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Ediza Rodrigues do Couto
PAUSAS URBANAS:
contraponto entre indivíduo e sociedade
Divinópolis
FUNEDI-UEMG
2007
Ediza Rodrigues do Couto
PAUSAS URBANAS:
contraponto entre indivíduo e sociedade
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da
Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus da
Fundação Educacional de Divinópolis, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Educação,
Cultura e Organizações Sociais.
Área de Concentração: Estudos Contemporâneos
Linha de Pesquisa: Cultura e Linguagem
Orientadora: Profª. Drª. Batistina Maria de Sousa
Corgozinho
Divinópolis
FUNEDI-UEMG
2007
Couto, Ediza Rodrigues do
C871p Pausas urbanas: contraponto entre indivíduo e sociedade [manuscrito]
/Ediza Rodrigues do Couto. – 2007.
209 f., enc.
Orientador : Batistina Maria de Sousa Corgozinho
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais,
Fundação Educacional de Divinópolis.
Bibliografia : f. 197 - 209
1. Áreas verdes - Urbanas. 2. Áreas verdes - Públicas . 3. Divinópolis
- MG. 4. Corgozinho, 1999- .- Tese. l. Corgozinho, Batistina Maria de
Sousa. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional
de Divinópolis. III. Título.
CDD: 363.7
Dissertação defendida e APROVADA pela Banca Examinadora constituída pelos
Professores:
Profª. Drª. Batistina Maria de Sousa Corgozinho (Orientador) – FUNEDI/UEMG
Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira – FUNEDI/UEMG
Prof. Dr. Otávio Soares Dulci – UFMG
Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais
Fundação Educacional de Divinópolis
Universidade do Estado de Minas Gerais
Divinópolis, 12 de Dezembro de 2007.
AUTORIZAÇÃO PARA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA
DISSERTAÇÃO
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente,
autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da
FUNEDI/UEMG.
Ediza Rodrigues do Couto
Divinópolis, 30 de Novembro de 2007.
RESUMO
Pausas urbanas – áreas verdes urbanas públicas - situadas nos interstícios da cidade,
territórios de conflitos e possibilidades que constituem, como se procurará demonstrar,
lugares de encontro potencial, ao intermediar relações sociais, econômicas e culturais.
Podem representar o revigoramento da cidadania no espaço urbano contemporâneo e, ao
relacionarem-se à composição musical, propõem parada, silêncio, harmonia, ritmo e
diferenciação tonal, “pausa” em meio à trama urbana. Como espaços de intermediação
das relações sociais e de resgate da utopia subjugada na modernidade, os espaços
públicos representam, ao longo do tempo, uma possibilidade civilizatória e se
estabelecem, hoje, como o elo entre o indivíduo e a sociedade, entre o privado e o
público, entre a cidade - espaço público e a música - pausa. Os lugares recortados para o
estudo foram as duas praças centrais da cidade de Divinópolis/MG, “Praça do Santuário
e da Catedral”, por exercerem papel de lazer, encontro e convívio, além de espaços
verdes públicos em contraposição à verticalização excessiva da região central. Devido à
complexidade e diversidade dos elementos que regem as pausas urbanas e tratando-se
de lugares histórico-sócio-cultural-ambiental importantes, eles foram pensados dentro
de uma abordagem transdisciplinar, numa reflexão sobre a arquitetura, meio ambiente e
vida urbana, a partir de contribuições da sociologia, filosofia e psicologia, a fim de
apreender o lugar das fronteiras, suas contradições e possibilidades.
Palavras-chave: Indivíduo – Cidadão – Sociedade – Público – Privado - Pausa
ABSTRACT
Urban pauses – public urban green areas – located in the city intervals, territories of
conflicts and possibilities in which are made, as it will be searched in order to
demonstrate them, potential hang out places, such as intermediate social, economic and
cultural relationships. It can represent the revival of the citizenship in the contemporary
urban space and the connection to the break(pause), silence, harmony, rhythm and tune
diversity,”, “pause” in the middle of urban chaos. As intermediate spaces to the social
relationships and of utopic rescue subdued in modern times, the public spaces represent
along the ages, a civil possibility and establish today, a connection between the
individual and society, between the public and private, the city –public space and
music-pause. The chosen places for this study were the two main central squares of
Divinópolis city, Minas Gerais state, “Praça do Santuário e da Catedral”, because they
play an important role as leisure, meeting place and daily life of citizens, beyond its
public green spaces by contrast to the excessive verticalization of the central area. Due
to the complexity and diversity of the elements which rule the urban pauses and
because of the historical-socio-cultural-environmental importance of the related places,
they were considered into a transdisciplinary approach over its architecture,
environment, and urban life from some sociological, philosophical and psychological
contributions in order to incorporate the frontiers , contradictions and possibilities.
Key-words: Individual – Citizen – Society – Public – Private - Pause
AGRADECIMENTOS
Uma das partes mais gratificantes dessa Dissertação, semelhante àquelas em que se
viam as idéias sendo materializadas, é a do agradecimento. Agradeço
- A Deus, o PAI da criação... a quem devo o meu agradecimento maior,
pela vida.
- Ao Frei Bernardino Leers, que sempre me apoiou e confiou na minha
capacidade.
- A minha família, em especial aos meus pais, que sempre me apoiaram e
foram a motivação maior para a realização deste estudo. À Júlia, Mariana
e Rafael, meus sobrinhos, crianças que me encantam e que mais
participam das pausas urbanas. Ao meu esposo José Maria, com quem
compartilho os momentos de “pausa”.
- A minha orientadora Professora Dra. Batistina Maria de Sousa
Corgozinho, pelas suas contribuições precisas que permitiram um maior
desenvolvimento e aprofundamento do tema abordado, pelo seu estímulo,
quando muitas vezes me encontrava sem propósitos, me impulsionava a
continuar na pesquisa. E, principalmente, pela sua amizade, carinho e
dedicação.
- Aos meus colegas e amigos que participaram desta etapa e torceram
pela continuidade do meu trabalho.
- Aos alunos do Curso de Engenharia Civil pela FUNEDI-UEMG, Bruno
Henrique Vilanova Novais e André Gonçalves Martins, que participaram
da confecção dos mapas e tabelas referentes às áreas verdes e ocupação
do solo de Divinópolis.
- Aos colegas de Prefeitura, na pessoa de Lúcia Helena Marcolino
Duarte, João Batista Rodrigues e José de Sousa, que se dispuseram a me
fornecer os dados e materiais textuais e cartográficos para a pesquisa.
- Aos funcionários da FUNEDI-UEMG, principalmente à Eloisa que
colaborou para o fornecimento e datação dos arquivos digitalizados do
Centro de Memória.
“...um despertar ecológico pleno no qual a Vida se manifeste na
expansão das relações sociais, interpessoais e transpessoais, para a
primazia do sagrado dom de fazermos parte dessa extraordinária
criação, com liberdade e respeito ao princípio do Ser em todas as
suas manifestações.”( WEIL et al., 2003, p.120)
Este pensamento embasou a gênese do trabalho e esteve sempre presente em minha vida
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 – Praça Benedito Valadares ........................................................... 38
Figura 02 – Somos parte de uma sociedade de indivíduos, como é parte da
melodia uma nota musical ......................................................... 74
Figura 03 – Teatro de Epidauro ..................................................................... 76
Figura 04 – Indivíduo privatizado dos olhares dos outros questiona o
direito à cidade ............................................................................ 79
Figura 05 – Vista parcial da cidade de Divinópolis, década de 60 ................ 101
Figura 06 – Mapa de Divinópolis e municípios limítrofes ............................ 102
Figura 07 – Minas Gerais e Região Centro-oeste .......................................... 103
Figura 08 – Urbanização em Divinópolis ...................................................... 106
Figura 09 – Divinópolis e a verticalização da região central ......................... 111
Figura 10 – Área verde pública bairro Danilo Passos .................................... 113
Figura 11 – Área verde pública bairro Jardim Candelária ............................ 113
Figura 12 – Área verde particular Lagoa da SIDIL ...................................... 115
Figura 13 – Área verde particular Mata do Noé e região central ................. 1 16
Figura 14 - Área verde particular Mata do Noé e região sudeste .................. 1 17
Figura 15 – Mapa área verde por habitante .................................................. 1 20
Figura 16 – Mapa densidade bruta ................................................................. 121
Figura 17 – Mapa ocupação do solo da região central .................................. 1 24
Figura 18 – Verticalização da região central ................................................. 1 26
Figura 19 – Mapa densidade líquida da região central .................................. 128
Figura 20 – Vista parcial da área verde do bairro Vila Romana ................... 1 29
Figura 21 – Área verde pública do bairro Vila Romana ............................... 129
Figura 22 – Vista parcial da área verde do bairro Jardim Candelária ........... 1 29
Figura 23 – Mapa área verde pública anterior e posterior a Lei 6.766/79 ..... 131
Figura 24 – Divinópolis e a região central ...................................................... 132
Figura 25 – Largo da Matriz .......................................................................... 132
Figura 26 – Vista da Rua Rio de Janeiro ....................................................... 134
Figura 27 – Praça Benedito Valadares – 1968 ............................................... 135
Figura 28 – Localização das três áreas públicas nos meados do séc. XX ........ 1 35
Figura 29 – “Quarteirão dos Franciscanos”....................................................... 136
Figura 30 – Limite de tombamento da Praça Benedito Valadares .................... 1 38
Figura 31 – Praça Benedito Valadares e Santuário de Santo Antonio .............. 1 39
Figura 32 – Praça Benedito Valadares e entorno .............................................. 141
Figura 33 – Obelisco em tijolo no centro da praça ........................................... 142
Figura 34 – Praça e seu entorno ........................................................................ 143
Figura 35 – Contadores de história na manhã de domingo ............................... 1 50
Figura 36 – Planta Praça Benedito Valadares ................................................... 152
Figura 37 – Valorização da região central e entorno da Praça ......................... 1 53
Figura 38 – Antigo Largo da Matriz em 1956 .................................................. 155
Figura 39 – Barraquinhas na Praça em 1956 .................................................... 156
Figura 40 – Largo da Matriz em 1956 .............................................................. 156
Figura 41 – Igreja/ Catedral do Divino Espírito Santo ..................................... 157
Figura 42 – Praça Dom Cristiano, 1970 ............................................................ 1 58
Figura 43 – Noite na Praça ................................................................................ 1 60
Figura 44 – Tarde de sábado, lazer na Praça .................................................... 1 62
Figura 45 – Inauguração da Praça Dom Cristiano, 1970 .................................. 163
Figura 46 – Praça Dom Cristiano anos seguintes a sua inauguração, 1974[?] . 164
Figura 47 – Playground da Praça Dom Cristiano e o movimento de crianças . 1 65
Figura 48 – Pórtico em concreto cria envolvência na área de convívio ........... 1 66
Figura 49 – Áreas de convívio .......................................................................... 167
Figura 50 – Planta Praça Dom Cristiano ........................................................... 1 68
Figura 51 – Praça em festa ............................................................................... 170
Figura 52 – Festa e cultura na praça ................................................................. 172
Figura 53 – Ocupação de parte da Praça com mesas de bares locais ............... 1 74
Figura 54 – Praça Dom Cristiano, local de encontro de todas as pessoas ........ 176
Figura 55 - Folder encontro na praça ............................................................... 184
Figura 56 – Recorte partitura Sinfonia 5 de Tchaikovsky ................................ 185
Figura 57 – Recorte da cidade e entorno próximo à Praça Dom Cristiano ....... 1 85
Figura 58 – Recorte da cidade e entorno próximo à Praça Benedito Valadares 186
Figura 59 – Recorte partitura Sinfonia 5 de Tchaikovsky ................................ 186
Figura 60 – Foto aérea da cidade de Divinópolis em 2006 ............................... 1 88
Figura 61 – Solo de Trompa da Sinfonia 5 de Tchaikovsky ............................. 1 88
Gráfico 1 – Proporção de óbitos por causas básicas ......................................... 122
LISTA DE TABELAS
1 – Índice área verde pública e habitantes ........................................................ 118
2 – Densidade bruta área urbana e regiões de planejamento ............................ 122
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APP´s - Áreas de Preservação Permanente
AUTOCAD - Auto Computer-Aided Design
B. - Bairro
CEFESP - Centro Ecumênico de Formação e Espiritualidade
CEMIG - Centrais Elétricas de Minas Gerais
CODEMA - Conselhos Municipais de Desenvolvimento Ambiental
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
DICAF - Diretoria de Cadastro e Fiscalização
EAUFMG - Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais
ECO 92 - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
EFOM - Estrada de Ferro Oeste de Minas
FACED - Faculdade de Ciências Econômicas de Divinópolis
FADOM - Faculdades Integradas do Oeste de Minas
FUNEDI - Fundação Educacional de Divinópolis
GAD - Grupo de Arquitetos de Divinópolis
GTO - Geraldo Teles Oliveira
IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil
IBGE - Instituto Brasileiro de geografia e Estatística
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
INSSC - Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração
ISPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
NBR - Normas Brasileiras
ONG´s - Organizações não governamentais
ONU - Organização das Nações Unidas
PIB - Produto Interno Bruto
PNDU - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPC - Paridade de Poder de Compra
SBAU - Sociedade Brasileira de Arborização Urbana
SEMA - Secretaria Especial do Meio Ambiente
SIDIL - Sociedade Imobiliária Divinópolis Ltda
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
UNEP - United Nations Environment Programn
WCED - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................ 16
CAPÍTULO 1 - A NATUREZA E O HOMEM:
RELAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA VIDA URBANA
1.1 Natureza enquanto meio social.............................................................. 38
1.2 Natureza: lugar de (re) encontros com o outro e consigo mesmo ......... 43
1.3 Da vida na cidade à vida no espaço urbano .......................................... 46
1.4 Problemas ambientais urbanos e qualidade de vida ............................. 51
CAPÍTULO 2 - PAUSA URBANA – LUGAR DAS FRONTEIRAS
2.1 Indivíduo e sociedade/ o público e o privado ...................................... 75
2.2 Espaço público e privado no Brasil ..................................................... 82
2.3 Do indivíduo ao cidadão ...................................................................... 84
2.4 Cidadania e espaço público .................................................................. 86
2.5 Pausa urbana e pausa musical .............................................................. 88
2.6 Espaço público enquanto lugar ............................................................ 91
2.7 Experiência urbana e cotidiano ............................................................ 93
2.8 Lugar das fronteiras ............................................................................. 96
2.9 Urbanismo: projeto dos lugares ........................................................... 98
CAPÍTULO 3 - CIDADE DE DIVINÓPOLIS E PAUSA URBANA
3.1 Abordagem no contexto da evolução urbana ....................................... 102
3.2 Os lugares e sua modernização ............................................................ 107
3.3 As áreas verdes urbanas públicas na atualidade ................................... 1 12
3.4 As áreas verdes urbanas nos meados do século XX ............................. 1 32
3.5 Praça Benedito Valadares - Centro Cultural do Povo .......................... 135
3.6 Praça Dom Cristiano ............................................................................. 154
3.7 Conformação dos lugares a partir do cotidiano e dos usuários.............. 176
3.8 Pausa urbana – utopia ou realidade? ..................................................... 185
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 190
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 197
ANEXO(s)
INTRODUÇÃO
Este estudo trata sobre as áreas verdes urbanas públicas, caracterizadas como pausas
urbanas, situadas nos interstícios da cidade de Divinópolis, MG, cidade em que se
encontram características e elementos marcantes da modernidade e, dessa forma, favorável
à pesquisa pretendida: lugar do “progresso”, do transitório, do vulnerável e da rapidez na
veiculação dos fatos e acontecimentos e o lugar de pessoas de muitas regiões diferentes.1
A definição de áreas verdes, na literatura, abrange desde espaços destinados ao lazer e à
recreação, até aqueles voltados à preservação e conservação de recursos naturais.
Consideramos áreas verdes como:
áreas de recreação, educativas e contemplativas, em que predominam a
vegetação, de uso comum do povo. Atingem seus objetivos mais amplos
quando arborizadas, total ou parcialmente. São áreas verdes: os jardins
públicos, praças arborizadas, jardins zoológicos e botânicos, hortos
florestais e outros. As áreas de recreação ativa (campos de práticas
desportivas) não são consideradas áreas verdes. As áreas verdes urbanas
devem ocupar um espaço correspondente ac. 20m2 por habitante
(FERRARI, 2004, p. 38).
Dentre as áreas verdes urbanas públicas, em Divinópolis, optou–se por estudar as duas
praças centrais da cidade: Praça Benedito Valadares/ Centro Cultural do Povo e Praça Dom
Cristiano/ da Catedral, seja por se tratarem de áreas históricas, culturalmente importantes e
exercerem papel de lazer, de encontro e de convívio, seja por representarem um espaço
verde, público, em contraposição à verticalização e à excessiva ocupação do solo urbano.
As pausas urbanas são compreendidas como o limite entre territórios públicos e privados,
resultantes da espacialização ambiental-político-social e que, como se procurará
demonstrar, constituem lugares de encontro potencial, ao intermediarem realidades sociais,
políticas, econômicas e culturais distintas, representando uma possibilidade de
revigoramento da cidadania e de interação entre os indivíduos. Como tal, essa investigação
1
CORGOZINHO, 2003, p. 278-296.
16
insere-se no tema sobre a questão ambiental, que parte do princípio de que o meio ambiente
diz respeito a todos os aspectos da vida humana, desde aqueles puramente estéticos até os
responsáveis pelo ciclo da vida. Dessa forma, entende-se como meio ambiente:
conjunto que compreende, em seu todo, o meio físico, o meio biótico e o
meio antrópico. O meio físico é constituído pelo solo, pelos recursos
hídricos superficiais, subterrâneos e pelo clima. O meio biótico compõe-se
da flora e da fauna, isto é, da vida vegetal e animal. O meio antrópico é o
criado pelo homem: infra-estrutura física e social, infra-estrutura viária,
atividades econômicas, urbanização, instituições públicas e privadas,
qualidade de vida (FERRARI, 2004, p. 231).
A discussão sobre o tema exige uma abordagem a respeito do ser humano dentro de um
contexto mais amplo, onde deve estar presente a condição do ser humano como um ser
biológico, integrante da natureza e como um ser social, integrante da sociedade. Sendo
assim, a relação homem-natureza é o eixo de direção do tema proposto para a pesquisa:
área verde urbana. Há um novo olhar a ser assimilado na contemporaneidade em relação a
esta dicotomia que instiga questionamentos e caminhos a serem percorridos. O homem não
está dissociado da natureza, mas depende dela para a articulação de todas as suas ações e
pensamentos e, num olhar contemporâneo, é preciso que os cidadãos incorporem essa
mudança de perspectiva nas suas relações com o meio natural e artificial.
Devido a isso, um dos problemas mais evidentes nos espaços das cidades relaciona-se aos
espaços públicos, principalmente às áreas verdes públicas. A importância dessas áreas para
os habitantes do lugar, do ponto de vista ambiental, representa uma possibilidade de
manter-se presente o meio físico e biótico nos interstícios dos espaços construídos. É este
um requisito essencial para o equilíbrio entre os espaços da cidade, proporcionando um
microclima favorável ao desenvolvimento da vida, da pausa, do repouso e do tempo de
parada. Do ponto de vista sociológico, as áreas verdes urbanas públicas representam
possibilidades de locais de encontro, de exercício da cidadania, de participação e autonomia
nas ações e de interação entre os habitantes do lugar.
17
A questão e a consciência ambiental produzem transformações profundas na compreensão
do processo de produção e na organização econômica e espacial da sociedade
contemporânea. O impacto dessa consciência sobre o ambiente natural e artificial, deixa,
hoje, muito a desejar. As áreas verdes urbanas, do ponto de vista ecológico, têm sido vistas
ora como espaços degradados, passíveis de interferências impactantes, ora como áreas
desvalorizadas e deixadas ao descaso pela comunidade e pelo poder público local. A
problemática ambiental nas áreas urbanas é, ainda, pouco considerada no contexto de
expansão das cidades. No quadro dessa desconsideração, surgem as questões prementes
relacionadas ao desmatamento e à alteração do meio natural e seus possíveis efeitos sobre a
qualidade de vida na cidade. A cidade sofreu, no decorrer dos anos, uma mudança de
significados e funções: passou do valor de uso, até a sociedade moderna, para o valor de
troca, na modernidade, caracterizando-se, hoje, para o valor de compra, aquele que é
produto de consumo e da industrialização, como disse LEFEBVRE: “[...] lugar de consumo
e consumo de lugares.”2
O problema da qualidade de vida aparece, timidamente, nos debates urbano–ambientais,
nestes tempos de crise - complexo multidimensional que afeta todos os aspectos da vida:
saúde e modo de vida, qualidade do meio-ambiente e relações sociais, economia, tecnologia
e política. O espaço urbano merece, portanto, ser vivenciado enquanto integração entre a
natureza e a sociedade.
No espaço urbano, as questões ambientais se prendem aos processos de transformação do
meio natural em espaço construído. Estas questões estão relacionadas aos impactos sobre o
meio-ambiente, e vistas sob a forma de devastação da vegetação natural; da poluição do
solo, do ar, das águas; da ocupação das áreas inundáveis e de altas declividades e,
especialmente, da redução das áreas verdes. As áreas verdes, enquanto “pausa urbana”,
neste estudo, se apresentam numa nova dimensão de significados e abordam conceitos
sócio-culturais, de urbanismo, de ecologia, filosofia, psicologia, cidadania e religião. Como
integrantes do urbanismo, dentro da ordenação do território urbano, representam um espaço
2
LEFEBVRE, 1969, p. 17.
18
disponível, aberto e livre dentro da cidade para a prática de atividades sócio-culturais e do
exercício da cidadania. No campo da ecologia, as áreas verdes possibilitam um local
propício ao desenvolvimento da flora, da fauna, ou seja, do meio biótico e do microclima
local favorável à vida, estabelecendo equilíbrio entre o meio construído e meio natural. No
âmbito da filosofia e psicologia, o verde vem como repouso, como oposto ao excesso de
estímulos informativos e visuais da cidade, apresentando-se, também, como elemento de
percepção emotivo, contrário ao congestionamento e à agitação urbana. Hoje, os espaços
verdes não são mais um luxo, o que fora há tempos, e sim um dos requisitos básicos para o
equilíbrio entre o homem e o espaço urbano.
A escolha do tema – área verde urbana pública, designada por pausa urbana, justifica-se
pela percepção da necessidade do homem contemporâneo por espaços lúdicos, de convívio
e de maior contato com o verde. A cada dia, é de maior importância a pausa dentro das
cidades, pausa esta, não um espaço inóspito, sem vida, pelo contrário, um espaço de
integração aos demais, um espaço de pausa que se contrapõe aos excessos de estímulos
visuais e sonoros produzidos nos espaços construídos da cidade. Pausa carregada de
possibilidades e de ritmos. Assim como na música, é na pausa que a cidade se desenvolve e
permite espaço para a respiração e o encontro. Em meio a tantos ruídos, agitações e caos
geral, o espaço aberto, com potencialidades urbanas, paisagísticas, vem como resgate da
qualidade de vida e do local, para o exercício da cidadania.
Com essa investigação, buscou-se alcançar uma melhor compreensão da relação homem,
natureza e espaço urbano e mostrar as possibilidades de superação da dicotomia homem/
natureza. O objetivo geral deste estudo foi verificar, a partir dos espaços públicos, as
possibilidades de as pausas urbanas se constituírem espaços potenciais de uma nova relação
entre o homem e a natureza. Áreas verdes, pausas urbanas situadas nos interstícios da
cidade contemporânea, territórios de conflitos e possibilidades representam, como se
procurará demonstrar, lugares de encontro potencial, de pausa, intermediadores das
relações sociais, políticas, econômicas e culturais.
19
Enquanto hipóteses a serem levantadas, parte-se, inicialmente, do princípio de que as
cidades contemporâneas passam por crises de identidade, reestruturação e significados,
sendo produzidas novas formas de viver e de se utilizar o espaço urbano. A área verde
urbana é uma alternativa para possibilitar o encontro e a liberdade de expressão para se
viver dentro da cidade. Seria o elo entre o homem, a comunidade e a cidade, elo este que
possibilitaria o vínculo, o afeto, o respeito ao lugar e o contato mais próximo com o meio
ambiente, expresso, principalmente, nas árvores e demais vegetações, na água, no ar e na
temperatura amena.
A vida contemporânea é fortemente marcada por um descomprometimento dos indivíduos
com o seu entorno, incentivando-os a assumirem o papel de consumidores, em detrimento
ao papel de cidadãos, portadores de direitos e deveres. Sendo assim, poder-se-ia dizer que
as áreas verdes urbanas são possibilidades de revigoramento do exercício da cidadania no
conflituado contexto urbano.
Enquanto espaço público, as áreas verdes sofrem as interferências da dissociação de facetas
do homem contemporâneo, seja como contribuinte/ consumidor, seja como cidadão. Neste
caso, há uma dissociação de como se é em casa e na rua, implicando em abandono e
degradação desses espaços públicos. Nestas condições ruins e desagradáveis, parte das
necessidades dos contribuintes não são atendidas, muitos pagam pelo espaço público e não
utilizam dele para as suas atividades cotidianas. Estes espaços muitas vezes se constituem
em espaços de exclusão, onde muitos abdicam de sua faceta de cidadão, assumindo
unilateralmente a de consumidor. Outros se apropriam do local público com atividades
marginais e agressivas à comunidade.
As áreas verdes urbanas públicas contemporâneas, nas cidades de médio e grande porte, no
Brasil, encontram-se, muitas vezes, deturpadas, enquanto uso, espaço de convívio coletivo,
e foram transformadas em espaços fragmentados e dispersos pela cidade, como também são
frutos das contradições da sociedade moderna que se apresentam numa simultaneidade de
usos dado os diferentes usuários dos lugares. A compartimentalização das concepções
20
teóricas, relacionadas ao homem e à cidade, e o urbanismo nos moldes racionalistas
interferiram no ordenamento dos espaços urbanos, privilegiando os espaços privados e, ao
mesmo tempo, restringindo as possibilidades do uso público-coletivo em favor de um maior
lucro dos investimentos econômicos. Neste caso, na cidade contemporânea, o valor de
compra tem supremacia em relação do valor de uso e as áreas verdes, aliadas à concepção
racional do espaço urbano, destinam-se à eficiência e à eficácia do fluxo de veículos e de
pessoas, tornando-se meros locais de passagem. Caracterizadas como “ilhas”, as áreas
verdes são desarticuladas do convívio social e apresentam atividades marginais e de
exclusão decorrentes da forma como a sociedade se organiza.
A desigualdade social e a falta de educação ambiental expressam-se sob a forma de
marginalidade, quando na disposição de lixo nos espaços públicos, na presença de drogas e
de pessoas desocupadas e pedintes nas áreas verdes públicas. O espaço aberto, público,
sombreado, principalmente quando localizado na região central, onde há uma maior
circulação de pessoas, de mercadorias e dinheiro, é o local preferido por aqueles excluídos
da sociedade, que não têm onde morar. Estas pessoas fazem dessas áreas verdes a sua “sala
de visita” e o seu local de inserção social.
Neste estudo, questiona-se o respeito do homem para consigo mesmo, para com a sua
cidade e para com a natureza. Seria uma crise pessoal, cultural, de ordem e lei, de consumo,
de conhecimento e/ou cidadania? A utilização e a conservação dos espaços públicos, em
específico, das áreas verdes, estaria interrelacionada ao comportamento do ser humano
enquanto ator social e cidadão? Não seria o verde urbano uma forma de se construir uma
aproximação, interação entre o ser humano e a natureza, entre um ser humano e outro,
quando este se individualizou e fragmentou suas aspirações?
Como se dá a integração da área verde e ser humano na cidade de Divinópolis? Na região
central, local recortado para o estudo, vê-se a redução dos espaços verdes “pausa” em
favor de uma verticalidade e aumento na ocupação do solo por edificações cada vez mais
voltadas ao funcionamento da acumulação capitalista. As praças escolhidas para o estudo
21
foram a Praça Benedito Valadares e Praça Dom Cristiano, por representarem “pausas” no
espaço urbano e serem carregadas de símbolos e significados. Segundo LEFEBVRE3
as
praças podem ser utilizadas pela população que a freqüenta pelo seu “valor de uso” mas
também pelo seu “valor de compra”. As praças selecionadas nesse estudo estão sendo
vivenciadas pela população que a freqüenta tanto pelo seu valor de compra quanto pelo seu
valor de uso. São muitos os questionamentos diante desse tema e, optamos por recortar as
duas praças - Praça Benedito Valadares e Praça Dom Cristiano - localizadas na região
central, devido a uma alta densidade de ocupação nesta região e sua relevância dentro do
contexto urbano enquanto alternativa de integração da área verde, cidade e ser humano.
Como se dá o valor de uso, no que diz respeito ao cotidiano das pessoas nas duas praças
estudadas4
? Como o valor de compra, agregado ao espaço da cidade, sob o domínio do
mercado financeiro/capitalista, onde predomina a produção e o consumo se manifesta nas
duas praças? Qual é o comportamento dos usuários das praças no que se refere ao consumo
de produtos e mercadorias que são oferecidos nesses espaços? Como o valor de uso e de
compra se interagem nesses lugares? Quais as necessidades das pessoas em relação às
praças? Há indícios de necessidade de monitoramento e gestão do lugar?
A análise sobre as áreas verdes no espaço urbano visa evidenciar suas contradições,
impasses e ao mesmo tempo suas possibilidades de superação das dicotomias: homem-
natureza, indivíduo-sociedade, público-privado. Para tanto, fez-se uma abordagem
qualitativa das relações sociais, como fora proposto por MINAYO5
, seguindo a técnica da
observação participante. O procedimento metodológico dialético privilegia os sujeitos
3
Segundo LEFEBVRE, valor de uso diz respeito à apropriação dos lugares num tempo-espaço apropriado. O
uso do espaço urbano, da rua, contém funções informativas, simbólicas e lúdicas, “é o lugar da palavra, o
lugar da troca pelas palavras e signos, assim como pelas coisas.” (LEFEBVRE, 2004, p. 30) Já o valor de
compra, relacionado ao espaço, quer dizer que “ hoje o espaço inteiro entra na produção como produto através
da compra, da venda, da troca de parcelas do espaço[...]. Os centros urbanos são centros de consumo e os
lugares também. (LEFEBVRE, 2004, p. 142).
4
LEFEBVRE, 1969, p. 121. Lefebvre dá importância ao lúdico, no sentido mais amplo: “esporte é lúdico, o
teatro também, de modo mais ativo e participante que o cinema. As brincadeiras das crianças não devem ser
desprezadas, nem as dos adolescentes. Parques de diversão, jogos coletivos de todas as espécies persistem nos
interstícios da sociedade de consumo dirigida, nos buracos da sociedade séria que se pretende estruturada e
sistemática, que se pretende tecnicista.”
5
MINAYO, 2004.
22
sociais, abrange todos os atores envolvidos e não se preocupa em quantificar, mas em
explicar os meandros das relações sociais que podem ser apreendidas através do cotidiano,
da vivência e da explicação do senso comum. Este método baseia-se na observação da
realidade social e adequação da visão dialética, que privilegia a contradição e o conflito
sobre a harmonia e estabilidade; a transição e a mudança, sobre a estabilidade; o
movimento histórico; a totalidade e a unidade dos contrários,6
que supõe qualidade contra a
quantidade e apresenta uma abrangência transdisciplinar no campo da pesquisa. A esse
respeito, baseando-se em HABERMAS7
, o uso da área verde seria a superação de uma
racionalidade instrumental para uma racionalidade comunicativa, uma vez que o espaço
social incorpora significado e intencionalidade, inerentes aos atos, relações e estruturas
sociais.
Por ser uma abordagem qualitativa, a apreensão da realidade do espaço público se fez por
aproximação, envolvendo aspectos históricos, políticos, culturais e ideológicos, não se
podendo contentar com os dados estatísticos. Nessa perspectiva, a pesquisa partiu das
seguintes fases:
1 – Fase exploratória: compreendeu a escolha e delimitação do problema, definição do
objeto e objetivos, construção do marco teórico conceitual e coleta de dados. Para
investigar o assunto, foram realizados estudos nos campos da Filosofia e Sociologia para
uma conceituação sobre a natureza, o homem e a vida urbana, a fim de entender as
concepções sobre o público e o privado, a rua e a casa, o coletivo e o individual, a
sociedade e o indivíduo. O foco central é a natureza na qual o homem é parte integrante do
meio físico natural e artificial, do meio social e sensorial.
O vínculo que une o homem e a natureza é igual ao de natureza-natureza. Para tanto, foram
utilizados os estudos de Serge Moscovici8
sobre natureza enquanto meio social.
MOSCOVICI analisa, em seus estudos, a inter-relação homem e natureza, como essencial à
6
MINAYO, 2004, p. 86.
7
HABERMAS apud HERRERO, 1986, p.17.
8
MOSCOVICI, Serge. Sociedade contra natureza. Petrópolis: Vozes, 1975.
23
sociedade. O homem é parte da natureza e depende dela para a articulação de ações e de
pensamentos.
Henri Lefebvre9
questiona a vida urbana nos moldes modernos, vê a cidade como lugar de
encontros com o outro e consigo mesmo. Os seus estudos versam sobre a vida cotidiana e a
produção do espaço na reprodução da sociedade contemporânea. As transformações
operadas no campo de desenvolvimento do mundo da industrialização e da mercadoria
acompanham a decomposição da cidade em fenômeno urbano. O autor mostra-se em favor
da rua por ser um lugar de encontro, de movimento e de mistura, propício à aventura, ao
imaginário, aos jogos, ao encontro, a criação, ao lúdico, dentre outros. Na rua, o valor de
uso domina em relação ao valor de troca, entretanto, a partir do momento em que a rua foi
suprimida, com o pensamento moderno, viu-se a extinção da vida e a redução da cidade a
dormitório. As necessidades básicas ao ser humano foram negligenciadas e houve
funcionalização da existência e racionalização do espaço, com primazia dada à mercadoria
e ao consumo.
A compreensão da natureza, conciliada à vida na cidade, foi embasada, principalmente, nos
estudos de James Hillman10
, psicólogo que se ocupa em levar a reflexão psicológica para
além dos limites do consultório dos analistas. Ele reconhece que a cidade, onde o corpo
vive e se move e tece as relações, também é psique. Por seguir os sintomas das cidades, ele
refletiu sobre a alma do mundo, mostrando a alma como possibilidade de e em todas as
coisas. A patologia das cidades, da tecnologia, das instituições, da política, dos padrões de
consumo, dos espaços públicos parece estar em sintonia com a tradição da psicologia
profunda, numa época de ecologia profunda. O retorno da alma ao mundo, como proposto
por HILLMAN, subjetiviza o enfoque ecológico, inclui a urbanidade como campo válido
de experiências e sensibiliza quanto à patologia e à beleza do que está à volta dos pacientes
enquanto cidadãos.
9
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969.
______. Revolução Urbana. Belo Horizonte: UFMG, 2004.
10
HILLMAN, James. Cidade & Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
24
A área verde urbana, enquanto possibilidade de revigoramento ambiental da cidade insere-
se na questão ambiental e na qualidade de vida. Na abordagem sobre a cidade foram
utilizados os estudos de Lewis Mumford11
e Françoise Choay12
. MUMFORD reflete sobre
o crescimento das cidades, suas formas, funções e finalidades que dela emergiram no
decorrer da história. Através de críticas às cidades modernas, ele propõe uma revalidação
das ações humanas e da configuração das cidades contemporâneas articuladas à cultura e ao
meio ambiente, levando em consideração todas as dimensões dos organismos vivos e
personalidades humanas. CHOAY estabelece propostas e críticas na revisão de idéias de 37
autores, dentre eles Camillo Sitte, Ebenezer Howard, Lewis Mumford, Jane Jacobs, Kevin
Lynch e Georg Simmel. Ela faz questionamentos e interpretações sobre o urbanismo a
partir do século XIX e situa os problemas atuais do planejamento urbano como resultado da
conformação das cidades e do fracasso na ordenação dos locais. Refletiu sobre a sociedade
industrial e urbana enquanto estrutura e significado da relação social.
A respeito dos problemas ecológicos e suas interfaces com a cidade e o com o viver do
homem contemporâneo e, em específico, no Brasil, foram utilizados os estudos de Solange
S. Silva-Sánchez13
. A autora trata das políticas ambientais locais e participativas, dos
desafios sociais e técnicos da gestão ambiental dos municípios e faz um percurso pelas
legislações ambientais referentes às áreas de proteção, aos recursos hídricos e ao
desenvolvimento sustentável.
Sobre o objeto de estudo – pausa urbana – foram tratadas questões relacionadas ao espaço
público, o espaço privado e o social, no que se refere à relação entre o indivíduo e a
sociedade, baseando-se nos estudos de Norbert Elias14
, Roberto DaMatta15
e Hannah
11
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.
12
CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 1988.
13
SILVA-SÁNCHEZ, Solange S. Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil. São Paulo: Humanitas,
FFLCH/USP, 2000.
14
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
15
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1985.
25
Arendt16
. Para ELIAS os indivíduos se relacionam numa pluralidade, isto é numa
sociedade. A relação indivíduo e sociedade está intimamente ligada ao processo civilizador,
de geração em geração, num contínuo processo de interações entre uns e outros. Nesta
concepção, é impossível conceber o indivíduo dissociado da sociedade.
Já DAMATTA estuda sobre a relação entre espaços abertos e públicos, expresso no
contraste entre a casa e a rua, vividas pela nossa cultura, como mundos distintos e opostos.
A casa reproduz a força do trabalho e os valores básicos da sociedade; é o mundo em que
espaço e tempo repetem-se em ciclos e as pessoas se reconhecem como indivíduos. Já na
rua, o espaço do movimento, do trabalho, do inesperado e da alteridade, o habitante não se
reconhece como cidadão, pois se encontra alienado e indiferente ao que o cerca. O espaço
da rua e da casa são categorias sociológicas que designam entidades morais, esferas de ação
social, domínios culturais capazes de despertar emoções, reações e imagens. A constituição
dos espaços públicos abertos brasileiros é inexpressiva em relação aos demais espaços. Isto
devido à presença da herança portuguesa na constituição das cidades, onde se privilegiam
os espaços construídos.
Os estudos de ARENDT relacionam-se aos conceitos de espaço público e privado. Para
formulação dos conceitos ela faz um percurso pela história das esferas da polis e da família,
intimamente ligadas ao público e ao privado, de origem grega; da esfera do social, que não
era público e nem privado, de origem moderna. A esfera pública seria o lugar do comum,
enquanto aquilo que pode ser visto e ouvido por todos. O conceito de esfera privada é
aquela que priva o ser humano não só de seu lugar no mundo, mas também do seu contato
com os outros. Neste conceito, ARENDT relaciona a propriedade privada ao processo de
acumulação de riquezas e de descoberta da individualidade, que parece constituir uma fuga
do mundo exterior. A esfera privada é transformada em social e a distinção entre público e
privado equivale à diferença entre o que deve ser visto ou ocultado pela sociedade.
16
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983.
26
Relacionando a pausa musical à pausa urbana, foram considerados os estudos de Luis
Boada17
, de Pozzoli18
e Bohumil Med19
. BOADA orienta seus estudos para a cidade e tem
como hipótese básica a necessidade de retomada do valor nas relações humanas. Ter valor-
em-si significa, para ele, ter espaço e estar integrado a ele. Nada pode suprir a presença dos
lugares, eles devem proporcionar satisfação, imaginação, criação e percepção sensorial.
Para isto, ele relaciona a natureza urbana com percepção sensorial e faz um diálogo entre o
corpo humano, articulações e equilíbrio, ritmo e geometria. POZZOLI e MED, enquanto
compositores, estudiosos e teóricos em música, abordam conceitos relacionados às
principais partes das músicas, como a melodia, a harmonia, o contraponto e o ritmo. Para
MED, a música é a arte de combinar sons, com ordem, equilíbrio e proporção dentro de um
tempo20
. Nos seus estudos são analisadas a grafia musical e o seu significado (notas,
valores, claves, compassos, matizes, abreviaturas, etc.) e os sistemas musicais (escalas,
intervalos, acordes, etc.).
Como as pausas urbanas inserem-se num contexto de “lugares” na cidade, procuraram-se
olhares múltiplos através dos autores: Nelson Brissac Peixoto21
e Ana Fani Alessandri
Carlos22
. PEIXOTO propõe, aos habitantes da cidade, um olhar diferente para os lugares,
um “olhar de estrangeiro”, para que eles sejam capazes de ver o que os outros, que estão lá,
não mais podem perceber, e vivenciar o cotidiano contemporâneo com mais valor e
imaginação. Para CARLOS, os percursos realizados pelos habitantes do lugar interligam as
casas as ruas, aos lugares de lazer e de comunicação, ordenados segundo às propriedades do
tempo vivido. Um mesmo trajeto convoca o privado e o público, o individual e o coletivo, o
necessário e o gratuito. Enfim, o ato de caminhar é o meio intermediário que interliga os
lugares vividos pelos habitantes da cidade.
17
BOADA, Luis. O espaço recriado. São Paulo: Nobel, 1991.
18
POZZOLI. Guia teórico-prático: para o ensino do ditado musical. São Paulo: Ricordi, 1983. parte 1.
19
MED, Bohumil. Teoria da música. Brasília: Musimed, 1996.
20
MED, 1996, p. 11.
21
PEIXOTO, Nelson Brissac. O olhar do estrangeiro. In: NOVAES, Adauto (Org.). O olhar. São Paulo:
Companhia das letras, 2002. p. 361-365.
22
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996.
27
2 – Fase trabalho de campo, ou exploração de campo: foi desenvolvida através de entrevista
do tipo semi-estruturada e observação participante. Essas técnicas de pesquisa têm por
finalidade possibilitarem a interação com os atores sociais envolvidos e um
aprofundamento qualitativo da investigação. Trata-se de recolher dos indivíduos
informações subjetivas através de sua fala, gestos, valores, opiniões, condutas ou
comportamentos.23
Enquanto entrevista semi-estruturada24
, adotou-se um roteiro específico,
com perguntas fechadas e abertas, aplicado aos atores representativos do assunto estudado,
a fim de apreender seus pontos de vista e tornar possível uma maior percepção e
aprofundamento no registro das observações, que podem ser melhor visualizados no Anexo
G 25
. No diário de campo, registraram-se tanto as entrevistas quanto as observações sobre
conversas informais, comportamentos, festas, gestos, expressões, usos, costumes que
caracterizam essa representação social. Segundo Max Weber, representação social é um
termo filosófico que “significa reprodução de uma percepção anterior ou do conteúdo do
pensamento”. 26
A técnica de pesquisa adotada, observação participante, segundo SCHWARTZ &
SCHWARTZ, é definida como:
[...] um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa
situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica.
O observador está em relação face a face com os observados e, ao
participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o
observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo
modificando e sendo modificado por este contexto (SCHWARTZ &
SCHWARTZ apud MINAYO, 2004, p. 135).
Na observação participante, percebeu-se como se dão os usos nos espaços públicos
selecionados, como se obedecem as regras, quais os laços de amizade entre os atores sociais
e os vínculos que os mantêm no lugar, quais as tradições e os costumes, os motivos e os
23
THIOLLENT, 1981, p. 96.
24
MINAYO, 2004.
25
Roteiro pesquisa de campo. Anexo G
26
WEBER apud MINAYO, 2004, p. 158.
28
sentimentos desses atores. Nessa fase, “o dia-a-dia é entendido como um tecido de
significados, instituído pelas ações humanas e passível de ser captado e interpretado.”27
A pesquisa foi composta por três fases, conforme proposto por G. MICHELAT28
. A
primeira constituiu-se da escolha de um pequeno número de pessoas representativas do
assunto, tais como os moradores do entorno próximo e imediato, os comerciantes locais e
ambulantes, os freqüentadores da praça – crianças, pais, jovens, idosos, grupos de amigos e
estudantes – a fim de uma maior diversificação dos atores envolvidos.
A segunda fase constituiu-se da gravação e de registro, por escrito, das entrevistas, como
também do registro fotográfico dos locais recortados para estudo. No decorrer das
entrevistas, procurou-se estimular o entrevistado a fim de explorar o seu universo cultural,
sua relação com o lugar e os vínculos estabelecidos. As fotos chamaram atenção para certos
ambientes sócio-espaciais expressivos que voltaram a ser traduzidos sob a forma de
desenhos. O desenho realça aspectos diluídos nas fotografias que confundem o pesquisador
com sua ilusão realista. Encontros, centros de convívio, locais de jogos e de brincadeiras,
situações que conformavam a vida de relações na região central foram submetidos a
observações e registros fotográficos.
Já na terceira fase, partiu-se para a análise do conjunto das entrevistas, onde se levantaram
“as verbalizações assim como as hesitações, os silêncios, os risos, os lapsos, etc., que são
reveladores de significação latente.”29
Cada entrevista foi analisada na tentativa de
encontrar sintomas relativos ao “sistema de representações, de valorizações afetivas, de
regras sociais, de códigos simbólicos interiorizados pelo indivíduo no decorrer de sua
socialização e sua relação, eventualmente conflitiva, com as diversas dimensões de uma
experiência atual que ele partilha com muitos outros.”30
Analisadas as entrevistas, abriu-se
27
SCHUTZ apud MINAYO, 2004, p. 164.
28
MICHELAT apud THIOLLENT, 1981, p. 86.
29
THIOLLENT, 1981, p. 86.
30
MICHELAT; SIMON apud THIOLLENT, 1981, p. 86.
29
um campo de informações na qual os elementos significativos permitiram a construção do
vivido pelas pessoas e seu cotidiano.
Paralelamente às entrevistas, levantou-se a documentação disponível através de leis
federais, estaduais, municipais; de mapas referentes ao município de Divinópolis31
, de
registros do Anuário Municipal32
relacionados ao Meio Ambiente, População das regiões.
3 – Fase Análise documental: A análise sobre os dados obtidos constituiu-se de uma
discussão teórica sobre as áreas verdes urbanas públicas, situadas no perímetro urbano de
Divinópolis, de acordo com a localização das mesmas em setores e unidades de análise, já
previamente definidos pelo Anuário Municipal33
. Para o cadastramento dessas áreas verdes,
utilizou-se dos mapas digitalizados, em AutoCAD, constando do mapa Cadastral do
Município de Divinópolis e do mapa Aerofotogramétrico34
, adquiridos pelo vôo em 1998,
além dos mapas dos loteamentos aprovados, em papel sulfite e vegetal, arquivados na
DICAF- Diretoria de Cadastro e Fiscalização35
e da relação de todas as áreas verdes,
registradas em cartório, fornecida pelo Setor de Patrimônio da DICAF.
Os mapas confeccionados, para a análise das áreas verdes no município de Divinópolis:
- Mapa área verde urbana pública anterior e posterior à Lei n. 6.766/79, na escala
1:250.000. Refere-se ao cadastro geral de todas as áreas verdes públicas existentes no
perímetro urbano e documentadas no cartório de registro de imóveis de Divinópolis. Este
mapa retratou as áreas verdes em dois momentos distintos. Um anterior à Lei n. 6.766/1979
– lei de parcelamento do solo urbano - momento em que os loteamentos foram aprovados
sem exigência de requisitos legais ao parcelamento do solo e utilização de áreas públicas.
Outro, posterior à Lei n. 6.766/1979, quando se exigiam, na aprovação dos loteamentos, a
destinação de 35% da área da gleba para fins de circulação, de implantação de
31
SEPLAN, 2006.
32
ANUÀRIO ESTATÍSTICO DE DIVINÓPOLIS, 2005.
33
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE DIVINÓPOLIS, 2005.
34
SEPLAN, 2006.
35
DICAF, 2007.
30
equipamentos urbanos e comunitários e de espaços livres de uso público.36
Estando as áreas
verdes incluídas nos espaços livres de uso público, nota-se que não há uma menção
específica sobre estas áreas, nem sua discriminação e qualificação, o que resulta em áreas
residuais dentro do perímetro urbano;
- Mapa área verde urbana pública na região central e ocupação do solo, na escala 1:12.500.
Diz respeito a um recorte da área de estudo e possibilita uma visualização das áreas verdes
públicas e o uso e ocupação do solo urbano;
- Mapa densidade bruta nas regiões de planejamento, na escala 1:500.000. Este mapa
propõe uma percepção geral das áreas mais ocupadas dentro do perímetro urbano de
Divinópolis;
- Mapa densidade líquida na região central, na escala 1:2.500. Tem como objetivo um
fornecimento de dados reais no que diz respeito à ocupação do centro e das imediações das
duas praças escolhidas para o estudo. Os dados relacionados à ocupação de cada quadra ora
foram baseados em dados fornecidos pela Vigilância Sanitária37
, ora em pesquisa de campo
acrescido de dados estimados, previamente definidos pelo IBGE, sendo de 3,5 pessoas por
domicílio para a família brasileira38
;
- Mapa área verde urbana pública e habitante, na escala 1:500.000. Finalmente este mapa
propõe um retrato da realidade de área verde urbana pública, no município de Divinópolis,
comparada ao mínimo estabelecido pela SBAU (Sociedade Brasileira de Arborização
Urbana), que é de 15m² de área verde por habitante39
e pela ONU que é de 12 m², área
verde urbana mínima que possibilite o equilíbrio entre os espaços construídos e espaços
verdes nas cidades contemporâneas.
36
BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979, art. 4º §1º.
37
SEMUSA. Vigilância Sanitária de Divinópolis. Dados coletados em 2005.
38
MAGALHÃES, 2002, p. 100.
39
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ARBORIZAÇÃO URBANA-SBAU. Carta a Londrina e Ibiporã.
Boletim Informativo, v. 3, n. 5, p. 3, 1996.
31
Numa abordagem específica e qualitativa do objeto de estudo, fez-se um recorte da região
central, nela localizadas as duas Praças: Praça Benedito Valadares e Praça Dom Cristiano.
Para a análise das praças, levou-se em conta o registro fotográfico fornecido pelo Centro de
Memória da FUNEDI, os mapas elaborados, o levantamento de campo, a pesquisa
participante e os referenciais teóricos utilizados. Essas praças representam,
conceitualmente, ao que fora definido neste estudo, enquanto meio social, local de
encontro, de movimento e de festas. Enquanto meio natural, aquele que favorece o
microclima local e propicia uma biodiversidade e uma melhor qualidade ambiental.
A partir dos dados coletados procurou-se, na análise final, fazer uma discussão analítica das
diferentes situações dos dois locais estudados, que sugeriram uma comparação entre eles,
num movimento dialético, ora particular ora geral; ora concreto ou abstrato; ora
exterioridade ou interioridade estudou-se a especificidade dos objetos pela prova do vivido
em suas relações essenciais. O ciclo da pesquisa findou-se num produto provisório que se
abriu a interrogações lançadas no final, articulou objeto e sujeito numa interação de
significados e conteúdos passível de mutação no decorrer do tempo.
Espera-se alcançar, com os resultados finais deste estudo, apresentados em mapas e
quadros-síntese, num primeiro momento, uma visualização geral das áreas verdes urbanas
públicas no município de Divinópolis, sua disposição no espaço urbano e sua utilização
pela sociedade. Neste contexto, analisar o processo da evolução urbana, os impactos
ambientais da ocupação e o uso dessas áreas verdes, bem como sua importância e
relevância para a cidade contemporânea. O material coletado mapeado e fotografado
constituiu-se de um suporte para melhor apreensão de todo o contexto urbano, a fim de
contextualizar o objeto de estudo em Divinópolis e subsidiar a análise qualitativa das duas
praças selecionadas.
No segundo momento, numa análise qualitativa das praças: Benedito Valadares e Dom
Cristiano, espera-se apreender os aspectos sociais, ambientais, filosóficos, políticos e
econômicos que tecem as relações nas áreas verdes urbanas. E, ainda, detectar os problemas
32
dos espaços públicos e as possibilidades inerentes às áreas verdes para demonstrar a
importância do verde urbano para o ser humano que vive na cidade contemporânea, seus
anseios, desejos e necessidades que foram negligenciadas pelas concepções modernas.
As possibilidades de articulações dos espaços, através das áreas verdes, têm na pluralidade
e diversidade dos espaços construídos seu maior desafio e, ao mesmo tempo, sua maior
potencialidade. O espaço urbano carece de alternativas que recriem as relações entre
sociedade e indivíduo, entre espaço construído e espaço natural.
Espera-se com esse estudo contribuir para um novo modo de pensar a cidade
contemporânea, bem como um novo modo de viver os espaços públicos com presença e
participação. Alerta-se para a dissociação das facetas do ser humano, indivíduo e cidadão,
que vão em direção contrária à função da cidade, enquanto convívio e sociabilidade.
Indicam-se necessidades primeiras para o ser humano contemporâneo que, destituído de si
mesmo, procura por um lugar de encontros, de significados, de pausa em meio às
aglomerações urbanas.
33
1 A NATUREZA E O HOMEM – RELAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA VIDA
URBANA
As origens da vida e da criação remontam há um longínquo tempo. Coube ao ser humano,
enquanto membro integrante da criação, cuidar da terra, das águas, do ar, dos animais e dos
vegetais...viver em sociedade...e integrar-se ao meio criado, porque “tudo era bom”.
GÊNESE
I – As origens
A criação
No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia;
as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.
Deus disse: Faça-se a luz! E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e
separou a luz das trevas [...] (Gen. 1, 1-4) Deus disse: Que as águas que
estão debaixo dos céus se ajuntem num mesmo lugar, e apareça o
elemento árido. E assim se fez. Deus chamou ao elemento árido TERRA,
e ao ajuntamento das águas MAR. E Deus viu que isso era bom. Deus
disse: Produza a terra plantas, ervas que contenham sementes e árvores
frutíferas que dêem fruto segundo a sua espécie e o fruto contenha a sua
semente. E assim foi feito. A terra produziu plantas, ervas que contém
semente segundo a sua espécie e o fruto contenha a sua semente. [...]
(Gen. 1, 9-13) Deus disse: Produza a terra seres vivos segundo a sua
espécie[...] E Deus viu que isso era bom (Gen. 1, 24)40
.
O conceito de natureza é muito amplo e para defini-la, partiu-se das concepções da
Enciclopédia Logos, que apontam para um conjunto de princípios, diversamente ligados
entre si, tendo como principais e relacionadas ao objeto de estudo, área verde urbana41
: “o
princípio de movimento ou a substância [...]; a ordem necessária ou a conexão causal [...]; a
exterioridade, enquanto contraposta à interioridade da consciência.” Cada um deles pode
ser encontrado nos discursos, na mídia ou na produção científica. O primeiro é o mais fácil
de ser visualizado. Neste estudo, considerou-se natureza aquilo que nasce e renasce num
ciclo infinito, como uma força criativa que emana dos seres e faz que a ordem necessária de
todas as coisas encontre o seu fim, como sugerido pela Enciclopédia Logos.
40
BÍBLIA SAGRADA. A.T. Gênesis. 8. ed. São Paulo: Ave Maria, 1996. cap. 1, p. 49.
41
PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 669.
34
Segundo Aristóteles, a natureza tem um valor-em-si próprio, que “só podia mesmo ser
compreendida como sujeito do entendimento e da contemplação e não como objeto da
transformação pelo trabalho humano”42
, “é o princípio e a causa do movimento e do
repouso da coisa à qual é inerente primeiramente e por si, não acidentalmente.” 43
Neste
conceito, a natureza é abordada como aquilo que é a essência necessária de todos os seres e
a totalidade de todas as coisas. Poder-se-ia dizer que natureza é aquilo que envolve toda a
criação, inclusive o ser humano, em todas as suas dimensões internas e externas ao seu
corpo natural. Esta concepção leva à segunda, onde se encontra a dimensão da ordem como
necessidade. A lei da natureza “é a regra do comportamento que a ordem do mundo exige
que seja respeitada pelos seres vivos, regra cuja realização, segundo os estóicos, era
confiada ao instinto (nos animais) ou à razão (no homem)” 44
. Assim, todo o movimento
tende a um estado de equilíbrio e de repouso, assim como todo o ser humano necessita de
contemplação e interação com o que o cerca.
Nesta discussão acerca da conceituação sobre a natureza, o homem e a vida urbana, o foco
central é uma natureza na qual o ser humano é parte integrante do meio físico natural e
artificial, do meio social e sensorial. A Natureza é uma só, tanto aquela que se vê e se
usufrui para produzir a própria existência, percebida na árvore que produz o oxigênio, no
rio que fornece a água, na terra que fornece o alimento, quanto àquela que se mantém
presente no interior de cada ser humano e lhe produz a vida física, biológica, intelectual e
psíquica, mantendo-o interligado a todas as criaturas.
O vínculo que une o ser humano e a natureza é igual ao de natureza-natureza. Os princípios,
que unem a natureza, unem também a pessoa humana. A partir daí, vê-se que o ser humano
não está dissociado da natureza, mas é parte integrante da mesma, dependendo dela para a
articulação de todas as suas ações, pensamentos e sentimentos. É inconcebível um conceito
de natureza desligado do ser humano e de homem não integrante do ambiente natural.
Mesmo que em meio aos saberes gerados pelas artes e pelas ciências, a natureza é inerente
42
ARISTÓTELES apud PEDROSA, 2003, p. 5.
43
PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 670.
44
PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 670.
35
à existência humana. O resultado final desta relação não é um estado artificial, como aquele
idealizado no pensamento moderno, por Locke e Hobbes45
, “mas um progresso na natureza,
enquanto a espécie humana aproveitou, para suas necessidades e seus desejos, as suas
diversas manifestações”.46
A natureza está no ser humano e este na natureza, porque o ser humano é produto da
história natural e a natureza é a condição concreta da existência humana. A natureza
enquanto princípio de movimento e ordem necessária, segundo PIRES47
, está
intrinsecamente relacionada à manifestação do ethos, ao exercício de cidadania e
solidariedade, seja por remeter ao essencial de todas as coisas, seja por indicar o equilíbrio
entre as relações internas e externas do ser humano.
Considerando que, na atualidade, a delimitação de fronteiras entre os espaços físicos
encontra-se mesclada em meio às suas interconexões rápidas, assim também as
delimitações entre rural e urbano, natural e artificial apresentam-se integrados e conexos.
Vê-se, então, a necessidade de uma nova abordagem ao se caracterizar a natureza.
(ela é) um dado imediato. Compreende os meios em que os indivíduos se
sentem em uníssono com outras criaturas que os cercam, onde os ritmos
de atividade e o consumo de energia exprimem o funcionamento
espontâneo dos sentidos, as normas imemoriais e o lento escoar do tempo
(MOSCOVICI, 1975, p. 14).
Apreender a natureza e dominá-la têm sido metas desde a antiguidade clássica, culminando
no desenvolvimento da ciência moderna. Entretanto, a sociedade contemporânea vive um
vasto número de problemas que envolvem a forma como se relaciona com a natureza, o
modo de vida dessa sociedade, as sensações, o pensamento e as suas ações. Pensar a
natureza, hoje, e a forma como o homem se relaciona com ela, faz remeter-se ao passado, a
45
BOBBIO; BOVERO, 1986, p. 37.
46
MOSCOVICI, 1975, p. 13.
47
PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 669.
36
fim de compreender as mudanças que se processaram na sociedade, no seu modo de pensar,
de interagir com a natureza e produzir.
Em contrapartida às definições de natureza referidas anteriormente, a sociedade
contemporânea ocidental apóia-se numa visão que separa o ser humano da natureza. Em
relação à natureza, os seres humanos instauraram a relação do fazer e conquistar e “como
lhes faltassem os recursos, foram procurá-los ali onde se escondiam”.48
Os seres humanos,
seres frágeis em relação às outras espécies e desprovidos de inúmeras vantagens, tiveram de
preencher as lacunas com as artes, as ciências e as técnicas e instituíram próteses que se
uniram ao seu corpo. Envolvidos pelo desenvolvimento do mercado econômico, as pessoas
transformam as suas relações com o outro ser, com a natureza num privatizar de seus
interesses. Sendo assim,
o nascimento do individualismo, com a individualização dos atos, dos
interesses e das relações humanas, deu vigoroso impulso à oposição entre
sociedade e natureza [...]. Entretanto, a socialização dos interesses, dos
atos, das relações humanas é uma tendência fundamental de nossa época
(MOSCOVICI, 1975, p. 9).
Por outro lado, segundo Aristóteles, somente “na convivência com os outros o homem é
homem”49
e, portanto, o homem é, por natureza, um ser social. Entretanto, o modo de vida
na cidade contemporânea tolhe a sociabilidade humana, seja pela individualização e
privatização dos atos dos indivíduos, seja pela mercantilização excessiva dos espaços
voltados ao consumo e à produção, ou ainda pela restrição de áreas de convivência que
possibilitem o exercício dessa sociabilidade. Vê-se, cada vez mais nitidamente, a urgência
de pensar as origens da relação ser humano e natureza e reavaliar os pressupostos
capitalistas, que privam a modernidade da socialização, da liberdade dos atos e da
integração entre a pessoa humana e a natureza. Por isso, há um novo olhar a ser assimilado
na atualidade voltado à construção do valor-em-si em todas as coisas.
48
MOSCOVICI, 1975, p. 15.
49
ARISTOTELES apud PEDROSA, 2003, p. 5.
37
A natureza, enquanto contemplação, nos remete à necessidade de equilíbrio do homem,
principalmente, nos tempos atuais. A necessidade de beleza, contemplação pela alma vem
desde o início da criação. E, na cidade, o homem pode também perceber a presença do belo,
da natureza em seus passos. Essa percepção está atrelada aos sentidos – olfato, tato, visão e
audição – e reporta ao modo mais primitivo e sensorial do conhecimento.
1.1 Natureza enquanto meio social
FIGURA 1 – Praça Benedito Valadares. Divinópolis/ MG. Convívio e encontro
entre pessoas de diferente faixa etária.
Fonte: ARQUIVO MUNICIPAL DE DIVINÓPOLIS, 2000.
A relação homem e natureza é colocada sob a ótica de evolução tempo/ espacial desde os
primórdios da existência humana. Para MOSCOVICI 50
os homens da antiguidade
possuíam uma convivência pacífica com a natureza e satisfaziam as suas necessidades
físicas e intelectuais sem se preocuparem com o que era seu e de outrem51
. O estado de
natureza em que viviam é conhecido pela partilha e não o intercâmbio, o acordo e não a
oposição dos interesses particulares aos interesses gerais. O fato é que entre os homens que
habitavam a Terra, as diferenças existentes não eram suficientes para colocá-los em um
mundo distintos da natureza, tal como é feito na contemporaneidade: de um lado o mundo
natural, de outro, o social, cada um com sua própria alteridade. Nas origens, o homem e a
50
MOSCOVICI, 1975, p. 18.
51
Existem algumas controvérsias quanto a abordagem feita por MOSCOVICI, mas seus argumentos vão de
encontro ao presente trabalho. Trata-se da intrínseca relação entre o homem e a natureza desde os primórdios
do processo civilizatório.
38
natureza compunham um único corpo, diferente de uma sociedade mais complexa, onde são
agregados novos valores à realidade humana e o homem vai se separando da natureza, não
de forma absoluta e em todos os lugares, mas no momento em que essas idéias vão se
expandindo e tomando corpo nas ações e pensamentos. O desenvolvimento histórico do
homem e da sociedade atesta o desarraigamento do quadro primitivo e uma crescente
desnaturação.
Com o domínio da técnica da irrigação, a natureza sofreu as primeiras interferências com a
agricultura e fixou os povos em territórios específicos, formando o berço das civilizações.
Nessa relação de dominação, a natureza é o objeto a ser dominado pelo sujeito, o homem52
.
É a visão antropocêntrica do mundo, na qual o homem é o ser primeiro de todas as coisas, e
faz que se esqueça que o termo sujeito, pode significar tanto aquele que age como aquele
que se submete. Essa visão de natureza separada do homem é característica do pensamento
ocidental, cuja matriz filosófica advém da Grécia e da Roma antigas, e se firmou
contrapondo-se a outras formas de pensar e de agir.
O avanço do Cristianismo no Ocidente trouxe uma mudança na concepção dos deuses. O
monoteísmo judaico-cristão erigiu Deus como o Ser Supremo e o homem sua imagem e
semelhança. Tendo o Cristianismo assimilado a visão aristotélico-platônica, adotou dessa
filosofia a separação entre corpo e alma, objeto e sujeito. Na Idade Média, o conceito de
natureza atendeu aos interesses da Igreja e da classe dominante. Este período é marcado
pela concepção na qual a natureza é produto da ação Divina e inacessível aos homens, e
marcada pela separação entre espírito e matéria. No fim da Idade Média, o homem,
enquanto sujeito, rompeu com a heteronomia, desenvolveu a autonomia, que levou muitos
pensadores a enfatizarem o antropocentrismo em contraposição ao teocentrismo medieval.
A construção dessa autonomia está presente em muitos aspectos do processo social
burguês.53
52
LIMA, 1984.
53
BORNHEIM apud NOVAES, 1997, p. 248.
39
O movimento cultural renascentista retomou a filosofia clássica colocando o ser humano
como eixo central do mundo e a natureza subserviente aos desejos e às ações humanas, o
que estimulou o desenvolvimento da ciência moderna. Durante a ruptura e transição, no
período renascentista, assinalaram-se transformações nas estruturas materiais e simbólicas
na Europa ocidental, com indícios de uma nova paisagem social, cujos fundamentos
basearam-se na dignidade e na universalização do homem. Esse modelo de natureza,
submetido ao sobrenatural, só vai ser rompido com a consolidação do modo de produção
capitalista, nos séculos XVII e XVIII, que trouxe uma concepção incompleta de homem,
onde os princípios norteadores passaram a ser regidos pelo capitalismo, tendo como
satisfação, os “falsos desejos”54
e a aquisição de riquezas.
Nesse contexto cultural e econômico, as idéias de Descartes, Bacon e Newton55
,
influenciadas pelo atomismo grego, vão ser fundamentais para a sistematização dessa nova
concepção de natureza como fonte material a ser explorada pelo homem. A idéia de
“natureza divina” sacralizada, não atendia aos interesses da sociedade ocidental européia,
que via a natureza como uma fonte de recursos a serem explorados e empregados na
reprodução do capital. No século XV, Francis Bacon, influenciado pela filosofia de
Epicuro, entendia o conhecimento como uma forma de poder, concebia a natureza como
algo exterior à sociedade humana, pressupondo uma separação entre natureza e sociedade,
haja vista a relação entre elas serem mecânicas, ou seja, o homem exercia domínio sobre a
natureza em termos essencialmente mecanicistas56
. Descartes57
mostrou que a investigação
de um objeto exige, dentre outros aspectos, “submeter todos os dados passíveis de serem
conhecidos a um procedimento de análise, de tal maneira que todo o observável seja
reduzido aos seus elementos mais simples.”58
Os elementos simples vão em direção à
construção do objeto e o objeto construído presta-se à manipulação por parte do ser
humano. A oposição homem-natureza, espírito-matéria se completa e passa a fazer parte do
54
Falsos desejos quer dizer, neste estudo, materialização da subjetividade humana e realização dos desejos
internos através da compra e aquisição de bens. O “ser” não tem tanta importância quanto o ‘ter”.
55
HUTCHISON, 2000.
56
FOSTER, 2005, p. 64.
57
DESCARTES apud BORNHEIM, 1997, p. 251.
58
BORNHEIM, 1997, p. 251.
40
pensamento moderno. A filosofia cartesiana atribuiu ao conhecimento um caráter
pragmático e à natureza um recurso a ser utilizado. Com Adam Smith, a natureza deixou de
ser o elemento central da teoria econômica, como era concebida pelos fisiocratas, como
fonte de valor e a agricultura como meio de produção da riqueza. 59
Desse modo, a natureza
passou a ser vista como matéria prima de sustentação à produção e em favor da Física.
O Iluminismo, no século XVIII, sob a influência da filosofia de Epicuro60
, concebia a
natureza como algo palpável. O mundo passou a ser compreendido a partir do concreto e
não mais de dogmas religiosos. O desenvolvimento da ciência pareceu confirmar o
materialismo epicurista. Marx, em sua tese de doutorado, estudou a filosofia de Epicuro,
[a] “fim de esclarecer o modo como a filosofia epicurista havia
prefigurado a ascensão do materialismo, humanismo e individualismo
abstrato do Iluminismo europeu dos séculos XVII e XVIII”[...]. “Os seres
humanos deixam de ser meros produtos da natureza ou de forças
sobrenaturais - observou Marx, baseando-se em Epicuro - quando se
relacionam não com alguma existência diferente, mas individualmente
com outros seres humanos” (MARX apud FOSTER, 2005, p. 78-84).
A análise apontava para a evolução cultural humana como representando um tipo de
liberdade para organizar, racionalmente, a vida histórica, tirando partido de limitações
estabelecidas pelo mundo material. Ao perceber a realidade do mundo como a “alienação
da essência”61
, Marx aponta que Epicuro reconheceu a alienação entre os seres humanos e o
mundo humano.
Com a consolidação do capitalismo, durante a Revolução Industrial essas idéias se
fortaleceram. No século XIX, o desenvolvimento da ciência e da técnica, reascendera o
pragmatismo e a natureza foi concebida como um objeto a ser manipulado e dominado. As
59
OLIVEIRA, 2002, p. 4.
60
KANT apud FOSTER, 2005, p. 73. “Epicuro, escreveu Kant: pode ser chamado o principal filósofo da
sensibilidade, e Platão o do intelectual[...] Na crítica da razão prática Kant voltou a enfatizar isto, referindo-se
a Platão e Epicuro como representantes da divisão fundamental dentro da epistemologia(entre materialismo e
idealismo, o sensível e o intelectual)[...] Kant se referiu aos epicuristas como os melhores filósofos da
natureza entre os pensadores gregos.Para Kant, a filosofia devia o seu aprimoramento em épocas recentes em
parte ao estudo intensificado da natureza...”
61
MARX apud FOSTER, 2005, p. 84.
41
ciências passaram a compartimentar a natureza nos campos da física, química, biologia e o
homem em economia, antropologia, história, sociologia, etc. Nesse contexto, a relação
homem-natureza deixou de ser integrada para se tornar fragmentada, parcial e deu-se a
divisão social e técnica do trabalho. Tudo isso contribuiu para o processo de dicotomização
do fazer e do pensar da sociedade, resultando na alienação social do indivíduo em suas
interfaces com a economia, política, cultura e religião. A novidade desse período é que o
indivíduo humano passou a ser entendido como uma realidade autônoma e o conhecimento
e a liberdade, em suas novas acepções, emprestaram à autonomia a sua transparência.
A ciência moderna e contemporânea adotou um conceito universal de natureza. Através do
domínio da natureza pela apreensão do conhecimento e seu distanciamento da religião
implantou-se uma nova relação do ser humano com o meio natural, de dominação e
racionalidade. Com Darwin, os fenômenos biológicos foram explicados a partir das
mesmas bases científicas utilizadas para compreender os fenômenos químicos ou físicos,
pois a biologia fez-se historicamente fundamental aos estudos científicos. Com a teoria
quântica surgiu o debate em relação ao tempo e ao espaço e, junto aos estudos da matéria, a
relação de tempo e espaço tornou-se básica para os estudos sobre os eventos físicos.
No século XX, o átomo é concebido como uma unidade e um sistema constituído de
partículas que se interagem mutuamente. Dado o desenvolvimento dos estudos da evolução
da vida e das espécies animais e a complexidade das relações da sociedade contemporânea,
vê-se, hoje, o reconhecimento da convivência social como integrante da natureza. Ocorreu
uma ampliação do conceito de natureza e não se pode mais separar o homem da natureza,
“não há nenhuma outra essência que o homem possa pensar, sonhar, imaginar, sentir,
acreditar, desejar, amar e adorar como absoluto senão a essência da própria natureza
humana”62
. Neste pensamento, FEUERBACH assimilou “a natureza externa; pois, assim
como o homem pertence à essência da natureza, em oposição ao materialismo comum, da
mesma forma a natureza pertence à essência do homem.”63
Como partículas que se
62
FEUERBACH apud FOSTER, 2005, p. 104.
63
FEUERBACH apud FOSTER, 2005, p. 104.
42
interagem, não se separa a natureza da sociedade, o homem é natureza tanto como meio
direto de vida quanto como matéria, objeto e instrumento da sua atividade.
O homem vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele precisa
manter um diálogo contínuo com ele se não quiser morrer. Dizer que a
vida física e mental do homem está ligada à natureza significa
simplesmente que a natureza está ligada a si mesmo, pois o homem é
parte da natureza (MARX apud FOSTER, 2005, p. 107).
A dicotomia homem e natureza vem sendo questionada, haja vista a questão ambiental atual
exigir novo paradigma onde homem e natureza façam parte de um mesmo processo. À
medida em que a concepção de natureza muda, mudará também a concepção do que seja o
próprio homem e as ideologias e interesses que acarretam essas transformações.
1.2 Natureza enquanto lugar de (re) encontros com o outro e consigo mesmo
A crise do meio ambiente serviu para alertar quanto às agressões produzidas ao meio
natural. Toda a sociedade é chamada a refletir sobre a natureza e agir positivamente sobre a
mesma. Visto que a problemática ambiental e o afastamento do homem em relação ao meio
natural passa pela mudança de comportamento humano quanto aos hábitos, costumes e
valores. Faz-se necessária uma reflexão sobre a realidade, em sua dimensão filosófica e
social.
Como diz LATOUCHE, a relação homem-natureza se apresenta embasada no modelo de
subserviência ao capital. “A mundialização contemporânea das principais dimensões da
vida não é um processo natural engendrado por uma fusão de culturas e de histórias. Trata-
se de dominação cultural, com suas contrapartidas, sujeições, injustiça, destruição64
.” A
uniformização dos modos de vida e a padronização do imaginário, sujeitos à ciência, à
técnica e ao capital passaram a ser um mito do desenvolvimento para o mundo ocidental.
Ignoram-se as relações do ser humano com suas origens mais remotas: com a natureza e
com o meio em que vive, inclusive com o outro. Os indivíduos tenderam a perder a
64
LATOUCHE, 1994, p. 13.
43
responsabilidade para com seus atos e vivem em busca do mundo fictício da técnica e do
capital, acreditando satisfazerem seus desejos e sonhos através do mundo exterior.
O ocidente65
tornou-se uma “máquina impessoal, sem alma, sem mestre, que colocou a
humanidade a seu serviço”66
, onde impera o individualismo e a perda de identidade
cultural. O ser humano voltou-se para o outro a fim de captar seu reflexo perdido. A
interiorização do olhar do outro provocou nas sociedades um desenraizamento cultural e
muitos indivíduos parecem estar destituídos do vínculo com o solo, paisagem, meio
ambiente, propensos a dominarem a natureza e o outro ser.
Nos últimos 50 anos, as mudanças ocorridas em relação ao meio ambiente e às ciências,
enfraqueceram os modelos estabelecidos anteriormente e, o final do século XX, foi
marcado por novos arranjos das atividades humanas e da própria postura dos indivíduos.
Surgiram questões de ordem ética, moral, biológica e ambiental, que estão exigindo novos
caminhos e posturas dos indivíduos diante do que é vital para a continuação da vida no
planeta. Sendo assim, o ser humano está numa busca incessante pelo sentido de sua
existência, demonstrando que o desenvolvimento das ciências e da técnica nunca puderam
substituí-lo nesta busca e, cabe ao indivíduo, ação e responsabilidade em relação ao meio
que o cerca.
o ser humano, na sua ânsia de plenitude e realização, quer mais do que o
ritmo da máquina moderna; não se contenta em ser uma peça eficiente de
um fantástico mundo de produção e de invenções, impulsionado pela
razão técnica a dominar tudo o que manipula (AGOSTINI, 1995, p. 11).
Numa fase que contém traços de transição como a sensação de esvaziamento, de ausência
de sentido e de normas, de incerteza e de crise da própria modernidade, chega o momento
de se repensar e fazer presente os valores intrínsecos ao ser humano e sua relação com a
natureza da qual depende. É preciso organizar os espaços em prol da vida e de ordenar as
65
Segundo LATOUCHE, ocidente não designa lugar ou espaço físico definido e sim direção. Tem uma noção
ideológica ditada pela Europa, Japão e Estados Unidos, é o lugar de relações comerciais e capitalistas.
66
LATOUCHE, 1994, p. 13.
44
relações humanas em vista do equilíbrio vital. O atual momento vem como uma
oportunidade para o homem reencontrar consigo mesmo, indo ao encontro do que é mais
essencial a seu ser, a fim de restabelecer o vínculo com o lugar com, o espaço e a natureza e
também com o outro ser, aquele com quem ele caminha e compartilha experiências. Por
isso, as bases sustentadoras do ser humano, relativas ao ethos, articuladas à moral e à ética
merecem atenção. O ethos representa a identidade profunda do homem, seu modo de ser e
viver no tempo e no espaço e seu enraizamento próprio, diz AGOSTINI67
.
Ethos é uma palavra grega, que designa costumes e modos de agir, eleva a capacidade
crítica e de discernimento, essenciais para a vida na sociedade. Há uma correspondência
analógica entre physis,“primeira noção científica de natureza” 68
e ethos que implica,
segundo VAZ, na “primazia da ordem ou hierarquia das ações, o que permite pensar o
mundo do ethos segundo o modelo do kosmos ou ordem da natureza.” 69
A realização da
vida humana passa, primeiramente, pela harmonia com o seu ambiente. É inconcebível
pensar a natureza em separado da vida, na sociedade de indivíduos. Sendo assim, é através
do ethos que a sociedade entra em consonância com a natureza. Enquanto capacidade de
discernimento, o ethos estabelece a consciência de que o ser humano é mais que um objeto
do mercado de consumo e produção. Leva à “dimensão libertária do direito à diferença, do
comunitário, dos direitos da natureza, do encontro do mundo com a realidade local, de uma
nova ética no trabalho, no prazer, na gratuidade, na celebração e na fantasia, dos valores do
sagrado” 70
, sendo o maior desafio para a atualidade reaver a alteridade. Nesse contexto, a
expressão da dimensão libertária pode ser claramente expressa na natureza e nos seus
espaços correlatos, através de práticas e ações de cidadania. A cidadania está ligada à
consciência e à fruição de direitos e deveres: direitos no que diz respeito à preservação da
vida e seu desenvolvimento, expansão dos direitos sociais e ampliação da solidariedade.
Deveres quanto à tomada de consciência da responsabilidade do homem em relação à
natureza, aos espaços físicos e aos outros seres.
67
AGOSTINI, 1995.
68
VAZ, 1988, p. 44.
69
VAZ, 1988, p. 45.
70
AGOSTINI, 1995, p. 153.
45
Cidadania relacionada ao meio ambiente denomina-se cidadania ambiental e propõe uma
mudança da relação homem-natureza, objetivando uma integração do ser humano ao
ecossistema e nova percepção do meio natural no que se refere à superação da exploração
predatória que vem ocorrendo. A participação popular na gestão das questões ambientais é
um elemento básico à efetivação da cidadania ambiental na cidade.
A natureza é o amplo campo que estabelece elo vital e preponderante na vida do homem e
na conciliação da vida na cidade com a natureza, que vem reforçar a concepção social de
natureza e abrir espaços novos como lugar de encontros e reencontros com o outro e
consigo mesmo.
1.3 Da vida na cidade à vida no espaço urbano
Considerando que a natureza é integrante da vida na cidade, da sociedade e da cultura não
mais pode ser pensada como dissociada do homem. Os problemas ambientais, a crise de
valores morais e éticos, a falta de compromisso e de responsabilidade para com o todo e,
em específico, o individualismo vêm trazer uma nova maneira de pensar a cidade e sua
relação com a natureza.
A cidade antiga, originalmente centro político-mercantil e ao mesmo tempo subordinada ao
campo, detinha o poder político-ideológico. Essa cidade reunia as atividades dispersas e as
pessoas, a palavra e os escritos filosóficos. Caracterizava-se como espaço democrático e
público. SITTE apud CHOAY (1988) identifica a necessidade fundamental dos espaços
abertos para a vida pública nas cidades antigas, pois diversas atividades coletivas ali tinham
lugar: as representações, as cerimônias, os jogos, o mercado, as trocas. A cidade no final do
medievalismo era compacta, implantada na paisagem da qual retirava o seu sustento. O
mercado medieval não representava apenas o comércio, mas, principalmente, a manufatura.
Algumas vezes o mercado acontecia em uma praça específica, localizada no centro da
cidade, outras vezes nas ruas e entradas das cidades. A função econômica, através do valor
de troca, preconiza o capitalismo e centralidade urbana.
46
A cidade capitalista criou o centro de consumo, ocupado por comércios raros e centralidade
instalada nos espaços apropriados. Consumir também significava reunir-se com pessoas,
lugar de encontro a partir das coisas.71
Com a produção industrial, as cidades sofreram
transformação radical em seu território, ocorreu uma sobreposição do centro de decisão e
do centro de consumo, como também setorização dos espaços. De espaço privilegiado para
o coletivo - festa, poder – transformou-se em espaço privilegiado da produção, trabalho e
mercado de consumo. Houve uma inversão do sentido da cidade desde a antiguidade
clássica, que era marcadamente política. Após este período, implantou-se a cidade
comercial, dada a existência do mercado. Prosseguindo, desenvolveu-se a cidade industrial
com a emergência do capital industrial. Diante dessa transformação, contraditoriamente
ocorre: “a não-cidade e a anticidade vão conquistar a cidade, penetrá-la, fazê-la explodir, e
com isso estendê-la desmesuradamente, levando à urbanização da sociedade, ao tecido
urbano recobrindo as remanescências da cidade anterior à indústria”72
. Com isso, a relação
homem-natureza foi sendo cada vez mais distanciada e instaurou-se uma mediação: a
realidade urbana, onde a lógica do consumo induziu ao valor de troca em detrimento ao
valor de uso, a lógica do privado sobrepôs-se ao do bem coletivo.
A realidade urbana, ao mesmo tempo amplificada e fragmentada, perde os traços que a
época anterior lhe atribuía: organicidade, espaço demarcado e povoado de signos e
significados. “Os signos do urbano tornam-se estipulação, ordem repressiva, inscrição por
sinais, códigos sumários de circulação (percursos) e de referência.”73
A implosão de
pessoas, atividades, riquezas, objetos, instrumentos, técnicas e a explosão de periferias,
subúrbios desarticulados e disjuntos caracterizam a nova realidade urbana. A produção
industrial interpõe-se no mercado mundial, nas relações entre os indivíduos, na troca de
produtos, das obras, dos pensamentos. “A compra e a venda, a mercadoria e o mercado
parecem varrer os obstáculos.”74
O urbano, segundo LEFEBVRE, define-se como uma
realidade inacabada da cidade contemporânea, numa oposição campo e cidade, onde há
71
LEFEBVRE, 1969.
72
LEFEBVRE, 2004, p. 25.
73
LEFEBVRE, 2004, p. 26.
74
LEFEBVRE, 2004, p. 26.
47
uma complexidade das relações sociais, ruptura das compartimentações, multiplicidade das
conexões, comunicações e informações. A cidade se dissolve e vê-se como objeto de
consumo, lucro, produção para o mercado75
, torna-se urbana e dissociada da cidade antiga.
Ora, o que está em questão é a construção das práticas urbanas em favor da rua e do
cotidiano das pessoas na vida urbana. A rua não é apenas um lugar de passagem e de
circulação, é o “lugar (topia) do encontro, sem o qual não existem outros encontros
possíveis nos lugares determinados [...] nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os
quais não há vida urbana, mas separação, segregação estipulada e imobilizada”76
. Detentora
de funções informativas, simbólicas e lúdicas, a rua constrói referenciais no imaginário dos
transeuntes e proporciona-lhes significados pela troca das palavras e dos signos.
A sociedade atual não mais coincide com a cité e a cidade encontra-se em vias de ser
ameaçada. Urge pensar sobre ela e sua crise contemporânea, quais os fundamentos e os
novos valores da sociedade que interferem nos espaços da cidade, principalmente os
públicos. A cidade carece relacionar-se com a natureza, com a cultura, com nós mesmos,
com o Absoluto, com a história, com o político, artístico, técnico e científico e convoca a
uma vida social plena e autônoma, polis, espaço da política, da liberdade e da justiça.
ROUSSEAU denunciara a grande cidade, tida como espaço do vício. Nessa perspectiva,
hoje, tem-se a nostalgia da paz, do encontro com a natureza, vistas em várias iniciativas e
no imaginário dos que buscam nos fins de semana ir ao sítio, casa de campo, praia,
montanha como uma maneira de reinventar a (u) topia urbana na luta contra a dominação e
a injustiça instauradas na cidade77
.
Nesta perspectiva, as mudanças na vida urbana, em prol de uma vida na cidade, vão de
encontro ao outro, ao fazer-se solidário, cidadão e, através da percepção, restabelecer o elo
com o lugar, com o espaço e com a natureza. Sendo assim, a idéia de natureza está atrelada
à necessidade que a psique tem de contato com os elementos naturais de beleza, como um
75
LEFEBVRE, 1969, p. 70.
76
LEFEBVRE, 2004, p. 29.
77
ROUSSEAU apud WILLIAMS, 1989.
48
meio de recriar os sentidos com luzes, cheiros, sons, texturas e convocar as práticas urbanas
à emoção do ordinário do cotidiano.
Em meio ao traço de dominação da natureza pelo homem, que se interpõe nas relações
urbanas, a satisfação dos sentidos e a experiência com o belo, apontado nos estudos de
psicologia, por HILLMAN, estão em crise78
. E é justamente no retorno à contemplação e à
beleza que a percepção sensorial ou aisthesis79
poderia, novamente, possibilitar a
elaboração de uma nova humanização na vida no espaço urbano, a fim de propiciar uma
nova convivência do homem com o lugar e com a natureza.
A sociedade atual chegou a um caos tal que reivindica insistentemente a
coerência. [...] O caminho que se abre é o da reconstrução de um
humanismo na, para e pela sociedade urbana. É para esse ser humano em
formação, portanto, fato e valor, que a teoria abre o caminho
(LEFEBVRE, 2004, p. 70).
O ser humano tem necessidades que foram negligenciadas pelas práticas do urbanismo. Se
existem funções, existem, principalmente, desejos além das coisas e da linguagem.
o ser humano tem necessidade de acumular e de esquecer; tem
necessidade simultânea ou sucessivamente de segurança e de aventura, de
sociabilidade e de solidão, de satisfações e de insatisfações, de
desequilibrio e de equilíbrio, de descoberta e de criação, de trabalho e de
jogo, de palavra e de silêncio (LEFEBVRE, 2004, p. 72).
Não há mais como dissociar espaço urbano, homem e natureza. São partes de um mesmo
todo e é na harmonia das relações e na oportunidade de trocas que poderiam se estabelecer
as novas relações e os novos encontros.
78
HILLMAN, 1993.
79
Aisthesis: Estética – Do grego significa sensibilidade, a capacidade de experimentar sensações. A partir do
século XVII com Baumgarten passou a designar a reflexão acerca do belo e da beleza.
Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 270.
49
A satisfação do impulso da beleza está localizada na natureza e a natureza
é ameaçada de destruição, o ser humano sente uma perda de alma, somos
levados a extraordinárias medidas de conservação, não para preservar as
lesmas ou os grous berrantes enquanto tais, mas para preservar a
necessidade da alma de beleza e a satisfação dessa necessidade pela
natureza (HILLMAN, 1993, p. 122).
O belo é o elo de equilíbrio entre o homem e a natureza. Mesmo que essa relação esteja
enfraquecida, nos tempos atuais, ele se faz presente no “tranqüilo córrego e a cachoeira
alva, o céu imenso e limpo, o pôr-do-sol, as montanhas distantes e as grandes árvores – têm
sido esses nossos modelos de beleza e, portanto, refúgios para a alma” como analisa
HILLMAN80
.
A natureza é pura, sem artifícios, genuína e, portanto, ainda um lugar onde a verdade e a
beleza subsistem. Não precisa ser restrita ao mar, montanhas, gramados e pássaros;
escondem-se no dia-a-dia do homem, seja no seu próprio corpo natural, seja através de suas
ações e pensamentos enquanto ser social. Certamente, sendo o homem também natureza e
pertencente a uma sociedade, o que é feito pelo homem através da cultura, interfere no
processo natural do espaço físico e biológico. Sendo assim, as alterações ocorridas na
natureza começam pelo homem e pela cidade e uma das possibilidades de reportar aos
espaços naturais com olhos e ouvidos atentos, começa com uma atitude renovada com
relação àquilo que há, seja o que for, esteja onde estiver. O encontro com o belo pode ser
fomentado pela atitude de se caminhar pela cidade, com os sentidos aguçados, desde
quando nos movimentamos com os sentidos acurados, escutando,
observando, respirando sintonizados com o mundo ao nosso redor,
reconhecendo sua anterioridade e a nós mesmos como hóspedes,
testemunhando tudo àquilo que foi dado por Deus (HILLMAN, 1993, p.
126).
Na atualidade, a natureza permanece physis e num olhar para a crise ecológica encontra-se
a crise do homem. Quando se quer um mundo belo, com sons, cheiros e texturas, quer-se a
80
HILLMAN, 1993, p. 122.
50
satisfação dos sentidos e a experiência do belo, do amor. Como diz HILLMAN81
, por baixo
da crise ecológica está a crise mais profunda do amor e o resultado direto da repressão da
beleza. Para que o amor retorne ao mundo, é preciso, primeiramente, que a beleza retorne.
O retorno da beleza reporta à percepção sensorial e revela o modo primário do
conhecimento.
A interioridade pessoal e o individualismo vão contra a concepção de natureza enquanto o
belo, é um distúrbio da beleza, pois, não mais se tem o olhar voltado para além de si
mesmo. A relação sujeito e objeto faz-se isoladamente e há uma dissociação entre o que é
pensado, falado e escrito e aquilo que os sentidos captam. É oportuno para os tempos atuais
atrair o retorno ao belo, caminhar em direção à aisthesis, que significa sensibilidade e ir de
encontro à natureza, para perceber a beleza que se deixa transparecer para aqueles que a
procuram.
1.4 Problemas ambientais urbanos e qualidade de vida
A problemática ambiental está no centro das discussões da sociedade contemporânea e suas
implicações, em todas as dimensões do cotidiano, escapam dos pressupostos racionalistas e
vão em direção a uma nova dimensão filosófica do espaço da cidade, a ser pensada, além
dos modelos de produção e consumo. A questão ambiental “decorre do esgotamento do
modelo de desenvolvimento capitalista adotado pela sociedade, baseado em um alto
dinamismo econômico, acompanhado de uma elevada desigualdade social”.82
O meio
ambiente apresenta sinais de degradação e coloca para a sociedade atual a necessidade de
reformulação do seu modo de vida. Há uma sensibilização incipiente quanto à questão e à
consciência ambiental no processo de produção e na organização econômica e espacial da
sociedade contemporânea. O impacto dessa consciência sobre o ambiente construído, deixa,
hoje, muito a desejar.
81
HILLMAN, 1993.
82
SILVA-SÁNCHEZ, 2000, p. 25.
51
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  • 1. Ediza Rodrigues do Couto PAUSAS URBANAS: contraponto entre indivíduo e sociedade Divinópolis FUNEDI-UEMG 2007
  • 2. Ediza Rodrigues do Couto PAUSAS URBANAS: contraponto entre indivíduo e sociedade Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus da Fundação Educacional de Divinópolis, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais. Área de Concentração: Estudos Contemporâneos Linha de Pesquisa: Cultura e Linguagem Orientadora: Profª. Drª. Batistina Maria de Sousa Corgozinho Divinópolis FUNEDI-UEMG 2007
  • 3. Couto, Ediza Rodrigues do C871p Pausas urbanas: contraponto entre indivíduo e sociedade [manuscrito] /Ediza Rodrigues do Couto. – 2007. 209 f., enc. Orientador : Batistina Maria de Sousa Corgozinho Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 197 - 209 1. Áreas verdes - Urbanas. 2. Áreas verdes - Públicas . 3. Divinópolis - MG. 4. Corgozinho, 1999- .- Tese. l. Corgozinho, Batistina Maria de Sousa. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 363.7
  • 4. Dissertação defendida e APROVADA pela Banca Examinadora constituída pelos Professores: Profª. Drª. Batistina Maria de Sousa Corgozinho (Orientador) – FUNEDI/UEMG Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira – FUNEDI/UEMG Prof. Dr. Otávio Soares Dulci – UFMG Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais Fundação Educacional de Divinópolis Universidade do Estado de Minas Gerais Divinópolis, 12 de Dezembro de 2007.
  • 5. AUTORIZAÇÃO PARA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA DISSERTAÇÃO Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG. Ediza Rodrigues do Couto Divinópolis, 30 de Novembro de 2007.
  • 6. RESUMO Pausas urbanas – áreas verdes urbanas públicas - situadas nos interstícios da cidade, territórios de conflitos e possibilidades que constituem, como se procurará demonstrar, lugares de encontro potencial, ao intermediar relações sociais, econômicas e culturais. Podem representar o revigoramento da cidadania no espaço urbano contemporâneo e, ao relacionarem-se à composição musical, propõem parada, silêncio, harmonia, ritmo e diferenciação tonal, “pausa” em meio à trama urbana. Como espaços de intermediação das relações sociais e de resgate da utopia subjugada na modernidade, os espaços públicos representam, ao longo do tempo, uma possibilidade civilizatória e se estabelecem, hoje, como o elo entre o indivíduo e a sociedade, entre o privado e o público, entre a cidade - espaço público e a música - pausa. Os lugares recortados para o estudo foram as duas praças centrais da cidade de Divinópolis/MG, “Praça do Santuário e da Catedral”, por exercerem papel de lazer, encontro e convívio, além de espaços verdes públicos em contraposição à verticalização excessiva da região central. Devido à complexidade e diversidade dos elementos que regem as pausas urbanas e tratando-se de lugares histórico-sócio-cultural-ambiental importantes, eles foram pensados dentro de uma abordagem transdisciplinar, numa reflexão sobre a arquitetura, meio ambiente e vida urbana, a partir de contribuições da sociologia, filosofia e psicologia, a fim de apreender o lugar das fronteiras, suas contradições e possibilidades. Palavras-chave: Indivíduo – Cidadão – Sociedade – Público – Privado - Pausa
  • 7. ABSTRACT Urban pauses – public urban green areas – located in the city intervals, territories of conflicts and possibilities in which are made, as it will be searched in order to demonstrate them, potential hang out places, such as intermediate social, economic and cultural relationships. It can represent the revival of the citizenship in the contemporary urban space and the connection to the break(pause), silence, harmony, rhythm and tune diversity,”, “pause” in the middle of urban chaos. As intermediate spaces to the social relationships and of utopic rescue subdued in modern times, the public spaces represent along the ages, a civil possibility and establish today, a connection between the individual and society, between the public and private, the city –public space and music-pause. The chosen places for this study were the two main central squares of Divinópolis city, Minas Gerais state, “Praça do Santuário e da Catedral”, because they play an important role as leisure, meeting place and daily life of citizens, beyond its public green spaces by contrast to the excessive verticalization of the central area. Due to the complexity and diversity of the elements which rule the urban pauses and because of the historical-socio-cultural-environmental importance of the related places, they were considered into a transdisciplinary approach over its architecture, environment, and urban life from some sociological, philosophical and psychological contributions in order to incorporate the frontiers , contradictions and possibilities. Key-words: Individual – Citizen – Society – Public – Private - Pause
  • 8. AGRADECIMENTOS Uma das partes mais gratificantes dessa Dissertação, semelhante àquelas em que se viam as idéias sendo materializadas, é a do agradecimento. Agradeço - A Deus, o PAI da criação... a quem devo o meu agradecimento maior, pela vida. - Ao Frei Bernardino Leers, que sempre me apoiou e confiou na minha capacidade. - A minha família, em especial aos meus pais, que sempre me apoiaram e foram a motivação maior para a realização deste estudo. À Júlia, Mariana e Rafael, meus sobrinhos, crianças que me encantam e que mais participam das pausas urbanas. Ao meu esposo José Maria, com quem compartilho os momentos de “pausa”. - A minha orientadora Professora Dra. Batistina Maria de Sousa Corgozinho, pelas suas contribuições precisas que permitiram um maior desenvolvimento e aprofundamento do tema abordado, pelo seu estímulo, quando muitas vezes me encontrava sem propósitos, me impulsionava a continuar na pesquisa. E, principalmente, pela sua amizade, carinho e dedicação. - Aos meus colegas e amigos que participaram desta etapa e torceram pela continuidade do meu trabalho. - Aos alunos do Curso de Engenharia Civil pela FUNEDI-UEMG, Bruno Henrique Vilanova Novais e André Gonçalves Martins, que participaram da confecção dos mapas e tabelas referentes às áreas verdes e ocupação do solo de Divinópolis. - Aos colegas de Prefeitura, na pessoa de Lúcia Helena Marcolino Duarte, João Batista Rodrigues e José de Sousa, que se dispuseram a me fornecer os dados e materiais textuais e cartográficos para a pesquisa. - Aos funcionários da FUNEDI-UEMG, principalmente à Eloisa que colaborou para o fornecimento e datação dos arquivos digitalizados do Centro de Memória.
  • 9. “...um despertar ecológico pleno no qual a Vida se manifeste na expansão das relações sociais, interpessoais e transpessoais, para a primazia do sagrado dom de fazermos parte dessa extraordinária criação, com liberdade e respeito ao princípio do Ser em todas as suas manifestações.”( WEIL et al., 2003, p.120) Este pensamento embasou a gênese do trabalho e esteve sempre presente em minha vida
  • 10. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 – Praça Benedito Valadares ........................................................... 38 Figura 02 – Somos parte de uma sociedade de indivíduos, como é parte da melodia uma nota musical ......................................................... 74 Figura 03 – Teatro de Epidauro ..................................................................... 76 Figura 04 – Indivíduo privatizado dos olhares dos outros questiona o direito à cidade ............................................................................ 79 Figura 05 – Vista parcial da cidade de Divinópolis, década de 60 ................ 101 Figura 06 – Mapa de Divinópolis e municípios limítrofes ............................ 102 Figura 07 – Minas Gerais e Região Centro-oeste .......................................... 103 Figura 08 – Urbanização em Divinópolis ...................................................... 106 Figura 09 – Divinópolis e a verticalização da região central ......................... 111 Figura 10 – Área verde pública bairro Danilo Passos .................................... 113 Figura 11 – Área verde pública bairro Jardim Candelária ............................ 113 Figura 12 – Área verde particular Lagoa da SIDIL ...................................... 115 Figura 13 – Área verde particular Mata do Noé e região central ................. 1 16 Figura 14 - Área verde particular Mata do Noé e região sudeste .................. 1 17 Figura 15 – Mapa área verde por habitante .................................................. 1 20 Figura 16 – Mapa densidade bruta ................................................................. 121 Figura 17 – Mapa ocupação do solo da região central .................................. 1 24 Figura 18 – Verticalização da região central ................................................. 1 26 Figura 19 – Mapa densidade líquida da região central .................................. 128 Figura 20 – Vista parcial da área verde do bairro Vila Romana ................... 1 29 Figura 21 – Área verde pública do bairro Vila Romana ............................... 129 Figura 22 – Vista parcial da área verde do bairro Jardim Candelária ........... 1 29 Figura 23 – Mapa área verde pública anterior e posterior a Lei 6.766/79 ..... 131 Figura 24 – Divinópolis e a região central ...................................................... 132 Figura 25 – Largo da Matriz .......................................................................... 132 Figura 26 – Vista da Rua Rio de Janeiro ....................................................... 134 Figura 27 – Praça Benedito Valadares – 1968 ............................................... 135
  • 11. Figura 28 – Localização das três áreas públicas nos meados do séc. XX ........ 1 35 Figura 29 – “Quarteirão dos Franciscanos”....................................................... 136 Figura 30 – Limite de tombamento da Praça Benedito Valadares .................... 1 38 Figura 31 – Praça Benedito Valadares e Santuário de Santo Antonio .............. 1 39 Figura 32 – Praça Benedito Valadares e entorno .............................................. 141 Figura 33 – Obelisco em tijolo no centro da praça ........................................... 142 Figura 34 – Praça e seu entorno ........................................................................ 143 Figura 35 – Contadores de história na manhã de domingo ............................... 1 50 Figura 36 – Planta Praça Benedito Valadares ................................................... 152 Figura 37 – Valorização da região central e entorno da Praça ......................... 1 53 Figura 38 – Antigo Largo da Matriz em 1956 .................................................. 155 Figura 39 – Barraquinhas na Praça em 1956 .................................................... 156 Figura 40 – Largo da Matriz em 1956 .............................................................. 156 Figura 41 – Igreja/ Catedral do Divino Espírito Santo ..................................... 157 Figura 42 – Praça Dom Cristiano, 1970 ............................................................ 1 58 Figura 43 – Noite na Praça ................................................................................ 1 60 Figura 44 – Tarde de sábado, lazer na Praça .................................................... 1 62 Figura 45 – Inauguração da Praça Dom Cristiano, 1970 .................................. 163 Figura 46 – Praça Dom Cristiano anos seguintes a sua inauguração, 1974[?] . 164 Figura 47 – Playground da Praça Dom Cristiano e o movimento de crianças . 1 65 Figura 48 – Pórtico em concreto cria envolvência na área de convívio ........... 1 66 Figura 49 – Áreas de convívio .......................................................................... 167 Figura 50 – Planta Praça Dom Cristiano ........................................................... 1 68 Figura 51 – Praça em festa ............................................................................... 170 Figura 52 – Festa e cultura na praça ................................................................. 172 Figura 53 – Ocupação de parte da Praça com mesas de bares locais ............... 1 74 Figura 54 – Praça Dom Cristiano, local de encontro de todas as pessoas ........ 176 Figura 55 - Folder encontro na praça ............................................................... 184 Figura 56 – Recorte partitura Sinfonia 5 de Tchaikovsky ................................ 185 Figura 57 – Recorte da cidade e entorno próximo à Praça Dom Cristiano ....... 1 85 Figura 58 – Recorte da cidade e entorno próximo à Praça Benedito Valadares 186 Figura 59 – Recorte partitura Sinfonia 5 de Tchaikovsky ................................ 186
  • 12. Figura 60 – Foto aérea da cidade de Divinópolis em 2006 ............................... 1 88 Figura 61 – Solo de Trompa da Sinfonia 5 de Tchaikovsky ............................. 1 88 Gráfico 1 – Proporção de óbitos por causas básicas ......................................... 122
  • 13. LISTA DE TABELAS 1 – Índice área verde pública e habitantes ........................................................ 118 2 – Densidade bruta área urbana e regiões de planejamento ............................ 122
  • 14. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APP´s - Áreas de Preservação Permanente AUTOCAD - Auto Computer-Aided Design B. - Bairro CEFESP - Centro Ecumênico de Formação e Espiritualidade CEMIG - Centrais Elétricas de Minas Gerais CODEMA - Conselhos Municipais de Desenvolvimento Ambiental CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente DICAF - Diretoria de Cadastro e Fiscalização EAUFMG - Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais ECO 92 - Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento EFOM - Estrada de Ferro Oeste de Minas FACED - Faculdade de Ciências Econômicas de Divinópolis FADOM - Faculdades Integradas do Oeste de Minas FUNEDI - Fundação Educacional de Divinópolis GAD - Grupo de Arquitetos de Divinópolis GTO - Geraldo Teles Oliveira IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil IBGE - Instituto Brasileiro de geografia e Estatística IDH - Índice de Desenvolvimento Humano INSSC - Instituto Nossa Senhora do Sagrado Coração ISPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional NBR - Normas Brasileiras ONG´s - Organizações não governamentais ONU - Organização das Nações Unidas PIB - Produto Interno Bruto PNDU - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPC - Paridade de Poder de Compra SBAU - Sociedade Brasileira de Arborização Urbana SEMA - Secretaria Especial do Meio Ambiente
  • 15. SIDIL - Sociedade Imobiliária Divinópolis Ltda UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais UNEP - United Nations Environment Programn WCED - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
  • 16. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................ 16 CAPÍTULO 1 - A NATUREZA E O HOMEM: RELAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA VIDA URBANA 1.1 Natureza enquanto meio social.............................................................. 38 1.2 Natureza: lugar de (re) encontros com o outro e consigo mesmo ......... 43 1.3 Da vida na cidade à vida no espaço urbano .......................................... 46 1.4 Problemas ambientais urbanos e qualidade de vida ............................. 51 CAPÍTULO 2 - PAUSA URBANA – LUGAR DAS FRONTEIRAS 2.1 Indivíduo e sociedade/ o público e o privado ...................................... 75 2.2 Espaço público e privado no Brasil ..................................................... 82 2.3 Do indivíduo ao cidadão ...................................................................... 84 2.4 Cidadania e espaço público .................................................................. 86 2.5 Pausa urbana e pausa musical .............................................................. 88 2.6 Espaço público enquanto lugar ............................................................ 91 2.7 Experiência urbana e cotidiano ............................................................ 93 2.8 Lugar das fronteiras ............................................................................. 96 2.9 Urbanismo: projeto dos lugares ........................................................... 98 CAPÍTULO 3 - CIDADE DE DIVINÓPOLIS E PAUSA URBANA 3.1 Abordagem no contexto da evolução urbana ....................................... 102 3.2 Os lugares e sua modernização ............................................................ 107 3.3 As áreas verdes urbanas públicas na atualidade ................................... 1 12 3.4 As áreas verdes urbanas nos meados do século XX ............................. 1 32 3.5 Praça Benedito Valadares - Centro Cultural do Povo .......................... 135 3.6 Praça Dom Cristiano ............................................................................. 154 3.7 Conformação dos lugares a partir do cotidiano e dos usuários.............. 176 3.8 Pausa urbana – utopia ou realidade? ..................................................... 185 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 190 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 197 ANEXO(s)
  • 17. INTRODUÇÃO Este estudo trata sobre as áreas verdes urbanas públicas, caracterizadas como pausas urbanas, situadas nos interstícios da cidade de Divinópolis, MG, cidade em que se encontram características e elementos marcantes da modernidade e, dessa forma, favorável à pesquisa pretendida: lugar do “progresso”, do transitório, do vulnerável e da rapidez na veiculação dos fatos e acontecimentos e o lugar de pessoas de muitas regiões diferentes.1 A definição de áreas verdes, na literatura, abrange desde espaços destinados ao lazer e à recreação, até aqueles voltados à preservação e conservação de recursos naturais. Consideramos áreas verdes como: áreas de recreação, educativas e contemplativas, em que predominam a vegetação, de uso comum do povo. Atingem seus objetivos mais amplos quando arborizadas, total ou parcialmente. São áreas verdes: os jardins públicos, praças arborizadas, jardins zoológicos e botânicos, hortos florestais e outros. As áreas de recreação ativa (campos de práticas desportivas) não são consideradas áreas verdes. As áreas verdes urbanas devem ocupar um espaço correspondente ac. 20m2 por habitante (FERRARI, 2004, p. 38). Dentre as áreas verdes urbanas públicas, em Divinópolis, optou–se por estudar as duas praças centrais da cidade: Praça Benedito Valadares/ Centro Cultural do Povo e Praça Dom Cristiano/ da Catedral, seja por se tratarem de áreas históricas, culturalmente importantes e exercerem papel de lazer, de encontro e de convívio, seja por representarem um espaço verde, público, em contraposição à verticalização e à excessiva ocupação do solo urbano. As pausas urbanas são compreendidas como o limite entre territórios públicos e privados, resultantes da espacialização ambiental-político-social e que, como se procurará demonstrar, constituem lugares de encontro potencial, ao intermediarem realidades sociais, políticas, econômicas e culturais distintas, representando uma possibilidade de revigoramento da cidadania e de interação entre os indivíduos. Como tal, essa investigação 1 CORGOZINHO, 2003, p. 278-296. 16
  • 18. insere-se no tema sobre a questão ambiental, que parte do princípio de que o meio ambiente diz respeito a todos os aspectos da vida humana, desde aqueles puramente estéticos até os responsáveis pelo ciclo da vida. Dessa forma, entende-se como meio ambiente: conjunto que compreende, em seu todo, o meio físico, o meio biótico e o meio antrópico. O meio físico é constituído pelo solo, pelos recursos hídricos superficiais, subterrâneos e pelo clima. O meio biótico compõe-se da flora e da fauna, isto é, da vida vegetal e animal. O meio antrópico é o criado pelo homem: infra-estrutura física e social, infra-estrutura viária, atividades econômicas, urbanização, instituições públicas e privadas, qualidade de vida (FERRARI, 2004, p. 231). A discussão sobre o tema exige uma abordagem a respeito do ser humano dentro de um contexto mais amplo, onde deve estar presente a condição do ser humano como um ser biológico, integrante da natureza e como um ser social, integrante da sociedade. Sendo assim, a relação homem-natureza é o eixo de direção do tema proposto para a pesquisa: área verde urbana. Há um novo olhar a ser assimilado na contemporaneidade em relação a esta dicotomia que instiga questionamentos e caminhos a serem percorridos. O homem não está dissociado da natureza, mas depende dela para a articulação de todas as suas ações e pensamentos e, num olhar contemporâneo, é preciso que os cidadãos incorporem essa mudança de perspectiva nas suas relações com o meio natural e artificial. Devido a isso, um dos problemas mais evidentes nos espaços das cidades relaciona-se aos espaços públicos, principalmente às áreas verdes públicas. A importância dessas áreas para os habitantes do lugar, do ponto de vista ambiental, representa uma possibilidade de manter-se presente o meio físico e biótico nos interstícios dos espaços construídos. É este um requisito essencial para o equilíbrio entre os espaços da cidade, proporcionando um microclima favorável ao desenvolvimento da vida, da pausa, do repouso e do tempo de parada. Do ponto de vista sociológico, as áreas verdes urbanas públicas representam possibilidades de locais de encontro, de exercício da cidadania, de participação e autonomia nas ações e de interação entre os habitantes do lugar. 17
  • 19. A questão e a consciência ambiental produzem transformações profundas na compreensão do processo de produção e na organização econômica e espacial da sociedade contemporânea. O impacto dessa consciência sobre o ambiente natural e artificial, deixa, hoje, muito a desejar. As áreas verdes urbanas, do ponto de vista ecológico, têm sido vistas ora como espaços degradados, passíveis de interferências impactantes, ora como áreas desvalorizadas e deixadas ao descaso pela comunidade e pelo poder público local. A problemática ambiental nas áreas urbanas é, ainda, pouco considerada no contexto de expansão das cidades. No quadro dessa desconsideração, surgem as questões prementes relacionadas ao desmatamento e à alteração do meio natural e seus possíveis efeitos sobre a qualidade de vida na cidade. A cidade sofreu, no decorrer dos anos, uma mudança de significados e funções: passou do valor de uso, até a sociedade moderna, para o valor de troca, na modernidade, caracterizando-se, hoje, para o valor de compra, aquele que é produto de consumo e da industrialização, como disse LEFEBVRE: “[...] lugar de consumo e consumo de lugares.”2 O problema da qualidade de vida aparece, timidamente, nos debates urbano–ambientais, nestes tempos de crise - complexo multidimensional que afeta todos os aspectos da vida: saúde e modo de vida, qualidade do meio-ambiente e relações sociais, economia, tecnologia e política. O espaço urbano merece, portanto, ser vivenciado enquanto integração entre a natureza e a sociedade. No espaço urbano, as questões ambientais se prendem aos processos de transformação do meio natural em espaço construído. Estas questões estão relacionadas aos impactos sobre o meio-ambiente, e vistas sob a forma de devastação da vegetação natural; da poluição do solo, do ar, das águas; da ocupação das áreas inundáveis e de altas declividades e, especialmente, da redução das áreas verdes. As áreas verdes, enquanto “pausa urbana”, neste estudo, se apresentam numa nova dimensão de significados e abordam conceitos sócio-culturais, de urbanismo, de ecologia, filosofia, psicologia, cidadania e religião. Como integrantes do urbanismo, dentro da ordenação do território urbano, representam um espaço 2 LEFEBVRE, 1969, p. 17. 18
  • 20. disponível, aberto e livre dentro da cidade para a prática de atividades sócio-culturais e do exercício da cidadania. No campo da ecologia, as áreas verdes possibilitam um local propício ao desenvolvimento da flora, da fauna, ou seja, do meio biótico e do microclima local favorável à vida, estabelecendo equilíbrio entre o meio construído e meio natural. No âmbito da filosofia e psicologia, o verde vem como repouso, como oposto ao excesso de estímulos informativos e visuais da cidade, apresentando-se, também, como elemento de percepção emotivo, contrário ao congestionamento e à agitação urbana. Hoje, os espaços verdes não são mais um luxo, o que fora há tempos, e sim um dos requisitos básicos para o equilíbrio entre o homem e o espaço urbano. A escolha do tema – área verde urbana pública, designada por pausa urbana, justifica-se pela percepção da necessidade do homem contemporâneo por espaços lúdicos, de convívio e de maior contato com o verde. A cada dia, é de maior importância a pausa dentro das cidades, pausa esta, não um espaço inóspito, sem vida, pelo contrário, um espaço de integração aos demais, um espaço de pausa que se contrapõe aos excessos de estímulos visuais e sonoros produzidos nos espaços construídos da cidade. Pausa carregada de possibilidades e de ritmos. Assim como na música, é na pausa que a cidade se desenvolve e permite espaço para a respiração e o encontro. Em meio a tantos ruídos, agitações e caos geral, o espaço aberto, com potencialidades urbanas, paisagísticas, vem como resgate da qualidade de vida e do local, para o exercício da cidadania. Com essa investigação, buscou-se alcançar uma melhor compreensão da relação homem, natureza e espaço urbano e mostrar as possibilidades de superação da dicotomia homem/ natureza. O objetivo geral deste estudo foi verificar, a partir dos espaços públicos, as possibilidades de as pausas urbanas se constituírem espaços potenciais de uma nova relação entre o homem e a natureza. Áreas verdes, pausas urbanas situadas nos interstícios da cidade contemporânea, territórios de conflitos e possibilidades representam, como se procurará demonstrar, lugares de encontro potencial, de pausa, intermediadores das relações sociais, políticas, econômicas e culturais. 19
  • 21. Enquanto hipóteses a serem levantadas, parte-se, inicialmente, do princípio de que as cidades contemporâneas passam por crises de identidade, reestruturação e significados, sendo produzidas novas formas de viver e de se utilizar o espaço urbano. A área verde urbana é uma alternativa para possibilitar o encontro e a liberdade de expressão para se viver dentro da cidade. Seria o elo entre o homem, a comunidade e a cidade, elo este que possibilitaria o vínculo, o afeto, o respeito ao lugar e o contato mais próximo com o meio ambiente, expresso, principalmente, nas árvores e demais vegetações, na água, no ar e na temperatura amena. A vida contemporânea é fortemente marcada por um descomprometimento dos indivíduos com o seu entorno, incentivando-os a assumirem o papel de consumidores, em detrimento ao papel de cidadãos, portadores de direitos e deveres. Sendo assim, poder-se-ia dizer que as áreas verdes urbanas são possibilidades de revigoramento do exercício da cidadania no conflituado contexto urbano. Enquanto espaço público, as áreas verdes sofrem as interferências da dissociação de facetas do homem contemporâneo, seja como contribuinte/ consumidor, seja como cidadão. Neste caso, há uma dissociação de como se é em casa e na rua, implicando em abandono e degradação desses espaços públicos. Nestas condições ruins e desagradáveis, parte das necessidades dos contribuintes não são atendidas, muitos pagam pelo espaço público e não utilizam dele para as suas atividades cotidianas. Estes espaços muitas vezes se constituem em espaços de exclusão, onde muitos abdicam de sua faceta de cidadão, assumindo unilateralmente a de consumidor. Outros se apropriam do local público com atividades marginais e agressivas à comunidade. As áreas verdes urbanas públicas contemporâneas, nas cidades de médio e grande porte, no Brasil, encontram-se, muitas vezes, deturpadas, enquanto uso, espaço de convívio coletivo, e foram transformadas em espaços fragmentados e dispersos pela cidade, como também são frutos das contradições da sociedade moderna que se apresentam numa simultaneidade de usos dado os diferentes usuários dos lugares. A compartimentalização das concepções 20
  • 22. teóricas, relacionadas ao homem e à cidade, e o urbanismo nos moldes racionalistas interferiram no ordenamento dos espaços urbanos, privilegiando os espaços privados e, ao mesmo tempo, restringindo as possibilidades do uso público-coletivo em favor de um maior lucro dos investimentos econômicos. Neste caso, na cidade contemporânea, o valor de compra tem supremacia em relação do valor de uso e as áreas verdes, aliadas à concepção racional do espaço urbano, destinam-se à eficiência e à eficácia do fluxo de veículos e de pessoas, tornando-se meros locais de passagem. Caracterizadas como “ilhas”, as áreas verdes são desarticuladas do convívio social e apresentam atividades marginais e de exclusão decorrentes da forma como a sociedade se organiza. A desigualdade social e a falta de educação ambiental expressam-se sob a forma de marginalidade, quando na disposição de lixo nos espaços públicos, na presença de drogas e de pessoas desocupadas e pedintes nas áreas verdes públicas. O espaço aberto, público, sombreado, principalmente quando localizado na região central, onde há uma maior circulação de pessoas, de mercadorias e dinheiro, é o local preferido por aqueles excluídos da sociedade, que não têm onde morar. Estas pessoas fazem dessas áreas verdes a sua “sala de visita” e o seu local de inserção social. Neste estudo, questiona-se o respeito do homem para consigo mesmo, para com a sua cidade e para com a natureza. Seria uma crise pessoal, cultural, de ordem e lei, de consumo, de conhecimento e/ou cidadania? A utilização e a conservação dos espaços públicos, em específico, das áreas verdes, estaria interrelacionada ao comportamento do ser humano enquanto ator social e cidadão? Não seria o verde urbano uma forma de se construir uma aproximação, interação entre o ser humano e a natureza, entre um ser humano e outro, quando este se individualizou e fragmentou suas aspirações? Como se dá a integração da área verde e ser humano na cidade de Divinópolis? Na região central, local recortado para o estudo, vê-se a redução dos espaços verdes “pausa” em favor de uma verticalidade e aumento na ocupação do solo por edificações cada vez mais voltadas ao funcionamento da acumulação capitalista. As praças escolhidas para o estudo 21
  • 23. foram a Praça Benedito Valadares e Praça Dom Cristiano, por representarem “pausas” no espaço urbano e serem carregadas de símbolos e significados. Segundo LEFEBVRE3 as praças podem ser utilizadas pela população que a freqüenta pelo seu “valor de uso” mas também pelo seu “valor de compra”. As praças selecionadas nesse estudo estão sendo vivenciadas pela população que a freqüenta tanto pelo seu valor de compra quanto pelo seu valor de uso. São muitos os questionamentos diante desse tema e, optamos por recortar as duas praças - Praça Benedito Valadares e Praça Dom Cristiano - localizadas na região central, devido a uma alta densidade de ocupação nesta região e sua relevância dentro do contexto urbano enquanto alternativa de integração da área verde, cidade e ser humano. Como se dá o valor de uso, no que diz respeito ao cotidiano das pessoas nas duas praças estudadas4 ? Como o valor de compra, agregado ao espaço da cidade, sob o domínio do mercado financeiro/capitalista, onde predomina a produção e o consumo se manifesta nas duas praças? Qual é o comportamento dos usuários das praças no que se refere ao consumo de produtos e mercadorias que são oferecidos nesses espaços? Como o valor de uso e de compra se interagem nesses lugares? Quais as necessidades das pessoas em relação às praças? Há indícios de necessidade de monitoramento e gestão do lugar? A análise sobre as áreas verdes no espaço urbano visa evidenciar suas contradições, impasses e ao mesmo tempo suas possibilidades de superação das dicotomias: homem- natureza, indivíduo-sociedade, público-privado. Para tanto, fez-se uma abordagem qualitativa das relações sociais, como fora proposto por MINAYO5 , seguindo a técnica da observação participante. O procedimento metodológico dialético privilegia os sujeitos 3 Segundo LEFEBVRE, valor de uso diz respeito à apropriação dos lugares num tempo-espaço apropriado. O uso do espaço urbano, da rua, contém funções informativas, simbólicas e lúdicas, “é o lugar da palavra, o lugar da troca pelas palavras e signos, assim como pelas coisas.” (LEFEBVRE, 2004, p. 30) Já o valor de compra, relacionado ao espaço, quer dizer que “ hoje o espaço inteiro entra na produção como produto através da compra, da venda, da troca de parcelas do espaço[...]. Os centros urbanos são centros de consumo e os lugares também. (LEFEBVRE, 2004, p. 142). 4 LEFEBVRE, 1969, p. 121. Lefebvre dá importância ao lúdico, no sentido mais amplo: “esporte é lúdico, o teatro também, de modo mais ativo e participante que o cinema. As brincadeiras das crianças não devem ser desprezadas, nem as dos adolescentes. Parques de diversão, jogos coletivos de todas as espécies persistem nos interstícios da sociedade de consumo dirigida, nos buracos da sociedade séria que se pretende estruturada e sistemática, que se pretende tecnicista.” 5 MINAYO, 2004. 22
  • 24. sociais, abrange todos os atores envolvidos e não se preocupa em quantificar, mas em explicar os meandros das relações sociais que podem ser apreendidas através do cotidiano, da vivência e da explicação do senso comum. Este método baseia-se na observação da realidade social e adequação da visão dialética, que privilegia a contradição e o conflito sobre a harmonia e estabilidade; a transição e a mudança, sobre a estabilidade; o movimento histórico; a totalidade e a unidade dos contrários,6 que supõe qualidade contra a quantidade e apresenta uma abrangência transdisciplinar no campo da pesquisa. A esse respeito, baseando-se em HABERMAS7 , o uso da área verde seria a superação de uma racionalidade instrumental para uma racionalidade comunicativa, uma vez que o espaço social incorpora significado e intencionalidade, inerentes aos atos, relações e estruturas sociais. Por ser uma abordagem qualitativa, a apreensão da realidade do espaço público se fez por aproximação, envolvendo aspectos históricos, políticos, culturais e ideológicos, não se podendo contentar com os dados estatísticos. Nessa perspectiva, a pesquisa partiu das seguintes fases: 1 – Fase exploratória: compreendeu a escolha e delimitação do problema, definição do objeto e objetivos, construção do marco teórico conceitual e coleta de dados. Para investigar o assunto, foram realizados estudos nos campos da Filosofia e Sociologia para uma conceituação sobre a natureza, o homem e a vida urbana, a fim de entender as concepções sobre o público e o privado, a rua e a casa, o coletivo e o individual, a sociedade e o indivíduo. O foco central é a natureza na qual o homem é parte integrante do meio físico natural e artificial, do meio social e sensorial. O vínculo que une o homem e a natureza é igual ao de natureza-natureza. Para tanto, foram utilizados os estudos de Serge Moscovici8 sobre natureza enquanto meio social. MOSCOVICI analisa, em seus estudos, a inter-relação homem e natureza, como essencial à 6 MINAYO, 2004, p. 86. 7 HABERMAS apud HERRERO, 1986, p.17. 8 MOSCOVICI, Serge. Sociedade contra natureza. Petrópolis: Vozes, 1975. 23
  • 25. sociedade. O homem é parte da natureza e depende dela para a articulação de ações e de pensamentos. Henri Lefebvre9 questiona a vida urbana nos moldes modernos, vê a cidade como lugar de encontros com o outro e consigo mesmo. Os seus estudos versam sobre a vida cotidiana e a produção do espaço na reprodução da sociedade contemporânea. As transformações operadas no campo de desenvolvimento do mundo da industrialização e da mercadoria acompanham a decomposição da cidade em fenômeno urbano. O autor mostra-se em favor da rua por ser um lugar de encontro, de movimento e de mistura, propício à aventura, ao imaginário, aos jogos, ao encontro, a criação, ao lúdico, dentre outros. Na rua, o valor de uso domina em relação ao valor de troca, entretanto, a partir do momento em que a rua foi suprimida, com o pensamento moderno, viu-se a extinção da vida e a redução da cidade a dormitório. As necessidades básicas ao ser humano foram negligenciadas e houve funcionalização da existência e racionalização do espaço, com primazia dada à mercadoria e ao consumo. A compreensão da natureza, conciliada à vida na cidade, foi embasada, principalmente, nos estudos de James Hillman10 , psicólogo que se ocupa em levar a reflexão psicológica para além dos limites do consultório dos analistas. Ele reconhece que a cidade, onde o corpo vive e se move e tece as relações, também é psique. Por seguir os sintomas das cidades, ele refletiu sobre a alma do mundo, mostrando a alma como possibilidade de e em todas as coisas. A patologia das cidades, da tecnologia, das instituições, da política, dos padrões de consumo, dos espaços públicos parece estar em sintonia com a tradição da psicologia profunda, numa época de ecologia profunda. O retorno da alma ao mundo, como proposto por HILLMAN, subjetiviza o enfoque ecológico, inclui a urbanidade como campo válido de experiências e sensibiliza quanto à patologia e à beleza do que está à volta dos pacientes enquanto cidadãos. 9 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969. ______. Revolução Urbana. Belo Horizonte: UFMG, 2004. 10 HILLMAN, James. Cidade & Alma. São Paulo: Studio Nobel, 1993. 24
  • 26. A área verde urbana, enquanto possibilidade de revigoramento ambiental da cidade insere- se na questão ambiental e na qualidade de vida. Na abordagem sobre a cidade foram utilizados os estudos de Lewis Mumford11 e Françoise Choay12 . MUMFORD reflete sobre o crescimento das cidades, suas formas, funções e finalidades que dela emergiram no decorrer da história. Através de críticas às cidades modernas, ele propõe uma revalidação das ações humanas e da configuração das cidades contemporâneas articuladas à cultura e ao meio ambiente, levando em consideração todas as dimensões dos organismos vivos e personalidades humanas. CHOAY estabelece propostas e críticas na revisão de idéias de 37 autores, dentre eles Camillo Sitte, Ebenezer Howard, Lewis Mumford, Jane Jacobs, Kevin Lynch e Georg Simmel. Ela faz questionamentos e interpretações sobre o urbanismo a partir do século XIX e situa os problemas atuais do planejamento urbano como resultado da conformação das cidades e do fracasso na ordenação dos locais. Refletiu sobre a sociedade industrial e urbana enquanto estrutura e significado da relação social. A respeito dos problemas ecológicos e suas interfaces com a cidade e o com o viver do homem contemporâneo e, em específico, no Brasil, foram utilizados os estudos de Solange S. Silva-Sánchez13 . A autora trata das políticas ambientais locais e participativas, dos desafios sociais e técnicos da gestão ambiental dos municípios e faz um percurso pelas legislações ambientais referentes às áreas de proteção, aos recursos hídricos e ao desenvolvimento sustentável. Sobre o objeto de estudo – pausa urbana – foram tratadas questões relacionadas ao espaço público, o espaço privado e o social, no que se refere à relação entre o indivíduo e a sociedade, baseando-se nos estudos de Norbert Elias14 , Roberto DaMatta15 e Hannah 11 MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. 12 CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades uma antologia. São Paulo: Perspectiva, 1988. 13 SILVA-SÁNCHEZ, Solange S. Cidadania ambiental: novos direitos no Brasil. São Paulo: Humanitas, FFLCH/USP, 2000. 14 ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. 15 DAMATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985. 25
  • 27. Arendt16 . Para ELIAS os indivíduos se relacionam numa pluralidade, isto é numa sociedade. A relação indivíduo e sociedade está intimamente ligada ao processo civilizador, de geração em geração, num contínuo processo de interações entre uns e outros. Nesta concepção, é impossível conceber o indivíduo dissociado da sociedade. Já DAMATTA estuda sobre a relação entre espaços abertos e públicos, expresso no contraste entre a casa e a rua, vividas pela nossa cultura, como mundos distintos e opostos. A casa reproduz a força do trabalho e os valores básicos da sociedade; é o mundo em que espaço e tempo repetem-se em ciclos e as pessoas se reconhecem como indivíduos. Já na rua, o espaço do movimento, do trabalho, do inesperado e da alteridade, o habitante não se reconhece como cidadão, pois se encontra alienado e indiferente ao que o cerca. O espaço da rua e da casa são categorias sociológicas que designam entidades morais, esferas de ação social, domínios culturais capazes de despertar emoções, reações e imagens. A constituição dos espaços públicos abertos brasileiros é inexpressiva em relação aos demais espaços. Isto devido à presença da herança portuguesa na constituição das cidades, onde se privilegiam os espaços construídos. Os estudos de ARENDT relacionam-se aos conceitos de espaço público e privado. Para formulação dos conceitos ela faz um percurso pela história das esferas da polis e da família, intimamente ligadas ao público e ao privado, de origem grega; da esfera do social, que não era público e nem privado, de origem moderna. A esfera pública seria o lugar do comum, enquanto aquilo que pode ser visto e ouvido por todos. O conceito de esfera privada é aquela que priva o ser humano não só de seu lugar no mundo, mas também do seu contato com os outros. Neste conceito, ARENDT relaciona a propriedade privada ao processo de acumulação de riquezas e de descoberta da individualidade, que parece constituir uma fuga do mundo exterior. A esfera privada é transformada em social e a distinção entre público e privado equivale à diferença entre o que deve ser visto ou ocultado pela sociedade. 16 ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1983. 26
  • 28. Relacionando a pausa musical à pausa urbana, foram considerados os estudos de Luis Boada17 , de Pozzoli18 e Bohumil Med19 . BOADA orienta seus estudos para a cidade e tem como hipótese básica a necessidade de retomada do valor nas relações humanas. Ter valor- em-si significa, para ele, ter espaço e estar integrado a ele. Nada pode suprir a presença dos lugares, eles devem proporcionar satisfação, imaginação, criação e percepção sensorial. Para isto, ele relaciona a natureza urbana com percepção sensorial e faz um diálogo entre o corpo humano, articulações e equilíbrio, ritmo e geometria. POZZOLI e MED, enquanto compositores, estudiosos e teóricos em música, abordam conceitos relacionados às principais partes das músicas, como a melodia, a harmonia, o contraponto e o ritmo. Para MED, a música é a arte de combinar sons, com ordem, equilíbrio e proporção dentro de um tempo20 . Nos seus estudos são analisadas a grafia musical e o seu significado (notas, valores, claves, compassos, matizes, abreviaturas, etc.) e os sistemas musicais (escalas, intervalos, acordes, etc.). Como as pausas urbanas inserem-se num contexto de “lugares” na cidade, procuraram-se olhares múltiplos através dos autores: Nelson Brissac Peixoto21 e Ana Fani Alessandri Carlos22 . PEIXOTO propõe, aos habitantes da cidade, um olhar diferente para os lugares, um “olhar de estrangeiro”, para que eles sejam capazes de ver o que os outros, que estão lá, não mais podem perceber, e vivenciar o cotidiano contemporâneo com mais valor e imaginação. Para CARLOS, os percursos realizados pelos habitantes do lugar interligam as casas as ruas, aos lugares de lazer e de comunicação, ordenados segundo às propriedades do tempo vivido. Um mesmo trajeto convoca o privado e o público, o individual e o coletivo, o necessário e o gratuito. Enfim, o ato de caminhar é o meio intermediário que interliga os lugares vividos pelos habitantes da cidade. 17 BOADA, Luis. O espaço recriado. São Paulo: Nobel, 1991. 18 POZZOLI. Guia teórico-prático: para o ensino do ditado musical. São Paulo: Ricordi, 1983. parte 1. 19 MED, Bohumil. Teoria da música. Brasília: Musimed, 1996. 20 MED, 1996, p. 11. 21 PEIXOTO, Nelson Brissac. O olhar do estrangeiro. In: NOVAES, Adauto (Org.). O olhar. São Paulo: Companhia das letras, 2002. p. 361-365. 22 CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. 27
  • 29. 2 – Fase trabalho de campo, ou exploração de campo: foi desenvolvida através de entrevista do tipo semi-estruturada e observação participante. Essas técnicas de pesquisa têm por finalidade possibilitarem a interação com os atores sociais envolvidos e um aprofundamento qualitativo da investigação. Trata-se de recolher dos indivíduos informações subjetivas através de sua fala, gestos, valores, opiniões, condutas ou comportamentos.23 Enquanto entrevista semi-estruturada24 , adotou-se um roteiro específico, com perguntas fechadas e abertas, aplicado aos atores representativos do assunto estudado, a fim de apreender seus pontos de vista e tornar possível uma maior percepção e aprofundamento no registro das observações, que podem ser melhor visualizados no Anexo G 25 . No diário de campo, registraram-se tanto as entrevistas quanto as observações sobre conversas informais, comportamentos, festas, gestos, expressões, usos, costumes que caracterizam essa representação social. Segundo Max Weber, representação social é um termo filosófico que “significa reprodução de uma percepção anterior ou do conteúdo do pensamento”. 26 A técnica de pesquisa adotada, observação participante, segundo SCHWARTZ & SCHWARTZ, é definida como: [...] um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma investigação científica. O observador está em relação face a face com os observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto (SCHWARTZ & SCHWARTZ apud MINAYO, 2004, p. 135). Na observação participante, percebeu-se como se dão os usos nos espaços públicos selecionados, como se obedecem as regras, quais os laços de amizade entre os atores sociais e os vínculos que os mantêm no lugar, quais as tradições e os costumes, os motivos e os 23 THIOLLENT, 1981, p. 96. 24 MINAYO, 2004. 25 Roteiro pesquisa de campo. Anexo G 26 WEBER apud MINAYO, 2004, p. 158. 28
  • 30. sentimentos desses atores. Nessa fase, “o dia-a-dia é entendido como um tecido de significados, instituído pelas ações humanas e passível de ser captado e interpretado.”27 A pesquisa foi composta por três fases, conforme proposto por G. MICHELAT28 . A primeira constituiu-se da escolha de um pequeno número de pessoas representativas do assunto, tais como os moradores do entorno próximo e imediato, os comerciantes locais e ambulantes, os freqüentadores da praça – crianças, pais, jovens, idosos, grupos de amigos e estudantes – a fim de uma maior diversificação dos atores envolvidos. A segunda fase constituiu-se da gravação e de registro, por escrito, das entrevistas, como também do registro fotográfico dos locais recortados para estudo. No decorrer das entrevistas, procurou-se estimular o entrevistado a fim de explorar o seu universo cultural, sua relação com o lugar e os vínculos estabelecidos. As fotos chamaram atenção para certos ambientes sócio-espaciais expressivos que voltaram a ser traduzidos sob a forma de desenhos. O desenho realça aspectos diluídos nas fotografias que confundem o pesquisador com sua ilusão realista. Encontros, centros de convívio, locais de jogos e de brincadeiras, situações que conformavam a vida de relações na região central foram submetidos a observações e registros fotográficos. Já na terceira fase, partiu-se para a análise do conjunto das entrevistas, onde se levantaram “as verbalizações assim como as hesitações, os silêncios, os risos, os lapsos, etc., que são reveladores de significação latente.”29 Cada entrevista foi analisada na tentativa de encontrar sintomas relativos ao “sistema de representações, de valorizações afetivas, de regras sociais, de códigos simbólicos interiorizados pelo indivíduo no decorrer de sua socialização e sua relação, eventualmente conflitiva, com as diversas dimensões de uma experiência atual que ele partilha com muitos outros.”30 Analisadas as entrevistas, abriu-se 27 SCHUTZ apud MINAYO, 2004, p. 164. 28 MICHELAT apud THIOLLENT, 1981, p. 86. 29 THIOLLENT, 1981, p. 86. 30 MICHELAT; SIMON apud THIOLLENT, 1981, p. 86. 29
  • 31. um campo de informações na qual os elementos significativos permitiram a construção do vivido pelas pessoas e seu cotidiano. Paralelamente às entrevistas, levantou-se a documentação disponível através de leis federais, estaduais, municipais; de mapas referentes ao município de Divinópolis31 , de registros do Anuário Municipal32 relacionados ao Meio Ambiente, População das regiões. 3 – Fase Análise documental: A análise sobre os dados obtidos constituiu-se de uma discussão teórica sobre as áreas verdes urbanas públicas, situadas no perímetro urbano de Divinópolis, de acordo com a localização das mesmas em setores e unidades de análise, já previamente definidos pelo Anuário Municipal33 . Para o cadastramento dessas áreas verdes, utilizou-se dos mapas digitalizados, em AutoCAD, constando do mapa Cadastral do Município de Divinópolis e do mapa Aerofotogramétrico34 , adquiridos pelo vôo em 1998, além dos mapas dos loteamentos aprovados, em papel sulfite e vegetal, arquivados na DICAF- Diretoria de Cadastro e Fiscalização35 e da relação de todas as áreas verdes, registradas em cartório, fornecida pelo Setor de Patrimônio da DICAF. Os mapas confeccionados, para a análise das áreas verdes no município de Divinópolis: - Mapa área verde urbana pública anterior e posterior à Lei n. 6.766/79, na escala 1:250.000. Refere-se ao cadastro geral de todas as áreas verdes públicas existentes no perímetro urbano e documentadas no cartório de registro de imóveis de Divinópolis. Este mapa retratou as áreas verdes em dois momentos distintos. Um anterior à Lei n. 6.766/1979 – lei de parcelamento do solo urbano - momento em que os loteamentos foram aprovados sem exigência de requisitos legais ao parcelamento do solo e utilização de áreas públicas. Outro, posterior à Lei n. 6.766/1979, quando se exigiam, na aprovação dos loteamentos, a destinação de 35% da área da gleba para fins de circulação, de implantação de 31 SEPLAN, 2006. 32 ANUÀRIO ESTATÍSTICO DE DIVINÓPOLIS, 2005. 33 ANUÁRIO ESTATÍSTICO DE DIVINÓPOLIS, 2005. 34 SEPLAN, 2006. 35 DICAF, 2007. 30
  • 32. equipamentos urbanos e comunitários e de espaços livres de uso público.36 Estando as áreas verdes incluídas nos espaços livres de uso público, nota-se que não há uma menção específica sobre estas áreas, nem sua discriminação e qualificação, o que resulta em áreas residuais dentro do perímetro urbano; - Mapa área verde urbana pública na região central e ocupação do solo, na escala 1:12.500. Diz respeito a um recorte da área de estudo e possibilita uma visualização das áreas verdes públicas e o uso e ocupação do solo urbano; - Mapa densidade bruta nas regiões de planejamento, na escala 1:500.000. Este mapa propõe uma percepção geral das áreas mais ocupadas dentro do perímetro urbano de Divinópolis; - Mapa densidade líquida na região central, na escala 1:2.500. Tem como objetivo um fornecimento de dados reais no que diz respeito à ocupação do centro e das imediações das duas praças escolhidas para o estudo. Os dados relacionados à ocupação de cada quadra ora foram baseados em dados fornecidos pela Vigilância Sanitária37 , ora em pesquisa de campo acrescido de dados estimados, previamente definidos pelo IBGE, sendo de 3,5 pessoas por domicílio para a família brasileira38 ; - Mapa área verde urbana pública e habitante, na escala 1:500.000. Finalmente este mapa propõe um retrato da realidade de área verde urbana pública, no município de Divinópolis, comparada ao mínimo estabelecido pela SBAU (Sociedade Brasileira de Arborização Urbana), que é de 15m² de área verde por habitante39 e pela ONU que é de 12 m², área verde urbana mínima que possibilite o equilíbrio entre os espaços construídos e espaços verdes nas cidades contemporâneas. 36 BRASIL. Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979, art. 4º §1º. 37 SEMUSA. Vigilância Sanitária de Divinópolis. Dados coletados em 2005. 38 MAGALHÃES, 2002, p. 100. 39 SOCIEDADE BRASILEIRA DE ARBORIZAÇÃO URBANA-SBAU. Carta a Londrina e Ibiporã. Boletim Informativo, v. 3, n. 5, p. 3, 1996. 31
  • 33. Numa abordagem específica e qualitativa do objeto de estudo, fez-se um recorte da região central, nela localizadas as duas Praças: Praça Benedito Valadares e Praça Dom Cristiano. Para a análise das praças, levou-se em conta o registro fotográfico fornecido pelo Centro de Memória da FUNEDI, os mapas elaborados, o levantamento de campo, a pesquisa participante e os referenciais teóricos utilizados. Essas praças representam, conceitualmente, ao que fora definido neste estudo, enquanto meio social, local de encontro, de movimento e de festas. Enquanto meio natural, aquele que favorece o microclima local e propicia uma biodiversidade e uma melhor qualidade ambiental. A partir dos dados coletados procurou-se, na análise final, fazer uma discussão analítica das diferentes situações dos dois locais estudados, que sugeriram uma comparação entre eles, num movimento dialético, ora particular ora geral; ora concreto ou abstrato; ora exterioridade ou interioridade estudou-se a especificidade dos objetos pela prova do vivido em suas relações essenciais. O ciclo da pesquisa findou-se num produto provisório que se abriu a interrogações lançadas no final, articulou objeto e sujeito numa interação de significados e conteúdos passível de mutação no decorrer do tempo. Espera-se alcançar, com os resultados finais deste estudo, apresentados em mapas e quadros-síntese, num primeiro momento, uma visualização geral das áreas verdes urbanas públicas no município de Divinópolis, sua disposição no espaço urbano e sua utilização pela sociedade. Neste contexto, analisar o processo da evolução urbana, os impactos ambientais da ocupação e o uso dessas áreas verdes, bem como sua importância e relevância para a cidade contemporânea. O material coletado mapeado e fotografado constituiu-se de um suporte para melhor apreensão de todo o contexto urbano, a fim de contextualizar o objeto de estudo em Divinópolis e subsidiar a análise qualitativa das duas praças selecionadas. No segundo momento, numa análise qualitativa das praças: Benedito Valadares e Dom Cristiano, espera-se apreender os aspectos sociais, ambientais, filosóficos, políticos e econômicos que tecem as relações nas áreas verdes urbanas. E, ainda, detectar os problemas 32
  • 34. dos espaços públicos e as possibilidades inerentes às áreas verdes para demonstrar a importância do verde urbano para o ser humano que vive na cidade contemporânea, seus anseios, desejos e necessidades que foram negligenciadas pelas concepções modernas. As possibilidades de articulações dos espaços, através das áreas verdes, têm na pluralidade e diversidade dos espaços construídos seu maior desafio e, ao mesmo tempo, sua maior potencialidade. O espaço urbano carece de alternativas que recriem as relações entre sociedade e indivíduo, entre espaço construído e espaço natural. Espera-se com esse estudo contribuir para um novo modo de pensar a cidade contemporânea, bem como um novo modo de viver os espaços públicos com presença e participação. Alerta-se para a dissociação das facetas do ser humano, indivíduo e cidadão, que vão em direção contrária à função da cidade, enquanto convívio e sociabilidade. Indicam-se necessidades primeiras para o ser humano contemporâneo que, destituído de si mesmo, procura por um lugar de encontros, de significados, de pausa em meio às aglomerações urbanas. 33
  • 35. 1 A NATUREZA E O HOMEM – RELAÇÕES E IMPLICAÇÕES NA VIDA URBANA As origens da vida e da criação remontam há um longínquo tempo. Coube ao ser humano, enquanto membro integrante da criação, cuidar da terra, das águas, do ar, dos animais e dos vegetais...viver em sociedade...e integrar-se ao meio criado, porque “tudo era bom”. GÊNESE I – As origens A criação No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: Faça-se a luz! E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas [...] (Gen. 1, 1-4) Deus disse: Que as águas que estão debaixo dos céus se ajuntem num mesmo lugar, e apareça o elemento árido. E assim se fez. Deus chamou ao elemento árido TERRA, e ao ajuntamento das águas MAR. E Deus viu que isso era bom. Deus disse: Produza a terra plantas, ervas que contenham sementes e árvores frutíferas que dêem fruto segundo a sua espécie e o fruto contenha a sua semente. E assim foi feito. A terra produziu plantas, ervas que contém semente segundo a sua espécie e o fruto contenha a sua semente. [...] (Gen. 1, 9-13) Deus disse: Produza a terra seres vivos segundo a sua espécie[...] E Deus viu que isso era bom (Gen. 1, 24)40 . O conceito de natureza é muito amplo e para defini-la, partiu-se das concepções da Enciclopédia Logos, que apontam para um conjunto de princípios, diversamente ligados entre si, tendo como principais e relacionadas ao objeto de estudo, área verde urbana41 : “o princípio de movimento ou a substância [...]; a ordem necessária ou a conexão causal [...]; a exterioridade, enquanto contraposta à interioridade da consciência.” Cada um deles pode ser encontrado nos discursos, na mídia ou na produção científica. O primeiro é o mais fácil de ser visualizado. Neste estudo, considerou-se natureza aquilo que nasce e renasce num ciclo infinito, como uma força criativa que emana dos seres e faz que a ordem necessária de todas as coisas encontre o seu fim, como sugerido pela Enciclopédia Logos. 40 BÍBLIA SAGRADA. A.T. Gênesis. 8. ed. São Paulo: Ave Maria, 1996. cap. 1, p. 49. 41 PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 669. 34
  • 36. Segundo Aristóteles, a natureza tem um valor-em-si próprio, que “só podia mesmo ser compreendida como sujeito do entendimento e da contemplação e não como objeto da transformação pelo trabalho humano”42 , “é o princípio e a causa do movimento e do repouso da coisa à qual é inerente primeiramente e por si, não acidentalmente.” 43 Neste conceito, a natureza é abordada como aquilo que é a essência necessária de todos os seres e a totalidade de todas as coisas. Poder-se-ia dizer que natureza é aquilo que envolve toda a criação, inclusive o ser humano, em todas as suas dimensões internas e externas ao seu corpo natural. Esta concepção leva à segunda, onde se encontra a dimensão da ordem como necessidade. A lei da natureza “é a regra do comportamento que a ordem do mundo exige que seja respeitada pelos seres vivos, regra cuja realização, segundo os estóicos, era confiada ao instinto (nos animais) ou à razão (no homem)” 44 . Assim, todo o movimento tende a um estado de equilíbrio e de repouso, assim como todo o ser humano necessita de contemplação e interação com o que o cerca. Nesta discussão acerca da conceituação sobre a natureza, o homem e a vida urbana, o foco central é uma natureza na qual o ser humano é parte integrante do meio físico natural e artificial, do meio social e sensorial. A Natureza é uma só, tanto aquela que se vê e se usufrui para produzir a própria existência, percebida na árvore que produz o oxigênio, no rio que fornece a água, na terra que fornece o alimento, quanto àquela que se mantém presente no interior de cada ser humano e lhe produz a vida física, biológica, intelectual e psíquica, mantendo-o interligado a todas as criaturas. O vínculo que une o ser humano e a natureza é igual ao de natureza-natureza. Os princípios, que unem a natureza, unem também a pessoa humana. A partir daí, vê-se que o ser humano não está dissociado da natureza, mas é parte integrante da mesma, dependendo dela para a articulação de todas as suas ações, pensamentos e sentimentos. É inconcebível um conceito de natureza desligado do ser humano e de homem não integrante do ambiente natural. Mesmo que em meio aos saberes gerados pelas artes e pelas ciências, a natureza é inerente 42 ARISTÓTELES apud PEDROSA, 2003, p. 5. 43 PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 670. 44 PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 670. 35
  • 37. à existência humana. O resultado final desta relação não é um estado artificial, como aquele idealizado no pensamento moderno, por Locke e Hobbes45 , “mas um progresso na natureza, enquanto a espécie humana aproveitou, para suas necessidades e seus desejos, as suas diversas manifestações”.46 A natureza está no ser humano e este na natureza, porque o ser humano é produto da história natural e a natureza é a condição concreta da existência humana. A natureza enquanto princípio de movimento e ordem necessária, segundo PIRES47 , está intrinsecamente relacionada à manifestação do ethos, ao exercício de cidadania e solidariedade, seja por remeter ao essencial de todas as coisas, seja por indicar o equilíbrio entre as relações internas e externas do ser humano. Considerando que, na atualidade, a delimitação de fronteiras entre os espaços físicos encontra-se mesclada em meio às suas interconexões rápidas, assim também as delimitações entre rural e urbano, natural e artificial apresentam-se integrados e conexos. Vê-se, então, a necessidade de uma nova abordagem ao se caracterizar a natureza. (ela é) um dado imediato. Compreende os meios em que os indivíduos se sentem em uníssono com outras criaturas que os cercam, onde os ritmos de atividade e o consumo de energia exprimem o funcionamento espontâneo dos sentidos, as normas imemoriais e o lento escoar do tempo (MOSCOVICI, 1975, p. 14). Apreender a natureza e dominá-la têm sido metas desde a antiguidade clássica, culminando no desenvolvimento da ciência moderna. Entretanto, a sociedade contemporânea vive um vasto número de problemas que envolvem a forma como se relaciona com a natureza, o modo de vida dessa sociedade, as sensações, o pensamento e as suas ações. Pensar a natureza, hoje, e a forma como o homem se relaciona com ela, faz remeter-se ao passado, a 45 BOBBIO; BOVERO, 1986, p. 37. 46 MOSCOVICI, 1975, p. 13. 47 PIRES, Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 669. 36
  • 38. fim de compreender as mudanças que se processaram na sociedade, no seu modo de pensar, de interagir com a natureza e produzir. Em contrapartida às definições de natureza referidas anteriormente, a sociedade contemporânea ocidental apóia-se numa visão que separa o ser humano da natureza. Em relação à natureza, os seres humanos instauraram a relação do fazer e conquistar e “como lhes faltassem os recursos, foram procurá-los ali onde se escondiam”.48 Os seres humanos, seres frágeis em relação às outras espécies e desprovidos de inúmeras vantagens, tiveram de preencher as lacunas com as artes, as ciências e as técnicas e instituíram próteses que se uniram ao seu corpo. Envolvidos pelo desenvolvimento do mercado econômico, as pessoas transformam as suas relações com o outro ser, com a natureza num privatizar de seus interesses. Sendo assim, o nascimento do individualismo, com a individualização dos atos, dos interesses e das relações humanas, deu vigoroso impulso à oposição entre sociedade e natureza [...]. Entretanto, a socialização dos interesses, dos atos, das relações humanas é uma tendência fundamental de nossa época (MOSCOVICI, 1975, p. 9). Por outro lado, segundo Aristóteles, somente “na convivência com os outros o homem é homem”49 e, portanto, o homem é, por natureza, um ser social. Entretanto, o modo de vida na cidade contemporânea tolhe a sociabilidade humana, seja pela individualização e privatização dos atos dos indivíduos, seja pela mercantilização excessiva dos espaços voltados ao consumo e à produção, ou ainda pela restrição de áreas de convivência que possibilitem o exercício dessa sociabilidade. Vê-se, cada vez mais nitidamente, a urgência de pensar as origens da relação ser humano e natureza e reavaliar os pressupostos capitalistas, que privam a modernidade da socialização, da liberdade dos atos e da integração entre a pessoa humana e a natureza. Por isso, há um novo olhar a ser assimilado na atualidade voltado à construção do valor-em-si em todas as coisas. 48 MOSCOVICI, 1975, p. 15. 49 ARISTOTELES apud PEDROSA, 2003, p. 5. 37
  • 39. A natureza, enquanto contemplação, nos remete à necessidade de equilíbrio do homem, principalmente, nos tempos atuais. A necessidade de beleza, contemplação pela alma vem desde o início da criação. E, na cidade, o homem pode também perceber a presença do belo, da natureza em seus passos. Essa percepção está atrelada aos sentidos – olfato, tato, visão e audição – e reporta ao modo mais primitivo e sensorial do conhecimento. 1.1 Natureza enquanto meio social FIGURA 1 – Praça Benedito Valadares. Divinópolis/ MG. Convívio e encontro entre pessoas de diferente faixa etária. Fonte: ARQUIVO MUNICIPAL DE DIVINÓPOLIS, 2000. A relação homem e natureza é colocada sob a ótica de evolução tempo/ espacial desde os primórdios da existência humana. Para MOSCOVICI 50 os homens da antiguidade possuíam uma convivência pacífica com a natureza e satisfaziam as suas necessidades físicas e intelectuais sem se preocuparem com o que era seu e de outrem51 . O estado de natureza em que viviam é conhecido pela partilha e não o intercâmbio, o acordo e não a oposição dos interesses particulares aos interesses gerais. O fato é que entre os homens que habitavam a Terra, as diferenças existentes não eram suficientes para colocá-los em um mundo distintos da natureza, tal como é feito na contemporaneidade: de um lado o mundo natural, de outro, o social, cada um com sua própria alteridade. Nas origens, o homem e a 50 MOSCOVICI, 1975, p. 18. 51 Existem algumas controvérsias quanto a abordagem feita por MOSCOVICI, mas seus argumentos vão de encontro ao presente trabalho. Trata-se da intrínseca relação entre o homem e a natureza desde os primórdios do processo civilizatório. 38
  • 40. natureza compunham um único corpo, diferente de uma sociedade mais complexa, onde são agregados novos valores à realidade humana e o homem vai se separando da natureza, não de forma absoluta e em todos os lugares, mas no momento em que essas idéias vão se expandindo e tomando corpo nas ações e pensamentos. O desenvolvimento histórico do homem e da sociedade atesta o desarraigamento do quadro primitivo e uma crescente desnaturação. Com o domínio da técnica da irrigação, a natureza sofreu as primeiras interferências com a agricultura e fixou os povos em territórios específicos, formando o berço das civilizações. Nessa relação de dominação, a natureza é o objeto a ser dominado pelo sujeito, o homem52 . É a visão antropocêntrica do mundo, na qual o homem é o ser primeiro de todas as coisas, e faz que se esqueça que o termo sujeito, pode significar tanto aquele que age como aquele que se submete. Essa visão de natureza separada do homem é característica do pensamento ocidental, cuja matriz filosófica advém da Grécia e da Roma antigas, e se firmou contrapondo-se a outras formas de pensar e de agir. O avanço do Cristianismo no Ocidente trouxe uma mudança na concepção dos deuses. O monoteísmo judaico-cristão erigiu Deus como o Ser Supremo e o homem sua imagem e semelhança. Tendo o Cristianismo assimilado a visão aristotélico-platônica, adotou dessa filosofia a separação entre corpo e alma, objeto e sujeito. Na Idade Média, o conceito de natureza atendeu aos interesses da Igreja e da classe dominante. Este período é marcado pela concepção na qual a natureza é produto da ação Divina e inacessível aos homens, e marcada pela separação entre espírito e matéria. No fim da Idade Média, o homem, enquanto sujeito, rompeu com a heteronomia, desenvolveu a autonomia, que levou muitos pensadores a enfatizarem o antropocentrismo em contraposição ao teocentrismo medieval. A construção dessa autonomia está presente em muitos aspectos do processo social burguês.53 52 LIMA, 1984. 53 BORNHEIM apud NOVAES, 1997, p. 248. 39
  • 41. O movimento cultural renascentista retomou a filosofia clássica colocando o ser humano como eixo central do mundo e a natureza subserviente aos desejos e às ações humanas, o que estimulou o desenvolvimento da ciência moderna. Durante a ruptura e transição, no período renascentista, assinalaram-se transformações nas estruturas materiais e simbólicas na Europa ocidental, com indícios de uma nova paisagem social, cujos fundamentos basearam-se na dignidade e na universalização do homem. Esse modelo de natureza, submetido ao sobrenatural, só vai ser rompido com a consolidação do modo de produção capitalista, nos séculos XVII e XVIII, que trouxe uma concepção incompleta de homem, onde os princípios norteadores passaram a ser regidos pelo capitalismo, tendo como satisfação, os “falsos desejos”54 e a aquisição de riquezas. Nesse contexto cultural e econômico, as idéias de Descartes, Bacon e Newton55 , influenciadas pelo atomismo grego, vão ser fundamentais para a sistematização dessa nova concepção de natureza como fonte material a ser explorada pelo homem. A idéia de “natureza divina” sacralizada, não atendia aos interesses da sociedade ocidental européia, que via a natureza como uma fonte de recursos a serem explorados e empregados na reprodução do capital. No século XV, Francis Bacon, influenciado pela filosofia de Epicuro, entendia o conhecimento como uma forma de poder, concebia a natureza como algo exterior à sociedade humana, pressupondo uma separação entre natureza e sociedade, haja vista a relação entre elas serem mecânicas, ou seja, o homem exercia domínio sobre a natureza em termos essencialmente mecanicistas56 . Descartes57 mostrou que a investigação de um objeto exige, dentre outros aspectos, “submeter todos os dados passíveis de serem conhecidos a um procedimento de análise, de tal maneira que todo o observável seja reduzido aos seus elementos mais simples.”58 Os elementos simples vão em direção à construção do objeto e o objeto construído presta-se à manipulação por parte do ser humano. A oposição homem-natureza, espírito-matéria se completa e passa a fazer parte do 54 Falsos desejos quer dizer, neste estudo, materialização da subjetividade humana e realização dos desejos internos através da compra e aquisição de bens. O “ser” não tem tanta importância quanto o ‘ter”. 55 HUTCHISON, 2000. 56 FOSTER, 2005, p. 64. 57 DESCARTES apud BORNHEIM, 1997, p. 251. 58 BORNHEIM, 1997, p. 251. 40
  • 42. pensamento moderno. A filosofia cartesiana atribuiu ao conhecimento um caráter pragmático e à natureza um recurso a ser utilizado. Com Adam Smith, a natureza deixou de ser o elemento central da teoria econômica, como era concebida pelos fisiocratas, como fonte de valor e a agricultura como meio de produção da riqueza. 59 Desse modo, a natureza passou a ser vista como matéria prima de sustentação à produção e em favor da Física. O Iluminismo, no século XVIII, sob a influência da filosofia de Epicuro60 , concebia a natureza como algo palpável. O mundo passou a ser compreendido a partir do concreto e não mais de dogmas religiosos. O desenvolvimento da ciência pareceu confirmar o materialismo epicurista. Marx, em sua tese de doutorado, estudou a filosofia de Epicuro, [a] “fim de esclarecer o modo como a filosofia epicurista havia prefigurado a ascensão do materialismo, humanismo e individualismo abstrato do Iluminismo europeu dos séculos XVII e XVIII”[...]. “Os seres humanos deixam de ser meros produtos da natureza ou de forças sobrenaturais - observou Marx, baseando-se em Epicuro - quando se relacionam não com alguma existência diferente, mas individualmente com outros seres humanos” (MARX apud FOSTER, 2005, p. 78-84). A análise apontava para a evolução cultural humana como representando um tipo de liberdade para organizar, racionalmente, a vida histórica, tirando partido de limitações estabelecidas pelo mundo material. Ao perceber a realidade do mundo como a “alienação da essência”61 , Marx aponta que Epicuro reconheceu a alienação entre os seres humanos e o mundo humano. Com a consolidação do capitalismo, durante a Revolução Industrial essas idéias se fortaleceram. No século XIX, o desenvolvimento da ciência e da técnica, reascendera o pragmatismo e a natureza foi concebida como um objeto a ser manipulado e dominado. As 59 OLIVEIRA, 2002, p. 4. 60 KANT apud FOSTER, 2005, p. 73. “Epicuro, escreveu Kant: pode ser chamado o principal filósofo da sensibilidade, e Platão o do intelectual[...] Na crítica da razão prática Kant voltou a enfatizar isto, referindo-se a Platão e Epicuro como representantes da divisão fundamental dentro da epistemologia(entre materialismo e idealismo, o sensível e o intelectual)[...] Kant se referiu aos epicuristas como os melhores filósofos da natureza entre os pensadores gregos.Para Kant, a filosofia devia o seu aprimoramento em épocas recentes em parte ao estudo intensificado da natureza...” 61 MARX apud FOSTER, 2005, p. 84. 41
  • 43. ciências passaram a compartimentar a natureza nos campos da física, química, biologia e o homem em economia, antropologia, história, sociologia, etc. Nesse contexto, a relação homem-natureza deixou de ser integrada para se tornar fragmentada, parcial e deu-se a divisão social e técnica do trabalho. Tudo isso contribuiu para o processo de dicotomização do fazer e do pensar da sociedade, resultando na alienação social do indivíduo em suas interfaces com a economia, política, cultura e religião. A novidade desse período é que o indivíduo humano passou a ser entendido como uma realidade autônoma e o conhecimento e a liberdade, em suas novas acepções, emprestaram à autonomia a sua transparência. A ciência moderna e contemporânea adotou um conceito universal de natureza. Através do domínio da natureza pela apreensão do conhecimento e seu distanciamento da religião implantou-se uma nova relação do ser humano com o meio natural, de dominação e racionalidade. Com Darwin, os fenômenos biológicos foram explicados a partir das mesmas bases científicas utilizadas para compreender os fenômenos químicos ou físicos, pois a biologia fez-se historicamente fundamental aos estudos científicos. Com a teoria quântica surgiu o debate em relação ao tempo e ao espaço e, junto aos estudos da matéria, a relação de tempo e espaço tornou-se básica para os estudos sobre os eventos físicos. No século XX, o átomo é concebido como uma unidade e um sistema constituído de partículas que se interagem mutuamente. Dado o desenvolvimento dos estudos da evolução da vida e das espécies animais e a complexidade das relações da sociedade contemporânea, vê-se, hoje, o reconhecimento da convivência social como integrante da natureza. Ocorreu uma ampliação do conceito de natureza e não se pode mais separar o homem da natureza, “não há nenhuma outra essência que o homem possa pensar, sonhar, imaginar, sentir, acreditar, desejar, amar e adorar como absoluto senão a essência da própria natureza humana”62 . Neste pensamento, FEUERBACH assimilou “a natureza externa; pois, assim como o homem pertence à essência da natureza, em oposição ao materialismo comum, da mesma forma a natureza pertence à essência do homem.”63 Como partículas que se 62 FEUERBACH apud FOSTER, 2005, p. 104. 63 FEUERBACH apud FOSTER, 2005, p. 104. 42
  • 44. interagem, não se separa a natureza da sociedade, o homem é natureza tanto como meio direto de vida quanto como matéria, objeto e instrumento da sua atividade. O homem vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele precisa manter um diálogo contínuo com ele se não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesmo, pois o homem é parte da natureza (MARX apud FOSTER, 2005, p. 107). A dicotomia homem e natureza vem sendo questionada, haja vista a questão ambiental atual exigir novo paradigma onde homem e natureza façam parte de um mesmo processo. À medida em que a concepção de natureza muda, mudará também a concepção do que seja o próprio homem e as ideologias e interesses que acarretam essas transformações. 1.2 Natureza enquanto lugar de (re) encontros com o outro e consigo mesmo A crise do meio ambiente serviu para alertar quanto às agressões produzidas ao meio natural. Toda a sociedade é chamada a refletir sobre a natureza e agir positivamente sobre a mesma. Visto que a problemática ambiental e o afastamento do homem em relação ao meio natural passa pela mudança de comportamento humano quanto aos hábitos, costumes e valores. Faz-se necessária uma reflexão sobre a realidade, em sua dimensão filosófica e social. Como diz LATOUCHE, a relação homem-natureza se apresenta embasada no modelo de subserviência ao capital. “A mundialização contemporânea das principais dimensões da vida não é um processo natural engendrado por uma fusão de culturas e de histórias. Trata- se de dominação cultural, com suas contrapartidas, sujeições, injustiça, destruição64 .” A uniformização dos modos de vida e a padronização do imaginário, sujeitos à ciência, à técnica e ao capital passaram a ser um mito do desenvolvimento para o mundo ocidental. Ignoram-se as relações do ser humano com suas origens mais remotas: com a natureza e com o meio em que vive, inclusive com o outro. Os indivíduos tenderam a perder a 64 LATOUCHE, 1994, p. 13. 43
  • 45. responsabilidade para com seus atos e vivem em busca do mundo fictício da técnica e do capital, acreditando satisfazerem seus desejos e sonhos através do mundo exterior. O ocidente65 tornou-se uma “máquina impessoal, sem alma, sem mestre, que colocou a humanidade a seu serviço”66 , onde impera o individualismo e a perda de identidade cultural. O ser humano voltou-se para o outro a fim de captar seu reflexo perdido. A interiorização do olhar do outro provocou nas sociedades um desenraizamento cultural e muitos indivíduos parecem estar destituídos do vínculo com o solo, paisagem, meio ambiente, propensos a dominarem a natureza e o outro ser. Nos últimos 50 anos, as mudanças ocorridas em relação ao meio ambiente e às ciências, enfraqueceram os modelos estabelecidos anteriormente e, o final do século XX, foi marcado por novos arranjos das atividades humanas e da própria postura dos indivíduos. Surgiram questões de ordem ética, moral, biológica e ambiental, que estão exigindo novos caminhos e posturas dos indivíduos diante do que é vital para a continuação da vida no planeta. Sendo assim, o ser humano está numa busca incessante pelo sentido de sua existência, demonstrando que o desenvolvimento das ciências e da técnica nunca puderam substituí-lo nesta busca e, cabe ao indivíduo, ação e responsabilidade em relação ao meio que o cerca. o ser humano, na sua ânsia de plenitude e realização, quer mais do que o ritmo da máquina moderna; não se contenta em ser uma peça eficiente de um fantástico mundo de produção e de invenções, impulsionado pela razão técnica a dominar tudo o que manipula (AGOSTINI, 1995, p. 11). Numa fase que contém traços de transição como a sensação de esvaziamento, de ausência de sentido e de normas, de incerteza e de crise da própria modernidade, chega o momento de se repensar e fazer presente os valores intrínsecos ao ser humano e sua relação com a natureza da qual depende. É preciso organizar os espaços em prol da vida e de ordenar as 65 Segundo LATOUCHE, ocidente não designa lugar ou espaço físico definido e sim direção. Tem uma noção ideológica ditada pela Europa, Japão e Estados Unidos, é o lugar de relações comerciais e capitalistas. 66 LATOUCHE, 1994, p. 13. 44
  • 46. relações humanas em vista do equilíbrio vital. O atual momento vem como uma oportunidade para o homem reencontrar consigo mesmo, indo ao encontro do que é mais essencial a seu ser, a fim de restabelecer o vínculo com o lugar com, o espaço e a natureza e também com o outro ser, aquele com quem ele caminha e compartilha experiências. Por isso, as bases sustentadoras do ser humano, relativas ao ethos, articuladas à moral e à ética merecem atenção. O ethos representa a identidade profunda do homem, seu modo de ser e viver no tempo e no espaço e seu enraizamento próprio, diz AGOSTINI67 . Ethos é uma palavra grega, que designa costumes e modos de agir, eleva a capacidade crítica e de discernimento, essenciais para a vida na sociedade. Há uma correspondência analógica entre physis,“primeira noção científica de natureza” 68 e ethos que implica, segundo VAZ, na “primazia da ordem ou hierarquia das ações, o que permite pensar o mundo do ethos segundo o modelo do kosmos ou ordem da natureza.” 69 A realização da vida humana passa, primeiramente, pela harmonia com o seu ambiente. É inconcebível pensar a natureza em separado da vida, na sociedade de indivíduos. Sendo assim, é através do ethos que a sociedade entra em consonância com a natureza. Enquanto capacidade de discernimento, o ethos estabelece a consciência de que o ser humano é mais que um objeto do mercado de consumo e produção. Leva à “dimensão libertária do direito à diferença, do comunitário, dos direitos da natureza, do encontro do mundo com a realidade local, de uma nova ética no trabalho, no prazer, na gratuidade, na celebração e na fantasia, dos valores do sagrado” 70 , sendo o maior desafio para a atualidade reaver a alteridade. Nesse contexto, a expressão da dimensão libertária pode ser claramente expressa na natureza e nos seus espaços correlatos, através de práticas e ações de cidadania. A cidadania está ligada à consciência e à fruição de direitos e deveres: direitos no que diz respeito à preservação da vida e seu desenvolvimento, expansão dos direitos sociais e ampliação da solidariedade. Deveres quanto à tomada de consciência da responsabilidade do homem em relação à natureza, aos espaços físicos e aos outros seres. 67 AGOSTINI, 1995. 68 VAZ, 1988, p. 44. 69 VAZ, 1988, p. 45. 70 AGOSTINI, 1995, p. 153. 45
  • 47. Cidadania relacionada ao meio ambiente denomina-se cidadania ambiental e propõe uma mudança da relação homem-natureza, objetivando uma integração do ser humano ao ecossistema e nova percepção do meio natural no que se refere à superação da exploração predatória que vem ocorrendo. A participação popular na gestão das questões ambientais é um elemento básico à efetivação da cidadania ambiental na cidade. A natureza é o amplo campo que estabelece elo vital e preponderante na vida do homem e na conciliação da vida na cidade com a natureza, que vem reforçar a concepção social de natureza e abrir espaços novos como lugar de encontros e reencontros com o outro e consigo mesmo. 1.3 Da vida na cidade à vida no espaço urbano Considerando que a natureza é integrante da vida na cidade, da sociedade e da cultura não mais pode ser pensada como dissociada do homem. Os problemas ambientais, a crise de valores morais e éticos, a falta de compromisso e de responsabilidade para com o todo e, em específico, o individualismo vêm trazer uma nova maneira de pensar a cidade e sua relação com a natureza. A cidade antiga, originalmente centro político-mercantil e ao mesmo tempo subordinada ao campo, detinha o poder político-ideológico. Essa cidade reunia as atividades dispersas e as pessoas, a palavra e os escritos filosóficos. Caracterizava-se como espaço democrático e público. SITTE apud CHOAY (1988) identifica a necessidade fundamental dos espaços abertos para a vida pública nas cidades antigas, pois diversas atividades coletivas ali tinham lugar: as representações, as cerimônias, os jogos, o mercado, as trocas. A cidade no final do medievalismo era compacta, implantada na paisagem da qual retirava o seu sustento. O mercado medieval não representava apenas o comércio, mas, principalmente, a manufatura. Algumas vezes o mercado acontecia em uma praça específica, localizada no centro da cidade, outras vezes nas ruas e entradas das cidades. A função econômica, através do valor de troca, preconiza o capitalismo e centralidade urbana. 46
  • 48. A cidade capitalista criou o centro de consumo, ocupado por comércios raros e centralidade instalada nos espaços apropriados. Consumir também significava reunir-se com pessoas, lugar de encontro a partir das coisas.71 Com a produção industrial, as cidades sofreram transformação radical em seu território, ocorreu uma sobreposição do centro de decisão e do centro de consumo, como também setorização dos espaços. De espaço privilegiado para o coletivo - festa, poder – transformou-se em espaço privilegiado da produção, trabalho e mercado de consumo. Houve uma inversão do sentido da cidade desde a antiguidade clássica, que era marcadamente política. Após este período, implantou-se a cidade comercial, dada a existência do mercado. Prosseguindo, desenvolveu-se a cidade industrial com a emergência do capital industrial. Diante dessa transformação, contraditoriamente ocorre: “a não-cidade e a anticidade vão conquistar a cidade, penetrá-la, fazê-la explodir, e com isso estendê-la desmesuradamente, levando à urbanização da sociedade, ao tecido urbano recobrindo as remanescências da cidade anterior à indústria”72 . Com isso, a relação homem-natureza foi sendo cada vez mais distanciada e instaurou-se uma mediação: a realidade urbana, onde a lógica do consumo induziu ao valor de troca em detrimento ao valor de uso, a lógica do privado sobrepôs-se ao do bem coletivo. A realidade urbana, ao mesmo tempo amplificada e fragmentada, perde os traços que a época anterior lhe atribuía: organicidade, espaço demarcado e povoado de signos e significados. “Os signos do urbano tornam-se estipulação, ordem repressiva, inscrição por sinais, códigos sumários de circulação (percursos) e de referência.”73 A implosão de pessoas, atividades, riquezas, objetos, instrumentos, técnicas e a explosão de periferias, subúrbios desarticulados e disjuntos caracterizam a nova realidade urbana. A produção industrial interpõe-se no mercado mundial, nas relações entre os indivíduos, na troca de produtos, das obras, dos pensamentos. “A compra e a venda, a mercadoria e o mercado parecem varrer os obstáculos.”74 O urbano, segundo LEFEBVRE, define-se como uma realidade inacabada da cidade contemporânea, numa oposição campo e cidade, onde há 71 LEFEBVRE, 1969. 72 LEFEBVRE, 2004, p. 25. 73 LEFEBVRE, 2004, p. 26. 74 LEFEBVRE, 2004, p. 26. 47
  • 49. uma complexidade das relações sociais, ruptura das compartimentações, multiplicidade das conexões, comunicações e informações. A cidade se dissolve e vê-se como objeto de consumo, lucro, produção para o mercado75 , torna-se urbana e dissociada da cidade antiga. Ora, o que está em questão é a construção das práticas urbanas em favor da rua e do cotidiano das pessoas na vida urbana. A rua não é apenas um lugar de passagem e de circulação, é o “lugar (topia) do encontro, sem o qual não existem outros encontros possíveis nos lugares determinados [...] nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana, mas separação, segregação estipulada e imobilizada”76 . Detentora de funções informativas, simbólicas e lúdicas, a rua constrói referenciais no imaginário dos transeuntes e proporciona-lhes significados pela troca das palavras e dos signos. A sociedade atual não mais coincide com a cité e a cidade encontra-se em vias de ser ameaçada. Urge pensar sobre ela e sua crise contemporânea, quais os fundamentos e os novos valores da sociedade que interferem nos espaços da cidade, principalmente os públicos. A cidade carece relacionar-se com a natureza, com a cultura, com nós mesmos, com o Absoluto, com a história, com o político, artístico, técnico e científico e convoca a uma vida social plena e autônoma, polis, espaço da política, da liberdade e da justiça. ROUSSEAU denunciara a grande cidade, tida como espaço do vício. Nessa perspectiva, hoje, tem-se a nostalgia da paz, do encontro com a natureza, vistas em várias iniciativas e no imaginário dos que buscam nos fins de semana ir ao sítio, casa de campo, praia, montanha como uma maneira de reinventar a (u) topia urbana na luta contra a dominação e a injustiça instauradas na cidade77 . Nesta perspectiva, as mudanças na vida urbana, em prol de uma vida na cidade, vão de encontro ao outro, ao fazer-se solidário, cidadão e, através da percepção, restabelecer o elo com o lugar, com o espaço e com a natureza. Sendo assim, a idéia de natureza está atrelada à necessidade que a psique tem de contato com os elementos naturais de beleza, como um 75 LEFEBVRE, 1969, p. 70. 76 LEFEBVRE, 2004, p. 29. 77 ROUSSEAU apud WILLIAMS, 1989. 48
  • 50. meio de recriar os sentidos com luzes, cheiros, sons, texturas e convocar as práticas urbanas à emoção do ordinário do cotidiano. Em meio ao traço de dominação da natureza pelo homem, que se interpõe nas relações urbanas, a satisfação dos sentidos e a experiência com o belo, apontado nos estudos de psicologia, por HILLMAN, estão em crise78 . E é justamente no retorno à contemplação e à beleza que a percepção sensorial ou aisthesis79 poderia, novamente, possibilitar a elaboração de uma nova humanização na vida no espaço urbano, a fim de propiciar uma nova convivência do homem com o lugar e com a natureza. A sociedade atual chegou a um caos tal que reivindica insistentemente a coerência. [...] O caminho que se abre é o da reconstrução de um humanismo na, para e pela sociedade urbana. É para esse ser humano em formação, portanto, fato e valor, que a teoria abre o caminho (LEFEBVRE, 2004, p. 70). O ser humano tem necessidades que foram negligenciadas pelas práticas do urbanismo. Se existem funções, existem, principalmente, desejos além das coisas e da linguagem. o ser humano tem necessidade de acumular e de esquecer; tem necessidade simultânea ou sucessivamente de segurança e de aventura, de sociabilidade e de solidão, de satisfações e de insatisfações, de desequilibrio e de equilíbrio, de descoberta e de criação, de trabalho e de jogo, de palavra e de silêncio (LEFEBVRE, 2004, p. 72). Não há mais como dissociar espaço urbano, homem e natureza. São partes de um mesmo todo e é na harmonia das relações e na oportunidade de trocas que poderiam se estabelecer as novas relações e os novos encontros. 78 HILLMAN, 1993. 79 Aisthesis: Estética – Do grego significa sensibilidade, a capacidade de experimentar sensações. A partir do século XVII com Baumgarten passou a designar a reflexão acerca do belo e da beleza. Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1989, p. 270. 49
  • 51. A satisfação do impulso da beleza está localizada na natureza e a natureza é ameaçada de destruição, o ser humano sente uma perda de alma, somos levados a extraordinárias medidas de conservação, não para preservar as lesmas ou os grous berrantes enquanto tais, mas para preservar a necessidade da alma de beleza e a satisfação dessa necessidade pela natureza (HILLMAN, 1993, p. 122). O belo é o elo de equilíbrio entre o homem e a natureza. Mesmo que essa relação esteja enfraquecida, nos tempos atuais, ele se faz presente no “tranqüilo córrego e a cachoeira alva, o céu imenso e limpo, o pôr-do-sol, as montanhas distantes e as grandes árvores – têm sido esses nossos modelos de beleza e, portanto, refúgios para a alma” como analisa HILLMAN80 . A natureza é pura, sem artifícios, genuína e, portanto, ainda um lugar onde a verdade e a beleza subsistem. Não precisa ser restrita ao mar, montanhas, gramados e pássaros; escondem-se no dia-a-dia do homem, seja no seu próprio corpo natural, seja através de suas ações e pensamentos enquanto ser social. Certamente, sendo o homem também natureza e pertencente a uma sociedade, o que é feito pelo homem através da cultura, interfere no processo natural do espaço físico e biológico. Sendo assim, as alterações ocorridas na natureza começam pelo homem e pela cidade e uma das possibilidades de reportar aos espaços naturais com olhos e ouvidos atentos, começa com uma atitude renovada com relação àquilo que há, seja o que for, esteja onde estiver. O encontro com o belo pode ser fomentado pela atitude de se caminhar pela cidade, com os sentidos aguçados, desde quando nos movimentamos com os sentidos acurados, escutando, observando, respirando sintonizados com o mundo ao nosso redor, reconhecendo sua anterioridade e a nós mesmos como hóspedes, testemunhando tudo àquilo que foi dado por Deus (HILLMAN, 1993, p. 126). Na atualidade, a natureza permanece physis e num olhar para a crise ecológica encontra-se a crise do homem. Quando se quer um mundo belo, com sons, cheiros e texturas, quer-se a 80 HILLMAN, 1993, p. 122. 50
  • 52. satisfação dos sentidos e a experiência do belo, do amor. Como diz HILLMAN81 , por baixo da crise ecológica está a crise mais profunda do amor e o resultado direto da repressão da beleza. Para que o amor retorne ao mundo, é preciso, primeiramente, que a beleza retorne. O retorno da beleza reporta à percepção sensorial e revela o modo primário do conhecimento. A interioridade pessoal e o individualismo vão contra a concepção de natureza enquanto o belo, é um distúrbio da beleza, pois, não mais se tem o olhar voltado para além de si mesmo. A relação sujeito e objeto faz-se isoladamente e há uma dissociação entre o que é pensado, falado e escrito e aquilo que os sentidos captam. É oportuno para os tempos atuais atrair o retorno ao belo, caminhar em direção à aisthesis, que significa sensibilidade e ir de encontro à natureza, para perceber a beleza que se deixa transparecer para aqueles que a procuram. 1.4 Problemas ambientais urbanos e qualidade de vida A problemática ambiental está no centro das discussões da sociedade contemporânea e suas implicações, em todas as dimensões do cotidiano, escapam dos pressupostos racionalistas e vão em direção a uma nova dimensão filosófica do espaço da cidade, a ser pensada, além dos modelos de produção e consumo. A questão ambiental “decorre do esgotamento do modelo de desenvolvimento capitalista adotado pela sociedade, baseado em um alto dinamismo econômico, acompanhado de uma elevada desigualdade social”.82 O meio ambiente apresenta sinais de degradação e coloca para a sociedade atual a necessidade de reformulação do seu modo de vida. Há uma sensibilização incipiente quanto à questão e à consciência ambiental no processo de produção e na organização econômica e espacial da sociedade contemporânea. O impacto dessa consciência sobre o ambiente construído, deixa, hoje, muito a desejar. 81 HILLMAN, 1993. 82 SILVA-SÁNCHEZ, 2000, p. 25. 51