem a vantagem de produzir informações mais detalhadas, poten- cialmente em tempo real, e menos custosas que por outros meios. Afinal, há casos em que não existem formas alterna- tivas para o monitoramento de determinados indicadores. Multiplicam-se as oportunidades de uso de rastros digitais na elaboração de políticas públicas e no desenvolvimento sustentável.
  • 30. | A ERA DOS DADOS • BIG DATA PARA O BEM COMUM | 28 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS DESAFIOS LIGADOS AO USO DE BIG DATA Se o aparecimento do big data foi acompanhado de grandes expectativas em relação ao potencial para a análise dos pro- blemas da sociedade, logo foram apontados riscos em relação à proteção de dados pessoais. As preocupações a respeito da proteção de dados pessoais cresceram à medida que foi no- tado pela academia que métodos de anonimização de dados podem não ser suficientes. No mesmo período, escândalos de alcance global, como as denúncias de Edward Snowden sobre a extensão das atividades de vigilância daAgência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, ajudaram a amplificar as preocupações com a privacidade dos cidadãos. Além disso, é necessário ressaltar o fato de que grande par- te dos dados pertence ao setor privado (como operadores de telefonia e bancos). Dessa forma, a obtenção de acesso para alavancar as fontes de big data coletadas por tais empresas tem sido um desafio, por motivos éticos e comerciais legí- timos. De fato, até o momento, não existem sistemas nem padrões desenvolvidos para que isso seja feito de maneira escalável e de forma ética e segura. Dada essa conjuntura, foi criado o projeto Open Algori- thms (OPAL), uma inovação sociotecnológica, sem fins lu- crativos, desenvolvida pelo MIT Media Lab, pelo Imperial College London, pela Orange, pelo Fórum Econômico Mun- dial e pela Data-Pop Alliance. Seu objetivo é elaborar um sistema resguardado, ético e replicável de acesso a dados do setor privado para impulsionar o seu uso para fins públicos. O primeiro passo consiste na criação de uma plataforma com Tipos de dados Exemplos Oportunidades de uso Metadados derivados do uso de celulares Registros de chamadas de celulares (call detail records, ou CDR) Estimar a distribuição da pobreza e o status socioeconômico da população para informar políticas públicas. Transporte Cartões de transporte (bilhete único, milhas de avião etc.), passes para pagamento automático de pedágio, sistema de posicionamento global (GPS) (rastreamento de frota, rotas e horários de ônibus) Construir a matriz de viagem dos indivíduos, de uso de redes de transporte e de estradas para melhorar o planejamento urbano. Transações financeiras Cartões de crédito e de débito Quantificar comportamentos de consumo dos indivíduos para entender padrões de comportamento e/ou realizar estimações econômicas. Registros de navegação on-line Cookies, endereços, internet protocol (IP), buscas on-line Criar indicadores para dar suporte a ações dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por exemplo, dados on-line já foram utilizados para monitorar epidemias de influenza e dengue (por meio do “Google Dengue Trends”). Redes sociais Tweets (Twitter API), conteúdo do Facebook, vídeos do YouTube, check-in pelo Foursquare Fornecer alerta antecipado sobre ameaças que vão desde surtos de doença (influenza, por exemplo) até insegurança alimentar. Sensores remotos Imagens de satélite (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço – NASA, Tropical Rainfall Measuring Mission – TRMM, Landsat), dados de veículos aéreos não tripulados (veículo aéreo não tripulado – VANT, drones) Identificar áreas de risco de inundação, estudar mudanças na qualidade do solo, verificar disponibilidade de água e informar possíveis intervenções no setor agrícola de países em desenvolvimento. Crowd-sourced data Mapeamento (OpenStreetMap, Google Maps, Yelp), monitoramento/relatórios (U-Report) Preencher lacunas de dados, particularmente em áreas marginalizadas, por meio da contribuição dos próprios cidadãos. Por exemplo, em Nairóbi, no Quênia, membros das comunidades Kibera, Mathare e Mukuru mapeiam zonas antes em branco no mapa, lançando mão de ferramentas como o OpenStreetMap (Map Kibera). FONTE: DATA-POP ALLIANCE. BASEADO EM THOUGHTS ON BIG DATA AND THE SDGS, DE EMMANUEL LETOUZÉ E MARIA MARTINHO, 2015, E LEVERAGING BIG DATA FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT TOOLKIT, 2016. TIPOS DE BIG DATA PARA A AGENDA DO DESENVOLVIMENTO
  • 31. SILVIA RODRIGUES FOLLADOR > Consultora da Data-Pop Alliance > srodriguesfollador@datapopalliance.org JULIE RICARD > Diretora adjunta da Data-Pop Alliance > jricard@datapopalliance.org Análises baseadas no big data têm sido usadas para diagnosticar uma vasta gama de situações, como o mapeamento de pobreza, o monitoramento de fluxos migratórios e o planejamento de transportes. PARA SABER MAIS: − Data-Pop Alliance. Disponível em: datapopalliance.org − OPAL Project. Disponível em: opalproject.org/ − Data-Pop Alliance . Beyond data literacy: reinventing community engagement and empowerment in the age of data, 2015. Disponível em: datapopalliance.org/wp-content/ uploads/2015/11/Beyond-Data-Literacy-2015.pdf − Alejandro Noriega-Campero, Alex Rutherford, Oren Lederman, Yves Montjoye, Alex Pentland. Mapping the Privacy-Utility Tradeoff in Mobile Phone Data for Development, 2018. Disponível em: arxiv.org/abs/1808.00160 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 29 | tecnologia de preservação de privacidade de última geração, para a qual se podem enviar algoritmos para a consulta de dados, e não o contrário, evitando assim que os dados sejam expostos a roubos e ao uso indevido. O segundo passo é a criação de um sistema de governança participativa para co- projetar, com atores locais, o desenvolvimento e o uso dos algoritmos abertos, de modo a atender às necessidades e aos padrões locais, em vez de impor perspectivas e conhe- cimentos externos. Atualmente, dois pilotos do OPAL estão em desenvolvimento na Colômbia e no Senegal, em parce- ria com seus respectivos governos e com as operadoras de telecomunicações Orange-Sonatel e Telefónica Colombia. Outro desafio é diminuir as desigualdades mundiais no acesso e na habilidade do uso de dados, conforme alertou a ONU em relatório recente. No início da década de 1990, o sociólogo francêsAlain Desrosières já chamava atenção para o fato de que o espaço público dependeria cada vez mais de informações estatísticas acessíveis a todos. No entanto, ape- sar do “dilúvio de dados” em que vivemos, ainda existem la- cunas de informação a respeito de certas regiões do mundo e de suas populações, em geral aquelas que já são mais vulne- rabilizadas. Essa é uma das principais preocupações de nos- sos dias, uma vez que a “invisibilidade estatística” tem sido agravada pelo “analfabetismo digital”, configurando o que o pesquisador Emmanuel Letouzé, um dos fundadores da Da- ta-Pop Alliance, definiu como hiato digital: a desigualdade de acesso e de capacidade de uso das novas tecnologias, que aprofundam as desigualdades socioeconômicas preexistentes. Nesse sentido, uma sociedade formada exclusivamente por cientistas de dados não seria necessariamente “alfabetizada em dados”. A Data-Pop Alliance propõe uma definição holística de data literacy (leia mais sobre o tema no artigo Como disse- minar a linguagem dos dados), que pode ser resumida como a vontade e a capacidade de se engajar construtivamente na sociedade por meio dos (ou sobre os) dados. Essa definição considera fundamental que os cidadãos entendam as implica- ções políticas, econômicas e éticas ligadas ao uso de dados para o usufruto e a garantia de seus direitos. Isso pressupõe, por exemplo,acompreensãodecomoGoogle,Apple,Facebookou Amazon coletam e analisam dados, o questionamento acerca da existência de consentimento prévio e a exigência de que os dados pessoais sejam protegidos. PRÓXIMOS PASSOS NO BRASIL Aestruturação de um ecossistema emergente de big data, capaz de promover o uso de dados para o bem comum e o empoderamento dos cidadãos, requer uma visão colabora- tiva e educativa que não se resume ao desenvolvimento de capacidades técnicas e tecnológicas. Na continuação de sua atuação institucional na América Latina, cujas metas são a promoção do uso de dados e de no- vas tecnologias em políticas públicas e no desenvolvimento sustentável, a Data Pop-Alliance (cofundada pelo MIT Me- dia Lab, pela Harvard Humanitarian Initiative e pelo Overse- as Development Institute) abrirá, em setembro de 2019, um escritório com sede na Cidade do México, a fim de alavan- car projetos no Brasil, no Chile, na Colômbia e no México. Em maio deste ano, a Data-Pop Alliance, a Universidade de Manchester e a FGV EAESP organizaram o evento Big Data para o Bem Comum, para discutir as oportunidades do big data no contexto brasileiro. Um dos resultados dos grupos de trabalho realizados com representantes do poder público, de empresas privadas e de organizações da socieda- de civil é a consolidação de uma proposta para a implemen- tação de um programa de alfabetização de dados no Brasil, no México e na Colômbia, em parceria com a Universidade de Manchester. Outro se refere à consolidação de uma co- alizão de dados para o bem comum no Brasil, para a qual gostaríamos de convidar todas e todos os interessados.
  • 32. | 30 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS | A ERA DOS DADOS • INOVAR PELA LEI
  • 33. INOVAR PELA LEI GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 31 | | POR BRUNO RICARDO BIONI E m 2017, ficou famosa a capa da The Eco- nomist com a mensagem de que o recur- so mais valioso do mundo não era mais o petróleo, mas, sim, os dados. A revista inglesa ilustrava as grandes empresas de tecnologia como as estações petrolíferas que extrairiam riqueza desse novo ativo. Um ano depois, em agosto de 2018, o Brasil aprovou a sua Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/2018), mesmo ano em que passou a valer o regu- lamento de proteção de dados na União Europeia, a Gene- ral Data Protection Regulation (GDPR). Agora, em 2019, ganha força o movimento dos Estados Unidos para que o país também crie uma regulação a nível federal, depois de alguns estados, sobretudo a Califórnia, terem legislado a respeito do assunto. Ao longo desses últimos três anos, estamos testemunhando uma verdadeira ebulição do tema e, mais especialmente no cenário nacional, estamos vivendo isso à flor da pele com uma nova lei que estabelece definitivamente as regras do jogo. É hora de dar um passo atrás, recuperar os registros do porquê e de como se gestaram leis gerais de proteção de dados pessoais. Com esse diagnóstico, pretende-se apontar possíveis tendências dessa nova agenda. OLHANDO PARA A HISTÓRIA Olhar no retrovisor faz com que se perceba que a deman- da por regular o uso de dados pessoais em si não é nova. Viktor Mayer, professor da Universidade de Oxford, apon- ta que as primeiras iniciativas deram errado por tentarem domesticar a tecnologia. Logo se constatou ser impossível prescrever de antemão uma lista fechada sobre seus usos lícitos e ilícitos. Migrou-se, então, para uma abordagem focada na definição dos direitos do titular da informação, cidadãos-consumidores e deveres das organizações que pro- cessavam tais dados. Desde a década de 1980 até hoje, os chamados princípios e práticas informacionais justos – Fair Information Practice A formação de uma cultura de proteção de dados a partir da nova legislação pode trazer valor agregado para as organizações.
  • 34. A nova regulação sobre dados terá possivelmente impacto muito maior do que foi a edição do Código de Defesa do Consumidor nos anos 1990, já na medida em que abraça relações de trabalho e, também, do cidadão com o setor público. | A ERA DOS DADOS • INOVAR PELA LEI | 32 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Principles (FIPPs) – são a espinha dorsal das leis de proteção de dados pessoais. Originados no âmbito do Departamen- to de Bem-Estar Social dos Estados Unidos, tais princípios foram espelhados nas Diretrizes sobre Privacidade e Livre Fluxo Informacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na Convenção In- ternacional para a Proteção de Dados do Conselho da Eu- ropa. OS FIPPs não só capilarizaram tais normas em nível global, como também demarcaram o duplo objetivo dessa empreitada regulatória: proteger os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos e, ao mesmo, estimular o desen- volvimento econômico. Já naquela época havia o diagnóstico em torno da neces- sidade de se estabelecer as regras do jogo para que fosse nutrida a confiança do cidadão em conceder seus dados para organizações públicas e privadas. Caso contrário, censos de- mográficos e técnicas de marketing ainda incipientes, que respectivamente nada mais são do que a conversão de dados pessoais em estatísticas e informações para a formulação de melhores políticas públicas e bens de consumo, seriam possivelmente represados. O Brasil chegou atrasado, mas finalmente entrou para o rol de mais de 120 países com leis gerais de proteção de dados pessoais. Espera-se que o novo marco regulatório cumpra o seu objetivo de estimular o fluxo informacional e, com isso, o desenvolvimento socioeconômico dele dependente, conforme uma lógica de sustentabilidade entre quem pro- duz essa matéria-prima e quem a explora. IMPACTO REGULATÓRIO E SOCIOECONÔMICO DA LGPD O adjetivo geral é aqui o elemento-chave. A LGPD vem para complementar uma série de leis setoriais já existentes no Brasil, mas que era uma regulação precária e não voca- cionada para lidar com uma economia e sociedade cada vez mais movidas por dados (veja no artigo Novos direitos quais são os direitos de LGPD). Na medida em que se tem uma lei de aplicação transversal, elimina-se a assimetria regulatória antes existente por uma abordagem fragmentada.Agora to- dos os setores da economia estarão cobertos, e há uma peça central do quebra-cabeça regulatório que dita um mínimo de uniformidade. Com isso, garante-se segurança jurídica para que se estimule a troca de dados nas mais diferentes situações e momentos, por intermédio de um regramento e de um vocabulário de definições comuns. Não é só, portanto, os setores de tecnologia e de internet que são afetados pela LGPD, como se poderia concluir a partir da citada capa da The Economist. Todos os outros, inclusive os mais tradicionais, terão de tratar os dados dos seus consumidores e colaboradores de acordo com a LGPD. A nova regulação terá possivelmente um impacto muito maior do que foi a edição do Código de Defesa do Consu- midor nos anos 1990, tendo em vista que abraça relações de trabalho e, também, do cidadão com o setor público. A lei adota um conceito amplo de dado pessoal: uma in- formação relacionada a uma pessoa identificada ou identi- ficável. Muito além daquele conjunto de informações que nos identifica de forma direta e imediata (como nome, Re- gistro Geral – RG, Cadastro de Pessoa Física – CPF ou bio- metria), também estão debaixo do guarda-chuva da LGPD aqueles dados que nos identificam de forma remota ou indi- reta (como apelidos, fotos, endereços de e-mail, endereços residenciais, endereços de IP, dados de geocalicazação etc.). Os tentáculos LGPD são, portanto, enormes. É difícil imaginar em que momento não estamos trocando dados e, sobretudo, quando nossas vidas não são orquestradas com base no que um banco de dados diz a nosso respeito. Da concessão de crédito, passando pelo acesso a benefícios sociais até a timeline da rede social, todas essas atividades são automaticamente personalizadas com base nos registros que geramos. Por isso, regulações desse tipo e nesse estágio equivalem ao nosso próprio contrato social contemporâneo.
  • 35. BRUNO RICARDO BIONI > Consultor na área de proteção de dados pessoais e privacidade e professor fundador do Data Privacy Brasil > bioni@brunobioni.com.br PARA SABER MAIS: − Bruno Ricardo Bioni. Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites do consentimento, 2019. − Bruno Ricardo Bioni. 18 textos para entender privacidade e proteção de dados pessoais, 2018. − Bruno Ricardo Bioni. Regulação de dados é uma janela de oportunidade. Valor Econômico, 2019. − Maria Cecília Oliveira Gomes. Para além de uma obrigação legal: o que a metodologia de benefícios e riscos nos ensina sobre o papel dos relatórios de impacto à proteção de dados, 2019. GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 33 | MUDANÇA DE CULTURA E OPORTUNIDADES Apesar de uma nova regulação causar receio em relação aos custos de conformidade (o aumento do custo Brasil), a LGPD representa uma janela de oportunidade. Primeiramen- te, porque as organizações terão de colocar ordem na casa, pois vão precisar conhecer melhor as suas bases de dados e lhes atribuir uma finalidade específica – um dos princí- pios da lei. É um exercício que poderá trazer insights para se repensar o próprio modelo de negócio ou política pública e para lançar novos produtos e serviços. Em segundo lugar, porque a adequação à legislação pode melhorar a reputação da empresa, na medida em que o tratamento adequado dos dados pode ser explorado no plano de comunicação para reforçar a confiança com o titular da informação. Tercei- ro, porque a lei traz exigências associadas à segurança da informação no sentido não só de prevenir o vazamento de dados, mas também de remediá-lo da forma mais eficiente caso isso ocorra. Trata-se de medidas cujo saldo final pode agregar valor e competitividade a uma organização, a de- pender de qual mentalidade orientará o seu processo de conformidade (veja no quadro). De forma geral, a mineração de dados, para utilizar um termo da ciência da computação, sempre procura levar a um lugar: a extração de uma informação. Essa é, também, a ra- cionalidade por trás da nova regulação, por meio da qual a organização precisa não só conhecer os dados que possui, como também deve convertê-los em informação útil. Todo o sistema gira em torno da lógica de se criar uma trilha auditável do dado, um modelo de governança para que o cidadão e os demais agentes envolvidos enxerguem a re- percussão do uso dessas informações em suas atividades econômicas e relações sociais. A edição de uma lei é apenas o primeiro passo na forma- ção de uma cultura de proteção de dados pessoais no Brasil. Tomando como exemplo a edição do Código de Defesa do Consumidor, nos anos 1990, demorou certo tempo para que o cidadão, os órgãos de fiscalização e os próprios agentes econômicos fizessem a lei pegar. Após quase quatro déca- das, é possível dizer que a lei trouxe “civilidade” ao mer- cado de consumo, com produtos e serviços mais seguros. As organizações que enxergaram no novo marco regula- tório uma oportunidade em agregar valor e reputação aos seus produtos até hoje colhem os frutos de sua estratégia. Da mesma forma, aquelas que estabelecerem processos de governança de dados, investindo em capital humano e não só tecnológico, tudo isso como parte da sua missão institucio- nal, se anteciparão e capitalizarão o processo da formação de uma cultura de proteção de dados pessoais no Brasil. UMA OBRIGAÇÃO LEGAL UMA JANELA DE OPORTUNIDADE Manutenção e revisão dos produtos existentes. Criação de novos produtos e revisão de modelo de negócio ou política pública. Análise estanque centrada no diagnóstico de riscos. Análise dinâmica centrada no que a organização pode gerar de valor. Gestão baseada em mitigação de risco. Gestão baseada em inovação. Reputação com base no medo de sanções. Reputação com base em dar mais transparência ao uso dos dados. - inovação - competividade - reputação + inovação + competividade + reputação DUAS MENTALIDADES DE PROCESSO DE CONFORMIDADE À LGPD LGDP: LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS. FONTE: ELABORADO EM COAUTORIA COM MARIA CECLILIA OLIVEIRA GOMES, AUTORA DE PARA ALÉM DE UMA OBRIGAÇÃO LEGAL: O QUE A METODOLOGIA DE BENEFÍCIOS E RISCOS NOS ENSINA SOBRE O PAPEL DOS RELATÓRIOS DE IMPACTO À PROTEÇÃO DE DADOS, 2019.
  • 36. | 34 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CE | A ERA DOS DADOS • NOVOS DIREITOS
  • 37. NOVOS DIREITOS GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 35 | | POR MARIA CECÍLIA OLIVEIRA GOMES A Lei Geral de Proteção de Dados Pes- soais (LGPDP), sancionada no ano passado, entra em vigor em agosto de 2020. Até lá, as empresas vão ter de se reorganizar para atender aos direi- tos dos titulares de dados. Mas como fazê-lo? No ordenamento jurídico brasileiro, já existiam mais de 40 leis, resoluções e normativas setoriais sobre o tema, mas elas nem sempre eram cumpridas. A LGPDP (Lei nº 13.709/2018) engloba a proteção já conferida nas legislações anteriores, como a possibilidade de os cidadãos confirma- rem, acessarem, corrigirem e excluírem seus dados, com a diferença que agora há a sinalização de que a fiscalização será mais rigorosa. ALGPDP também atende a novos direitos, os quais foram gestados mais recentemente por conta do volume expressivo de tratamento de dados automatizados na era do big data e da dificuldade de proteger os seus titulares. A utilização de algoritmos para definir o perfil de um indivíduo corre o risco de utilizar critérios pouco claros que resultam em de- cisões discriminatórias e prejuízos aos titulares de dados. QUAIS SÃO OS NOVOS DIREITOS? Podemos identificar 13 direitos nos artigos 18 e 20 da LGPDP. Quem deve atender a eles são os chamados agentes de tratamento, nesse caso, controladores e operadores. Con- trolador é o responsável por determinar quais dados pessoais devem ser coletados. Por exemplo, quando uma farmácia pede o cadastro de pessoa física (CPF) ou outro dado do seu cliente para o seu programa de fidelidade, ela é contro- ladora e responsável por essa relação. Já os operadores vão agir a pedido ou em nome dos controladores. Utilizando o mesmo exemplo, o software usado para emissão de nota fiscal é da empresa operadora, que, a pedido da farmácia, vai tratar os dados. Para facilitar a compreensão e torná-la mais acessível, podemos classificar os direitos da seguinte forma: • direitos tradicionais, já presentes em leis setoriais de pro- teção de dados no Brasil; • direitos novos, incorporados na LGPDP por meio do Re- gulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR), ou expandidos. Quanto aos direitos tradicionais, podemos identificá-los nos seguintes direitos: • confirmação da existência de tratamento; • acesso aos dados; • correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados. Já os novos podemos encontrar nos seguintes direitos: • anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desne- cessários, excessivos ou tratados em desconformidade; • portabilidade dos dados; A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais traz aspectos inéditos que afetam a gestão das empresas. Confira quais são e como cumpri-los.
  • 38. Caso fique comprovado que determinada empresa não possui um padrão de segurança adequado para fazer uso dos dados pessoais coletados, pode ser impedida de continuar realizando o tratamento deles. | A ERA DOS DADOS • NOVOS DIREITOS | 36 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS • eliminação dos dados pessoais tratados com o consenti- mento do titular; • informação das entidades públicas e privadas com as quais o controlador realizou uso compartilhado de dados; • informação sobre a possibilidade de não fornecer consen- timento e sobre as consequências da negativa; • revogação do consentimento; • direito de peticionar em relação aos seus dados contra o controlador perante a autoridade nacional; • direito de oposição nas hipóteses de dispensa de consen- timento; • direito de revisões de decisões automatizadas; • direito à explicação. Atualmente, controladores e operadores estão preocupa- dos em entender esses novos direitos e em como atender a eles. Destacamos quatro deles que estão sendo alvo de in- tensos debates hoje no Brasil, os direitos de: • anonimização, bloqueio e eliminação; • portabilidade; • revisão de decisão automatizada; • direito à explicação. Em relação ao primeiro, de forma breve, vale explicar que, na anonimização, é possível descaracterizar dados para que não seja possível a reidentificação do titular deles. Dados anonimizados não são dados pessoais. Por isso, em caso de incidente de segurança, se a base de dados estiver ano- nimizada, o dano causado é menor. No caso do bloqueio, caso fique comprovado que determinada empresa não pos- sui um padrão de segurança adequado para fazer uso dos dados pessoais coletados, é possível que seja impedida de continuar realizando o tratamento deles, até que seu padrão de segurança seja melhorado. A eliminação é o pedido de exclusão dos dados pessoais pelo próprio titular dos dados. Caso um usuário encerre sua conta de e-mail, por exemplo, pode solicitar à empresa que fornece o serviço para apagar seus dados pessoais; esta só pode se recusar a fazê-lo se tiver uma justificativa legal. Dados relacionados ao IP, que ficam armazenados em cada uma das vezes em que o e-mail é acessado, devem obriga- toriamente ser guardados pela empresa de correio eletrô- nico pelo prazo de seis meses, em cumprimento ao Marco Civil da Internet. Já a portabilidade está relacionada à possibilidade de o titular portar ou transmitir seus dados pessoais de um con- trolador para outro. Os dados devem ter caráter estruturado e interoperável, a fim de facilitar a transmissão. Muitas em- presas estão preocupadas em como atender a esse direito. A verdade é que a LGPDP não traz critérios claros sobre o tema e, enquanto isso não é esclarecido pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), é recomendável que as empresas comecem a fazer um inventário para es- truturar e catalogar as bases de dados pessoais que retêm. Arevisão de decisão automatizada refere-se à possibilida- de de a decisão tomada unicamente com base em tratamen- to automatizado ser revista quando impactar os interesses dos titulares, a fim de evitar decisões discriminatórias. Um exemplo clássico é o do credit score, quando um titular de- seja obter crédito para comprar um produto, mas tem seu pedido negado, porque um algoritmo entendeu que ele não teria capacidade financeira para pagar o empréstimo. Esse direito já estava presente na Lei de Cadastro Positivo, es- pecificamente para a finalidade de crédito, tendo sido ago- ra na LGPDP expandido para outros tipos de finalidades de tratamento de dados, como a possibilidade de revisão do que o algoritmo entende que você iria gostar de ver na sua timeline do Facebook ou do Instagram (propagandas, fotos, vídeos etc.). Por fim, o direito à explicação é a possibilidade de o titular dos dados requerer esclarecimentos sobre os critérios e os procedimentos utilizados para uma decisão tomada unica- mente com base em tratamento automatizado, observados os segredos comercial e industrial.
  • 39. MARIA CECÍLIA OLIVEIRA GOMES > Advogada especializada em Privacidade e Proteção de Dados, pesquisadora e líder de Projeto de Proteção de Dados na FGV > mariacecilia.og@gmail.com PARA SABER MAIS: − Bruno Ricardo Bioni. Proteção de Dados Pessoais: A função e os limites do consentimento, 2018. − Ana Frazão. Nova LGPD: os direitos dos titulares de dados pessoais, Jota, 2018. Disponível em: jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/nova- lgpd-os-direitos-dos-titulares-de-dados-pessoais-17102018 − Renato Leite Monteiro. Existe um direito à explicação na Lei Geral de Proteção de Dados? Instituto Igarapé, 2018. GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 37 | COMO CUMPRI-LOS? Além de procurar compreender os direitos da LGPDP, os controladores estão questionando dois pontos: • Qual é o prazo de atendimento a esses direitos; • Qual é a forma de atender a eles? Ainda estão bastante nublados a forma, o prazo e os cri- térios de atendimento a todos esses direitos, por mais que nos artigos 19 e 20 da LGPDP haja breves esclarecimentos sobre alguns. Dessa forma, o ideal é ir organizando a pró- pria “casa” para que se possa ter conhecimento sobre to- dos os dados pessoais que estão presentes nas bases e nos fluxos da empresa. Quanto ao prazo, é importante mencionar que os únicos direitos em que há indicação expressa na lei são os de aces- so e o de confirmação de tratamento, sendo este último o direito de o titular ter a confirmação de que um controla- dor ou operador possui seus dados pessoais armazenados. A LGPDP determina o atendimento deles em até 15 dias, contados da solicitação do titular. Em relação aos demais, a lei não se atentou em estabelecer o prazo. A interpreta- ção existente, por mais subjetiva que seja, é a de que eles deverão ser cumpridos em um prazo razoável, o que pode ser de uma semana para algumas empresas, ou de um mês para outras, dependendo da organização interna em pro- cessar os pedidos. Para atender aos direitos da LGPDP, existem atualmente no mercado várias formas de gerenciar as requisições dos titulares. O investimento em uma ferramenta ou aplicação vai depender do volume de solicitações dos titulares e da complexidade dos tratamentos envolvidos. Caso haja baixo volume de pedidos – quando o modelo de negócio é mais focado em pessoa jurídica, por exemplo –, um canal ade- quado pode ser um chatbot ou e-mail, que o controlador é capaz de administrar mesmo com uma equipe pequena. Caso o volume de requisições seja elevado e as operações de tratamento sejam complexas, o ideal é ter soluções auto- matizadas como um privacy dashboard (plataforma de priva- cidade) para gerenciar os pedidos e para o titular dos dados conseguir ter acesso imediato a alguns de seus direitos. Se a gestão for manual, será necessária uma quantidade expres- siva de pessoas dedicadas a atender a todas as solicitações. Considerando os direitos que já eram previstos nas leis setoriais brasileiras de proteção de dados e os mais recentes, gestados por conta do crescimento do tratamento automati- zado de dados, é possível enxergar a fotografia atual do tema no Brasil: já havia direitos, mas não necessariamente eles eram cumpridos.Agora, com o acréscimo de novos direitos e a clara intenção de fiscalização da lei, provavelmente o cenário vai se alterar. Por esses motivos, é importante que os controladores se atentem para esse tema nesse momen- to, a fim de estarem em conformidade com as obrigações previstas relativas aos direitos dos titulares antes da entrada em vigor da LGPDP.
  • 40. | 38 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS A | MARKETING • SIGA-ME SIGA-ME AS EMPRESAS ADOTAM MARKETING NAS REDES SOCIAIS NÃO PELA RACIONALIDADE ECONÔMICA, MAS POR INFLUÊNCIA OU PRESSÃO DE PARES, FUNCIONÁRIOS, CONCORRENTES E CLIENTES. | POR FELIPE BOGÉA, ELIANE ZAMITH BRITO E LILIAN CARVALHO
  • 41. GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 39 | N os primeiros dias da internet, os gestores não faziam ideia de como a world wide web iria transformar os negócios. Cada empresa luta- va, com estratégias e táticas diferentes, para prever como a internet poderia mudar sua interação com os stakeholders, transformar seus processos e gerar valor. Dinâmica parecida ocorre hoje com as redes sociais. Sem conseguir enxergar claramente o impacto das novas mídias, as empresas vão tateando cau- telosamente o universo do YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, LinkedIn. A despeito de as pessoas adotarem rapidamente essa for- ma onipresente de comunicação, muitas organizações têm resistido em implantar atividades de marketing nas redes sociais. Para entender os desafios enfrentados no contex- to brasileiro, fizemos uma pesquisa com profissionais de marketing do país. Em uma primeira fase, foram entrevista- dos, em profundidade, 17 profissionais de grandes empresas para identificarmos os fatores que impulsionam a adoção de marketing nas redes sociais. Depois, procuramos medir quais desses fatores eram relevantes, com base em questio- nários enviados a gestores que atuavam em organizações de pequeno, médio e grande porte. INCERTEZAS E FACILITADORES Um fator que se destacou diz respeito à mensuração de resultados. Os gestores precisam poder tornar tangíveis os resultados do investimento, mas, nas entrevistas, eles ex- pressaram incerteza sobre o retorno das estratégias nas re- des sociais. Há dúvidas acerca de como mensurar os resul- tados e como associar a alocação de recursos nesse tipo de marketing aos ganhos de produtividade, rentabilidade e par- ticipação de mercado, ou seja, à utilidade do investimento. Como é difícil reconhecer a efetividade do marketing em redes sociais, falta apoio institucional da alta liderança das empresas para que esses investimentos sejam realizados. Os gestores mencionaram também a maior complexidade do contexto de marketing e comunicação nos últimos anos, o que leva à percepção de que é preciso dispender mais es- forço para gerenciar efetivamente a relação com o consu- midor e com os canais de comunicação. Essa complexida- de, misturada com a falta de conhecimento dos executivos sobre marketing nas redes sociais, gera um sentimento de incerteza. São muitas variáveis a serem controladas em marketing em redes sociais: o tipo de rede, o tipo de anún- cio (texto? Imagem? Vídeo?). Uma rede de especialistas externos ou de membros da equipe que sejam mais jovens e que possam apoiar a atuação nas redes sociais potencializa positivamente a intenção de adotar estratégias de marketing nas redes sociais. Os exe- cutivos consultados fazem parte de uma geração de imi- grantes digitais, pessoas que nasceram em um mundo ana- lógico, sem internet. Esse perfil de profissionais expressa insegurança ao lidar com investimentos nas novas mídias. A presença de pessoas mais jovens é vista como positiva, pois estes são os chamados nativos digitais e podem dar mais firmeza ao gestor. Ter por perto gente que navegue bem pelo mundo virtu- al anula o efeito negativo da percepção de que é necessá- rio muito esforço para gerenciar iniciativas de marketing nas redes sociais. Nesse sentido, o papel das agências de marketing digital pode ganhar relevância no futuro próxi- mo, assim como o de funcionários que tenham treinamento específico nas tecnologias de comunicação digital. INFLUÊNCIA DE STAKEHOLDERS Os resultados mostraram que, diante das dificuldades em compreender o funcionamento das novas mídias e das incertezas em relação ao retorno da estratégia, os gestores acabam muitas vezes investindo em marketing das redes sociais por influência ou pressão de seus pares, de líderes de opinião, de clientes e de concorrentes. Os entrevistados mencionaram o senso comum genérico de que o marketing em mídia social “é o futuro”. Essa per- cepção está associada aos movimentos de empresas de re- ferência ou de concorrentes. Estudos anteriores já haviam chamado a atenção para esse aspecto. Em artigo publicado na revista acadêmica Journal of the Academy of Marketing Science, Fang Wu, Vijay Mahajan e Sridhar Balasubramanian mostram que, quando o ambiente de competição é inten- so, as empresas acabam por adotar o marketing digital sem considerar seus benefícios reais, seguindo apenas a estra- tégia dos concorrentes. A segunda fase da nossa pesquisa mostrou que, de fato, a influência social tem impacto positivo na intenção de adotar TER POR PERTO GENTE QUE NAVEGUE BEM PELO MUNDO VIRTUAL ANULA O EFEITO NEGATIVO DA PERCEPÇÃO DE QUE É NECESSÁRIO MUITO ESFORÇO PARA GERENCIAR INICIATIVAS DE MARKETING NAS REDES SOCIAIS.
  • 42. | 40 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS |MARKETING • SIGA-ME PARA SABER MAIS: − Pratyush Bharati, Chen Zhang e Abhijit Chaudhury. Social media assimilation in firms: Investigating the roles of absorptive capacity and institutional pressures.  Information Systems Frontiers, v.16, n.2, 2014. − Marcia DiStaso, Tina McCorkindale e Donald Wright. How public relations executives perceive and measure the impact of social media in their organizations. Public Relations Review, v.37, n.3, 2011. − Yogesh Dwivedi, Nripendra Rana, Anand Jeyaraj, Marc Clement e Michael Williams. Re-examining the unified theory of acceptance and use of technology: towards a revised theoretical model. Information Systems Frontiers, 2017. Disponível em: doi.org/10.1007/ s10796-017-9774-y − John Meyer e Brian Rowan. Institutionalized organizations: formal structure as myth and ceremony. American Journal of Sociology, v.83, n.2, 1977. − Social Media Trends. Inteligência Rock Content. 2019. Disponível em: inteligencia. rockcontent.com/social-media-trends-2019-panorama-das-empresas-e-dos-usuarios-nas- redes-sociais/ − Fang Wu, Vijay Mahajan e Sridhar Balasubramanian. An analysis of e-business adoption and its impact on business performance. Journal of the Academy of Marketing Science, v.31, n.4, 2003. Disponível em: doi.org/10.1177/0092070303255379 o marketing nas redes sociais. Ou seja, outros profissionais da empresa ou líderes de opinião do mercado podem incen- tivar o gestor a iniciar atividades nas novas mídias.As ações de marketing nas redes sociais dos principais competido- res também são fator de enorme pressão. O efeito é mais sensível se os clientes reconhecem a vantagem do concor- rente. Por meio desse comparativo ou não, os clientes tam- bém influenciam as empresas a investirem em marketing em redes sociais. RECOMENDAÇÕES De acordo com os achados combinados das duas fases da pesquisa, a influência social e as pressões do ambiente competitivo são o que efetivamente promovem a decisão de investir em marketing nas redes sociais. Além disso, as empresas podem investir em condições que facilitem a adoção de atividades voltadas às novas mí- dias. Os gestores de marketing devem direcionar esforços para ter uma equipe qualificada a fim de implantar estra- tégias de marketing nas redes sociais e que seja capaz de capturar os efetivos efeitos dessa atuação no desempenho da marca ou da empresa. FELIPE BOGÉA > Sócio da F2F Digital e doutor pela FGV EAESP > felipe.bogea@f2f-digital.com.br ELIANE ZAMITH BRITO > Professora da FGV EAESP e coordenadora do GV Redes > eliane.brito@fgv.br LILIAN CARVALHO > Professora da FGV EAESP e coordenadora adjunta do GV Redes > lilian.carvalho@fgv.br FONTE: SOCIAL MEDIA TRENDS/ROCK CONTENT, 2019. EVOLUÇÃO DA PRESENÇA DAS EMPRESAS NAS REDES SOCIAIS NO BRASIL Facebook 0 25 50 75 % 100 Instagram LinkedIn Twitter Youtube Pinterest Snapchat OutroGoogle+ 97,6 63,3 80,2 89,4 56,4 44,6 44,2 32,8 9,9 8,7 2,4 0,7 1,2 1,2 2,0 8,5 7,9 21,9 19,8 33,6 47,6 47,6 30,4 46,2 47,2 97,5 98,8 Panorama 2017 Panorama 2018 Panorama 2019 Como o grande empecilho para o avanço dessas atividades são as dúvidas em relação ao retorno do investimento, as pla- taformas de redes sociais devem se concentrar em demonstrar o valor para os negócios de suas soluções de marketing.
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  • 44. | 42 GVEXECUTIVO • V 18 • N 4 • JUL/AGO 2019 • FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS A | GESTÃO • AS FALHAS DAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO AS FALHAS DAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO OS PROGRAMAS BRASILEIROS DE INOVAÇÃO NÃO DEMONSTRAM ADERÊNCIA ÀS NECESSIDADES DOS PEQUENOS NEGÓCIOS E DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL LOCAL DO PAÍS. | POR GLESSIA SILVA E LUIZ CARLOS DI SERIO