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LIMITAÇÃO LEGAL AO NÚMERO DE DIRIGENTES SINDICAIS ESTÁVEIS.
Da Insubsistência do Art. 522 da CLT na Ordem Instituída pela Constituição de 1988.




INTRODUÇÃO


        A formulação de regras aparentemente aplicáveis de imediato e dotadas de uma
objetividade tal que de sua simples leitura poder-se-ia antever seus destinatários, suas
hipóteses concretas de incidência e seus limites exegéticos não tem, por si só, o condão de
petrificar a compreensão daqueles dispositivos legais no tempo e no espaço.

        As normas jurídicas, enquanto conceitos e definições imaginadas pelo homem, são
frutos de ilações construídas paulatinamente a partir de experiências vivenciadas em
determinados momentos históricos. Se na ocasião em que nascem tais concepções mentais
o ambiente social impõe-lhes um determinado desenho, com o passar do tempo, a evolução
das estruturas da sociedade poderá provocar alterações substanciais em seus contornos.

        Poder-se-ia dizer, utilizando uma analogia chã, que o contorno dos conceitos
imaginados pelo homem é “esboçado a lápis”, podendo ser “apagado e redefinido” a
medida em que a realidade se altera e, com isso, impõe-lhe um novo desenho. Ou, valendo-
se de outra comparação, poder-se-ia visualizar os dados da realidade como paisagens
mutantes a exigirem dos artistas que pretendem reproduzi-las em tela, constantes alterações
de traçado.

       Não por outra razão, Habermas assinala que “a partir de agora, não podemos mais
apreender simplesmente e sem mediação pensamentos e fatos no mundo dos objetos
representáveis”, pois “eles só são acessíveis enquanto representados, portanto em estados
de coisas.” E continua:

O conteúdo de todo pensamento completo é determinado por um estado de coisas que pode
ser expresso numa proposição assertórica. Entretanto, todo pensamento exige, além do
conteúdo assertivo, uma determinação ulterior: pergunta-se se ele é verdadeiro ou falso.
Sujeitos pensantes e falantes podem tomar posição em relação a qualquer pensamento
dizendo ´sim´ou ´não´; por isso, ao simples ´ter um pensamento´ vem acrescentar-se um ato
de apreciação crítica. Somente o pensamento traduzido em proposições ou a proposição
verdadeira expressam um fato. A avaliação afirmativa de um pensamento ou do sentido
assertórico de uma proposição pronunciada coloca em jogo a validade do juízo ou da frase
e, com isso, um novo momento de idealidade.

        Evidentemente, o contorno positivo das regras jurídicas, ou seja, a forma textual que
estas últimas possuem, não será imediatamente afetado pelas alterações de contexto
percebidas pelos intérpretes. A sistemática inerente ao processo legislativo não possui uma
dinâmica hábil a detectar de pronto as evoluções da realidade fáticas para traduzi-las
instantaneamente em lei.


                                                                                           1
A tarefa de dar sentido aos textos legais face às alterações vislumbradas na realidade
fática cabe, em um primeiro momento, aos intérpretes das normas. Nessa perspectiva, a lei
nada mais é do que um ponto de partida, um pensamento traduzido em direito positivo que
reflete um momento histórico determinado, cuja subsistência no tempo e no espaço não
pode prescindir dos contributos exegéticos oferecidos pelos atores sociais conectados com
o “mundo da vida” e por ele afetados diretamente.

        As tensões existentes entre os textos legais e o mundo dos fatos afetam de modo
direto as normas pertinentes à organização sindical pátria, insculpidas no Título V da
Consolidação das Leis do Trabalho, porquanto estas foram elaboradas em um momento
histórico peculiaríssimo da política brasileira, caracterizado pela ascenção do ideário
corporativista , e porque os referidos dispositivos se mantêm textualmente íntegros, a
despeito da notória alteração do contexto sócio-econômico, bem como da sucessiva
alternância de regimes constitucionais ao longo dos últimos 70 (setenta) anos.

        O presente estudo enfocará, em especial, as tensões entre texto legal e as
vicissitudes fáticas e ideológicas na compreensão e na aplicação do artigo 522 da CLT , a
versar sobre a composição da diretoria das entidades sindicais. Tal análise afigura-se
fundamental para a resolução da problemática em torno do número máximo de dirigentes
detentores de estabilidade e da coibição de eventuais abusos por parte dos sindicatos ao
organizarem seus corpos diretivos.

        Desse modo, avaliar-se-á, em um primeiro momento, os aspectos componentes do
paradigma do Estado Social, a servirem de substrato ideológico para a formulação da
legislação sindical pátria nas décadas de 1930 e 1940 e cujo repertório apregoava, em
apertadíssima síntese, a atuação do Estado por meio de programas elaborados
unilateralmente por equipes técnicas ligadas ao Poder Executivo e voltados para a
compensação de desigualdades, bem como para a planificação do mercado.


       Após isto, o estudo se voltará para um relato em torno das vicissitudes fáticas e
ideológicas ocorridas no País nos 70 (setenta) anos que se sucederam à edição do artigo 522
da CLT para perquirir, ao final, se o atual cenário jurídico-institucional permite a
convivência entre a redação casuística e restritiva dos referidos dispositivos, de um lado, e
os novos conceitos incorporados pelo sistema do direito, de outro.


        Antes, contudo, faz-se mister trazer à lume uma breve descrição do sistema do
direito sob a ótica da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, a se justificar tendo em vista
que os conceitos de sistema, ambiente, expectativa normativa, autopoiese e acoplamento
estrutural elaborados pelo referido autor germânico, a nosso ver, consistem em mecanismos
que possibilitam verificar clara e concisamente como o direito processa as alterações de
contexto verificadas na sociedade e, desse modo, promove a sua evolução.




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Mais especificamente, a exposição ora proposta em torno dos conceitos da Teoria
dos Sistemas de Niklas Luhmann auxiliará na compreensão em torno das possibilidades de
subsistência ou não da limitação legal ao número de dirigentes sindicais com supedâneo nas
expectativas normativas originais subjacentes ao artigo 522 da CLT.


1 – O DIREITO ENQUANTO SISTEMA NA TEORIA DE LUHMANN. BREVES
NOTAS A RESPEITO DOS CONCEITOS DE SISTEMA, AMBIENTE, AUTOPOIESE,
EXPECTATIVAS NORMATIVAS E ACOPLAMENTO ESTRUTURAL.


        Conforme já adiantado alhures, as presentes linhas trarão breves notas a respeito dos
conceitos integrantes da Sociologia do Direito elaborada por Niklas Luhmann, cuja
compreensão é essencial para a superação do entendimento hodiernamente conferido ao
artigo 522 da CLT.

        Pois bem, segundo Luhmann, as sociedades complexas, ou seja, aquelas em que
predomina a diferenciação funcional entre suas diversas estruturas, são formadas por
sistemas, a variarem de acordo com as funções atribuídas às diferentes instituições sociais
(vg. religião, família, economia, política, etc).

       Para cada função haverá, portanto, um sistema específico, que enxergará, processará
e compreenderá os dados da realidade de acordo com sua própria linguagem, sem valer-se
de códigos oriundos de outros sistemas . Poder-se-ia, portanto, ainda a título precário,
conceituar sistema como a estrutura comunicativa inerente às funções diferenciadas da
sociedade complexa.

       Os dados da realidade não processados, bem como as informações (ruídos) oriundas
de outros sistemas, integram o ambiente (entorno), ou seja, aquilo que não faz parte do
sistema. À medida em que o sistema social elabora uma linguagem própria, apta a produzir
signos compreensivos distintos daqueles produzidos por outros sistemas, opera-se a
diferença entre aquele e o ambiente, conforme bem assinala Luhmann:

El binomio sistema/entorno es una operación sustentada en una diferencia. El teórico de
sistemas reacciona pues, de esta manera a la consigna ‘draw a distinction’. No se trata de
cualquier distinción sino precisamente la de sistema y entorno, y el indicador (pointer) está
puesto del lado del sistema y no del lado del entorno. El entorno está colocado fuera,
mientras que el sistema queda indicado del otro lado.(...) La consecuencia para la teoria de
sistemas (...) es que el sistema se puede caracterizar como una forma con la implicación de
que dicha forma esta impuesta por dos lados: sistema/entorno.
(...)
Todo lo que existe y se pueda designar como social consta, desde el punto de vista de una
construcción teórica que se fundamenta en la operación, de un mismo impulso y un mismo
tipo de acontecimiento: la comunicación. (...) El sistema es una diferencia que se produce
constantemente a partir de un solo tipo de operación. La operación lleva a efecto el hecho
de reproducir la diferencia sistema/entorno, en la medida en que produce comunicación
solo mediante comunicación.


                                                                                           3
(...)
El sistema (la comunicación) puede distinguirse con respecto a su entorno: la operación que
lleva a cabo el sistema (operación de comunicación) lleva a efecto una diferencia en la
medida en que una operación se enlaza, se traba con outra de su mismo tipo, y va dejando
fuera todo lo demás. Fuera del sistema, en el entorno, acontecen simultáneamente otras
cosas. Estas otras cosas suceden en un mundo que solo tiene significado para el sistema en
el momento en que pueda enlazar esos acontecimientos a la comunicación. El sistema
debido a que tiene que decidir si enlaza una comunicación con otra, necesariamente debe
disponer de capacidad de observar, de percibir, lo que embona con él y lo que no embona.
Un sistema, entonces, que puede controlar sus posibilidades de enlace debe disponer de
autoobservarse, sobre todo cuando ya está puesto en marcha un lenguaje para la
comunicación y se tiene un repertorio de signos estandardizados.


       O sistema social, enquanto estrutura lingüística detentora de uma determinada
função, necessita de mecanismos para se relacionar com o ambiente e processar os dados
oriundos deste último. E sendo o ambiente externo um conjunto amplamente complexo,
afigura-se imprescindível para o sistema a elaboração de formas simplificadoras, hábeis a
assegurar, ao mesmo tempo, seu caráter dinâmico interno e sua relação com o entorno.

       Nesse sentido, a forma escolhida pelos sistemas sociais para reduzir a complexidade
do ambiente faz-se representada pela noção de “expectativas generalizadas”, a
compreenderem o conjunto previamente esperado de comportamentos verificáveis no
entorno, conforme bem explica Luhmann:

Quem pode ter expectativas sobre as expectativas de outros (...) pode ter um acesso mais
rico em possibilidades ao seu mundo circundante, e apesar disso viver mais livre de
desapontamentos. Ele pode superar a complexidade e a contingência mais elevadas, em um
nível mais abstrato. Ele pode, se não for demasiadamente atrapalhado por motivos próprios,
realizar internamente as adequações comportamentais necessárias, ou seja, quase sem
comunicação. Ele não precisa expor-se e fixar-se verbalmente (...) e ele economiza tempo,
conseguindo, portanto, conviver com outros em sistemas sociais muito mais complexos e
abertos em termos de comportamento.
(...)
Os sistemas sociais (...) estabilizam expectativas objetivas, vigentes, pelas quais ‘as’
pessoas se orientam. As expectativas podem ser verbalizadas na forma do dever ser, mas
também podem estar acopladas a determinações qualitativas, delimitações da ação, regras
de cuidado, etc. O importante é que se consiga uma simplificação através de uma redução
generalizante.

        Ao generalizarem suas expectativas em relação ao entorno, e também em face da
elevada complexidade, os sistemas sociais assumem necessariamente um considerável risco
de desapontamento, a se materializar nas hipóteses em que as possibilidades selecionadas
pelos sistemas demonstram-se enganosas ou inverídicas. A depender do comportamento do
sistema diante de tais frustrações, as expectativas classificar-se-ão em cognitivas ou
normativas.



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Nesse diapasão, as expectativas cognitivas serão aquelas que se adaptam aos dados
fáticos dissonantes das situações esperadas pelos sistemas. As expectativas normativas, por
sua vez, serão aquelas sustentadas pelo sistema mesmo em face da realidade constatada
como decepcionante.

       Nas palavras de Luhmann, “ao nível cognitivo são experimentadas e tratadas as
expectativas que, no caso de desapontamentos, são adaptadas à realidade. Nas expectativas
normativas ocorre o contrário: elas não são abandonadas se alguém as transgride.”

       Diante de tal distinção, não é difícil constatar que o direito compõe-se por
expectativas normativas, porquanto seus elementos integradores tendem a permanecer
formalmente íntegros mesmo em face dos desapontamentos verificados no entorno,
conforme bem assinala Luhmann:

As normas são expectativas de comportamento estabilizadas em termos contrafáticos. Seu
sentido implica na incondicionabilidade de sua vigência na medida em que a vigência é
experimentada, e portanto também institucionalizada, independentemente da satisfação
fática ou não da norma. O símbolo do ‘dever ser’ expressa principalmente a expectativa
dessa vigência contrafática, sem colocar em discussão essa própria qualidade – aí estão o
sentido e a função do ‘dever-ser.

       Isso, todavia, não quer significar que o direito seja imutável, recalcitrante em face à
realidade cambiante, cerrado à movimentação verificada no entorno. Do contrário, se o
sistema do direito possuísse tal caráter estático, sua função de generalização e estabilização
de expectativas comportamentais resultaria seriamente prejudicada , conduzindo ao vazio a
força normativa de seus princípios e regras.

        Faz-se necessário, portanto, compreender o direito como uma estrutura composta
por comunicações que geram expectativas normativas abertas para o futuro. Nessa
perspectiva, a possibilidade de comportamentos divergentes verificáveis no porvir impõe ao
sistema do direito a adoção de uma linguagem apta a absorver as mudanças estruturais
verificadas no entorno e, com isso, adquirir novos significados, sem perder o caráter
cogente.

        Tem-se, portanto, que a evolução do direito após a frustração de certas expectativas
normativas ocorre quando suas estruturas comunicativas selecionam novas possibilidades a
partir da observação de ruídos produzidos no ambiente. Tal processo – é importante frisar -
não se dá por intermédio da influência direta do ambiente no sistema, sendo, ao revés,
desenvolvido no interior deste último de maneira autônoma.

        A partir das observações que o sistema do direito formula em relação ao que se
passa no entorno, novas comunicações são elaboradas para definir, em termos jurídicos, o
significado dos elementos presentes no ambiente. O processo interno de construção dessas
concepções mediante a utilização da linguagem do direito, sem a interferência direta do
entorno, denomina-se autopoiese, e é assim sintetizado por Gunther Teubner:




                                                                                            5
El derecho como sistema social autopoiético no está compuesto ni por normas ni por
legisladores, sino por comunicaciones jurídicas, definidas como la síntesis de tres
selecciones de sentido: participación, información y comprensión. Dichas comunicaciones
estan interrelacionadas entre si en una red de comunicaciones que no produce outra cosa
que comunicaciones. Eso es lo que se pretende señalar con la autopoiésis: la auto-
reproducción de uma red de operaciones comunicativas mediante la aplicación recursiva de
comunicaciones a los resultados de comunicaciones anteriores. El derecho es una red
comunicativa que produce comunicaciones jurídicas.
Las comunicaciones jurídicas son los instrumentos cognitivos mediante los cuales el
derecho, como discurso social, es capaz de ‘ver’el mundo. Las comunicaciones jurídicas no
pueden acceder al mundo real externo, ni a la naturaleza ni a la sociedad. Solo pueden
comunicar algo referente a la naturaleza o a la sociedad. (...) El mundo exterior no instruye
en modo alguno al derecho; solo existe una construcción del mundo exterior por parte del
derecho. (...) El constructivismo jurídico presupone entonces la ‘existencia’ de un entorno
para el derecho. La cuestión no es un aislamiento monaudológico del derecho, sino la
construcción autónoma de modelos jurídicos de realidad bajo la impresión de las
perturbaciones ambientales.

        É importante frisar, contudo, que nem todo dado oriundo do entorno é observado
pelo sistema do direito. Apenas aquilo que este último seleciona como relevante será
processado e traduzido em linguagem jurídica, através de um processo que ocorre
inteiramente dentro do sistema.

        O entorno do sistema do direito é formado por outros sistemas (política, economia,
religião, etc.) e a seleção dos dados oriundos destes últimos decorre das irritações sentidas
pelo direito em relação a tais elementos externos. Diz-se, portanto, que entre o sistema do
direito e os demais sistemas há um acoplamento estrutural, ou seja, um mecanismo de
interligação sistêmica que possibilita a percepção daquelas provocações e sua seleção,
assim descrito por Luhmann:

El acoplamiento estructural (...) se situa de manera ortogonal a la operación del sistema:
selecciona lo que puede producir efectos en el sistema y filtra lo que no es conveniente que
produzca efectos en él.
(...)
Los acoplamientos estructurales no producen operaciones, sino solo irritaciones (sorpresas,
decepciones, perturbaciones) en el sistema. Estas irritaciones en razón del entramado de
operación del sistema pueden servir para que el sistema mismo reproduzca las seguintes
operaciones. Um sistema registra y aferra el entorno bajo la forma de irritación. La
irritación es, entonces, con otras palabras una forma que sólo se produce en el interior del
sistema, pero que no se lleva a efecto en el entorno. Solo cuando el sistema procesa sus
próprias irritaciones, entonces está en situación de buscar razones bajo la forma de causas
en el entorno.


        Por derradeiro, importa assinalar que o processo de evolução autopoietica do
sistema do direito ora narrado envolve três fases, quais sejam, a variação, a seleção e a
estabilização.


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A variação ocorre no entorno e se verifica quando uma expectativa de comunicação
do sistema do direito é desapontada. Diante disso, este último sente-se irritado internamente
e promove a seleção de tal dado, a ser traduzido em linguagem jurídica. Quando o novo
entendimento é formulado comunicativamente pelo sistema do direito e nele inserido como
elemento integrante, ocorre a estabilização.

       A descrição ora formulada em torno dos sobreditos conceitos extraídos da Teoria
dos Sistemas de Niklas Luhmann demonstra, afinal, que o artigo 522 da CLT - como todo e
qualquer elemento integrante do sistema do direito - é formado por uma linguagem jurídica
detentora de expectativas normativas, cuja formulação decorreu da observação de dados
presentes no entorno que foram, posteriormente, traduzidos para o sistema do direito.

       Mais especificamente, o texto do artigo 522 da CLT - ao limitar o número de
dirigentes sindicais e integrantes do conselho fiscal em 7 (sete) e 3 (três), respectivamente -
foi formulado em contexto espaço-temporal (entorno/ambiente) datado e específico que, à
ocasião, provavelmente dava vazão às suas expectativas normativas.

        Com efeito, se o artigo 522 da CLT foi formulado sob a égide do paradigma do
Estado Social - em uma época de sindicalismo incipiente dotado de organizações
estritamente locais e de forte dirigismo oficial - suas expectativas normativas não poderiam
apontar para outros objetivos senão o controle do tamanho e da estrutura das entidades
sindicais por parte do Estado e, paralelamente a isto, para a concessão da estabilidade a um
número certo dirigentes, proporcional ao porte dos sindicatos então existentes.

       Diante disso, cumpre indagar se as expectativas normativas do artigo 522 da CLT
permanecem íntegras em face das significativas alterações estruturais verificadas no
entorno desde o advento daquele dispositivo, ocorrido em 1943 com a promulgação da
Consolidação das Leis do Trabalho.

        Em se constatando o desapontamento das expectativas normativas inerentes ao
artigo em apreço, cumpre perquirir, outrossim, se a estabilização do sistema do direito pode
vir a ocorrer por intermédio da manutenção do referido dispositivo ou, pelo contrário, se
apenas mediante sua eliminação.


2 – A FIXAÇÃO DE UM NÚMERO MÁXIMO DE DIRIGENTES SINDICAIS COMO
DECORRÊNCIA DO PARADIGMA DO ESTADO SOCIAL.



        Como é de conhecimento notório, o arcabouço legislativo pátrio a regulamentar as
relações sindicais surgiu nas décadas de 1930 e 1940 . No período em referência, o
sindicalismo brasileiro não configurava um fenômeno significativamente difundido, haja
vista a incipiente produção industrial, concentrada em poucos e dispersos núcleos urbanos,
bem como o caráter predominantemente rural da economia e da própria população.




                                                                                             7
Nesse contexto de incipiência, o Estado decidiu tomar para si a função de delinear a
organização sindical dos trabalhadores e dos empresários segundo um programa ideológico
de cariz corporativista que preconizava, em apertada síntese, a união das forças
empresariais e profissionais com vistas ao alcance dos objetivos nacionais por ele definidos
, conforme bem descreve Raimundo de Araújo Castro em seus comentários à Constituição
de 1937:

O sindicalismo tem por fim congregar todos os indivíduos da mesma classe para melhor
defenderem os seus direitos.
Os sindicatos que atualmente têm mais importância são os operários. (...) O movimento
sindicalista não é na realidade a guerra empreendida pelo proletariado para esmagar a
burguesia e para conquistar os instrumentos da produção e direção da vida econômica. Não
é, como pretendem os teóricos do sindicalismo revolucionário, a classe operária, adquirindo
a consciência de si mesma, para concentrar o poder e a fortuna, e aniquilar a classe
burguesa. E´um movimento muito mais amplo, muito mais fecundo, mesmo muito mais
humano. Não é uma transformação só da classe operária, abrange todas as classes e tende a
coordena-las num sistema harmônico. O sindicalismo é a organização da massa amorfa de
grupos fortes e coerentes de estrutura jurídica determinada e compostos de homens já
unidos pela comunidade de função social e interesse profissional.
(...)
Certo, os industriais, que representam o capital merecem grande acatamento e respeito, mas
menor acatamento e respeito não devem merecer os proletários. Seria mesmo difícil afirmar
qual dessas duas classes é o maior propulsor da riqueza pública. Entre elas não deve haver
antagonismos. Ao contrário, tudo aconselha a necessidade de serem conciliados os
respectivos interêsses, a bem da prosperidade de ambas, da coexistência social e do
desenvolvimento econômicos do País.


        A postura adotada pelo poder público em relação à organização sindical brasileira se
inseria plenamente no arcabouço ideológico subjacente ao paradigma do Estado Social,
cuja difusão teve início, justamente, no contexto político mundial vivenciado nas décadas
de 1930 e 1940 e cujo objetivo fundamental preconizava, resumidamente, a necessária
atuação dos órgãos estatais no fito de orientar as relações produtivas da sociedade e de
reduzir os infortúnios experimentados pelos cidadãos, em sentido diametralmente oposto ao
dogma da restrição estatal a servir como pedra de toque do paradigma liberal.

        Ocorre, todavia, que a ampla atuação compensatória do Estado Social, característica
do paradigma em apreço, culminava com a idealização da sociedade como uma estrutura
centrífuga, em que o Estado se situava no núcleo, irradiando aos complexos e variantes
setores sociais, diretrizes políticas voltadas para a consecução de certos e determinados
objetivos a compreenderem, de modo geral, o bem-estar de todos os cidadãos por
intermédio da correção de desvantagens, conforme bem assevera Niklas Luhmann:

El Estado [de bienestar] se concibe entonces como la situación organizativa de la sociedad.
Las ideas regulativas del Estado de Bienestar se ajustan también a este concepto. Esto es
especialmente válido respecto de la exigencia de que el Estado de Bienestar debe
compensar a cada ciudadano individual por toda desventaja que experimente cuando


                                                                                          8
participa en la vida social en el marco de formas de organización prestabelecidas; cuando,
por ejemplo, habita em ciudades contaminadas, estudia en clases repletas, está expuesto a
las oscilantes condiciones del mercado, o se ve afectado de modo desproporcionado por la
subida de precios. Tomado en serio, tal principio de compensación se conduce también a
uma competencia universal del Estado – si no a nível de responsabilidad política, sí al
menos desde la perspectiva de aquellos que elevan las pretensiones.


       Na sistemática do Estado Social, as decisões estruturais são definidas,
precipuamente, pelos órgãos integrantes da Administração Pública central, na crença de que
seus quadros técnicos dotados de conhecimento científico especializado são capazes de
promover o bem-estar social através da formulação de amplos programas em diversas
áreas. Tal convicção ocasionou a hipertrofia estrutural do Estado, que, sob tal paradigma,
necessita contar com recursos materiais e humanos aptos a possibilitar sua pronta atuação
compensatória nas mais diversas e complexas searas da vida.

       Ademais, a fixação, por parte do Estado, das diretrizes e medidas componentes dos
amplos programas sociais ocorre de modo unilateral, tomando-se por orientação as
concepções elaboradas pelo corpo técnico-burocrático a integrar seus quadros,
desconsiderando-se, muitas vezes, as opiniões e as próprias necessidades emanadas dos
indivíduos atingidos, cuja participação política, enquanto cidadãos, permanece restrita ao
voto periódico, conforme assinala Cristiano Paixão Araújo Pinto:

A crise de cidadania [do Estado Social] decorre da carência, gradativamente percebida, de
participação efetiva do público nos processos de deliberação da sociedade política. A
identificação do público com o estatal acabou por limitar a participação política ao voto. A
isso se aduziu uma estrutura burocrática centralizada e distanciada da dinâmica vital da
sociedade. A associação entre público e estatal acarretou a construção de uma relação entre
indivíduo e Estado que pode ser comparada à relação travada entre uma instituição
prestadora de serviços (e bens) e seus clientes.

       Mais do que não levar em conta os reais interesses dos indivíduos diretamente
atingidos por suas diretrizes, o Estado Social acaba por desconsiderar o caráter complexo e
multifacetário inerente aos setores sociais destinatários de sua atuação unilateral, pois os
amplos programas são estabelecidos através de padrões pré-concebidos pelos corpos
técnicos e burocráticos que servirão de molde para as medidas a serem implementadas.

        Tais padrões sociais vislumbrados e tidos por verídicos pela Administração Pública
acabaram por orientar a produção legislativa em torno das diretrizes e medidas integrantes
dos programas estatais. Nesse tocante, as práticas dos paradigmas do Estado Social e do
Estado Liberal partilham da mesma sistemática, qual seja, a fixação de fórmulas gerais e
abstratas em lei, supostamente aptas a abarcarem todas as situações verificáveis no tempo e
no espaço, conforme atesta Menelick de Carvalho Netto:

Se a forma da lei geral e abstrata é uma garantia da liberdade e da igualdade dos cidadãos,
há, por outro lado, o risco de acreditarmos que ao aplicá-las devêssemos proceder da
mesma forma que fizemos ao adotá-las. (...) Esse foi um dos grandes enganos da


                                                                                          9
modernidade e decorre de sua crença excessiva na racionalidade. Acreditava-se que
mediante o estabelecimento de normas gerais e abstratas resolvia-se o problema do controle
social; a aplicação das leis deveria ser cega às especificidades das sempre distintas
situações de aplicação. (...) A crença na capacidade de racionalmente, por intermédio da
fórmula da lei, regularmos a vida moral, ética e jurídica de sorte a ficarmos livres de
problemas no campo da aplicação normativa.
(...)
Se, no entanto, a forma genérica e abstrata da lei pôde ser traduzida materialmente, na
prática, em uma exploração do homem pelo homem, sem precedentes na história da
humanidade, foi capaz, contudo, de manter a sua mística, apenas que agora no contexto da
materialização do direito.
Manteve-se no Estado Social a mesma crença: seria por meio de normas gerais e abstratas
que se poderia materializar o Direito, exigindo ações políticas de densificação desses
direitos mediante a adoção de políticas públicas pelo Estado.

        Justamente sob tal crença, erigiu-se nas décadas de 1930 e 1940 o arcabouço
legislativo pátrio a versar sobre as relações sindicais. A noção de categoria, a estrutura
interna, a eleição de seus dirigentes, a organização da diretoria, os requisitos para a
investidura sindical e diversos outros aspectos, encontravam ampla e minuciosa previsão
em lei. O Estado propôs-se a moldar os sindicatos de acordo com concepções pré-
estabelecidas a respeito do que convinha ou não dispor acerca da vida associativa dos
trabalhadores.

        E tais concepções foram firmadas – é importante que se diga – em uma época em
que as atividades econômicas no País restringiam-se a alguns poucos pólos urbanos
distantes uns dos outros em função do extenso território nacional e das dificuldades de
comunicação e de locomoção. Nesse contexto, o movimento sindical era igualmente
limitado àquelas localidades, disperso e, em razão disso, impossibilitado de se expandir e
ultrapassar as fronteiras locais, conforme bem ressalta Boris Fausto:

A pequena empresa industrial, dispersa em vários pontos do país, existiu antes da formação
do pólo cafeeiro e ao lado dele, graças à proteção representada pela dificuldade de
comunicações, à proximidade das fontes de matéria-prima, à existência de um pequeno
mercado consumidor de bens como alimentos, bebidas, tecidos de qualidade inferior. Os
trabalhadores desse tipo de indústria, espalhados em um imenso espaço geográfico, nunca
tiveram condições objetivas para dar origem a um movimento operário. Eles ficariam nas
fímbrias do que Antônio Barros de Castro chamou a industrialização descentralizada do
Brasil.


       Desse modo, as entidades então existentes nas décadas de 1930 e 1940, por estarem
situadas em um contexto econômico de baixo desenvolvimento, tinham porte reduzido e,
naturalmente, suas perspectivas de atuação não iam muito além da defesa dos interesses
imediatos e localizados da categoria, pois, afinal, não havia, à ocasião, nenhum fator que
ensejasse a ampliação de tais horizontes por parte dos sindicatos.




                                                                                       10
Nesse contexto, Segadas Vianna chegou mesmo a fixar um esquema-padrão para as
organizações sindicais brasileiras em função do porte destas últimas àquela ocasião,
estipulando em 4 (quatro) a quantidade ideal de dirigentes a variarem segundo as singelas
funções de tais entidades:

Salvo casos excepcionais, de sindicatos com número muito grandes de associados, a
diretoria de uma entidade não necessita mais de quatro membros: Presidente, Secretário,
Tesoureiro e Diretor Social, tendo êste último a responsabilidade direta da direção da sede e
a fiscalização imediata dos serviços de assistência prestados aos associados.
(...)
Parece-nos mais simples a adoção de um esquema geral para a administração, com 4
diretores, com as funções assim distribuídas: PRESIDENTE – Representação da entidade,
coordenação das atividades da administração e demais atribuições estatutárias;
SECRETÁRIO – 1ª Secretaria das sessões; atas; correspondência. 2º.: Direção do Serviço
de Propaganda e Inscrição; do Serviço da Agência de Colocações; do Arquivo. 3º.: Direção
geral dos funcionários;TESOUREIRO – 1º.: Serviços gerais da tesouraria, inclusive
pagamentos de benefícios. 2º.: Orientação da Comissão de Finanças; DIRETOR SOCIAL –
1º: Direção da sede e programação da vida social. 2º: Controle dos serviços de assistência
social prestados na sede.

        Diante de tais fatores econômicos e sociais, o corpo técnico-burocrático do Estado
Novo que redigiu a Consolidação das Leis do Trabalho houve por bem tomar por razoável e
oportuna a fixação de um número máximo de dirigentes sindicais, segundo o porte-médio
das entidades existentes à época. Assim, o art. 522 do diploma legal em referência
restringiu os mandatos a 20 (vinte), aí compreendidos os 7 (sete) diretores, os 3 (três)
integrantes do Conselho Fiscal e seus respectivos suplentes, em número de 10 (dez).

       Criou-se, portanto, por intermédio do art. 522 da CLT, uma “diretoria-padrão”
dentro de um “sindicato-padrão” quase completamente regulamentado em seus aspectos
internos por dispositivos legais casuísticos e inflexíveis. Nessa ótica, as entidades
eventualmente divergentes do modelo legal são classificadas e tratadas simploriamente pelo
Estado e seus agentes como irregulares e, em razão disso, inaptas a se valerem das
prerrogativas destinadas aos entes enquadrados na moldura oficial.

        Tais pretensões de vigência abstrata e aplicabilidade universal subjacentes ao art.
522 da CLT - características das normas emanadas do Estado Social -, para além de
intentarem submeter toda a organização sindical aos programas políticos emanados do
aparato oficial em um determinado momento histórico, acabam por reduzir
significativamente a possibilidade de processamento de desapontamentos por parte do
dispositivo em apreço e sua evolução autopoiética em face das transformações
vislumbradas nos outros sistemas sociais (ambiente), pois, como visto, sua redação não só é
casuística como tem por móvel, propositadamente, a fixação de parâmetros tidos por
imutáveis.




                                                                                          11
De outro turno, e ainda trabalhando com conceitos oriundos da Teoria dos Sistemas
de Luhmann, há de se indagar se o enunciado férreo do art. 522 da CLT, a integrar o
sistema do direito, pode manter intacta sua pretensão de vigência e aplicação
incondicionadas mesmo em face das substanciais alterações verificadas em seu ambiente.

       Em outros termos, há que se indagar se o paradigma do Estado Social vigente
quando da elaboração do art. 522 da CLT ainda justifica a subsistência do referido
dispositivo no sistema do direito ou se a evolução experimentada por este último e pelos
demais sistemas sociais fez surgir novas orientações ideológicas incompatíveis com normas
que pretendem orientar de maneira unilateral e unívoca os aspectos do mundo da vida.

        Antes disso, contudo, cumpre relatar, nos próximos tópicos, as significativas
alterações no ambiente em torno do artigo 522 da CLT e averiguar se e em que medida tais
mudanças no entorno contribuíram para a reanálise acerca da subsistência dos referidos
dispositivos no ordenamento jurídico pátrio.


3 – AS VICISSITUDES ECONÔMICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS OCORRIDAS
DURANTE OS 70 (SETENTA) ANOS DE VIGÊNCIA DO ARTIGO 522 DA CLT.


        Nas décadas que se seguiram ao advento do artigo 522 da CLT, a economia
nacional, bem como a política e a sociedade, passaram por mudanças significativas. O
aspecto mais evidente de tais alterações estruturais faz-se representado pelo câmbio no
perfil da população, outrora eminentemente rural, dedicada à produção agrícola, e, agora,
predominantemente urbana, voltada para o desempenho de atividades nos setores da
indústria, do comércio, dos transportes e de serviços.

       Os indicadores sociais demonstram, a propósito, que da população atual do País,
estimada em 169.799.170 habitantes, nada menos do que 81,25% vivem em áreas urbanas,
ao passo que apenas 18,75%, em zonas rurais. Em 1943, conforme visto alhures, os
habitantes do campo somavam 68,30% de todos os 41 milhões de brasileiros de então,
enquanto os residentes nas cidades não passavam de 31,70%.

       Grande parte dessa alteração no perfil da sociedade brasileira pode ser creditada ao
desenvolvimento econômico do País na segunda metade do Século XX, cuja válvula
propulsora consistiu na crescente industrialização fomentada pelo Estado.

       Nesse período, ampliou-se significativamente a produção automobilística,
siderúrgica, metalúrgica, de eletrodomésticos, bem como a rede urbana de comércio e
serviços, culminando com o surgimento de demanda de mão-de-obra nas cidades e
ensejando, assim, o êxodo rural constatado pelas estatísticas históricas.

        Saliente-se, outrossim, que a expansiva produção industrial e o incremento dos
setores do comércio, transportes e serviços possibilitou o desenvolvimento urbano de
localidades outrora alheias ao processo, principalmente nas regiões sul e sudeste.



                                                                                        12
A ampliação do setor econômico e sua relativa desconcentração territorial
possibilitaram, em contrapartida, um significativo aumento no número de entidades
representativas de categorias urbanas. A propósito, o censo sindical levado a cabo pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em 2001 demonstra que, na segunda
metade do Século XX, 8.764 (oito mil setecentos e sessenta e quatro) sindicatos com esse
perfil foram criados, enquanto de 1907 a 1950, constituíram-se apenas 1.413 (mil
quatrocentas e treze) entidades.

       E, dentre as entidades sindicais obreiras de primeiro grau atualmente existentes,
4.957 (quatro mil, novecentas e cinqüenta e sete) delas possuem base territorial
intermunicipal (2.914), estadual (1.923), interestadual (75) e até mesmo nacional (45).
Tais organizações, que representam 46% (quarenta e seis por cento) dos entes de
trabalhadores em atividade no País , tiveram sua criação fomentada pela industrialização de
zonas contíguas, tais como as regiões metropolitanas e pela concentração de determinadas
atividades econômicas em pólos formados por mais de um município.

        A estrutura das entidades intermunicipais, estaduais, interestaduais e nacionais
difere significativamente do perfil dos sindicatos existentes na primeira metade do Século
XX, quando do advento do artigo 522 da CLT, que, conforme visto alhures, atuavam em
espaços territoriais reduzidos e em defesa de categorias pequenas, justamente em função da
concentração e da incipiência das atividades econômicas urbanas.

        Com a organização das entidades em áreas territoriais maiores, fez-se necessária,
naturalmente, a adoção de estruturas administrativas mais robustas do que aquela sugerida
linhas acima por Segadas Vianna, com certo grau de descentralização e com aptidão para
atender aos desígnios da categoria em toda a base do sindicato. Não por outra razão,
Amauri Mascaro Nascimento critica veementemente a subsistência da limitação traçada
pelo artigo 522 da CLT:


É difícil compatibilizar essa limitação com as necessidades atuais das organizações
sindicais. (...) Restringir a sete o número máximo de diretores de uma entidade sindical,
independentemente do seu tamanho, natureza ou número de associados, é uniformizar o que
por natureza não é uniforme: sindicatos nacionais com estaduais ou municipais, sindicatos
de categorias grandes com os de categorias pequenas, sindicatos por categoria com
sindicatos por profissão, enfim, situações díspares.


       No plano político-ideológico, o entorno subjacente ao artigo 522 da CLT sofreu,
igualmente, substanciais alterações. Nas últimas décadas, principalmente após a derrocada
da Ditadura Militar, a capacidade do Estado Social tomar para si a tarefa de promover
compensação e inclusão através de fórmulas políticas emanadas da cúpula técnico-
burocrática foi amplamente questionada.




                                                                                        13
Dentre as críticas impingidas ao Estado Social, destaca-se a ineficácia deste último
na tarefa de promover a cidadania, pois a estrutura centrífuga das amplas políticas de
inclusão – emanadas unilateralmente da Administração Pública em direção à sociedade -
excluía seu público-alvo do processo de formulação. Ao assim proceder, o Estado acabava
por desconsiderar as reais reivindicações dos cidadãos, arvorando-se da potestade de definir
as necessidades da massa amorfa.

       Nesse contexto de questionamentos à postura autoritária do Estado Social,
incorporada em grande medida pelos governos militares que antecederam a Nova
República, e de busca de protagonismo dos cidadãos na definição e execução das políticas
de governo, elaborou-se a Constituição Federal de 1988, cuja característica marcante, diga-
se de passagem, fez-se representada pela ampla participação dos movimentos sociais em
sua elaboração, conforme destaca Menelick de Carvalho Netto:

A legitimidade da Constituição de 1988 veio de seu inusitado processo de elaboração. (...)
O procedimento tradicional foi atropelado pela grande força popular já mobilizada no
movimento das Diretas Já, e que diante da sua frustração decorrente da não aprovação da
Emenda Dante de Oliveira e da morte do presidente eleito pelo Colégio Eleitoral como
símbolo da transição para a democracia. Tancredo Neves, exigiu a formulação de um novo
procedimento iniciado com a coleta de sugestões populares, ocasionando a abertura e a total
democratização do processo constituinte. É isso precisamente o que pode explicar o
paradoxo de que uma das legislaturas mais conservadoras já eleitas (...) tenha vindo a
elaborar a Constituição mais progressista de nossa história. A legitimidade da Constituição
de 1988 advém do seu processo de elaboração democrático, aberto e participativo, processo
esse que, deve ser condição de legitimidade para qualquer alteração mais ampla a que
venha a se sujeitar a Constituição, algo que infelizmente não ocorreu nem mesmo na
revisão de 1993 (realizada de forma apressada e irregular).

       Como não poderia deixar de ser, a postura centralizadora e tutora do Estado Social
foi questionada, também, no que se refere à organização sindical. À época da Assembléia
Nacional Constituinte, discutiu-se a substituição das estruturas corporativistas então
existentes por modelos alinhados com as pautas valorativas consagradas pelas Convenções
n° 87 e 98, da Organização Internacional do Trabalho, a preconizarem, em apertada síntese,
a autonomia organizativa, a pluralidade, o financiamento espontâneo e a abolição da
intervenção do Estado na vida das entidades.

       Os embates em torno do modelo sindical no âmbito da Assembléia Nacional
Constituinte de 1987/88 foram travados por duas correntes opostas. A primeira –
capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) – defendia a adoção de uma estrutura
dotada de plena autonomia, nos moldes preconizados pela OIT e centrava-se na tarefa de
ver aprovada a Emenda relatada pelo então Deputado Federal Luiz Inácio Lula da Silva.
Do outro lado, parlamentares do chamado “centrão” e do bloco socialista (principalmente,
PCB e PC do B), batiam-se pela manutenção das estruturas então vigentes, alguns em
defesa dos interesses das entidades caudatárias do intervencionismo oficial, outros pelo
temor em torno da possível divisão do movimento operário e dos trabalhadores.




                                                                                         14
Ao cabo de todo o processo, aprovou-se um modelo híbrido, que assegura, ao
mesmo tempo, o monopólio por base territorial, a contribuição compulsória e a livre
organização e atuação das entidades sem a ingerência do Estado. Em outras palavras, a
organização sindical pátria delineada na Constituição Federal de 1988 acabou por mesclar
elementos eminentemente corporativistas com diretrizes pluralistas e democráticas.

        Tem-se, portanto, que as discussões e as críticas travadas na Assembléia
Constituinte em torno do papel do Estado na organização sindical pátria, ainda que não
tenham instituído um sindicalismo totalmente independente, tiveram por efeito romper com
determinados dogmas corporativistas e lograr certas conquistas. Dentre tais avanços, o mais
significativo consiste, sem dúvida alguma, na consolidação da autonomia sindical, a
contemplar o “amplo poder das associações de autodeterminar as suas próprias regras
fundamentais, que é exercido basicamente por intermédio dos atos constitutivos e dos
estatutos” nas palavras de José Francisco Siqueira Neto.

       Paralelamente a isto, a fórmula política da Constituição Federal de 1988, rompendo
com a tradição a persistir nas cartas anteriores , incorporou a “prevalência dos direitos
humanos” como princípio regente das relações internacionais e, nessa esteira, inseriu-se na
cláusula material aberta de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 2º) os “tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

      Justamente por tal razão, Antônio Augusto Cançado Trindade assinala que “cumpre,
em nossos dias, no domínio da proteção dos direitos humanos, expressar no direito interno
a medida e as conquistas do direito internacional, ao invés de tentar projetar neste último a
medida do direito interno.”

       Tal mudança de perspectiva ensejou a ratificação de importantes tratados
internacionais de direitos humanos pelo Brasil, alguns deles a versarem sobre o direito à
ampla liberdade sindical, tanto no aspecto individual, quanto na dimensão coletiva, nos
mesmos moldes preconizados pela Convenção nº 87, da OIT.

       Dentre tais tratados destacam-se o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, da Organização das Nações Unidas – ONU e o Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), firmado no âmbito da Organização dos
Estados Americanos – OEA , cujos dispositivos reiteram e reforçam o caráter autônomo das
entidades sindicais em relação aos governos nacionais.

        Do exposto nas presentes linhas, observa-se que o entorno subjacente ao artigo 522
da CLT - em especial no que concerne aos sistemas da política e da economia -
experimentou substanciais alterações nos últimos 70 (setenta) anos. Diante disso, algumas
das expectativas normativas inerentes ao dispositivo em apreço não mais se sustentam,
ensejando, portanto, a evolução autopoiética do sistema no direito com vistas à assimilação
de tais desapontamentos e à sua superação.




                                                                                          15
Muito embora as expectativas normativas inerentes aos dispositivos legais tenham
por pretensão a conformação do entorno segundo seus enunciados, não quer isto dizer que
elas deverão se manter íntegras a qualquer custo, mesmo em face das substanciais
mudanças verificadas em seu ambiente. Pelo contrário, em se verificando tais alterações, o
sistema do direito deverá promover a evolução das normas jurídicas com vistas à
assimilação de novos significados e novas expectativas, conforme bem alerta Luhmann:

Também as expectativas normativas não estão atadas à sua proclamada resistência à
assimilação. A possibilidade de perseverança interna de expectativas repetidamente
desapontadas tem seus limites. As placas de estacionamento proibido cercadas pelos carros
parados acabam por não mais provocar expectativas normativas, mas tão-só cognitivas:
olha-se para ver se há algum policial por perto. A isto acrescenta-se que a elasticidade da
formulação de algumas normas permite procedimentos adaptativos – por exemplo no caso
do tão discutido aperfeiçoamento da legislação através da jurisprudência. Existe, portanto,
mesmo no direito, uma assimilação apócrifa, e nas sociedades muito complexas com direito
positivo temos até mesmo mudanças legais do direito, assimilação legitimada.

       No caso do artigo 522 da CLT, as expectativas normativas do referido dispositivo
quanto ao porte das entidades sindicais, a condicionar o número máximo de dirigentes
estáveis, bem como quanto à necessidade premente de controle do Estado sobre a
organização e administração dos entes representativos, não mais encontram justificativa
existencial.

        Com efeito, o atual estágio do desenvolvimento econômico nacional, sintetizado
linhas acima, demonstra que, em muitos casos, a limitação do número máximo de
dirigentes sindicais estáveis na forma inflexível preconizada pelo artigo 522 da CLT não
mais se compatibiliza com a necessidade das entidades obreiras, mormente daquelas cuja
base territorial é intermunicipal, estadual, interestadual ou nacional.

        De igual modo, a fórmula política subjacente à Constituição Federal de 1988,
integrada, conforme visto, pelo princípio da autonomia sindical e pela prevalência dos
direitos humanos, aponta para a incompatibilidade entre os dispositivos legais que
pretendem condicionar unilateralmente a organização interna dos entes representativos e as
diretrizes democráticas e pluralistas emanadas da Carta Magna.

        Há de se perquirir, diante do quadro ora exposto, se a limitação férrea do número de
dirigentes sindicais estabelecida pelo artigo 522 da CLT encontra condições de subsistência
no sistema do direito da forma em que este último se encontra atualmente definido. Já
adiantamos, contudo, que o desfecho de tal investigação, a ser empreendida mais adiante,
compreenderá, necessariamente, a superação do entendimento atualmente consagrado pela
jurisprudência dos Tribunais pátrios acerca do referido dispositivos legais e de sua
relevância para fins de determinação dos beneficiários da estabilidade no emprego
assegurada pelo art. 8º, VIII, da Constituição Federal.




                                                                                         16
4 – A COMPREENSÃO JURISPRUDENCIAL EM TORNO DO ARTIGO 522 DA CLT.


        Em que pesem as sobreditas alterações político-estruturais verificadas no entorno do
artigo 522 da CLT, a jurisprudência dos Tribunais superiores pátrios vem se mantendo
recalcitrante quanto à aplicação mecânica e indiscriminada da limitação do número de
dirigentes sindicais estáveis, sob o entendimento de que o referido dispositivo teria sido
recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

        Para tanto, os julgados a versarem sobre a matéria, proferidos no âmbito do Tribunal
Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, concluíram que a livre e
indiscriminada fixação do número de dirigentes sindicais estáveis pelas próprias entidades
teria o condão de impor aos empregadores ônus não previsto em lei, cuja materialização
afrontaria o art. 5º, II, da Constituição Federal.

        Firmou-se, ademais, o entendimento de que o livre estabelecimento da quantidade
de dirigentes estáveis pelos sindicatos não só caracterizaria abuso do direito à estabilidade,
assegurado pelo art. 8º, VIII, da Carta Magna, como também implicaria no cerceamento
indevido ao direito potestativo de dispensa titularizado pelos empregadores em decorrência
do art. 5º, XXII, da Constituição Federal.

       Da leitura dos referidos julgados, observa-se que a fundamentação a eles subjacente
aponta para a seguinte conclusão: a concordância prática entre os artigos 8º, VIII e 5º, II e
XXII, da Constituição Federal seria obtida por intermédio da recepção do artigo 522 da
CLT, solução esta que asseguraria, ao mesmo tempo, o direito à estabilidade dos 20 (vinte)
dirigentes ali descritos, como corolário do princípio da liberdade sindical coletiva, a
observância ao princípio da legalidade e a fruição do direito de propriedade por parte do
empregador:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. SINDICATO: DIRIGENTES: CLT, art.
522: RECEPÇÃO PELA CF/88, art. 8º, I. I. - O art. 522, CLT, que estabelece número de
dirigentes sindicais, foi recebido pela CF/88, artigo 8º, I. II. - R.E. conhecido e provido.
(...)
 VOTO
O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator):
(...)
No caso, penso que não há incompatibilidade entre o que dispõe o art. 522, CLT, e o art. 8º,
I, da Constituição Federal.
O que deve ser entendido é que a Constituição, que assegura a liberdade sindical, no
sentido de que ‘a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato,
ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a
intervenção na organização sindical’ (art. 8º, I), estabeleceu, também, no mesmo art. 8º, inc.
VIII, que é [ vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da
candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até
um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.’
É dizer, estabelece a Constituição estabilidade para os dirigentes sindicais. Seria possível,
então, a lei disciplinar a matéria, em termos de número de dirigentes sindicais?


                                                                                           17
Penso que sim.
Caso contrário, podendo o sindicato estabelecer o número de dirigentes, poderia estabelecer
número excessivo, com a finalidade de conceder-lhes a estabilidade sindical do art. 8º, VIII,
da C.F, e art. 543, § 3º, CLT.
O que deve ser entendido (...) é que não há incompatibilidade entre o art. 522, CLT e o art.
8º, I e VIII, da C.F. Ao contrário, essas normas se harmonizam e se completam.

(...)
A liberdade sindical se dá nos limites da lei. A observância, aliás, dos limites da lei é
característica do Estado de Direito. Permitir que o sindicato, em nome da liberdade sindical,
possa criar direitos, em detrimento da outra parte, quando disposição legal estaria a impedir
essa ocorrência, seria fazer tabula rasa do princípio da legalidade que deve ser observado
nas relações entre Estado e indivíduo, associações e associados e entre entidades sindicais.

(...)

Dirigentes Sindicais – Quantitativo de livre estipulação pela entidade – Princípio
constitucional da autonomia na organização – Beneficiários da garantia provisória de
emprego assegurada pelo artigo oitavo, inciso oito da Carta política de mil novecentos e
noventa e oito – Sujeição à previsão legal ordinária – Impossibilidade de atribuição de ônus
ao empregador pela via dos estatutos do sindicato profissional.
Conquanto esteja ao arbítrio das entidades sindicais o estabelecimento da composição e
funcionamento de seus órgãos administrativos, no que se inclui a deliberação quanto ao
número de membros integrantes de cada qual, não pode a norma estatutária substituir-se à
lei para criar, obliquamente, obrigação a cargo do empregador, qual seja a de assegurar
estabilidade no emprego irrestrita para quantos candidatos a cargos diretivos viabilize a
estrutura da entidade, a propósito do previsto no oitavo, inciso oito, da Carta Política,
mormente quando a ordem jurídica em vigor não contempla garantias contra dispensa
imotivada para a generalidade dos trabalhadores, remetendo-as ao plano da lei
complementar. Admitir-se a aplicação ilimitada, extensiva da norma estatutária afrontaria, a
um só tempo, o disposto no artigo quinto, inciso dois, da própria constituição, como
também o princípio da isonomia de tratamento, porque estaria criada, nas cúpulas sindicais,
uma casta privilegiada. Na inexistência, portanto, de incompatibilidade entre o direito
assegurado no artigo oitavo, inciso oito, da Constituição (...), que não é inovatório, e os
critérios fixados pelos artigos quinhentos e vinte e dois, quinhentos e trinta e oito e
quinhentos e quarenta a três da CLT, para o fim de garantia excepcional, deve a norma
estatutária que dispõe sobre o número de dirigentes do sindicato profissional e integrantes
dos conselhos respectivos ser interpretada, quanto ao seu alcance, à luz das disposições
celetiárias recepcionadas pela nova ordem jurídica estabelecida a partir de cinco de outubro
de mil novecentos e oitenta e oito.

(...)

RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE SINDICAL. ARTS. 8º DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E 522 E SEGUINTES DA CLT.
Inexiste incompatibilidade entre o princípio de liberdade sindical, previsto no art. 8º, inciso
VIII, da Constituição Federal, de 1988, e os critérios fixados pelos artigos 522, 538 e 543


                                                                                            18
da CLT, uma vez que estes últimos foram recepcionados pela nova ordem jurídica
estabelecida a partir de 05-10-88. Ademais, a deliberação acerca do número irrestrito de
dirigentes sindicais, com direito à estabilidade, pelos estatutos do sindicato, impõe ao
empregador ônus não previsto em lei, em flagrante desarmonia com outros princípios
constitucionais.


        De fato, a fixação abusiva e indiscriminada de dirigentes estáveis não encontra
respaldo na ordem jurídica pátria. É legítimo, portanto, que as pretensões desproporcionais
e desarrazoadas das entidades nesse sentido sejam coibidas pelo Poder Judiciário, a fim de
que o direito à liberdade sindical coletiva não seja exercido de modo a extrapolar a
finalidade precípua de assegurar aos sindicatos obreiros um espaço autônomo de atuação
dentro da empresa na defesa dos interesses da categoria.

         No entanto, a almejada harmonização entre o princípio da legalidade, os direitos à
propriedade e à autonomia privada, de um lado, e à liberdade e autonomia sindical, de
outro, não é obtida mediante a fixação de uma única solução jurisprudencial válida para
todo e qualquer caso concreto, mormente quando os dados da realidade fática apresentam
situações a variarem segundo as diversas formas de organização representativa por
território ou de acordo com as diferentes estruturas das entidades, conforme visto alhures.

        Em tais casos, a solução adotada pela jurisprudência dos Tribunais superiores
pátrios em nome da propalada concordância prática entre os artigos 8º, VIII e 5º, II e XXII,
da Constituição Federal, ao invés de harmonizar os sobreditos princípios constitucionais,
acabará por suprimir, em muitos casos, a liberdade e a autonomia sindical em nome do
exercício do direito à propriedade, principalmente para aquelas entidades de grande porte
cuja estrutura demanda, naturalmente, um número maior de dirigentes estáveis.

        Diante disso, faz-se necessário proceder a uma releitura da questão em torno da
estruturação das diretorias sindicais, perquirindo-se a justa medida na aplicação dos
sobreditos princípios em cada caso concreto e adotando-se, em substituição ao
entendimento propalado pela jurisprudência ora analisada, uma compreensão do problema
mais consentânea com o marco político-ideológico subjacente à Constituição de 1988,
caracterizado, em grande medida, pelas pautas advindas do paradigma do Estado
Democrático de Direito.


5 – O ADVENTO DO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E
SUA INFLUÊNCIA SOBRE A COMPREENSÃO DO ARTIGO 522 DA CLT.


        Conforme visto alhures, a intervenção e a interferência do Estado na organização
sindical pátria, muito embora não tenha sido totalmente eliminada, foi substancialmente
questionada durante o processo de elaboração da Constituição de 1988 e, em decorrência
disso, mitigada em relação aos ordenamentos constitucionais anteriores.




                                                                                         19
Alguns elementos eminentemente corporativistas tais como a contribuição
compulsória e a unicidade ainda subsistem, contraditoriamente, na ordem constitucional de
1988. Contudo, a possibilidade de modulação das estruturas das entidades representativas
por parte do Estado através de padrões pré-determinados foi, sem sombra de dúvidas,
extinta com o advento do princípio da autonomia sindical insculpido no art. 8º, I, da Carta
Magna.

       A livre organização das entidades sindicais de acordo com suas necessidades e
peculiaridades, assegurada pelo texto constitucional vigente, se insere plenamente dentre as
pautas características do paradigma do Estado Democrático de Direito, a preconizarem, em
apertadíssima síntese, o reconhecimento em torno do caráter multifacetário da sociedade e,
em decorrência disso, a impossibilidade de que o Estado estabeleça diretrizes uniformes no
sentido de vincular a totalidade dos integrantes da complexa teia social.

        Nesse sentido, o paradigma emergente do Estado Democrático de Direito pretende a
fundação de uma ordem em que a esfera pública seja redimensionada, no sentido de abarcar
não só os organismos estatais, senão também os movimentos autônomos emanados dos
mais distintos setores sociais. Reconhece-se, dessa forma, a complexidade da estrutura
social e, nessa toada, o Estado passa a atentar para as formas de organização autônoma
emanadas dos diversos grupos.


       O novo paradigma parte, portanto, do pressuposto de que não incumbe ao Estado
atuar positivamente no sentido de buscar compensação e integração através de políticas
estabelecidas por seus corpos técnicos e burocráticos.

        As experiências vivenciadas sob a égide do Estado Social aclararam sobremaneira a
percepção de que os mecanismos de atuação governamental característicos deste
paradigma, para além de favorecerem relações de clientelismo entre os indivíduos e o
Estado em detrimento da cidadania ativa, muitas vezes acabam por dar ensejo à formulação
de medidas inadequadas às reais necessidades do público-alvo que não encontra espaço
para participar diretamente da elaboração e da execução dos programas e que, em muitos
casos, nem sequer é consultado.

       É justamente em razão dessas vicissitutes a ocasionarem o déficit de cidadania
característico do Estado Social, que o paradigma do Estado Democrático de Direito não só
combate as visões de mundo unilaterais do Estado em relação à sociedade, como também
legitima as formas de vida originadas autonomamente nesta última, incluindo-as no espaço
público, conforme ressalta Menelick de Carvalho Netto:

A cidadania requer a dimensão pública ou eu reduzo a dimensão individual, os direitos
individuais, a mero egoísmo, inviabilizando a própria noção de convivência comum, do
respeito ao outro, que é a dimensão pública inafastável dos direitos privados. E é
precisamente esse aspecto, de pluralismo, da tensão entre igualdade e liberdade, o da
sociedade dos diferentes, que abre a possibilidade de uma sociedade tão complexa quanto a
moderna. (...) A dimensão pública pressupõe o respeito às diferentes opiniões, valores e
crenças. O pluralismo político e organizacional é essencial para que o público não seja


                                                                                         20
privatizado por uma burocracia encastelada no poder. Somos iguais, embora tenhamos
cores diferentes, religiões diferentes, opções sexuais diferentes, etc., e, no entanto, nos
respeitamos como iguais. Somos livres para construir a nossa igualdade no respeito às
nossas diferenças. O interesse público é o de todos os afetados pelo exercício do poder e
não, necessariamente, o de uma determinada administração.


        Dessa forma, um Estado como aquele instituído pela Constituição Federal de 1988,
fundado no paradigma do Estado Democrático de Direito, que reconhece o pluralismo
ideológico e que, nessa esteira, adota o princípio da autonomia sindical, não se
compatibiliza com o direito infraconstitucional anterior tendente a fixar padrões unívocos
de organização para as entidades representativas, impedindo estas últimas de se
estruturarem de acordo com suas necessidades e propósitos peculiares, afastando-as, por
conseguinte, do espaço público.

        Conforme visto alhures, no complexo e multifacetário cenário econômico e social
brasileiro, diversas são as formas de organização assumidas pelas entidades sindicais de
primeiro grau, assim como são distintas suas necessidades e propósitos. Nesse contexto, o
reconhecimento de tal diversidade por parte do Estado e a possibilidade conferida aos entes
representativos para se estruturarem da forma que melhor lhes assegure a persecução de
suas finalidades integra o substrato teleológico do paradigma do Estado Democrático de
Direito e encontra expresso amparo no princípio da autonomia sindical.

       Uma vez lançadas tais assertivas, poder-se-ia formular a seguinte indagação: em se
admitindo a tese ora proposta em torno da insubsistência dos limites trazidos pelo artigo
522 da CLT diante dos princípios da democracia, do pluralismo ideológico e da autonomia
sindical, consagrados na Constituição Federal de 1988, como seriam coibidos os eventuais
abusos perpetrados pelas entidades sindicais na fixação do número de dirigentes estáveis?

       No intuito de responder tal questionamento, já adiantamos que, ao contrário da linha
de entendimento adotada pela jurisprudência firmada nos Tribunais Superiores pátrios após
a promulgação da Constituição de 1988, a possibilidade abstrata de materialização dos
sobreditos abusos não respalda, por si só, a subsistência do artigo 522 da CLT.

        Tal assertiva se justifica na medida em que o discurso adotado pelo TST e pelo STF
nos sobreditos julgados não se mostra adequado à totalidade dos casos envolvendo a
constituição de diretorias sindicais em um número superior aos 20 (vinte) dirigentes
autorizados pelo art. 522 da CLT.

         Ora, nem todas as situações que porventura contrariem a literalidade do dispositivo
legal em apreço revestir-se-ão da pecha de abusivas, pois as entidades representativas
hodiernas se organizam sob múltiplas formas, a variarem segundo sua abrangência
territorial e de acordo com seu porte, conforme exaustivamente visto alhures. Nesse
contexto, é plenamente possível que, em muitos casos, seja vital para as organizações
sindicais constituírem uma diretoria e um conselho fiscal em número superior àquele
delimitado no art. 522 da CLT, situação esta que encontra pleno respaldo no princípio da
autonomia sindical.


                                                                                         21
E, nesse diapasão, não é demais recordar que a livre formação das diretorias por
parte das entidades representativas de grande porte sem a correspondente estabilidade de
seus integrantes não tem valia alguma. Com efeito, a ausência da referida garantia para a
totalidade dos dirigentes compromete sobremaneira a livre atividade sindical e torna o ente
obreiro vulnerável aos desígnios patronais, conforme alerta Oscar Ermida Uriarte:

La importancia del fuero sindical está fuera de discusión. El fuero sindical es, sin lugar a
dudas, un componente esencial de la libertad sindical; es (...) un complemento
indispensable de los demás derechos sindicales, los que dificilmente pueden ser ejercidos
sin su efectiva presencia. (...) La falta o la insuficiencia del fuero sindical – así como de
otras garantias del ejercício de derechos sindicales – hecen ilusória la declaración de la
libertad sindical.
(...)
El bien jurídico tutelado por el fuero sindical no es solamente el derecho al empleo del
trabajador afectado, sino la própria libertad sindical y, más precisamente, el derecho al
desarollo de la actividad sindical, lo que solo recibe adecuada protección (como lo pide el
Convenio 98) con la reincorporación real del trabajador.


       Diante disso, caberá aos intérpretes do direito efetuar a análise individual dos casos
postos a seu conhecimento, a fim de verificar se há, ou não, nos diferentes supostos, abuso
de direito. Deve-se partir, portanto, do pressuposto exegético de que todas as situações a
envolverem a formulação de diretorias de entidades representativas são regidas pelos os
princípios constitucionais genéricos da democracia, da pluralidade ideológica e da
autonomia sindical e que a justa medida de cada um destes pressupostos abstratos variará
de acordo com as peculiaridades das hipóteses concretas.

      É justamente o que afirma Ronald Dworkin em sua célebre compreensão do direito
como “integridade”, a preconizar que o sentido e o alcance dos preceitos normativos não é
unívoco e estanque temporalmente, mas sim variável, aberto e sujeito a novas
compreensões a medida em que a evolução da vida cria novos supostos de aplicação:

De acordo com o direito como integridade, as proposições jurídicas afiguram-se verídicas
se elas integram ou decorrem de princípios de justiça, equidade e devido processo que
provejam a melhor interpretação construtiva da prática jurídica comunitária. (...) [o direito
como integridade] – a compreender os direitos e deveres decorrentes de decisões pretéritas
da coletividade – (...) insiste que o direito (...) não contém somente o conteúdo estreito e
explícito daquelas decisões, mas também, de modo mais amplo, o conjunto de princípios
necessários para justificá-las.
(...)
O direito como integridade, então, opera no presente e se volta para o passado apenas na
medida em que seu foco contemporâneo assim determina. Ele não pretende retomar,
mesmo para o direito atual, os ideais ou propósitos práticos dos políticos que
primeiramente os criaram. O direito como integridade pretende, ao revés, justificar o que os
referidos políticos estabeleceram (...) em uma descrição abrangente contada no presente,



                                                                                          22
uma descrição com uma pretensão complexa: que a prática hodierna possa ser elaborada e
justificada em princípios suficientemente atrativos para proverem um futuro honroso.
(...)
O direito como integridade requer que os juízes assumam, na maior medida possível, que o
direito é formado por um conjunto coerente de princípios (...) e requer, outrossim, que eles
os reforce nos casos concretos que se ponham diante deles.(...) Os juízes que aceitam o
ideal interpretativo da integridade decidem os casos difíceis tentando encontrar, em um
conjunto coerente de princípios acerca dos direitos e deveres individuais, a melhor
interpretação construtiva em torno da estrutura política e jurídica de sua comunidade.
(...)
Nenhum juiz mortal pode ou deveria tentar estender seus entendimentos instintivos ou fazer
com que estes fossem tão concretos e detalhados a ponto de que nenhuma compreensão
ulterior se fizesse necessária caso a caso. Deve-se tratar todo princípio geral ou regra
seguida no passado como datada e apta a ser abandonada em favor de compreensões mais
sofisticadas quando a situação assim o requer.

        Ao fixar um entendimento abstrato, estanque e pretensamente unívoco acerca da
receptividade da limitação legal do número de dirigentes sindicais, a jurisprudência do TST
e do STF acabou por incidir nas mesmas generalizações e imprecisões características das
medidas do Estado Social. As substanciais diferenças de porte e abrangência existentes
entre as entidades sindicais contemporâneas foram singelamente ignoradas, pondo-se todas
elas sob as rédeas sufocantes do artigo 522 da CLT.

       Em se levando tal interpretação às últimas conseqüências, os princípios da liberdade
e da autonomia sindical não encontrarão espaço para incidir concretamente nas diferentes
situações postas à apreciação do Poder Judiciário. Ao revés, os postulados constitucionais
em referência serão reféns de uma compreensão generalizante e restritiva e, retomando os
conceitos de Dworkin, incapazes de assegurar sua coerência caso a caso.

       Entendimentos jurisprudenciais análogos àqueles formulados em torno da
receptividade do artigo 522 da CLT não se coadunam com a atividade hermenêutica
requerida dos Juízes na vigência do paradigma do Estado Democrático de Direito. Sob esta
nova ótica, o reconhecimento em torno do caráter plural e diferenciado dos corpos sociais,
por parte do Estado, exigirá a elaboração de decisões específicas para cada caso concreto, a
serem formuladas sob a forma de discursos de aplicação , conforme bem assevera Menelick
de Carvalho Netto:

No paradigma do Estado Democrático de Direito, é de se requerer do Judiciário que tome
decisões que, ao retrabalharem construtivamente os princípios e regras constitutivos do
Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de dar curso e reforçar a crença
tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica, como certeza do Direito, quanto ao
sentimento de justiça realizada, que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades
do caso concreto.
(...)
É precisamente a diferença entre os discursos legislativos de justificação, regidos pelas
exigências de universalidade e abstração, e os discursos judiciais de aplicação, regidos
pelas exigências de respeito às especificidades e à concretude de cada caso, ao densificarem


                                                                                         23
as normas gerais e abstratas na produção das normas individuais e concretas,que fornece o
substrato do que Klaus Günther denomina ´senso de adequabilidade´, que, no Estado
Democrático de Direito, é de se exigir do concretizador do ordenamento do tomar suas
decisões.
(...)
No domínio dos discursos de aplicação normativa, faz-se justiça não somente na medida em
que o julgador seja capaz de tomar uma decisão consistente com o Direito vigente, mas
para isso ele tem que ser igualmente capaz de se colocar no lugar de cada um desses
envolvidos, de buscar ver a questão de todos os ângulos possíveis e, assim, proceder
racional ou fundamentadamente à escolha de única norma plenamente adequada à
complexidade e à unicidade da situação de aplicação que se apresenta. Com essa abertura
para a complexidade de toda essa situação de aplicação, o apliador deve exigir então que o
ordenamento jurídico apresente-se diante dele, não através de uma única regra integrante de
um todo passivo, harmônico e predeterminado que já teria de antemão regulado de modo
absoluto a aplicação de suas regras, mas em sua integralidade, como um mar revolto de
normas em permanente tensão concorrendo entre si para regerem situações.


        Deve-se, pois, sob a vigência do paradigma do Estado Democrático de Direito,
reconhecer a todas as entidades sindicais o direito de se organizarem internamente de
acordo com suas necessidades legítimas e com suas propostas de atuação. Nesse contexto,
não há espaço para a imposição, por parte do Estado, de regras extremamente casuísticas e
cerradas, que se pretendam aplicáveis de modo universal e como se discursos de
justificação o fossem.

        Ao contrário, o paradigma do Estado Democrático de Direito apregoa a regência das
situações concretas por intermédio de textos normativos propositadamente abertos, com
vistas a permitir o maior grau possível de identificação entre os diferentes atores sociais e o
direito positivo, o que acabará por reforçar a inclusão de um maior número de cidadãos e
entidades no espaço público, conforme atesta Dieter Grimm:

Via de regra, a percepção de um sistema como ´bom´ pressupõe um alto grau de
inclusividade. Quanto mais pessoas na sociedade se identificarem com sua constituição, o
poder desta última de criar integração social aumentará. A elaboração de textos abertos na
constituição auxilia esse processo. Tal abertura ajuda a prevenir o choque de idéias em
torno do significado do texto que acaba por enfraquecer a identificação dos cidadãos com
ele. Assim, pode-se dizer que o poder simbólico da constituição aumenta com sua
ambigüidade interpretativa, muito embora seu poder de determinação legal diminua na
mesma medida.

        Destarte, se a Constituição Federal de 1988 incorporou em sua fórmula política o
paradigma do Estado Democrático de Direito, é de se descartar a subsistência dos
dispositivos legais tendentes a pautar a estrutura das entidades representativas segundo
padrões preestabelecidos pelo Estado, elaborados sob a forma do “tudo ou nada”, na
acepção de Dworkin. Logo, o art. 522 da CLT reputar-se-á incompatível com os princípios
da democracia, do pluralismo e da autonomia sindical insculpidos na Carta Magna vigente,
o que leva inexoravelmente à conclusão em torno de sua rejeição pela nova ordem.


                                                                                            24
Na sistemática subjacente à Carta de 1988, a questão em torno das diretorias
sindicais é melhor resolvida, ao que nos parece, pela aplicação caso a caso dos princípios
da liberdade e da autonomia sindical, por intermédio da formulação de discursos de
aplicação em cada suposto específico. Somente assim será possível ao Poder Judiciário
distinguir as situações legítimas das abusivas e, nessa toada, concretizar, em maior medida,
não só as garantias previstas no art. 8º, caput, I e VIII, da Constituição Federal, como
também os demais postulados constitucionais a incidirem eventualmente nas hipóteses
concretas.


CONCLUSÃO


       Nos primeiros capítulos do presente estudo, as considerações lançadas em torno da
Teoria dos Sistemas de Luhmann demonstraram que as normas jurídicas, enquanto
elementos integrantes do sistema do direito, são definições construídas pelo homem a partir
de experiências vivenciadas em determinados momentos históricos e dotadas de pretensões
voltadas para o condicionamento de seu ambiente.

        Viu-se, outrossim, que os enunciados de direito mantém-se íntegros em suas
pretensões mesmo em face da esporádica inobservância de seus comandos. Tal
característica ínsita as normas jurídicas compõe o que Luhmann conceitua como
“expectativas normativas”, que se distinguem das “expectativas cognitivas” justamente pela
sua inflexão diante dos desapontamentos experimentados em face dos dados advindos do
ambiente circundante.

        No entanto, as expectativas normativas não consistem em estruturas inabaláveis e,
ao contrário do que possa parecer à primeira vista quando se procede ao estudo da Teoria
dos Sistemas, elas também possuem um ponto de saturação. Com efeito, a alteração dos
dados advindos do ambiente pode ser de tal modo intensa, que as expectativas normativas
não lograrão reunir condições de subsistência, dando azo, nessas situações, a interpretações
modificativas do sentido da norma sem sua alteração textual – em um processo análogo à
chamada mutação constitucional - ou, em casos mais extremos, até mesmo à alteração
legislativa segundo as formalidades necessárias para tanto.

       Quando ocorre qualquer uma das sobreditas conseqüências do esgotamento das
expectativas normativas de uma determinada norma jurídica , diz-se, ainda segundo os
conceitos da Teoria dos Sistemas de Luhmann, que o sistema do direito promoveu sua
evolução autopoiética, ou seja, corrigiu distorções internas por si próprio, mediante a
formulação de novos dados comunicativos, sem a interferência direta do ambiente.

       Como norma jurídica, o artigo 522 da CLT possui expectativas normativas,
voltadas, como visto, para a estruturação das diretorias das entidades sindicais segundo
padrões predeterminados pelo Estado e sob a orientação ideológica historicamente datada,
característica do paradigma do Estado Social, a preconizar a primazia do Poder Público na



                                                                                         25
fixação das políticas e programas sociais, por intermédio da atuação de corpos técnicos e
burocráticos.

       Ocorre que nos últimos 70 anos, o ambiente a circundar o artigo 522 da CLT sofreu
substanciais alterações, tanto no aspecto econômico, quanto no social e político. De fato, a
economia nacional foi significativamente incrementada durante o período em referência e,
nessa esteira, diversas entidades sindicais viram-se na contingência de estabelecer marcos
organizativos diversos daquele modelo legal preestabelecido pelo Estado.

        Paralelamente a isto, o ambiente político subjacente ao artigo 522 da CLT foi
sensivelmente alterado, mormente porque a Constituição de 1988 – elaborada, como visto,
em condições de participação social jamais experimentadas alhures - passou a integrar em
sua fórmula política elementos típicos do paradigma nascente do Estado Democrático de
Direito, a romperem com a intervenção governamental na organização autônoma dos
diversos setores sociais, dentre os quais se insere a garantia conferida às entidades sindicais
no art. 8º, I, da Carta Magna.

        Observa-se, portanto, que as expectativas normativas do artigo 522 da CLT já
atingiram há muito seu ponto de exaustão. Os dados advindos do entorno não mais
justificam que o sistema do direito pretenda condicionar a organização sindical pátria a uma
estrutura criada sob um contexto político, social e econômico já ultrapassado há muito.

        Por tal razão, há, a nosso ver, a necessidade imperativa de que o sistema do direito
evolua nesse tocante, superando as expectativas normativas daqueles artigos e busque,
dessa forma, um novo marco regulatório para a fixação das diretorias sindicais que seja
mais consentâneo não só com o quadro heterogêneo das entidades representativas
brasileiras, como também com a formula política subjacente à Constituição Federal de
1988.


       Diante desse quadro, a solução para o problema da estruturação das diretorias
sindicais e da fruição da estabilidade, a nosso ver, se resolve, em primeiro lugar, pelo
reconhecimento de que o artigo 522, da CLT não foi recepcionado pela Constituição
Federal de 1988, haja vista seu descompasso com os princípios constitucionais da
democracia, do pluralismo, da prevalência dos direitos humanos e, principalmente, da
liberdade e da autonomia sindical.


         A violação aos postulados da liberdade e da autonomia sindical se constata na
medida em que o comando do art. 522 da CLT acaba por impedir, em muitos casos, a
própria ação das entidades representativas, mormente daquelas constituídas em áreas
territoriais mais extensas e que, por tal razão, não poderiam funcionar com uma diretoria
estabelecida dentro dos estritos limites trazidos no dispositivo legal em apreço ou então
destituída de estabilidade.




                                                                                            26
Em segundo lugar, os eventuais abusos na fixação das diretorias sindicais para fins
de fruição da estabilidade assegurada pelo art. 8º, VIII, da Constituição Federal seriam
melhor coibidos, a nosso ver, pela aplicação caso a caso dos princípios da liberdade e da
autonomia sindical e das demais garantias constitucionais titularizadas pelos atores
envolvidos na situação posta à apreciação do Poder Judiciário.

        Em termos mais concretos, far-se-ia uma análise individualizada de dados como o
porte da entidade sindical postulante da estabilidade para seus dirigentes, bem como de sua
área de atuação e do número de afiliados para averiguar se, no caso específico, a pretensão
é abrangida pelos princípios da liberdade e da autonomia sindical ou se, ao contrário, o
pleito afigura-se abusivo.

        Ao assim proceder, o Poder Judiciário estaria concretizando os princípios
constitucionais segundo sua justa medida nos casos concretos e contribuindo, em última
medida, para a fixação de seus limites e possibilidades. Do contrário, a aplicação universal
dos limites fixados no art. 522 da CLT, tal como propalado pela jurisprudência do STF e do
TST, tem por efeito tornar os referidos postulados da Carta Magna reféns de uma
compreensão generalizante, restritiva e cega às nuances da situação.

        Em uma sociedade complexa, em que existem entidades sindicais de todos os portes
e áreas de representatividade, não há como coibir os eventuais abusos na fixação de
diretorias mediante o estabelecimento de uma fórmula legal datada, inflexível e casuística,
sem que se esteja promovendo, em última medida, a injustiça.


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Acórdãos.



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BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RECURSO DE REVISTA Nº
342.499. RELATOR: Min. Antônio José de Barros Levenhagen. 4ª Turma. DJ: 19.5.2000,
p. 365;


BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO EM
DISSÍDIO COLETIVO Nº 423.261/98. RELATOR: Min. Ursulino Santos. Subseção de
Dissídios Coletivos. DJ: 4.12.1998, p. 51.




                                                                                  31

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Limitação legal ao número de dirigentes sindicais

  • 1. LIMITAÇÃO LEGAL AO NÚMERO DE DIRIGENTES SINDICAIS ESTÁVEIS. Da Insubsistência do Art. 522 da CLT na Ordem Instituída pela Constituição de 1988. INTRODUÇÃO A formulação de regras aparentemente aplicáveis de imediato e dotadas de uma objetividade tal que de sua simples leitura poder-se-ia antever seus destinatários, suas hipóteses concretas de incidência e seus limites exegéticos não tem, por si só, o condão de petrificar a compreensão daqueles dispositivos legais no tempo e no espaço. As normas jurídicas, enquanto conceitos e definições imaginadas pelo homem, são frutos de ilações construídas paulatinamente a partir de experiências vivenciadas em determinados momentos históricos. Se na ocasião em que nascem tais concepções mentais o ambiente social impõe-lhes um determinado desenho, com o passar do tempo, a evolução das estruturas da sociedade poderá provocar alterações substanciais em seus contornos. Poder-se-ia dizer, utilizando uma analogia chã, que o contorno dos conceitos imaginados pelo homem é “esboçado a lápis”, podendo ser “apagado e redefinido” a medida em que a realidade se altera e, com isso, impõe-lhe um novo desenho. Ou, valendo- se de outra comparação, poder-se-ia visualizar os dados da realidade como paisagens mutantes a exigirem dos artistas que pretendem reproduzi-las em tela, constantes alterações de traçado. Não por outra razão, Habermas assinala que “a partir de agora, não podemos mais apreender simplesmente e sem mediação pensamentos e fatos no mundo dos objetos representáveis”, pois “eles só são acessíveis enquanto representados, portanto em estados de coisas.” E continua: O conteúdo de todo pensamento completo é determinado por um estado de coisas que pode ser expresso numa proposição assertórica. Entretanto, todo pensamento exige, além do conteúdo assertivo, uma determinação ulterior: pergunta-se se ele é verdadeiro ou falso. Sujeitos pensantes e falantes podem tomar posição em relação a qualquer pensamento dizendo ´sim´ou ´não´; por isso, ao simples ´ter um pensamento´ vem acrescentar-se um ato de apreciação crítica. Somente o pensamento traduzido em proposições ou a proposição verdadeira expressam um fato. A avaliação afirmativa de um pensamento ou do sentido assertórico de uma proposição pronunciada coloca em jogo a validade do juízo ou da frase e, com isso, um novo momento de idealidade. Evidentemente, o contorno positivo das regras jurídicas, ou seja, a forma textual que estas últimas possuem, não será imediatamente afetado pelas alterações de contexto percebidas pelos intérpretes. A sistemática inerente ao processo legislativo não possui uma dinâmica hábil a detectar de pronto as evoluções da realidade fáticas para traduzi-las instantaneamente em lei. 1
  • 2. A tarefa de dar sentido aos textos legais face às alterações vislumbradas na realidade fática cabe, em um primeiro momento, aos intérpretes das normas. Nessa perspectiva, a lei nada mais é do que um ponto de partida, um pensamento traduzido em direito positivo que reflete um momento histórico determinado, cuja subsistência no tempo e no espaço não pode prescindir dos contributos exegéticos oferecidos pelos atores sociais conectados com o “mundo da vida” e por ele afetados diretamente. As tensões existentes entre os textos legais e o mundo dos fatos afetam de modo direto as normas pertinentes à organização sindical pátria, insculpidas no Título V da Consolidação das Leis do Trabalho, porquanto estas foram elaboradas em um momento histórico peculiaríssimo da política brasileira, caracterizado pela ascenção do ideário corporativista , e porque os referidos dispositivos se mantêm textualmente íntegros, a despeito da notória alteração do contexto sócio-econômico, bem como da sucessiva alternância de regimes constitucionais ao longo dos últimos 70 (setenta) anos. O presente estudo enfocará, em especial, as tensões entre texto legal e as vicissitudes fáticas e ideológicas na compreensão e na aplicação do artigo 522 da CLT , a versar sobre a composição da diretoria das entidades sindicais. Tal análise afigura-se fundamental para a resolução da problemática em torno do número máximo de dirigentes detentores de estabilidade e da coibição de eventuais abusos por parte dos sindicatos ao organizarem seus corpos diretivos. Desse modo, avaliar-se-á, em um primeiro momento, os aspectos componentes do paradigma do Estado Social, a servirem de substrato ideológico para a formulação da legislação sindical pátria nas décadas de 1930 e 1940 e cujo repertório apregoava, em apertadíssima síntese, a atuação do Estado por meio de programas elaborados unilateralmente por equipes técnicas ligadas ao Poder Executivo e voltados para a compensação de desigualdades, bem como para a planificação do mercado. Após isto, o estudo se voltará para um relato em torno das vicissitudes fáticas e ideológicas ocorridas no País nos 70 (setenta) anos que se sucederam à edição do artigo 522 da CLT para perquirir, ao final, se o atual cenário jurídico-institucional permite a convivência entre a redação casuística e restritiva dos referidos dispositivos, de um lado, e os novos conceitos incorporados pelo sistema do direito, de outro. Antes, contudo, faz-se mister trazer à lume uma breve descrição do sistema do direito sob a ótica da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, a se justificar tendo em vista que os conceitos de sistema, ambiente, expectativa normativa, autopoiese e acoplamento estrutural elaborados pelo referido autor germânico, a nosso ver, consistem em mecanismos que possibilitam verificar clara e concisamente como o direito processa as alterações de contexto verificadas na sociedade e, desse modo, promove a sua evolução. 2
  • 3. Mais especificamente, a exposição ora proposta em torno dos conceitos da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann auxiliará na compreensão em torno das possibilidades de subsistência ou não da limitação legal ao número de dirigentes sindicais com supedâneo nas expectativas normativas originais subjacentes ao artigo 522 da CLT. 1 – O DIREITO ENQUANTO SISTEMA NA TEORIA DE LUHMANN. BREVES NOTAS A RESPEITO DOS CONCEITOS DE SISTEMA, AMBIENTE, AUTOPOIESE, EXPECTATIVAS NORMATIVAS E ACOPLAMENTO ESTRUTURAL. Conforme já adiantado alhures, as presentes linhas trarão breves notas a respeito dos conceitos integrantes da Sociologia do Direito elaborada por Niklas Luhmann, cuja compreensão é essencial para a superação do entendimento hodiernamente conferido ao artigo 522 da CLT. Pois bem, segundo Luhmann, as sociedades complexas, ou seja, aquelas em que predomina a diferenciação funcional entre suas diversas estruturas, são formadas por sistemas, a variarem de acordo com as funções atribuídas às diferentes instituições sociais (vg. religião, família, economia, política, etc). Para cada função haverá, portanto, um sistema específico, que enxergará, processará e compreenderá os dados da realidade de acordo com sua própria linguagem, sem valer-se de códigos oriundos de outros sistemas . Poder-se-ia, portanto, ainda a título precário, conceituar sistema como a estrutura comunicativa inerente às funções diferenciadas da sociedade complexa. Os dados da realidade não processados, bem como as informações (ruídos) oriundas de outros sistemas, integram o ambiente (entorno), ou seja, aquilo que não faz parte do sistema. À medida em que o sistema social elabora uma linguagem própria, apta a produzir signos compreensivos distintos daqueles produzidos por outros sistemas, opera-se a diferença entre aquele e o ambiente, conforme bem assinala Luhmann: El binomio sistema/entorno es una operación sustentada en una diferencia. El teórico de sistemas reacciona pues, de esta manera a la consigna ‘draw a distinction’. No se trata de cualquier distinción sino precisamente la de sistema y entorno, y el indicador (pointer) está puesto del lado del sistema y no del lado del entorno. El entorno está colocado fuera, mientras que el sistema queda indicado del otro lado.(...) La consecuencia para la teoria de sistemas (...) es que el sistema se puede caracterizar como una forma con la implicación de que dicha forma esta impuesta por dos lados: sistema/entorno. (...) Todo lo que existe y se pueda designar como social consta, desde el punto de vista de una construcción teórica que se fundamenta en la operación, de un mismo impulso y un mismo tipo de acontecimiento: la comunicación. (...) El sistema es una diferencia que se produce constantemente a partir de un solo tipo de operación. La operación lleva a efecto el hecho de reproducir la diferencia sistema/entorno, en la medida en que produce comunicación solo mediante comunicación. 3
  • 4. (...) El sistema (la comunicación) puede distinguirse con respecto a su entorno: la operación que lleva a cabo el sistema (operación de comunicación) lleva a efecto una diferencia en la medida en que una operación se enlaza, se traba con outra de su mismo tipo, y va dejando fuera todo lo demás. Fuera del sistema, en el entorno, acontecen simultáneamente otras cosas. Estas otras cosas suceden en un mundo que solo tiene significado para el sistema en el momento en que pueda enlazar esos acontecimientos a la comunicación. El sistema debido a que tiene que decidir si enlaza una comunicación con otra, necesariamente debe disponer de capacidad de observar, de percibir, lo que embona con él y lo que no embona. Un sistema, entonces, que puede controlar sus posibilidades de enlace debe disponer de autoobservarse, sobre todo cuando ya está puesto en marcha un lenguaje para la comunicación y se tiene un repertorio de signos estandardizados. O sistema social, enquanto estrutura lingüística detentora de uma determinada função, necessita de mecanismos para se relacionar com o ambiente e processar os dados oriundos deste último. E sendo o ambiente externo um conjunto amplamente complexo, afigura-se imprescindível para o sistema a elaboração de formas simplificadoras, hábeis a assegurar, ao mesmo tempo, seu caráter dinâmico interno e sua relação com o entorno. Nesse sentido, a forma escolhida pelos sistemas sociais para reduzir a complexidade do ambiente faz-se representada pela noção de “expectativas generalizadas”, a compreenderem o conjunto previamente esperado de comportamentos verificáveis no entorno, conforme bem explica Luhmann: Quem pode ter expectativas sobre as expectativas de outros (...) pode ter um acesso mais rico em possibilidades ao seu mundo circundante, e apesar disso viver mais livre de desapontamentos. Ele pode superar a complexidade e a contingência mais elevadas, em um nível mais abstrato. Ele pode, se não for demasiadamente atrapalhado por motivos próprios, realizar internamente as adequações comportamentais necessárias, ou seja, quase sem comunicação. Ele não precisa expor-se e fixar-se verbalmente (...) e ele economiza tempo, conseguindo, portanto, conviver com outros em sistemas sociais muito mais complexos e abertos em termos de comportamento. (...) Os sistemas sociais (...) estabilizam expectativas objetivas, vigentes, pelas quais ‘as’ pessoas se orientam. As expectativas podem ser verbalizadas na forma do dever ser, mas também podem estar acopladas a determinações qualitativas, delimitações da ação, regras de cuidado, etc. O importante é que se consiga uma simplificação através de uma redução generalizante. Ao generalizarem suas expectativas em relação ao entorno, e também em face da elevada complexidade, os sistemas sociais assumem necessariamente um considerável risco de desapontamento, a se materializar nas hipóteses em que as possibilidades selecionadas pelos sistemas demonstram-se enganosas ou inverídicas. A depender do comportamento do sistema diante de tais frustrações, as expectativas classificar-se-ão em cognitivas ou normativas. 4
  • 5. Nesse diapasão, as expectativas cognitivas serão aquelas que se adaptam aos dados fáticos dissonantes das situações esperadas pelos sistemas. As expectativas normativas, por sua vez, serão aquelas sustentadas pelo sistema mesmo em face da realidade constatada como decepcionante. Nas palavras de Luhmann, “ao nível cognitivo são experimentadas e tratadas as expectativas que, no caso de desapontamentos, são adaptadas à realidade. Nas expectativas normativas ocorre o contrário: elas não são abandonadas se alguém as transgride.” Diante de tal distinção, não é difícil constatar que o direito compõe-se por expectativas normativas, porquanto seus elementos integradores tendem a permanecer formalmente íntegros mesmo em face dos desapontamentos verificados no entorno, conforme bem assinala Luhmann: As normas são expectativas de comportamento estabilizadas em termos contrafáticos. Seu sentido implica na incondicionabilidade de sua vigência na medida em que a vigência é experimentada, e portanto também institucionalizada, independentemente da satisfação fática ou não da norma. O símbolo do ‘dever ser’ expressa principalmente a expectativa dessa vigência contrafática, sem colocar em discussão essa própria qualidade – aí estão o sentido e a função do ‘dever-ser. Isso, todavia, não quer significar que o direito seja imutável, recalcitrante em face à realidade cambiante, cerrado à movimentação verificada no entorno. Do contrário, se o sistema do direito possuísse tal caráter estático, sua função de generalização e estabilização de expectativas comportamentais resultaria seriamente prejudicada , conduzindo ao vazio a força normativa de seus princípios e regras. Faz-se necessário, portanto, compreender o direito como uma estrutura composta por comunicações que geram expectativas normativas abertas para o futuro. Nessa perspectiva, a possibilidade de comportamentos divergentes verificáveis no porvir impõe ao sistema do direito a adoção de uma linguagem apta a absorver as mudanças estruturais verificadas no entorno e, com isso, adquirir novos significados, sem perder o caráter cogente. Tem-se, portanto, que a evolução do direito após a frustração de certas expectativas normativas ocorre quando suas estruturas comunicativas selecionam novas possibilidades a partir da observação de ruídos produzidos no ambiente. Tal processo – é importante frisar - não se dá por intermédio da influência direta do ambiente no sistema, sendo, ao revés, desenvolvido no interior deste último de maneira autônoma. A partir das observações que o sistema do direito formula em relação ao que se passa no entorno, novas comunicações são elaboradas para definir, em termos jurídicos, o significado dos elementos presentes no ambiente. O processo interno de construção dessas concepções mediante a utilização da linguagem do direito, sem a interferência direta do entorno, denomina-se autopoiese, e é assim sintetizado por Gunther Teubner: 5
  • 6. El derecho como sistema social autopoiético no está compuesto ni por normas ni por legisladores, sino por comunicaciones jurídicas, definidas como la síntesis de tres selecciones de sentido: participación, información y comprensión. Dichas comunicaciones estan interrelacionadas entre si en una red de comunicaciones que no produce outra cosa que comunicaciones. Eso es lo que se pretende señalar con la autopoiésis: la auto- reproducción de uma red de operaciones comunicativas mediante la aplicación recursiva de comunicaciones a los resultados de comunicaciones anteriores. El derecho es una red comunicativa que produce comunicaciones jurídicas. Las comunicaciones jurídicas son los instrumentos cognitivos mediante los cuales el derecho, como discurso social, es capaz de ‘ver’el mundo. Las comunicaciones jurídicas no pueden acceder al mundo real externo, ni a la naturaleza ni a la sociedad. Solo pueden comunicar algo referente a la naturaleza o a la sociedad. (...) El mundo exterior no instruye en modo alguno al derecho; solo existe una construcción del mundo exterior por parte del derecho. (...) El constructivismo jurídico presupone entonces la ‘existencia’ de un entorno para el derecho. La cuestión no es un aislamiento monaudológico del derecho, sino la construcción autónoma de modelos jurídicos de realidad bajo la impresión de las perturbaciones ambientales. É importante frisar, contudo, que nem todo dado oriundo do entorno é observado pelo sistema do direito. Apenas aquilo que este último seleciona como relevante será processado e traduzido em linguagem jurídica, através de um processo que ocorre inteiramente dentro do sistema. O entorno do sistema do direito é formado por outros sistemas (política, economia, religião, etc.) e a seleção dos dados oriundos destes últimos decorre das irritações sentidas pelo direito em relação a tais elementos externos. Diz-se, portanto, que entre o sistema do direito e os demais sistemas há um acoplamento estrutural, ou seja, um mecanismo de interligação sistêmica que possibilita a percepção daquelas provocações e sua seleção, assim descrito por Luhmann: El acoplamiento estructural (...) se situa de manera ortogonal a la operación del sistema: selecciona lo que puede producir efectos en el sistema y filtra lo que no es conveniente que produzca efectos en él. (...) Los acoplamientos estructurales no producen operaciones, sino solo irritaciones (sorpresas, decepciones, perturbaciones) en el sistema. Estas irritaciones en razón del entramado de operación del sistema pueden servir para que el sistema mismo reproduzca las seguintes operaciones. Um sistema registra y aferra el entorno bajo la forma de irritación. La irritación es, entonces, con otras palabras una forma que sólo se produce en el interior del sistema, pero que no se lleva a efecto en el entorno. Solo cuando el sistema procesa sus próprias irritaciones, entonces está en situación de buscar razones bajo la forma de causas en el entorno. Por derradeiro, importa assinalar que o processo de evolução autopoietica do sistema do direito ora narrado envolve três fases, quais sejam, a variação, a seleção e a estabilização. 6
  • 7. A variação ocorre no entorno e se verifica quando uma expectativa de comunicação do sistema do direito é desapontada. Diante disso, este último sente-se irritado internamente e promove a seleção de tal dado, a ser traduzido em linguagem jurídica. Quando o novo entendimento é formulado comunicativamente pelo sistema do direito e nele inserido como elemento integrante, ocorre a estabilização. A descrição ora formulada em torno dos sobreditos conceitos extraídos da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann demonstra, afinal, que o artigo 522 da CLT - como todo e qualquer elemento integrante do sistema do direito - é formado por uma linguagem jurídica detentora de expectativas normativas, cuja formulação decorreu da observação de dados presentes no entorno que foram, posteriormente, traduzidos para o sistema do direito. Mais especificamente, o texto do artigo 522 da CLT - ao limitar o número de dirigentes sindicais e integrantes do conselho fiscal em 7 (sete) e 3 (três), respectivamente - foi formulado em contexto espaço-temporal (entorno/ambiente) datado e específico que, à ocasião, provavelmente dava vazão às suas expectativas normativas. Com efeito, se o artigo 522 da CLT foi formulado sob a égide do paradigma do Estado Social - em uma época de sindicalismo incipiente dotado de organizações estritamente locais e de forte dirigismo oficial - suas expectativas normativas não poderiam apontar para outros objetivos senão o controle do tamanho e da estrutura das entidades sindicais por parte do Estado e, paralelamente a isto, para a concessão da estabilidade a um número certo dirigentes, proporcional ao porte dos sindicatos então existentes. Diante disso, cumpre indagar se as expectativas normativas do artigo 522 da CLT permanecem íntegras em face das significativas alterações estruturais verificadas no entorno desde o advento daquele dispositivo, ocorrido em 1943 com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho. Em se constatando o desapontamento das expectativas normativas inerentes ao artigo em apreço, cumpre perquirir, outrossim, se a estabilização do sistema do direito pode vir a ocorrer por intermédio da manutenção do referido dispositivo ou, pelo contrário, se apenas mediante sua eliminação. 2 – A FIXAÇÃO DE UM NÚMERO MÁXIMO DE DIRIGENTES SINDICAIS COMO DECORRÊNCIA DO PARADIGMA DO ESTADO SOCIAL. Como é de conhecimento notório, o arcabouço legislativo pátrio a regulamentar as relações sindicais surgiu nas décadas de 1930 e 1940 . No período em referência, o sindicalismo brasileiro não configurava um fenômeno significativamente difundido, haja vista a incipiente produção industrial, concentrada em poucos e dispersos núcleos urbanos, bem como o caráter predominantemente rural da economia e da própria população. 7
  • 8. Nesse contexto de incipiência, o Estado decidiu tomar para si a função de delinear a organização sindical dos trabalhadores e dos empresários segundo um programa ideológico de cariz corporativista que preconizava, em apertada síntese, a união das forças empresariais e profissionais com vistas ao alcance dos objetivos nacionais por ele definidos , conforme bem descreve Raimundo de Araújo Castro em seus comentários à Constituição de 1937: O sindicalismo tem por fim congregar todos os indivíduos da mesma classe para melhor defenderem os seus direitos. Os sindicatos que atualmente têm mais importância são os operários. (...) O movimento sindicalista não é na realidade a guerra empreendida pelo proletariado para esmagar a burguesia e para conquistar os instrumentos da produção e direção da vida econômica. Não é, como pretendem os teóricos do sindicalismo revolucionário, a classe operária, adquirindo a consciência de si mesma, para concentrar o poder e a fortuna, e aniquilar a classe burguesa. E´um movimento muito mais amplo, muito mais fecundo, mesmo muito mais humano. Não é uma transformação só da classe operária, abrange todas as classes e tende a coordena-las num sistema harmônico. O sindicalismo é a organização da massa amorfa de grupos fortes e coerentes de estrutura jurídica determinada e compostos de homens já unidos pela comunidade de função social e interesse profissional. (...) Certo, os industriais, que representam o capital merecem grande acatamento e respeito, mas menor acatamento e respeito não devem merecer os proletários. Seria mesmo difícil afirmar qual dessas duas classes é o maior propulsor da riqueza pública. Entre elas não deve haver antagonismos. Ao contrário, tudo aconselha a necessidade de serem conciliados os respectivos interêsses, a bem da prosperidade de ambas, da coexistência social e do desenvolvimento econômicos do País. A postura adotada pelo poder público em relação à organização sindical brasileira se inseria plenamente no arcabouço ideológico subjacente ao paradigma do Estado Social, cuja difusão teve início, justamente, no contexto político mundial vivenciado nas décadas de 1930 e 1940 e cujo objetivo fundamental preconizava, resumidamente, a necessária atuação dos órgãos estatais no fito de orientar as relações produtivas da sociedade e de reduzir os infortúnios experimentados pelos cidadãos, em sentido diametralmente oposto ao dogma da restrição estatal a servir como pedra de toque do paradigma liberal. Ocorre, todavia, que a ampla atuação compensatória do Estado Social, característica do paradigma em apreço, culminava com a idealização da sociedade como uma estrutura centrífuga, em que o Estado se situava no núcleo, irradiando aos complexos e variantes setores sociais, diretrizes políticas voltadas para a consecução de certos e determinados objetivos a compreenderem, de modo geral, o bem-estar de todos os cidadãos por intermédio da correção de desvantagens, conforme bem assevera Niklas Luhmann: El Estado [de bienestar] se concibe entonces como la situación organizativa de la sociedad. Las ideas regulativas del Estado de Bienestar se ajustan también a este concepto. Esto es especialmente válido respecto de la exigencia de que el Estado de Bienestar debe compensar a cada ciudadano individual por toda desventaja que experimente cuando 8
  • 9. participa en la vida social en el marco de formas de organización prestabelecidas; cuando, por ejemplo, habita em ciudades contaminadas, estudia en clases repletas, está expuesto a las oscilantes condiciones del mercado, o se ve afectado de modo desproporcionado por la subida de precios. Tomado en serio, tal principio de compensación se conduce también a uma competencia universal del Estado – si no a nível de responsabilidad política, sí al menos desde la perspectiva de aquellos que elevan las pretensiones. Na sistemática do Estado Social, as decisões estruturais são definidas, precipuamente, pelos órgãos integrantes da Administração Pública central, na crença de que seus quadros técnicos dotados de conhecimento científico especializado são capazes de promover o bem-estar social através da formulação de amplos programas em diversas áreas. Tal convicção ocasionou a hipertrofia estrutural do Estado, que, sob tal paradigma, necessita contar com recursos materiais e humanos aptos a possibilitar sua pronta atuação compensatória nas mais diversas e complexas searas da vida. Ademais, a fixação, por parte do Estado, das diretrizes e medidas componentes dos amplos programas sociais ocorre de modo unilateral, tomando-se por orientação as concepções elaboradas pelo corpo técnico-burocrático a integrar seus quadros, desconsiderando-se, muitas vezes, as opiniões e as próprias necessidades emanadas dos indivíduos atingidos, cuja participação política, enquanto cidadãos, permanece restrita ao voto periódico, conforme assinala Cristiano Paixão Araújo Pinto: A crise de cidadania [do Estado Social] decorre da carência, gradativamente percebida, de participação efetiva do público nos processos de deliberação da sociedade política. A identificação do público com o estatal acabou por limitar a participação política ao voto. A isso se aduziu uma estrutura burocrática centralizada e distanciada da dinâmica vital da sociedade. A associação entre público e estatal acarretou a construção de uma relação entre indivíduo e Estado que pode ser comparada à relação travada entre uma instituição prestadora de serviços (e bens) e seus clientes. Mais do que não levar em conta os reais interesses dos indivíduos diretamente atingidos por suas diretrizes, o Estado Social acaba por desconsiderar o caráter complexo e multifacetário inerente aos setores sociais destinatários de sua atuação unilateral, pois os amplos programas são estabelecidos através de padrões pré-concebidos pelos corpos técnicos e burocráticos que servirão de molde para as medidas a serem implementadas. Tais padrões sociais vislumbrados e tidos por verídicos pela Administração Pública acabaram por orientar a produção legislativa em torno das diretrizes e medidas integrantes dos programas estatais. Nesse tocante, as práticas dos paradigmas do Estado Social e do Estado Liberal partilham da mesma sistemática, qual seja, a fixação de fórmulas gerais e abstratas em lei, supostamente aptas a abarcarem todas as situações verificáveis no tempo e no espaço, conforme atesta Menelick de Carvalho Netto: Se a forma da lei geral e abstrata é uma garantia da liberdade e da igualdade dos cidadãos, há, por outro lado, o risco de acreditarmos que ao aplicá-las devêssemos proceder da mesma forma que fizemos ao adotá-las. (...) Esse foi um dos grandes enganos da 9
  • 10. modernidade e decorre de sua crença excessiva na racionalidade. Acreditava-se que mediante o estabelecimento de normas gerais e abstratas resolvia-se o problema do controle social; a aplicação das leis deveria ser cega às especificidades das sempre distintas situações de aplicação. (...) A crença na capacidade de racionalmente, por intermédio da fórmula da lei, regularmos a vida moral, ética e jurídica de sorte a ficarmos livres de problemas no campo da aplicação normativa. (...) Se, no entanto, a forma genérica e abstrata da lei pôde ser traduzida materialmente, na prática, em uma exploração do homem pelo homem, sem precedentes na história da humanidade, foi capaz, contudo, de manter a sua mística, apenas que agora no contexto da materialização do direito. Manteve-se no Estado Social a mesma crença: seria por meio de normas gerais e abstratas que se poderia materializar o Direito, exigindo ações políticas de densificação desses direitos mediante a adoção de políticas públicas pelo Estado. Justamente sob tal crença, erigiu-se nas décadas de 1930 e 1940 o arcabouço legislativo pátrio a versar sobre as relações sindicais. A noção de categoria, a estrutura interna, a eleição de seus dirigentes, a organização da diretoria, os requisitos para a investidura sindical e diversos outros aspectos, encontravam ampla e minuciosa previsão em lei. O Estado propôs-se a moldar os sindicatos de acordo com concepções pré- estabelecidas a respeito do que convinha ou não dispor acerca da vida associativa dos trabalhadores. E tais concepções foram firmadas – é importante que se diga – em uma época em que as atividades econômicas no País restringiam-se a alguns poucos pólos urbanos distantes uns dos outros em função do extenso território nacional e das dificuldades de comunicação e de locomoção. Nesse contexto, o movimento sindical era igualmente limitado àquelas localidades, disperso e, em razão disso, impossibilitado de se expandir e ultrapassar as fronteiras locais, conforme bem ressalta Boris Fausto: A pequena empresa industrial, dispersa em vários pontos do país, existiu antes da formação do pólo cafeeiro e ao lado dele, graças à proteção representada pela dificuldade de comunicações, à proximidade das fontes de matéria-prima, à existência de um pequeno mercado consumidor de bens como alimentos, bebidas, tecidos de qualidade inferior. Os trabalhadores desse tipo de indústria, espalhados em um imenso espaço geográfico, nunca tiveram condições objetivas para dar origem a um movimento operário. Eles ficariam nas fímbrias do que Antônio Barros de Castro chamou a industrialização descentralizada do Brasil. Desse modo, as entidades então existentes nas décadas de 1930 e 1940, por estarem situadas em um contexto econômico de baixo desenvolvimento, tinham porte reduzido e, naturalmente, suas perspectivas de atuação não iam muito além da defesa dos interesses imediatos e localizados da categoria, pois, afinal, não havia, à ocasião, nenhum fator que ensejasse a ampliação de tais horizontes por parte dos sindicatos. 10
  • 11. Nesse contexto, Segadas Vianna chegou mesmo a fixar um esquema-padrão para as organizações sindicais brasileiras em função do porte destas últimas àquela ocasião, estipulando em 4 (quatro) a quantidade ideal de dirigentes a variarem segundo as singelas funções de tais entidades: Salvo casos excepcionais, de sindicatos com número muito grandes de associados, a diretoria de uma entidade não necessita mais de quatro membros: Presidente, Secretário, Tesoureiro e Diretor Social, tendo êste último a responsabilidade direta da direção da sede e a fiscalização imediata dos serviços de assistência prestados aos associados. (...) Parece-nos mais simples a adoção de um esquema geral para a administração, com 4 diretores, com as funções assim distribuídas: PRESIDENTE – Representação da entidade, coordenação das atividades da administração e demais atribuições estatutárias; SECRETÁRIO – 1ª Secretaria das sessões; atas; correspondência. 2º.: Direção do Serviço de Propaganda e Inscrição; do Serviço da Agência de Colocações; do Arquivo. 3º.: Direção geral dos funcionários;TESOUREIRO – 1º.: Serviços gerais da tesouraria, inclusive pagamentos de benefícios. 2º.: Orientação da Comissão de Finanças; DIRETOR SOCIAL – 1º: Direção da sede e programação da vida social. 2º: Controle dos serviços de assistência social prestados na sede. Diante de tais fatores econômicos e sociais, o corpo técnico-burocrático do Estado Novo que redigiu a Consolidação das Leis do Trabalho houve por bem tomar por razoável e oportuna a fixação de um número máximo de dirigentes sindicais, segundo o porte-médio das entidades existentes à época. Assim, o art. 522 do diploma legal em referência restringiu os mandatos a 20 (vinte), aí compreendidos os 7 (sete) diretores, os 3 (três) integrantes do Conselho Fiscal e seus respectivos suplentes, em número de 10 (dez). Criou-se, portanto, por intermédio do art. 522 da CLT, uma “diretoria-padrão” dentro de um “sindicato-padrão” quase completamente regulamentado em seus aspectos internos por dispositivos legais casuísticos e inflexíveis. Nessa ótica, as entidades eventualmente divergentes do modelo legal são classificadas e tratadas simploriamente pelo Estado e seus agentes como irregulares e, em razão disso, inaptas a se valerem das prerrogativas destinadas aos entes enquadrados na moldura oficial. Tais pretensões de vigência abstrata e aplicabilidade universal subjacentes ao art. 522 da CLT - características das normas emanadas do Estado Social -, para além de intentarem submeter toda a organização sindical aos programas políticos emanados do aparato oficial em um determinado momento histórico, acabam por reduzir significativamente a possibilidade de processamento de desapontamentos por parte do dispositivo em apreço e sua evolução autopoiética em face das transformações vislumbradas nos outros sistemas sociais (ambiente), pois, como visto, sua redação não só é casuística como tem por móvel, propositadamente, a fixação de parâmetros tidos por imutáveis. 11
  • 12. De outro turno, e ainda trabalhando com conceitos oriundos da Teoria dos Sistemas de Luhmann, há de se indagar se o enunciado férreo do art. 522 da CLT, a integrar o sistema do direito, pode manter intacta sua pretensão de vigência e aplicação incondicionadas mesmo em face das substanciais alterações verificadas em seu ambiente. Em outros termos, há que se indagar se o paradigma do Estado Social vigente quando da elaboração do art. 522 da CLT ainda justifica a subsistência do referido dispositivo no sistema do direito ou se a evolução experimentada por este último e pelos demais sistemas sociais fez surgir novas orientações ideológicas incompatíveis com normas que pretendem orientar de maneira unilateral e unívoca os aspectos do mundo da vida. Antes disso, contudo, cumpre relatar, nos próximos tópicos, as significativas alterações no ambiente em torno do artigo 522 da CLT e averiguar se e em que medida tais mudanças no entorno contribuíram para a reanálise acerca da subsistência dos referidos dispositivos no ordenamento jurídico pátrio. 3 – AS VICISSITUDES ECONÔMICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS OCORRIDAS DURANTE OS 70 (SETENTA) ANOS DE VIGÊNCIA DO ARTIGO 522 DA CLT. Nas décadas que se seguiram ao advento do artigo 522 da CLT, a economia nacional, bem como a política e a sociedade, passaram por mudanças significativas. O aspecto mais evidente de tais alterações estruturais faz-se representado pelo câmbio no perfil da população, outrora eminentemente rural, dedicada à produção agrícola, e, agora, predominantemente urbana, voltada para o desempenho de atividades nos setores da indústria, do comércio, dos transportes e de serviços. Os indicadores sociais demonstram, a propósito, que da população atual do País, estimada em 169.799.170 habitantes, nada menos do que 81,25% vivem em áreas urbanas, ao passo que apenas 18,75%, em zonas rurais. Em 1943, conforme visto alhures, os habitantes do campo somavam 68,30% de todos os 41 milhões de brasileiros de então, enquanto os residentes nas cidades não passavam de 31,70%. Grande parte dessa alteração no perfil da sociedade brasileira pode ser creditada ao desenvolvimento econômico do País na segunda metade do Século XX, cuja válvula propulsora consistiu na crescente industrialização fomentada pelo Estado. Nesse período, ampliou-se significativamente a produção automobilística, siderúrgica, metalúrgica, de eletrodomésticos, bem como a rede urbana de comércio e serviços, culminando com o surgimento de demanda de mão-de-obra nas cidades e ensejando, assim, o êxodo rural constatado pelas estatísticas históricas. Saliente-se, outrossim, que a expansiva produção industrial e o incremento dos setores do comércio, transportes e serviços possibilitou o desenvolvimento urbano de localidades outrora alheias ao processo, principalmente nas regiões sul e sudeste. 12
  • 13. A ampliação do setor econômico e sua relativa desconcentração territorial possibilitaram, em contrapartida, um significativo aumento no número de entidades representativas de categorias urbanas. A propósito, o censo sindical levado a cabo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE em 2001 demonstra que, na segunda metade do Século XX, 8.764 (oito mil setecentos e sessenta e quatro) sindicatos com esse perfil foram criados, enquanto de 1907 a 1950, constituíram-se apenas 1.413 (mil quatrocentas e treze) entidades. E, dentre as entidades sindicais obreiras de primeiro grau atualmente existentes, 4.957 (quatro mil, novecentas e cinqüenta e sete) delas possuem base territorial intermunicipal (2.914), estadual (1.923), interestadual (75) e até mesmo nacional (45). Tais organizações, que representam 46% (quarenta e seis por cento) dos entes de trabalhadores em atividade no País , tiveram sua criação fomentada pela industrialização de zonas contíguas, tais como as regiões metropolitanas e pela concentração de determinadas atividades econômicas em pólos formados por mais de um município. A estrutura das entidades intermunicipais, estaduais, interestaduais e nacionais difere significativamente do perfil dos sindicatos existentes na primeira metade do Século XX, quando do advento do artigo 522 da CLT, que, conforme visto alhures, atuavam em espaços territoriais reduzidos e em defesa de categorias pequenas, justamente em função da concentração e da incipiência das atividades econômicas urbanas. Com a organização das entidades em áreas territoriais maiores, fez-se necessária, naturalmente, a adoção de estruturas administrativas mais robustas do que aquela sugerida linhas acima por Segadas Vianna, com certo grau de descentralização e com aptidão para atender aos desígnios da categoria em toda a base do sindicato. Não por outra razão, Amauri Mascaro Nascimento critica veementemente a subsistência da limitação traçada pelo artigo 522 da CLT: É difícil compatibilizar essa limitação com as necessidades atuais das organizações sindicais. (...) Restringir a sete o número máximo de diretores de uma entidade sindical, independentemente do seu tamanho, natureza ou número de associados, é uniformizar o que por natureza não é uniforme: sindicatos nacionais com estaduais ou municipais, sindicatos de categorias grandes com os de categorias pequenas, sindicatos por categoria com sindicatos por profissão, enfim, situações díspares. No plano político-ideológico, o entorno subjacente ao artigo 522 da CLT sofreu, igualmente, substanciais alterações. Nas últimas décadas, principalmente após a derrocada da Ditadura Militar, a capacidade do Estado Social tomar para si a tarefa de promover compensação e inclusão através de fórmulas políticas emanadas da cúpula técnico- burocrática foi amplamente questionada. 13
  • 14. Dentre as críticas impingidas ao Estado Social, destaca-se a ineficácia deste último na tarefa de promover a cidadania, pois a estrutura centrífuga das amplas políticas de inclusão – emanadas unilateralmente da Administração Pública em direção à sociedade - excluía seu público-alvo do processo de formulação. Ao assim proceder, o Estado acabava por desconsiderar as reais reivindicações dos cidadãos, arvorando-se da potestade de definir as necessidades da massa amorfa. Nesse contexto de questionamentos à postura autoritária do Estado Social, incorporada em grande medida pelos governos militares que antecederam a Nova República, e de busca de protagonismo dos cidadãos na definição e execução das políticas de governo, elaborou-se a Constituição Federal de 1988, cuja característica marcante, diga- se de passagem, fez-se representada pela ampla participação dos movimentos sociais em sua elaboração, conforme destaca Menelick de Carvalho Netto: A legitimidade da Constituição de 1988 veio de seu inusitado processo de elaboração. (...) O procedimento tradicional foi atropelado pela grande força popular já mobilizada no movimento das Diretas Já, e que diante da sua frustração decorrente da não aprovação da Emenda Dante de Oliveira e da morte do presidente eleito pelo Colégio Eleitoral como símbolo da transição para a democracia. Tancredo Neves, exigiu a formulação de um novo procedimento iniciado com a coleta de sugestões populares, ocasionando a abertura e a total democratização do processo constituinte. É isso precisamente o que pode explicar o paradoxo de que uma das legislaturas mais conservadoras já eleitas (...) tenha vindo a elaborar a Constituição mais progressista de nossa história. A legitimidade da Constituição de 1988 advém do seu processo de elaboração democrático, aberto e participativo, processo esse que, deve ser condição de legitimidade para qualquer alteração mais ampla a que venha a se sujeitar a Constituição, algo que infelizmente não ocorreu nem mesmo na revisão de 1993 (realizada de forma apressada e irregular). Como não poderia deixar de ser, a postura centralizadora e tutora do Estado Social foi questionada, também, no que se refere à organização sindical. À época da Assembléia Nacional Constituinte, discutiu-se a substituição das estruturas corporativistas então existentes por modelos alinhados com as pautas valorativas consagradas pelas Convenções n° 87 e 98, da Organização Internacional do Trabalho, a preconizarem, em apertada síntese, a autonomia organizativa, a pluralidade, o financiamento espontâneo e a abolição da intervenção do Estado na vida das entidades. Os embates em torno do modelo sindical no âmbito da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88 foram travados por duas correntes opostas. A primeira – capitaneada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) – defendia a adoção de uma estrutura dotada de plena autonomia, nos moldes preconizados pela OIT e centrava-se na tarefa de ver aprovada a Emenda relatada pelo então Deputado Federal Luiz Inácio Lula da Silva. Do outro lado, parlamentares do chamado “centrão” e do bloco socialista (principalmente, PCB e PC do B), batiam-se pela manutenção das estruturas então vigentes, alguns em defesa dos interesses das entidades caudatárias do intervencionismo oficial, outros pelo temor em torno da possível divisão do movimento operário e dos trabalhadores. 14
  • 15. Ao cabo de todo o processo, aprovou-se um modelo híbrido, que assegura, ao mesmo tempo, o monopólio por base territorial, a contribuição compulsória e a livre organização e atuação das entidades sem a ingerência do Estado. Em outras palavras, a organização sindical pátria delineada na Constituição Federal de 1988 acabou por mesclar elementos eminentemente corporativistas com diretrizes pluralistas e democráticas. Tem-se, portanto, que as discussões e as críticas travadas na Assembléia Constituinte em torno do papel do Estado na organização sindical pátria, ainda que não tenham instituído um sindicalismo totalmente independente, tiveram por efeito romper com determinados dogmas corporativistas e lograr certas conquistas. Dentre tais avanços, o mais significativo consiste, sem dúvida alguma, na consolidação da autonomia sindical, a contemplar o “amplo poder das associações de autodeterminar as suas próprias regras fundamentais, que é exercido basicamente por intermédio dos atos constitutivos e dos estatutos” nas palavras de José Francisco Siqueira Neto. Paralelamente a isto, a fórmula política da Constituição Federal de 1988, rompendo com a tradição a persistir nas cartas anteriores , incorporou a “prevalência dos direitos humanos” como princípio regente das relações internacionais e, nessa esteira, inseriu-se na cláusula material aberta de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 2º) os “tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Justamente por tal razão, Antônio Augusto Cançado Trindade assinala que “cumpre, em nossos dias, no domínio da proteção dos direitos humanos, expressar no direito interno a medida e as conquistas do direito internacional, ao invés de tentar projetar neste último a medida do direito interno.” Tal mudança de perspectiva ensejou a ratificação de importantes tratados internacionais de direitos humanos pelo Brasil, alguns deles a versarem sobre o direito à ampla liberdade sindical, tanto no aspecto individual, quanto na dimensão coletiva, nos mesmos moldes preconizados pela Convenção nº 87, da OIT. Dentre tais tratados destacam-se o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da Organização das Nações Unidas – ONU e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), firmado no âmbito da Organização dos Estados Americanos – OEA , cujos dispositivos reiteram e reforçam o caráter autônomo das entidades sindicais em relação aos governos nacionais. Do exposto nas presentes linhas, observa-se que o entorno subjacente ao artigo 522 da CLT - em especial no que concerne aos sistemas da política e da economia - experimentou substanciais alterações nos últimos 70 (setenta) anos. Diante disso, algumas das expectativas normativas inerentes ao dispositivo em apreço não mais se sustentam, ensejando, portanto, a evolução autopoiética do sistema no direito com vistas à assimilação de tais desapontamentos e à sua superação. 15
  • 16. Muito embora as expectativas normativas inerentes aos dispositivos legais tenham por pretensão a conformação do entorno segundo seus enunciados, não quer isto dizer que elas deverão se manter íntegras a qualquer custo, mesmo em face das substanciais mudanças verificadas em seu ambiente. Pelo contrário, em se verificando tais alterações, o sistema do direito deverá promover a evolução das normas jurídicas com vistas à assimilação de novos significados e novas expectativas, conforme bem alerta Luhmann: Também as expectativas normativas não estão atadas à sua proclamada resistência à assimilação. A possibilidade de perseverança interna de expectativas repetidamente desapontadas tem seus limites. As placas de estacionamento proibido cercadas pelos carros parados acabam por não mais provocar expectativas normativas, mas tão-só cognitivas: olha-se para ver se há algum policial por perto. A isto acrescenta-se que a elasticidade da formulação de algumas normas permite procedimentos adaptativos – por exemplo no caso do tão discutido aperfeiçoamento da legislação através da jurisprudência. Existe, portanto, mesmo no direito, uma assimilação apócrifa, e nas sociedades muito complexas com direito positivo temos até mesmo mudanças legais do direito, assimilação legitimada. No caso do artigo 522 da CLT, as expectativas normativas do referido dispositivo quanto ao porte das entidades sindicais, a condicionar o número máximo de dirigentes estáveis, bem como quanto à necessidade premente de controle do Estado sobre a organização e administração dos entes representativos, não mais encontram justificativa existencial. Com efeito, o atual estágio do desenvolvimento econômico nacional, sintetizado linhas acima, demonstra que, em muitos casos, a limitação do número máximo de dirigentes sindicais estáveis na forma inflexível preconizada pelo artigo 522 da CLT não mais se compatibiliza com a necessidade das entidades obreiras, mormente daquelas cuja base territorial é intermunicipal, estadual, interestadual ou nacional. De igual modo, a fórmula política subjacente à Constituição Federal de 1988, integrada, conforme visto, pelo princípio da autonomia sindical e pela prevalência dos direitos humanos, aponta para a incompatibilidade entre os dispositivos legais que pretendem condicionar unilateralmente a organização interna dos entes representativos e as diretrizes democráticas e pluralistas emanadas da Carta Magna. Há de se perquirir, diante do quadro ora exposto, se a limitação férrea do número de dirigentes sindicais estabelecida pelo artigo 522 da CLT encontra condições de subsistência no sistema do direito da forma em que este último se encontra atualmente definido. Já adiantamos, contudo, que o desfecho de tal investigação, a ser empreendida mais adiante, compreenderá, necessariamente, a superação do entendimento atualmente consagrado pela jurisprudência dos Tribunais pátrios acerca do referido dispositivos legais e de sua relevância para fins de determinação dos beneficiários da estabilidade no emprego assegurada pelo art. 8º, VIII, da Constituição Federal. 16
  • 17. 4 – A COMPREENSÃO JURISPRUDENCIAL EM TORNO DO ARTIGO 522 DA CLT. Em que pesem as sobreditas alterações político-estruturais verificadas no entorno do artigo 522 da CLT, a jurisprudência dos Tribunais superiores pátrios vem se mantendo recalcitrante quanto à aplicação mecânica e indiscriminada da limitação do número de dirigentes sindicais estáveis, sob o entendimento de que o referido dispositivo teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Para tanto, os julgados a versarem sobre a matéria, proferidos no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, concluíram que a livre e indiscriminada fixação do número de dirigentes sindicais estáveis pelas próprias entidades teria o condão de impor aos empregadores ônus não previsto em lei, cuja materialização afrontaria o art. 5º, II, da Constituição Federal. Firmou-se, ademais, o entendimento de que o livre estabelecimento da quantidade de dirigentes estáveis pelos sindicatos não só caracterizaria abuso do direito à estabilidade, assegurado pelo art. 8º, VIII, da Carta Magna, como também implicaria no cerceamento indevido ao direito potestativo de dispensa titularizado pelos empregadores em decorrência do art. 5º, XXII, da Constituição Federal. Da leitura dos referidos julgados, observa-se que a fundamentação a eles subjacente aponta para a seguinte conclusão: a concordância prática entre os artigos 8º, VIII e 5º, II e XXII, da Constituição Federal seria obtida por intermédio da recepção do artigo 522 da CLT, solução esta que asseguraria, ao mesmo tempo, o direito à estabilidade dos 20 (vinte) dirigentes ali descritos, como corolário do princípio da liberdade sindical coletiva, a observância ao princípio da legalidade e a fruição do direito de propriedade por parte do empregador: EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. SINDICATO: DIRIGENTES: CLT, art. 522: RECEPÇÃO PELA CF/88, art. 8º, I. I. - O art. 522, CLT, que estabelece número de dirigentes sindicais, foi recebido pela CF/88, artigo 8º, I. II. - R.E. conhecido e provido. (...) VOTO O Sr. Ministro Carlos Velloso (Relator): (...) No caso, penso que não há incompatibilidade entre o que dispõe o art. 522, CLT, e o art. 8º, I, da Constituição Federal. O que deve ser entendido é que a Constituição, que assegura a liberdade sindical, no sentido de que ‘a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical’ (art. 8º, I), estabeleceu, também, no mesmo art. 8º, inc. VIII, que é [ vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.’ É dizer, estabelece a Constituição estabilidade para os dirigentes sindicais. Seria possível, então, a lei disciplinar a matéria, em termos de número de dirigentes sindicais? 17
  • 18. Penso que sim. Caso contrário, podendo o sindicato estabelecer o número de dirigentes, poderia estabelecer número excessivo, com a finalidade de conceder-lhes a estabilidade sindical do art. 8º, VIII, da C.F, e art. 543, § 3º, CLT. O que deve ser entendido (...) é que não há incompatibilidade entre o art. 522, CLT e o art. 8º, I e VIII, da C.F. Ao contrário, essas normas se harmonizam e se completam. (...) A liberdade sindical se dá nos limites da lei. A observância, aliás, dos limites da lei é característica do Estado de Direito. Permitir que o sindicato, em nome da liberdade sindical, possa criar direitos, em detrimento da outra parte, quando disposição legal estaria a impedir essa ocorrência, seria fazer tabula rasa do princípio da legalidade que deve ser observado nas relações entre Estado e indivíduo, associações e associados e entre entidades sindicais. (...) Dirigentes Sindicais – Quantitativo de livre estipulação pela entidade – Princípio constitucional da autonomia na organização – Beneficiários da garantia provisória de emprego assegurada pelo artigo oitavo, inciso oito da Carta política de mil novecentos e noventa e oito – Sujeição à previsão legal ordinária – Impossibilidade de atribuição de ônus ao empregador pela via dos estatutos do sindicato profissional. Conquanto esteja ao arbítrio das entidades sindicais o estabelecimento da composição e funcionamento de seus órgãos administrativos, no que se inclui a deliberação quanto ao número de membros integrantes de cada qual, não pode a norma estatutária substituir-se à lei para criar, obliquamente, obrigação a cargo do empregador, qual seja a de assegurar estabilidade no emprego irrestrita para quantos candidatos a cargos diretivos viabilize a estrutura da entidade, a propósito do previsto no oitavo, inciso oito, da Carta Política, mormente quando a ordem jurídica em vigor não contempla garantias contra dispensa imotivada para a generalidade dos trabalhadores, remetendo-as ao plano da lei complementar. Admitir-se a aplicação ilimitada, extensiva da norma estatutária afrontaria, a um só tempo, o disposto no artigo quinto, inciso dois, da própria constituição, como também o princípio da isonomia de tratamento, porque estaria criada, nas cúpulas sindicais, uma casta privilegiada. Na inexistência, portanto, de incompatibilidade entre o direito assegurado no artigo oitavo, inciso oito, da Constituição (...), que não é inovatório, e os critérios fixados pelos artigos quinhentos e vinte e dois, quinhentos e trinta e oito e quinhentos e quarenta a três da CLT, para o fim de garantia excepcional, deve a norma estatutária que dispõe sobre o número de dirigentes do sindicato profissional e integrantes dos conselhos respectivos ser interpretada, quanto ao seu alcance, à luz das disposições celetiárias recepcionadas pela nova ordem jurídica estabelecida a partir de cinco de outubro de mil novecentos e oitenta e oito. (...) RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE SINDICAL. ARTS. 8º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E 522 E SEGUINTES DA CLT. Inexiste incompatibilidade entre o princípio de liberdade sindical, previsto no art. 8º, inciso VIII, da Constituição Federal, de 1988, e os critérios fixados pelos artigos 522, 538 e 543 18
  • 19. da CLT, uma vez que estes últimos foram recepcionados pela nova ordem jurídica estabelecida a partir de 05-10-88. Ademais, a deliberação acerca do número irrestrito de dirigentes sindicais, com direito à estabilidade, pelos estatutos do sindicato, impõe ao empregador ônus não previsto em lei, em flagrante desarmonia com outros princípios constitucionais. De fato, a fixação abusiva e indiscriminada de dirigentes estáveis não encontra respaldo na ordem jurídica pátria. É legítimo, portanto, que as pretensões desproporcionais e desarrazoadas das entidades nesse sentido sejam coibidas pelo Poder Judiciário, a fim de que o direito à liberdade sindical coletiva não seja exercido de modo a extrapolar a finalidade precípua de assegurar aos sindicatos obreiros um espaço autônomo de atuação dentro da empresa na defesa dos interesses da categoria. No entanto, a almejada harmonização entre o princípio da legalidade, os direitos à propriedade e à autonomia privada, de um lado, e à liberdade e autonomia sindical, de outro, não é obtida mediante a fixação de uma única solução jurisprudencial válida para todo e qualquer caso concreto, mormente quando os dados da realidade fática apresentam situações a variarem segundo as diversas formas de organização representativa por território ou de acordo com as diferentes estruturas das entidades, conforme visto alhures. Em tais casos, a solução adotada pela jurisprudência dos Tribunais superiores pátrios em nome da propalada concordância prática entre os artigos 8º, VIII e 5º, II e XXII, da Constituição Federal, ao invés de harmonizar os sobreditos princípios constitucionais, acabará por suprimir, em muitos casos, a liberdade e a autonomia sindical em nome do exercício do direito à propriedade, principalmente para aquelas entidades de grande porte cuja estrutura demanda, naturalmente, um número maior de dirigentes estáveis. Diante disso, faz-se necessário proceder a uma releitura da questão em torno da estruturação das diretorias sindicais, perquirindo-se a justa medida na aplicação dos sobreditos princípios em cada caso concreto e adotando-se, em substituição ao entendimento propalado pela jurisprudência ora analisada, uma compreensão do problema mais consentânea com o marco político-ideológico subjacente à Constituição de 1988, caracterizado, em grande medida, pelas pautas advindas do paradigma do Estado Democrático de Direito. 5 – O ADVENTO DO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A COMPREENSÃO DO ARTIGO 522 DA CLT. Conforme visto alhures, a intervenção e a interferência do Estado na organização sindical pátria, muito embora não tenha sido totalmente eliminada, foi substancialmente questionada durante o processo de elaboração da Constituição de 1988 e, em decorrência disso, mitigada em relação aos ordenamentos constitucionais anteriores. 19
  • 20. Alguns elementos eminentemente corporativistas tais como a contribuição compulsória e a unicidade ainda subsistem, contraditoriamente, na ordem constitucional de 1988. Contudo, a possibilidade de modulação das estruturas das entidades representativas por parte do Estado através de padrões pré-determinados foi, sem sombra de dúvidas, extinta com o advento do princípio da autonomia sindical insculpido no art. 8º, I, da Carta Magna. A livre organização das entidades sindicais de acordo com suas necessidades e peculiaridades, assegurada pelo texto constitucional vigente, se insere plenamente dentre as pautas características do paradigma do Estado Democrático de Direito, a preconizarem, em apertadíssima síntese, o reconhecimento em torno do caráter multifacetário da sociedade e, em decorrência disso, a impossibilidade de que o Estado estabeleça diretrizes uniformes no sentido de vincular a totalidade dos integrantes da complexa teia social. Nesse sentido, o paradigma emergente do Estado Democrático de Direito pretende a fundação de uma ordem em que a esfera pública seja redimensionada, no sentido de abarcar não só os organismos estatais, senão também os movimentos autônomos emanados dos mais distintos setores sociais. Reconhece-se, dessa forma, a complexidade da estrutura social e, nessa toada, o Estado passa a atentar para as formas de organização autônoma emanadas dos diversos grupos. O novo paradigma parte, portanto, do pressuposto de que não incumbe ao Estado atuar positivamente no sentido de buscar compensação e integração através de políticas estabelecidas por seus corpos técnicos e burocráticos. As experiências vivenciadas sob a égide do Estado Social aclararam sobremaneira a percepção de que os mecanismos de atuação governamental característicos deste paradigma, para além de favorecerem relações de clientelismo entre os indivíduos e o Estado em detrimento da cidadania ativa, muitas vezes acabam por dar ensejo à formulação de medidas inadequadas às reais necessidades do público-alvo que não encontra espaço para participar diretamente da elaboração e da execução dos programas e que, em muitos casos, nem sequer é consultado. É justamente em razão dessas vicissitutes a ocasionarem o déficit de cidadania característico do Estado Social, que o paradigma do Estado Democrático de Direito não só combate as visões de mundo unilaterais do Estado em relação à sociedade, como também legitima as formas de vida originadas autonomamente nesta última, incluindo-as no espaço público, conforme ressalta Menelick de Carvalho Netto: A cidadania requer a dimensão pública ou eu reduzo a dimensão individual, os direitos individuais, a mero egoísmo, inviabilizando a própria noção de convivência comum, do respeito ao outro, que é a dimensão pública inafastável dos direitos privados. E é precisamente esse aspecto, de pluralismo, da tensão entre igualdade e liberdade, o da sociedade dos diferentes, que abre a possibilidade de uma sociedade tão complexa quanto a moderna. (...) A dimensão pública pressupõe o respeito às diferentes opiniões, valores e crenças. O pluralismo político e organizacional é essencial para que o público não seja 20
  • 21. privatizado por uma burocracia encastelada no poder. Somos iguais, embora tenhamos cores diferentes, religiões diferentes, opções sexuais diferentes, etc., e, no entanto, nos respeitamos como iguais. Somos livres para construir a nossa igualdade no respeito às nossas diferenças. O interesse público é o de todos os afetados pelo exercício do poder e não, necessariamente, o de uma determinada administração. Dessa forma, um Estado como aquele instituído pela Constituição Federal de 1988, fundado no paradigma do Estado Democrático de Direito, que reconhece o pluralismo ideológico e que, nessa esteira, adota o princípio da autonomia sindical, não se compatibiliza com o direito infraconstitucional anterior tendente a fixar padrões unívocos de organização para as entidades representativas, impedindo estas últimas de se estruturarem de acordo com suas necessidades e propósitos peculiares, afastando-as, por conseguinte, do espaço público. Conforme visto alhures, no complexo e multifacetário cenário econômico e social brasileiro, diversas são as formas de organização assumidas pelas entidades sindicais de primeiro grau, assim como são distintas suas necessidades e propósitos. Nesse contexto, o reconhecimento de tal diversidade por parte do Estado e a possibilidade conferida aos entes representativos para se estruturarem da forma que melhor lhes assegure a persecução de suas finalidades integra o substrato teleológico do paradigma do Estado Democrático de Direito e encontra expresso amparo no princípio da autonomia sindical. Uma vez lançadas tais assertivas, poder-se-ia formular a seguinte indagação: em se admitindo a tese ora proposta em torno da insubsistência dos limites trazidos pelo artigo 522 da CLT diante dos princípios da democracia, do pluralismo ideológico e da autonomia sindical, consagrados na Constituição Federal de 1988, como seriam coibidos os eventuais abusos perpetrados pelas entidades sindicais na fixação do número de dirigentes estáveis? No intuito de responder tal questionamento, já adiantamos que, ao contrário da linha de entendimento adotada pela jurisprudência firmada nos Tribunais Superiores pátrios após a promulgação da Constituição de 1988, a possibilidade abstrata de materialização dos sobreditos abusos não respalda, por si só, a subsistência do artigo 522 da CLT. Tal assertiva se justifica na medida em que o discurso adotado pelo TST e pelo STF nos sobreditos julgados não se mostra adequado à totalidade dos casos envolvendo a constituição de diretorias sindicais em um número superior aos 20 (vinte) dirigentes autorizados pelo art. 522 da CLT. Ora, nem todas as situações que porventura contrariem a literalidade do dispositivo legal em apreço revestir-se-ão da pecha de abusivas, pois as entidades representativas hodiernas se organizam sob múltiplas formas, a variarem segundo sua abrangência territorial e de acordo com seu porte, conforme exaustivamente visto alhures. Nesse contexto, é plenamente possível que, em muitos casos, seja vital para as organizações sindicais constituírem uma diretoria e um conselho fiscal em número superior àquele delimitado no art. 522 da CLT, situação esta que encontra pleno respaldo no princípio da autonomia sindical. 21
  • 22. E, nesse diapasão, não é demais recordar que a livre formação das diretorias por parte das entidades representativas de grande porte sem a correspondente estabilidade de seus integrantes não tem valia alguma. Com efeito, a ausência da referida garantia para a totalidade dos dirigentes compromete sobremaneira a livre atividade sindical e torna o ente obreiro vulnerável aos desígnios patronais, conforme alerta Oscar Ermida Uriarte: La importancia del fuero sindical está fuera de discusión. El fuero sindical es, sin lugar a dudas, un componente esencial de la libertad sindical; es (...) un complemento indispensable de los demás derechos sindicales, los que dificilmente pueden ser ejercidos sin su efectiva presencia. (...) La falta o la insuficiencia del fuero sindical – así como de otras garantias del ejercício de derechos sindicales – hecen ilusória la declaración de la libertad sindical. (...) El bien jurídico tutelado por el fuero sindical no es solamente el derecho al empleo del trabajador afectado, sino la própria libertad sindical y, más precisamente, el derecho al desarollo de la actividad sindical, lo que solo recibe adecuada protección (como lo pide el Convenio 98) con la reincorporación real del trabajador. Diante disso, caberá aos intérpretes do direito efetuar a análise individual dos casos postos a seu conhecimento, a fim de verificar se há, ou não, nos diferentes supostos, abuso de direito. Deve-se partir, portanto, do pressuposto exegético de que todas as situações a envolverem a formulação de diretorias de entidades representativas são regidas pelos os princípios constitucionais genéricos da democracia, da pluralidade ideológica e da autonomia sindical e que a justa medida de cada um destes pressupostos abstratos variará de acordo com as peculiaridades das hipóteses concretas. É justamente o que afirma Ronald Dworkin em sua célebre compreensão do direito como “integridade”, a preconizar que o sentido e o alcance dos preceitos normativos não é unívoco e estanque temporalmente, mas sim variável, aberto e sujeito a novas compreensões a medida em que a evolução da vida cria novos supostos de aplicação: De acordo com o direito como integridade, as proposições jurídicas afiguram-se verídicas se elas integram ou decorrem de princípios de justiça, equidade e devido processo que provejam a melhor interpretação construtiva da prática jurídica comunitária. (...) [o direito como integridade] – a compreender os direitos e deveres decorrentes de decisões pretéritas da coletividade – (...) insiste que o direito (...) não contém somente o conteúdo estreito e explícito daquelas decisões, mas também, de modo mais amplo, o conjunto de princípios necessários para justificá-las. (...) O direito como integridade, então, opera no presente e se volta para o passado apenas na medida em que seu foco contemporâneo assim determina. Ele não pretende retomar, mesmo para o direito atual, os ideais ou propósitos práticos dos políticos que primeiramente os criaram. O direito como integridade pretende, ao revés, justificar o que os referidos políticos estabeleceram (...) em uma descrição abrangente contada no presente, 22
  • 23. uma descrição com uma pretensão complexa: que a prática hodierna possa ser elaborada e justificada em princípios suficientemente atrativos para proverem um futuro honroso. (...) O direito como integridade requer que os juízes assumam, na maior medida possível, que o direito é formado por um conjunto coerente de princípios (...) e requer, outrossim, que eles os reforce nos casos concretos que se ponham diante deles.(...) Os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem os casos difíceis tentando encontrar, em um conjunto coerente de princípios acerca dos direitos e deveres individuais, a melhor interpretação construtiva em torno da estrutura política e jurídica de sua comunidade. (...) Nenhum juiz mortal pode ou deveria tentar estender seus entendimentos instintivos ou fazer com que estes fossem tão concretos e detalhados a ponto de que nenhuma compreensão ulterior se fizesse necessária caso a caso. Deve-se tratar todo princípio geral ou regra seguida no passado como datada e apta a ser abandonada em favor de compreensões mais sofisticadas quando a situação assim o requer. Ao fixar um entendimento abstrato, estanque e pretensamente unívoco acerca da receptividade da limitação legal do número de dirigentes sindicais, a jurisprudência do TST e do STF acabou por incidir nas mesmas generalizações e imprecisões características das medidas do Estado Social. As substanciais diferenças de porte e abrangência existentes entre as entidades sindicais contemporâneas foram singelamente ignoradas, pondo-se todas elas sob as rédeas sufocantes do artigo 522 da CLT. Em se levando tal interpretação às últimas conseqüências, os princípios da liberdade e da autonomia sindical não encontrarão espaço para incidir concretamente nas diferentes situações postas à apreciação do Poder Judiciário. Ao revés, os postulados constitucionais em referência serão reféns de uma compreensão generalizante e restritiva e, retomando os conceitos de Dworkin, incapazes de assegurar sua coerência caso a caso. Entendimentos jurisprudenciais análogos àqueles formulados em torno da receptividade do artigo 522 da CLT não se coadunam com a atividade hermenêutica requerida dos Juízes na vigência do paradigma do Estado Democrático de Direito. Sob esta nova ótica, o reconhecimento em torno do caráter plural e diferenciado dos corpos sociais, por parte do Estado, exigirá a elaboração de decisões específicas para cada caso concreto, a serem formuladas sob a forma de discursos de aplicação , conforme bem assevera Menelick de Carvalho Netto: No paradigma do Estado Democrático de Direito, é de se requerer do Judiciário que tome decisões que, ao retrabalharem construtivamente os princípios e regras constitutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo, a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade, entendida como segurança jurídica, como certeza do Direito, quanto ao sentimento de justiça realizada, que deflui da adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto. (...) É precisamente a diferença entre os discursos legislativos de justificação, regidos pelas exigências de universalidade e abstração, e os discursos judiciais de aplicação, regidos pelas exigências de respeito às especificidades e à concretude de cada caso, ao densificarem 23
  • 24. as normas gerais e abstratas na produção das normas individuais e concretas,que fornece o substrato do que Klaus Günther denomina ´senso de adequabilidade´, que, no Estado Democrático de Direito, é de se exigir do concretizador do ordenamento do tomar suas decisões. (...) No domínio dos discursos de aplicação normativa, faz-se justiça não somente na medida em que o julgador seja capaz de tomar uma decisão consistente com o Direito vigente, mas para isso ele tem que ser igualmente capaz de se colocar no lugar de cada um desses envolvidos, de buscar ver a questão de todos os ângulos possíveis e, assim, proceder racional ou fundamentadamente à escolha de única norma plenamente adequada à complexidade e à unicidade da situação de aplicação que se apresenta. Com essa abertura para a complexidade de toda essa situação de aplicação, o apliador deve exigir então que o ordenamento jurídico apresente-se diante dele, não através de uma única regra integrante de um todo passivo, harmônico e predeterminado que já teria de antemão regulado de modo absoluto a aplicação de suas regras, mas em sua integralidade, como um mar revolto de normas em permanente tensão concorrendo entre si para regerem situações. Deve-se, pois, sob a vigência do paradigma do Estado Democrático de Direito, reconhecer a todas as entidades sindicais o direito de se organizarem internamente de acordo com suas necessidades legítimas e com suas propostas de atuação. Nesse contexto, não há espaço para a imposição, por parte do Estado, de regras extremamente casuísticas e cerradas, que se pretendam aplicáveis de modo universal e como se discursos de justificação o fossem. Ao contrário, o paradigma do Estado Democrático de Direito apregoa a regência das situações concretas por intermédio de textos normativos propositadamente abertos, com vistas a permitir o maior grau possível de identificação entre os diferentes atores sociais e o direito positivo, o que acabará por reforçar a inclusão de um maior número de cidadãos e entidades no espaço público, conforme atesta Dieter Grimm: Via de regra, a percepção de um sistema como ´bom´ pressupõe um alto grau de inclusividade. Quanto mais pessoas na sociedade se identificarem com sua constituição, o poder desta última de criar integração social aumentará. A elaboração de textos abertos na constituição auxilia esse processo. Tal abertura ajuda a prevenir o choque de idéias em torno do significado do texto que acaba por enfraquecer a identificação dos cidadãos com ele. Assim, pode-se dizer que o poder simbólico da constituição aumenta com sua ambigüidade interpretativa, muito embora seu poder de determinação legal diminua na mesma medida. Destarte, se a Constituição Federal de 1988 incorporou em sua fórmula política o paradigma do Estado Democrático de Direito, é de se descartar a subsistência dos dispositivos legais tendentes a pautar a estrutura das entidades representativas segundo padrões preestabelecidos pelo Estado, elaborados sob a forma do “tudo ou nada”, na acepção de Dworkin. Logo, o art. 522 da CLT reputar-se-á incompatível com os princípios da democracia, do pluralismo e da autonomia sindical insculpidos na Carta Magna vigente, o que leva inexoravelmente à conclusão em torno de sua rejeição pela nova ordem. 24
  • 25. Na sistemática subjacente à Carta de 1988, a questão em torno das diretorias sindicais é melhor resolvida, ao que nos parece, pela aplicação caso a caso dos princípios da liberdade e da autonomia sindical, por intermédio da formulação de discursos de aplicação em cada suposto específico. Somente assim será possível ao Poder Judiciário distinguir as situações legítimas das abusivas e, nessa toada, concretizar, em maior medida, não só as garantias previstas no art. 8º, caput, I e VIII, da Constituição Federal, como também os demais postulados constitucionais a incidirem eventualmente nas hipóteses concretas. CONCLUSÃO Nos primeiros capítulos do presente estudo, as considerações lançadas em torno da Teoria dos Sistemas de Luhmann demonstraram que as normas jurídicas, enquanto elementos integrantes do sistema do direito, são definições construídas pelo homem a partir de experiências vivenciadas em determinados momentos históricos e dotadas de pretensões voltadas para o condicionamento de seu ambiente. Viu-se, outrossim, que os enunciados de direito mantém-se íntegros em suas pretensões mesmo em face da esporádica inobservância de seus comandos. Tal característica ínsita as normas jurídicas compõe o que Luhmann conceitua como “expectativas normativas”, que se distinguem das “expectativas cognitivas” justamente pela sua inflexão diante dos desapontamentos experimentados em face dos dados advindos do ambiente circundante. No entanto, as expectativas normativas não consistem em estruturas inabaláveis e, ao contrário do que possa parecer à primeira vista quando se procede ao estudo da Teoria dos Sistemas, elas também possuem um ponto de saturação. Com efeito, a alteração dos dados advindos do ambiente pode ser de tal modo intensa, que as expectativas normativas não lograrão reunir condições de subsistência, dando azo, nessas situações, a interpretações modificativas do sentido da norma sem sua alteração textual – em um processo análogo à chamada mutação constitucional - ou, em casos mais extremos, até mesmo à alteração legislativa segundo as formalidades necessárias para tanto. Quando ocorre qualquer uma das sobreditas conseqüências do esgotamento das expectativas normativas de uma determinada norma jurídica , diz-se, ainda segundo os conceitos da Teoria dos Sistemas de Luhmann, que o sistema do direito promoveu sua evolução autopoiética, ou seja, corrigiu distorções internas por si próprio, mediante a formulação de novos dados comunicativos, sem a interferência direta do ambiente. Como norma jurídica, o artigo 522 da CLT possui expectativas normativas, voltadas, como visto, para a estruturação das diretorias das entidades sindicais segundo padrões predeterminados pelo Estado e sob a orientação ideológica historicamente datada, característica do paradigma do Estado Social, a preconizar a primazia do Poder Público na 25
  • 26. fixação das políticas e programas sociais, por intermédio da atuação de corpos técnicos e burocráticos. Ocorre que nos últimos 70 anos, o ambiente a circundar o artigo 522 da CLT sofreu substanciais alterações, tanto no aspecto econômico, quanto no social e político. De fato, a economia nacional foi significativamente incrementada durante o período em referência e, nessa esteira, diversas entidades sindicais viram-se na contingência de estabelecer marcos organizativos diversos daquele modelo legal preestabelecido pelo Estado. Paralelamente a isto, o ambiente político subjacente ao artigo 522 da CLT foi sensivelmente alterado, mormente porque a Constituição de 1988 – elaborada, como visto, em condições de participação social jamais experimentadas alhures - passou a integrar em sua fórmula política elementos típicos do paradigma nascente do Estado Democrático de Direito, a romperem com a intervenção governamental na organização autônoma dos diversos setores sociais, dentre os quais se insere a garantia conferida às entidades sindicais no art. 8º, I, da Carta Magna. Observa-se, portanto, que as expectativas normativas do artigo 522 da CLT já atingiram há muito seu ponto de exaustão. Os dados advindos do entorno não mais justificam que o sistema do direito pretenda condicionar a organização sindical pátria a uma estrutura criada sob um contexto político, social e econômico já ultrapassado há muito. Por tal razão, há, a nosso ver, a necessidade imperativa de que o sistema do direito evolua nesse tocante, superando as expectativas normativas daqueles artigos e busque, dessa forma, um novo marco regulatório para a fixação das diretorias sindicais que seja mais consentâneo não só com o quadro heterogêneo das entidades representativas brasileiras, como também com a formula política subjacente à Constituição Federal de 1988. Diante desse quadro, a solução para o problema da estruturação das diretorias sindicais e da fruição da estabilidade, a nosso ver, se resolve, em primeiro lugar, pelo reconhecimento de que o artigo 522, da CLT não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, haja vista seu descompasso com os princípios constitucionais da democracia, do pluralismo, da prevalência dos direitos humanos e, principalmente, da liberdade e da autonomia sindical. A violação aos postulados da liberdade e da autonomia sindical se constata na medida em que o comando do art. 522 da CLT acaba por impedir, em muitos casos, a própria ação das entidades representativas, mormente daquelas constituídas em áreas territoriais mais extensas e que, por tal razão, não poderiam funcionar com uma diretoria estabelecida dentro dos estritos limites trazidos no dispositivo legal em apreço ou então destituída de estabilidade. 26
  • 27. Em segundo lugar, os eventuais abusos na fixação das diretorias sindicais para fins de fruição da estabilidade assegurada pelo art. 8º, VIII, da Constituição Federal seriam melhor coibidos, a nosso ver, pela aplicação caso a caso dos princípios da liberdade e da autonomia sindical e das demais garantias constitucionais titularizadas pelos atores envolvidos na situação posta à apreciação do Poder Judiciário. Em termos mais concretos, far-se-ia uma análise individualizada de dados como o porte da entidade sindical postulante da estabilidade para seus dirigentes, bem como de sua área de atuação e do número de afiliados para averiguar se, no caso específico, a pretensão é abrangida pelos princípios da liberdade e da autonomia sindical ou se, ao contrário, o pleito afigura-se abusivo. Ao assim proceder, o Poder Judiciário estaria concretizando os princípios constitucionais segundo sua justa medida nos casos concretos e contribuindo, em última medida, para a fixação de seus limites e possibilidades. Do contrário, a aplicação universal dos limites fixados no art. 522 da CLT, tal como propalado pela jurisprudência do STF e do TST, tem por efeito tornar os referidos postulados da Carta Magna reféns de uma compreensão generalizante, restritiva e cega às nuances da situação. Em uma sociedade complexa, em que existem entidades sindicais de todos os portes e áreas de representatividade, não há como coibir os eventuais abusos na fixação de diretorias mediante o estabelecimento de uma fórmula legal datada, inflexível e casuística, sem que se esteja promovendo, em última medida, a injustiça. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Livros e Artigos. ABELLÁN. Juan Garcia. Curso de Derecho Sindical. 2ª Edición. Murcia: Universidad de Murcia, 1986; AROUCA. José Carlos. O Sindicato em um Mundo Globalizado. São Paulo: LTr, 2003; CARVALHO NETTO. Menelick de. A Hermenêutica Constitucional e os Desafios Postos aos Direitos Fundamentais. In: SAMPAIO. José Adércio Leite. Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003; - A Hermenêutica Constitucional sob o Paradigma do Estado Democrático de Direito. In: Notícia do Direito Brasileiro. Brasília, 6, 1998, p. 233-250. 27
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  • 29. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas Históricas do Brasil. 2ª Edição. Rio de Janeiro: IBGE, 1990; - Sindicatos: Indicadores Sociais 2001. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/sindical/default_result_ completos.shtm; JELLINEK. G. Trad: FÖRSTER. Christian. Reforma y Mutación de la Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991; LUHMANN. Niklas. Introducción a la Teoria de Sistemas. Trad: NAFARRATE. Javier Torres. México: Iteso/Anthropos/Universidad Iberoamericana, 1996; - Trad: Bayer. Gustavo. Sociologia do Direito, Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983; - Sociologia do Direito. Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985; - Trad: VALLESPÍN. Fernando. Teoría Política en el Estado de Bienestar. Madrid: Alianza Editorial, 2002; MORAES FILHO. Evaristo de. O Problema do Sindicato Único no Brasil. 2ª Edição. São Paulo: Alfa-Omega, 1978; MÜLLER. Friedrich. Trad: NAUMANN. Peter. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 3ª Edição. São Paulo: LTr, 2003; NEVES. Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: Uma Relação Difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006; NINO. Carlos Santiago. La Constitución de la Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa, 2003; 29
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