1. reportagem especial da revista TIME sobre o método FRIENDS
COM AJUDA DO ‘FRIENDS’
Daniel Williams
Brisbane, Austrália
23 de fevereiro de 2004
A criança que coloca tachinhas nas cadeiras dos coleguinhas e faz aviõezinhos
de papel com a prova de matemática pode ter um problema, mas é provável que
alguém faça algo para descobrir qual é. Talvez seja um desses distúrbios de
aprendizagem que são diagnosticados com frequência hoje em dia, ou talvez seja um
problema em casa. O fato é que crianças bagunceiras sempre chamam atenção. Mas e
as outras crianças na mesma sala de aula que não se manifestam e que têm boas
notas? Apesar de serem boas alunas comparadas com as bagunceiras, algumas
crianças assim podem estar precisando de ajuda, mas não têm coragem de pedir.
Graças a um novo programa australiano, a ajuda pode chegar a elas primeiro.
A prevalência da ansiedade em crianças nos países desenvolvidos parece estar
aumentando. Quaisquer que sejam as causas disso (como o declínio da família extensa,
a ênfase exagerada no sucesso, e a aceleração da vida, por exemplo), estima-se que
entre 15 a 20 por cento das crianças sentem ansiedade que diminui a qualidade de
suas vidas. Em termos simples, as crianças passam muito tempo se preocupando,
arruinando o período que seria seu tempo de lazer.
Ao invés de se entusiasmarem com uma viagem de campo da escola, elas
receiam o que pode dar errado, como provar uma comida que não gostem ou ter de
tomar banho na frente dos outros. Enquanto algumas dessas situações podem passar
na cabeça da maioria das crianças, as mais ansiosas vão simplesmente se ausentar da
viagem para evitar o risco de se envergonhar. Algumas crianças extremamente
ansiosas se preocupam sem parar sobre coisas que estão fora de seu controle, como
um terremoto, guerra nuclear e pneumonia, aumentando em suas mentes o perigo
para si mesmas e para suas famílias. Para piorar, as crianças que sofrem disso se
sentem compelidas a esconder seus medos dos outros, e com frequência se tornam
adolescentes deprimidos. "Crianças ansiosas são muito raramente trazidas até nós",
2. afirma a psicóloga clínica Dra. Paula Barrett, diretora do Centro de Pesquisa e Saúde
Pathways em Brisbane, "por isso começamos a ir atrás delas."
Isso é realizado com um programa criado por Barrett chamado FRIENDS, que é
bastante usado em hospitais e clínicas australianos para tratar crianças ansiosas e
adolescentes deprimidos. Mas o diferencial do projeto é um curso do FRIENDS
apresentado nas escolas primárias e secundárias. Ao ajudar jovens a aceitar seus
sentimentos como verdadeiros, e mostrando a eles técnicas de pensamento positivo e
resolução de problemas, o programa "constrói sua resiliência emocional", afirma
Barrett, que também é professora associada de psicologia na Universidade de Griffith.
Na Austrália, cerca de 40 mil alunos – principalmente em escolas particulares –
passaram pelo FRIENDS, que também está sendo aplicado na Nova Zelândia, África do
Sul, EUA e Europa. Escolas canadenses logo vão começar uma grande pesquisa do
programa, que será traduzido mais tarde esse ano para o Chinês e Russo. "O trabalho
da Dra. Barrett na ansiedade infantil só pode ser descrito como inovador." afirma
Deborah Beidel, professora de psicologia no Centro de Distúrbios de Ansiedade de
Maryland, uma instituição renomada nos EUA.
Seja como instrumento para tratamento ou prevenção, FRIENDS ajuda a
controlar a angústia da infância. Como evidência, há os resultados favoráveis de
estudos numerosos – e há crianças como Maddison, que tinha 8 anos quando seu pai
deixou a família para morar com uma das amigas de sua mãe. Antes uma menina
extrovertida, ela se tornou cada vez mais fechada e acanhada enquanto enfrentava
sentimentos de culpa e confusão. Direcionada para Barrett pela psicóloga da família,
Maddison floresceu no programa FRIENDS. Numa tarde na semana passada ela fez sua
lição numa mesa no Centro Pathways, onde sua mãe, Vikki, trabalha na recepção.
Agora com 11 anos, Maddison explicou como foi sua entrevista de uma grande escola
de dança. Foi muito desgastante, ela disse, executar uma rotina de balé e jazz diante
de examinadores e outras crianças. Ela teve até de cantar feliz aniversário. Ela não
conseguiu entrar na escola, mas o importante para ela foi que ela tentou, e ao voltar
para casa Vikki se engasgou quando Maddison disse a ela: "Sabe, estou muito
orgulhosa de mim mesma."
Nos anos 90, enquanto Barrett desenvolvia o projeto FRIENDS a partir dos
trabalhos do psicólogo americano Phillip Kendall, pesquisadores estavam refinando
suas teorias sobre os tipos de crianças mais vulneráveis à ansiedade. Eles acreditam
hoje que um em cada cinco bebês, conforme Barrett descreve, "é sensível
fisiologicamente ao estresse e estímulos específicos". Um teste para isso é expor bebês
de 3 meses a um barulho inesperado. O batimento cardíaco da criança sensível
aumenta mais e mais rápido que a criança normal, e fica elevado por mais tempo.
Mas três em cada cinco crianças sensíveis (que tendem a ser inteligentes e
artísticas), não desenvolvem problemas com ansiedade. O segredo, explica Barrett, são
3. os "fatores de proteção". Acima de tudo, é o estilo de criação dos pais: a criança
sensível cujos pais são encorajadores e otimistas geralmente supera sua predisposição
para ansiedade. Por outro lado, uma criança com o duplo estorvo de sensibilidade
fisiológica e pais negativos cuja abordagem preferida é evitar problemas "vai se tornar
problemática", diz Barrett. Crianças sensíveis "precisam desesperadamente de um pai
que diga: Sim, há algumas coisas perigosas, mas podemos aprender a lidar com elas e
o mundo em geral é um lugar muito legal." Nos últimos anos, os pesquisadores têm se
assegurado de que outras coisas podem evitar que as crianças sofram de ansiedade,
incluindo o ambiente escolar que seja receptivo e coloque a participação acima do
sucesso, e uma rede de bons amigos.
Barrett leu o trabalho de Kendall enquanto fazia seu mestrado sobre medos na
infância em 1992. Ela ficou fascinada, e mais tarde escreveu a ele pedindo permissão
para desenvolvê-lo. Kendall havia desafiado a noção prevalente de que as crianças não
eram capazes de pensar sobre como elas pensam, e que era inútil tentar tratar sua
ansiedade com terapia cognitiva comportamental; a única solução, acreditava-se, era
ajudar os pais a conduzir o comportamento da criança. Barrett concordou que a
terapia cognitiva comportamental direcionada à criança poderia funcionar, e pensou
que o programa "Coping Cat" de Kendall poderia ser construído encorajando o cuidado
parental e o envolvimento da criança no tratamento. Ela também começou a tratar
crianças ansiosas em grupos, convencida de que a interação aumentaria sua confiança.
Sua última contribuição é o programa de prevenção. Há dois cursos de FRIENDS
nas escolas, um para crianças de 10 a 12 anos, e outro para crianças de 15 a 16 anos.
Os cursos são conduzidos por professores em 10 sessões ao longo de várias semanas,
em que apresentam para as crianças os "exterminadores de pensamento" para
combater pensamentos negativos e planos de seis passos para enfrentar problemas
que podem parecer intransponíveis.
Além de drenar a alegria de vidas jovens, a ansiedade não tratada na infância
tende a se transformar em depressão na adolescência, um sério fator de risco para
suicídio. Viver com medo diminui a vontade de viver, e a esquiva constante de coisas
desagradáveis – apesar de ser um alívio temporário – eventualmente faz o sofredor se
sentir isolado e inútil. Katherine, 18 anos, de Brisbane, se recorda de sua infância em
seu "pequeno mundinho", sem nunca se sentir próxima de seus pais, obcecada em
fazer tudo perfeito e apavorada pela ideia de entrar em confusão. No último ano do
ensino médio, ela estava desesperada que resolveu se matar. "Eu tinha tudo
planejado", ela disse. Mas dias antes a professora de história antiga de Katherine a
direcionou para Barrett. "Quando estava falando com a Paula e fazendo o programa,
nada mais importava.", diz Katherine. "Comparado com como estava antes, estou 500
por cento melhor". FRIENDS não é uma panaceia. O tratamento de Katherine incluiu
antidepressivos, que Barrett afirma que são importantes para ajudar no tratamento
4. quando a ansiedade ou depressão são severas. Ela descartou qualquer sugestão de
que tratar a ansiedade infantil – mesmo apenas com a terapia cognitivo
comportamental – seja um exemplo de medicar variações humanas normais. Algumas
crianças vão sempre ter medo do escuro ou ser tímidas, e FRIENDS não espera mudar
isso. A beleza da apresentação do programa nas escolas, Barrett diz, é que ela mantém
crianças não-ansiosas nesse estado, faz com que as ansiosas controlem seus sintomas,
e ajuda os professores a identificar quais dessas crianças ansiosas precisam de atenção
clínica individual. O último grupo de crianças ansiosas não faz parte da variação normal,
ela acentua: "Internamente, elas estão todas sofrendo."
A má notícia sobre a ansiedade é que ela está aparecendo cada vez mais cedo
em crianças e jovens, e Barrett está trabalhando agora num curso FRIENDS focado na
educação infantil. Mesmo a criança que brinca quietinha com seus bloquinhos pode
estar tendo pensamentos que ninguém poderia imaginar.
Link para o artigo original em inglês:
http://content.time.com/time/world/article/0,8599,2047331,00.html
Tradução livre realizada por Francisco Dubiela
IBIES – Instituto Brasileiro de Inteligência Emocional e Social
Visite o site www.metodo friends.com