Esta edição da revista literária "O Voo da Gralha Azul" contém: 1) Poesias e contos de diversos autores brasileiros; 2) Resumos de obras literárias clássicas; 3) Informações sobre concursos literários e eventos culturais. O editorial destaca o simbolismo da gralha-azul como veículo de disseminação do conhecimento cultural.
1 revista literária voo da gralha azul numero 1 janeiro 2010
3 revista literária voo da gralha azul numero 3 marco abril 2010 final
1. no 3 - Ano 0
Paraná, março/abril de 2010
Esta revista é gratuita, sendo proibido qualquer tipo de comercialização de seus artigos sem autorização dos
respectivos autores.
2. SUMÁRIO
ACADEMIAS XXIII Jogos Florais de Ribeirão Preto .................... 98
Academia de Letras de Rondônia..............81 XI Jogos Florais Estudantis de Ribeirão Preto ........... 98
ANÁLISE DE OBRAS ENTREVISTA
Mario de Andrade Alberto Paco (Maringá/PR)
Contos Novos .............................................
O Escritor em Xeque................................................. 89
BIOGRAFIAS ESTANTE DE LIVROS
Anayde Beiriz............................................................93 ALUÍSIO AZEVEDO
Antonio Augusto de Assis...........................................54 O cortiço .................................................... 106
Antonio Brás Constante..............................................4 ÁLVARES DE AZEVEDO
Antonio Roberto de Paula ..........................................15 Noite na taverna ....................................... 106
ALVARO CARDOSO GOMES
Aparecido Raimundo de Souza...................................52 Fase terminal ............................................ 108
Branca Tirollo...........................................................80 ANTONIO CALLADO
Caio Porfírio Carneiro ...............................................58 A expedição Montaigne ............................. 107
Clarice Lispector........................................................70 GUIMARÃES
BERNARDO GUIMARÃES
A escrava Isaura ....................................... 108
Dinair Leite ...............................................................81 O seminarista............................................ 109
Franklin Ras Lopes....................................................51 CAMILO CASTELO BRANCO
Helena Kolody...........................................................43 Amor de perdição ...................................... 107
José Carlos Capinan ...................................................28 EDUARDO BUENO
A viagem do descobrimento ...................... 107
Luiz Otávio................................................................36 Capitães do Brasil – A saga dos primeiros
Mario de Andrade......................................................21 colonizadores ............................................. 107
Nilto Maciel...............................................................13 Náufragos , traficantes e degredados ....... 107
Oswald de Andrade....................................................6 O descobrimento das Índias...................... 107
ELIAS JOSÉ
Pedro Ornellas ..........................................................79 Um pássaro em pânico.............................. 109
Pedro Silva ...............................................................18 ELISABETH LOIBL
Tatiana Belinky ........................................................29 O mistério do índio voador........................ 110
Tchelo D’ Barros........................................................57 O segredo do ídolo de barro....................... 110
GUILHERME DE OLIVEIRA FIGUEIREDO
Vicência Jaguaribe ....................................................3 Tratado geral dos chatos........................... 108
CONCURSOS COM INSCRIÇÕES ABERTAS HERNÂNI DONATO
XX Concurso de Trovas de Pindamonhangaba ...........94 Brasil 5 séculos ......................................... 108
VI Concurso de Trovas da UBT-Maranguape/2010 ......94 IVAN ÂNGELO
A face horrível ........................................... 106
Jogos Florais UBT Seccional Mérida – Venezuela.......95 JOÃO GUIMARÃES ROSA
JOÃO
Jogos Florais de Cambuci/RJ – 2010 ........95 Grande sertão: veredas ............................. 109
Concurso Internacional de Literatura Para 2010. .......95 Primeiras estórias ..................................... 109
Concursos da UBT São Paulo - 2010 (100 Anos do Sagarana ................................................... 109
Nascimento de Noel Rosa) ...................................96 JORGE AMADO
A descoberta da América pelos turcos ...... 105
IX Concurso de Trovas de Caicó -2010..................... 97 A morte e a morte de Quincas Berro D’Água............... 105
IV Jogos Florais de Balneário Camboriú / SC ...........97 ABC de Castro Alves................................. 105
V Jogos Florais de Cantagalo / RJ ............ 97 Dona Flor e seus dois maridos .................. 105
Xl Jogos Florais de Niterói .................................97 O sumiço da santa..................................... 106
Concurso de Trovas de Taubaté ................97 Os pastores da noite.................................. 105
XXX Concurso Estadual/Nacional e I Concurso Interno de Trovas São Jorge dos Ilhéus ................................. 106
da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte................. 97 Tenda dos milagres ................................... 106
Terras do sem fim ..................................... 106
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respectivos autores.
3. Tieta do agreste .........................................106 De como Malasartes passa adiante a carneirada ......... 12
Tocaia grande: a face obscura ...................106 O Saci ........................................................ 98
JORGE CALDEIRA
Mauá, empresário do Império ...................107
HAIKAIS
JOSÉ DE ALENCAR Helena Kolody
Iracema: a lenda do Ceará.........................104 Último........................................................ 42
Lucíola .......................................................104 Aplauso...................................................... 42
O garatuja: crônica dos tempos coloniais..104 Alegria ....................................................... 42
O guarani...................................................104 Flecha de Sol ............................................. 42
O sertanejo.................................................105 Ipês Floridos.............................................. 42
Senhora......................................................105 Qual? ......................................................... 42
Til...............................................................105 Poesia Mínima........................................... 42
JOSUÉ GUIMARÃES Manhã ....................................................... 42
Camilo Mortágua.......................................109 Arco-Íris..................................................... 42
Os tambores silenciosos.............................109 Jornada ..................................................... 42
LÚCIA MACHADO ALMEIDA Ressonâncias ............................................. 43
As viagens de Marco Pólo ..........................105 Noite .......................................................... 43
GARCIA-
LUIZ A. GARCIA-ROZA Repuxo Iluminado..................................... 43
O silêncio da chuva....................................108 Depois........................................................ 43
MANOEL ANTÔNIO DE ALMEIDA Alquimia.................................................... 43
Memórias de um Sargento de Milícias......105 Manhã ....................................................... 43
MARIA DEZONE PACHECO FERNANDES No Mundo da Lua ..................................... 43
Sinhá moça ................................................108 Sem Poesia ................................................ 43
MARIA JOSÉ DUPRÉ Noturno ..................................................... 43
Éramos seis................................................108 Felicidade .................................................. 43
MÁRIO DE ANDRADE Dom ........................................................... 43
Macunaíma: o herói sem nenhum caráter 106 NOSSO PORTUGUÊS DE CADA DIA
NILO ALGE Expressões Redundantes .......................... 49
Mergulho no fim ........................................105 NOTÍCIAS
ORÍGENES LESSA
A pedra no sapato do herói........................109 Academia de Letras do Brasil/ Estado do Paraná
O feijão e o sonho.......................................109 Imortais ..................................................... 111
Rua do sol ..................................................109 Tatiana Belinky toma posse na Academia
Tio Pedro....................................................109 Letras..................................... 110
Paulista de Letras
PAULO LINS O ESCRITOR COM A PALAVRA
Cidade de Deus .........................................109 Anayde Beiriz
PAULO MENDES CAMPOS Carta de Amor........................................... 92
Cartas do meu moinho ..............................107 Antonio Brás Constante
PEDRO BLOCH O Homem, o Carteiro e o Cachorro .......... 3
Cara nova ou beleza pura..........................106 Aparecido Raimundo de Souza
RUBEM FONSECA O Homem Só ............................................. 51
O doente Molière .......................................108 Artur de Azevedo
RUY CASTRO A Filosofia do Mendes ............................... 88
Bilac vê estrelas.........................................108 Branca Tirollo
VERA FERREIRA/ ANTONIO AMAURY Não Brinque com o Fogo ........................... 79
De Virgolino a Lampião.............................108 Caio Porfírio Carneiro
ZÉLIA GATTAI Vingança.................................................... 57
Anarquistas graças a Deus........................108 Clarice Lispector
Jardim de inverno .....................................108 Ruído de Passos......................................... 70
FOLCLORE Franklin RAS Lopes
Aventuras de Pedro Malasartes (3) O Inesperado Aprendizado nas Curvas
Uma das de Pedro Malasartes ....................................11 Femininas do Preconceito ......................... 50
Machado de Assis
De como Malasartes fingiu que se Matava....................12 A Cartomante............................................ 38
4. Nilto Maciel Pronominais .............................................. 5
Hiroito........................................................12 Vício na Fala ............................................. 5
Pedro Silva Balada do Esplanada ................................ 5
Uma Viagem na Época dos Descobrimentos ..............16 Escapulário ............................................... 5
Tatiana Belinky Ocaso ......................................................... 6
O Diabo e o Granjeiro ................................29 Brasil ......................................................... 6
Tchelo D’ Barros Relicário .................................................... 6
“M” E “H” no 609 ......................................
......................................
......54 Senhor Feudal........................................... 6
Vicência Jaguaribe Paulo Vieira Pinheiro
Mãe, ela parece um gatinho! .....................2 A régua que mede...................................... 68
Adverso...................................................... 68
POESIAS Amores à letra d'alma............................... 68
Alberto Paco ( (Maringá/PR) Chuvisco .................................................... 69
Fruto do Carnaval .....................................86 Cintilar (Estudo 080608-1) ....................... 67
Antonio Augusto de Assis (Maringá/PR) De pé me deito........................................... 69
Carnaval ....................................................53 Desabafo.................................................... 69
Luolhar ......................................................53 Esperanças (Exercício 21042008-3) .......... 67
Terceira infância........................................53 Já ............................................................... 66
Aurora bela ................................................54 Momentos de insensatez ........................... 66
Por um beijo...............................................54 Tanto tempo que nem sei.......................... 66
Antonio Cândido da Silva ( (Porto Velho/RO) Tempos de Inocência ................................. 69
Bar do Zizi .................................................85
Antonio Manuel Abreu Sardenberg ( (São
Universo das Palavras (Exercício 21042008-1)............ 66
Veneta ....................................................... 66
Fidélis/RJ)
Xadrez ....................................................... 66
Namorar em Sonhos ..................................85
Ramsés Ramos ( (Teresina/PI)
Antonio Roberto de Paula (Maringá/PR)
O Silêncio de Maringá ...............................13 Sete Pecados do Amor ............................... 86
Cabrito na Horta ......................................14 Samuel Castiel Jr. ( (Porto Velho/ RO)
Flor Tropical.............................................. 87
Emir Simionato Sabião (Ubiratã/PR)
Tatiana Belinki ( (São Paulo/ SP)
Procura .....................................................2
O Grande Cão-Curso................................. 86
Desejo.........................................................2
Os "Limerick" ........................................... 87
José Carlos Capinan (Esplanada/BA)
Mudando de Conversa ...............................24 SOPA DE LETRAS
Algumas Fantasias ...................................24 A Origem da Escrita ................................. 58
Madrugadas de Narciso.............................25 TROVAS
Outras Confissões......................................25
Alberto Paco (PR)
Didática......................................................25
Quadro Trovadoresco ................................ 89
Poesia Pura................................................25
Dinair Leite
O Rebanho e o Homem ..............................26
Trovas........................................................ 80
Ponteio .......................................................26
João Paulo Ouverney (SP)
Clarice........................................................26
Quadro Trovadoresco ................................ 104
Papel Machê ..............................................27
Luiz Otávio
Machado de Assis ( (Rio de Janeiro/RJ)
100 Trovas................................................. 31
A Mosca Azul .............................................84
Pedro Ornellas
Maria Eliana Palma ( (Maringá/PR)
A Lágrima na Trova.................................. 77
Albatroz .....................................................87
Wilma Mello Cavalheiro (RS)
Olga Agulhon ( (Maringá/PR)
Quadro Trovadoresco ................................ 50
Ridícula......................................................84
Oswald de Andrade (São Paulo/SP) INDICAÇÃO DE SITES DE LITERATURA ........... 112
Relógio .......................................................4
Erro de Português......................................4 FONTES .................................................... 113
....................................................
Canto de Regresso à Pátria .......................5
5. Revista Literária
“O Voo da Gralha Azul”
março/abril
n0. 3 – Paraná, março/abril 2010
Idealização, seleção e edição: José
Feldman
Contatos, sugestões, colaborações:
pavilhaoliterario@gmail.com
http://singrandohorizontes.blogsp
ot.com
Que a humanidade possa aprender com a nossa Gralha-azul e entender que o
equilíbrio e o respeito ecológico entre fauna e flora é fundamental para a existência
do Homem na face da Terra!!!
Prezado Leitor
Esta revista não tem a pretensão e nunca poderá ser considerada como substituição aos livros, jornais,
colunas, etc. que circulam virtualmente ou não, mas sim como mola propulsora de incentivo ao
cidadão para buscar novos conhecimentos, ou relembrar aqueles perdidos na névoa do passado.
Por que o Voo da Gralha Azul? A poetisa norte-americana Emily Dickinson, que viveu no século XIX, diz
“Não há melhor fragata do que um livro para nos levar a terras distantes”. No caso da revista, esta
fragata é a Gralha Azul, que assim como semeia o pinheiro, ela alça voo e semeia no coração de cada
um que alcançar, o pinhão da cultura, em todas as suas manifestações.
Ao leitor, novos conhecimentos.
Ao escritor ou aspirante a tal, sejam poetas, trovadores, romancistas, dramaturgos, compositores, etc.,
um caminho de conhecimento e inspiração.
Obrigado por me permitir dividir consigo estes breves momentos,
José Feldman
6. 2
Emir Simionato Sabião
(Poesias)
PROCURA
DESEJO
Procurei tudo e não encontrei
Tentei tudo e não consegui No fundo dos olhos de alguém
Falei tudo e não ouvi mergulhei e me perdi
Olhei pra tudo e nada vi Nos lábios de alguém me entreguei
Andei muito, mas não saí e mesmo assim eu resisti
Toquei em tudo, mas não senti No corpo de alguém eu me esquentei
Perguntei muito e não respondi e nunca mais esqueci
Então não sei Porém não sei o que fazer
porque ainda estou aqui! se nada disso está aqui!
Vicência Jaguaribe
(Mãe, ela parece um
gatinho!)
gatinho!)
Nega do cabelo duro, / qual é o pente segurava o barrigão inchado. Às vezes, soltava
que te penteia, / qual é o pente que te penteia um gemido. A menina olhava-a e sentia que
/ qual é o pente que te penteia, ó nega... algo estava errado – aliás, sentia isso há algum
A menina ouvia a voz de uma das tias tempo, já. Primeiro aquela barriga que todo dia
brincando com ela e com a irmã. Depois de crescia um pouco, até ficar daquele tamanho,
adulta, sempre que ouvia o samba de Ary ameaçando explodir. O que ela tinha naquela
Barroso, Rubens Soares e David Nasser, barriga? Ninguém lhe dizia nada, e ela sentia
lembrava-se daquele dia. Mas, principalmente, vergonha de perguntar. Há algum tempo, vira a
lembrava-se da tia. Aquela música havia mãe vomitando e perguntara-lhe se ela comera
aderido à figura da tia como a areia adere ao alguma coisa estragada. A mãe confirmou.
corpo molhado. A coisa que ela tinha mais medo no
Ela e a irmã estavam na casa da avó, mundo era de perder a mãe. Quando ouvia
porque a mãe fora buscar o irmão delas, que dizer que morrera uma mãe, ela passava o dia
nasceria naquele dia. Quando ela chegasse, seguindo a sua. E era preciso que a mãe a
mandaria buscá-las. Foi isso o que lhes pusesse no colo, conversasse com ela,
disseram. Ela só tinha cinco anos quando o explicasse que não ia morrer, porque não
irmão nasceu, mas se lembra perfeitamente do estava doente, para que ela voltasse ao normal.
que aconteceu. A irmã, com três anos, não Enquanto a irmã ria brincando com a
atinava para a situação nem guardou nenhum tia, ela ficou sentada no chão, de frente para o
recordação. corredor, observando o movimento, para tentar
Mas ela, a mais velha, pressentia entender alguma coisa. De vez em quando,
alguma coisa anormal no ar. Não sabia o que entrava um tio ou uma tia com cara de
era. Mas que havia, havia. De manhã bem preocupação. A avó estava todo o tempo
cedo, a mãe acordou-as, ajudou-as a escovar ajoelhada em frente ao santuário, rezando para
os dentes; preparou-lhes o café e mandou a os santos dela. Mais tarde, perto do almoço,
empregada levá-las para a casa da avó uma das tias chegou chorando, entrou no
paterna. Mas a menina observara que ela não quarto e disse alguma coisa à mãe. A menina
estava bem. De vez em quando, curvava-se e apurou os ouvidos, mas só ouviu uma palavra:
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
7. 3
hemorragia, que ela não sabia o que era. Mas no carro, depois de despedir-se de seu pai, e o
viu quando a avó começou a chorar. A tia que carro partir. O pai não entrou em casa, veio
havia chegado chamou a irmã que brincava para a casa da mãe. Ao vê-la sentada na
com as meninas, cochichou alguma coisa. E a calçada, botou-a no braço. Ele estava com a
irmã ficou com cara de enterro. cara alegre:
A menina não sabia precisar, mas intuía - Seu irmão chegou, e sua mãe agora
que algo grave acontecia com a mãe. O pai está bem. Daqui a pouco você pode ir vê-la.
havia, poucas horas atrás, entrado na casa da A menina começou a chorar, como se
mãe, dizendo que mandara buscar um médico alguém houvesse apertado um botão liberador
na cidade vizinha. Logo depois, alguém lhe de lágrimas.
dissera que não precisava mais, já estava tudo - Mas por que essa menina está
bem. O pai, no entanto, não mandara o carro chorando? – Perguntou à irmã, que se
voltar. aproximava.
Então, se o pai mandara chamar um Os adultos pensavam o que das
médico era porque alguém estava doente. E só crianças? Que eram burras, insensíveis? E
podia ser a mãe dela, raciocinou a menina. quanto mais tomava consciência de que nem
Teve vontade de chorar, mas se controlou. passara pela cabeça do pai que ela podia estar
Olhou para a irmã, que continuava rindo e sofrendo, mais chorava. Só se calou quando a
cantando. O pai foi para casa, e a menina ficou tia, mesmo sem o consentimento do irmão,
mais preocupada ainda. Mas ninguém ali se levou-a a ver a mãe.
importava com a sua tristeza. Parecia até que A mãe abraçou-a e jurou que estava
ninguém a via. bem. Mas percebeu que a sua menina não era
Foi à cozinha, tentar escutar alguma tão ingênua como se pensava. Teve certeza de
coisa das empregadas. Ela sabia – de ouvir que percebera que a mãe quase se fora. E
dizer – que empregada sabe de tudo e mandou que ela fosse ver o irmão no berço.
conversa tudo na frente das crianças. Mas, A menina ficou de ponta de pé e olhou o
daquela vez, nada. A tia aproximou-se e falou irmão, que lhe pareceu um embrulho branco. E
em almoço. A menina, que normalmente quase o primeiro sentimento que experimentou por
não comia, disse não estar com fome. Mas foi ele foi raiva. Se não fosse ele, a mãe não tinha
obrigada a engolir alguns bocados, à força, a ficado doente. Mas, de repente, ele mexeu-se e
tia fazendo bolinhos na mão. E aí ela se abriu os olhos – uns grandes e belos olhos
lembrou dos perus que a mãe engordava para azuis. Foi nesse momento que ela se
o Natal. Era exatamente assim que ela dava descontraiu e, sorrindo, disse para a mãe:
comida aos bichos. Deus a livrasse de ser peru! - Mãe, ele parece um gatinho!
Ave Maria!
Quando a tia achou que ela havia
comido – à força – o suficiente, ou cansou de
tentar, liberou-a, e ela foi para a calçada.
Sentou-se à sombra do fícus benjamim, virada Vicência Jaguaribe
para o lado de sua casa, que ficava umas nove Vicência Maria Freitas Jaguaribe, natural de
casas à frente. Viu, parado em frente à casa, o Jaguaruana-Ce. Professora de Literatura e Estilística
carro que fora buscar o doutor. Mais ou menos da Universidade Estadual do Ceará. Mestra em
uma hora depois – e durante esse tempo ela Literatura pela UFC. Trabalhos publicados nas áreas
ficou na quentura da calçada, sem ninguém se de Literatura, Estilística e Lingüística do Texto.
incomodar –, viu um homem de branco entrar
Antonio Brás
Constante
(O Homem, o Carteiro
e o Cachorro)
O cachorro é o melhor amigo do primeiramente vamos tentar explicar para essa
homem, com exceção do carteiro. Mas juventude que só conhece internet o que é um
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
8. 4
carteiro. O carteiro seria uma espécie de irrita e maltrata seu cão, que em contrapartida
provedor de e-mails biológico. Quando ele morde o carteiro em sinal de represália.
entrega as correspondências a pé, isto Uma forma de contemporizar o
equivaleria a uma conexão discada e lenta. Se problema de donos de cães que deixam os
ele estiver de moto poderia ser considerado animais soltos ou mal trancados (facilitando
como uma conexão ADSL (banda larga), e o ataques aos carteiros) seria fazer esses donos
SEDEX é a internet empresarial, rápida, passarem um dia na função de carteiros
eficiente e muito mais cara. auxiliares, entregando cartas somente em
O carteiro poderia entendido (na ótica residências com grandes e ferozes cães. Um
dos cães) como uma espécie de válvula de bom castigo, já que eles sentiriam na pele (que
escape para o cachorro, que muitas vezes sofre é o primeiro lugar que sente a mordida dos
de forma obediente a crueldade de seu dono, e cachorros) o problema enfrentado todos os dias
por não poder pagar um psicólogo canino, pelos entregadores de cartas.
resolve descontar suas frustrações no carteiro,
Enfim, no mato sem cachorro em que
visto que ele, na teoria, é a imagem e
vivemos, onde quem não tem cão caça como
semelhança do seu dono. Ou seja, a profissão
um gato, nós estamos rumando para um
de carteiro acaba sendo um negócio bom pra
mundo sem cartas, ou carteiros, ou mesmo
cachorro, literalmente falando.
cachorros. E neste futuro, quando percebermos
Talvez o cachorro entenda que o carteiro
que a idéia de que tínhamos as cartas na mesa,
é como algum tipo de ave de mau agouro, algo
era falsa, e que fizemos uma grande cachorrada
parecido com um corvo, como descrito pelo
com nosso fiel e amigável planeta, não haverá
escritor Edgar Alan Poe. O cão já deve ter
mais como reescrever a história, e a cartada
percebido que muitos dos papéis deixados pelos
final de nossa existência já estará
carteiros têm símbolos que quando unidos
derradeiramente selada.
formam a frase: “C-O-N-T-A-S-A-P-A-G-A-R”, e
que cada vez que seu dono lê essas mensagens
escritas fica aborrecido, irritado, chegando
algumas vezes a amassar o papel. E o que o
dono do cachorro geralmente faz depois? Chuta
seu pobre companheiro de patas,
Antonio Brás Constante
provavelmente por achá-lo culpado pelo carteiro Antonio Brás Constante, natural de Porto Alegre.
Residente em Canoas/RS. Bacharel em computação,
ter conseguido entregar aquela infeliz
bancário e cronista de coração, escreve com
mensagem para ele. naturalidade, descontraída e espontaneamente,
Este é um dos ciclos da vida, o carteiro sobre suas idéias, seus pontos-de-vista, sobre o
trás as contas para o dono da residência que se panorama que se descortina diferente a cada
instante, a nossa frente: a vida. Membro da ACE
(Associação Canoense de Escritores).
Oswald de Andrade
(Poesias)
Oswald, pintura de Tarsila do
Amaral
RELÓGIO As horas
Vão e vêm
As coisas são Não em vão
As coisas vêm
As coisas vão ERRO DE PORTUGUÊS
As coisas
Vão e vêm Quando o português chegou
Não em vão Debaixo duma bruta chuva
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
9. 5
Vestiu o índio Uma balada
Que pena!Fosse uma manhã de sol Antes de ir
O índio tinha despido Pro meu hotel.
O português É que este
Coração
CANTO DE REGRESSO À PÁTRIA Já se cansou
De viver só
Minha terra tem palmares E quer então
Onde gorjeia o mar Morar contigo
Os passarinhos daqui No Esplanada.
Não cantam como os de lá
Eu queria
Minha terra tem mais rosas Poder
E quase que mais amores Encher
Minha terra tem mais ouro Este papel
Minha terra tem mais terra De versos lindos
É tão distinto
Ouro terra amor e rosas Ser menestrel
Eu quero tudo de lá No futuro
Não permita Deus que eu morra As gerações
Sem que volte para lá Que passariam
Diriam
Não permita Deus que eu morra É o hotel
Sem que volte pra São Paulo É o hotel
Sem que veja a Rua 15 Do menestrel
E o progresso de São Paulo
Pra me inspirar
PRONOMINAIS Abro a janela
Como um jornal
Dê-me um cigarro Vou fazer
Diz a gramática A balada
Do professor e do aluno Do Esplanada
E do mulato sabido E ficar sendo
Mas o bom negro e o bom branco O menestrel
Da Nação Brasileira De meu hotel
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada Mas não há, poesia
Me dá um cigarro Num hotel
Mesmo sendo
VÍCIO NA FALA 'Splanada
Ou Grand-Hotel
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió Há poesia
Para pior pió Na dor
Para telha dizem teia Na flor
Para telhado dizem teiado No beija-flor
E vão fazendo telhados No elevador
BALADA DO ESPLANADA ESCAPULÁRIO
Ontem à noite No Pão de Açúcar
Eu procurei De Cada Dia
Ver se aprendia Dai-nos Senhor
Como é que se fazia
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
10. 6
A Poesia À espera de visitas que não vêm
De Cada Dia (Primeiro caderno do aluno de poesia)
OCASO Em 11 de janeiro de 1890 nasce em São
Paulo José Oswald de Sousa Andrade, filho
No anfiteatro de montanhas único de José Oswald Nogueira de Andrade e
Os profetas do Aleijadinho Inês Henriqueta Inglês de Sousa Andrade.
Monumentalizam a paisagem Inicia seus estudos, em 1900, na Escola
As cúpulas brancas dos Passos Modelo Caetano de Campos, ainda marcado
E os cocares revirados das palmeiras pelo fato de haver presenciado a mudança do
São degraus da arte de meu país século.
Onde ninguém mais subiu Em 1901, vai para o Ginásio Nossa Senhora
do Carmo. Tem como colega Pedro Rodrigues
BRASIL de Almeida, o “João de Barros” do”Perfeito
Cozinheiro das Almas desse mundo...”.
O Zé Pereira chegou de caravela Em 1903, transfere-se para o Colégio São
E perguntou pro guarani da mata virgem Bento. Lá tem como colega o futuro poeta
- Sois cristão? modernista Guilherme de Almeida.
- Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte Em 1905, com o São Paulo em ebulição —
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê! surge o bonde elétrico, o rádio, a propaganda,
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu! o cinema — participa da roda literária de
O negro zonzo saído da fornalha Indalécio Aguiar da qual faz parte o poeta
Tomou a palavra e respondeu Ricardo Gonçalves.
- Sim pela graça de Deus Em 1908, conclui os estudos no Colégio São
Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum! Bento com o diploma de Bacharel em
E fizeram o Carnaval Humanidades. De família abastada, Oswald, em
1909 inicia sua vida no jornalismo como redator
RELICÁRIO e crítico teatral do “Diário Popular”, assinando a
coluna "Teatro e Salões". Ingressa na
No baile da corte Faculdade de Direito.
Foi o conde d’Eu quem disse Em 1910, monta um atelier com o pintor
Pra Dona Benvinda Oswaldo Pinheiro, no Vale do Anhangabaú.
Que farinha de Suruí Conhece o Rio de Janeiro, e fica hospedado na
Pinga de Parati residência de seu tio, o escritor Inglês de
Fumo de Baependi Souza. Passa o primeiro Natal longe da família
É comê bebê pitá e caí em Santos, numa hospedaria de carroceiros das
docas.
SENHOR FEUDAL No ano seguinte, com a ajuda financeira de
sua mãe, funda “O Pirralho”, cujo primeiro
Se Pedro Segundo número é lançado em 12 de agosto, tendo
Vier aqui como colaboradores Amadeu Amaral, Voltolino,
Com história Alexandre Marcondes, Cornélio Pires e outros.
Eu boto ele na cadeia Conhece o poeta Emílio de Meneses, de quem
se torna amigo. Lança a campanha civilista em
torno de Ruy Barbosa. Passa uma temporada
em Baependi, Minas, nas terras da família de
seu avô.
Em 1912, viaja à Europa. Visita vários países:
Oswald de Andrade Itália, Alemanha, Bélgica, Inglaterra, França,
Espanha. Conhece durante a viagem a jovem
Senhor
dançarina Carmen Lydia, (Helena Carmen
Que eu não fique nunca Hosbale) que Oswald batiza em Milão. Morre
Como esse velho inglês em São Paulo sua mãe, no dia 6 de setembro.
Aí do lado Retorna ao Brasil, trazendo a estudante
Que dorme numa cadeira francesa Kamiá (Henriette Denise Boufflers).
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
11. 7
Reassume sua atividade de redator de “O primeiro grupo modernista com Mário de
Pirralho”, onde publica crônicas em português Andrade, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto
macarrônico com o pseudônimo de Annibale e Di Cavalcanti. De 1917 a 1922 escreve
Scipione. regularmente no “Jornal do Comércio”.
No ano seguinte, participa das reuniões da Trabalha em “A Gazeta”, em 1918. Começa a
Vila Kirial e conhece o artista plástico Lasar compor “O perfeito cozinheiro das almas desse
Segall. Escreve “A recusa”, drama em três atos. mundo...”, diário coletivo escrito em
Nasce o seu filho, José Oswald Antônio de colaboração com Maria de Lourdes Castro
Andrade (Nonê), com Kamiá, em 1914. Torna- Dolzani de Andrade (Miss Cyclone), Guilherme
se Bacharel em Ciências e Letras pelo Colégio de Almeida, Monteiro Lobato, Leo Vaz, Pedro
São. Bento, onde foi aluno do abade Sentroul. Rodrigues de Almeida, Inácio Pereira da Costa,
Cursa Filosofia no Mosteiro de São Bento. Edmundo Amaral e outros. Fecha a revista “O
Em 1915, participa do almoço em Pirralho”.
homenagem a Olavo Bilac, promovido pelos Bacharel em Direito, é escolhido orador da
estudantes da Faculdade de Direito. Torna-se turma. Morre seu pai, em fevereiro. Casa-se, “in
membro da Sociedade Brasileira dos Homens de extremis”, com Maria de Lourdes Castro Dolzani
Letras, fundada em São Paulo por Bilac. Chega de Andrade (Miss Cyclone).
ao Brasil a dançarina Carmen Lydia, com quem Publica no jornal dos estudantes da
mantém um barulhento namoro. Faz viagens Faculdade de Direito, “XI de Agosto”, três
constantes de trem ao Rio a negócio ou para capítulos de “Memórias Sentimentais de João
acompanhar Carmen Lydia. Miramar”.
No ano seguinte, publica em “A Cigarra” o No ano seguinte edita “Papel e Tinta”,
primeiro capítulo — e, depois, lança, com assinando com Menotti del Picchia o editorial e
Guilherme de Almeida, as peças teatrais escrevendo regularmente para o periódico.
“Theatre Brésilien — Mon Coeur Balance” e Descobre o escultor Brecheret. Escreve em “A
“Leur Âme”, pela Typographie Asbahr. Faz a Raposa” artigo elogiando Brecheret com texto
leitura das peças em vários salões literários de ilustrado com fotos de trabalhos do artista.
São Paulo, na Sociedade Brasileira de Homens 1921 – Em julho, publica artigo sobre o
de Letras, no Rio de Janeiro e na redação “A poeta Alphonsus de Guimarães, ressaltando a
Cigarra”. Publica trechos de “Memórias forma de expressão, no seu entender,
Sentimentais de João Miramar” na “A Cigarra” e precursora da linguagem modernista. (“Jornal
na “A Vida Moderna”. Sofre de artritismo. A do Comércio” (SP), 07/1921). Faz a saudação a
atriz Suzanne Després recita no Municipal Menotti del Picchia no banquete oferecido para
trechos de “Leur Âme”. Passa a colaborar políticos e poetas no Trianon. Revela Mário de
regularmente em “A Vida Moderna”, que publica Andrade poeta, em polêmico artigo "O meu
em 24 de maio, cenas de “Leur Âme”. Volta a poeta futurista". Principia a colaboração do
estudar Direito, cujo curso havia interrompido “Correio Paulistano” até 1924.
em 1912. Recebe o convite de Valente de Participa da caravana de jovens escritores
Andrade para fazer parte do “Jornal do paulistas ao Rio de Janeiro, a fim de fazer
Comércio”, edição de São Paulo e em 1º de propaganda do Modernismo. Torna-se o líder
novembro começa seu trabalho como redator. dessa campanha preparatória para a Semana
Redator social de “O Jornal”. de Arte Moderna.
Continua a viajar intermitentemente ao Rio. Em 1922, participa da Semana de Arte
Naquela cidade freqüenta a roda literária de Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. Faz
Emílio de Meneses, João do Rio, Alberto de conferência, em 18 de setembro, comemorativa
Oliveira, Eloi Pontes, Olegário Mariano, Luis ao centenário da Bandeira Nacional. É um dos
Edmundo, Olavo Bilac, Oscar Lopes e outros. participantes do grupo da revista “Klaxon”,
Passa temporada em Aparecida do Norte. Está onde colabora. Integra o grupo dos cinco com
escrevendo o drama “O Filho do Sonho”. Mário de Andrade, Anita Malfatti, Tarsila do
Em 1917, conhece Mário de Andrade. Amaral e Menotti del Picchia.
Defende a pintora Anita Malfatti das críticas Publica “Os Condenados”, com capa de Anita
violentas feitas por Monteiro Lobato ("A Malfatti, primeiro romance de “A trilogia do
exposição de Anita Malfatti", no “Jornal do exílio”. Viaja a negócios ao Rio. Em dezembro
Comércio”, São Paulo, 11/01/1918). Participa do
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
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embarca para a Europa. Começa sua amizade Publica, em 1927, “A Estrela de Absinto”,
com Tarsila do Amaral. segundo romance de “A trilogia do exílio”, pela
No ano seguinte, ganha na justiça a custódia Editora Hélios com capa de Brecheret.
do seu filho Nonê. Faz viagem a Portugal e Publica “Primeiro Caderno de Poesia do
Espanha, com passagem pelo Senegal, Aluno Oswald de Andrade”, ilustrado pelo autor,
acompanhado de Tarsila. Matricula seu filho no com capa de Tarsila. Começa no “Jornal do
Licée Jaccard em Lausanne, Suiça. Reside em Comércio” a coluna "Feira das Quintas".
Paris até agosto, no atelier de Tarsila. Disputa o prêmio romance, patrocinado pela
Conhece o poeta Blaise Cendrars. Academia Brasileira de Letras, com “A Estrela
Em Paris, de volta ao Brasil, é homenageado de Absinto”, que obteve menção honrosa.
com um banquete pela Sociedade Amis des Publica trechos de “Serafim Ponte Grande” na
Lettres Françaises, sendo saudado pela revista “Verde”.
presidente do grupo Mme.Rachilde. Em 1928, publica o “Manifesto Antropófago”
Em 1924, no dia 18 de março publica no na “Revista de Antropofagia”, que ajuda a
“Correio da Manhã” o “Manifesto da Poesia Pau fundar, com os amigos Raul Bopp e Antônio de
Brasil”. Toma parte na excursão ao carnaval do Alcântara Machado.
Rio de Janeiro e à Minas com outros intelectuais É expulso do Congresso de Lavradores,
brasileiros e do poeta Blaise Cendrars, chamada realizado no Cinema República (SP) por propor
de “Caravana Modernista”. Em Minas Gerais, um acordo com o trabalhador do campo.
recebidos por Aníbal Machado, Pedro Nava e Separa-se de Tarsila do Amaral. Rompe com
Carlos Drummond de Andrade, excursionam Mário de Andrade e Paulo Prado.
pelas cidades históricas. No “Correio No dia 1º de abril de 1930 casa-se com
Paulistano”, publica o artigo “Blaise Cendrars — Patrícia Galvão (Pagú) numa cerimônia pouco
Um mestre da sensibilidade contemporânea". convencional. O acontecimento foi simbólico,
Participa do V Ciclo de Conferência da Vila realizado no Cemitério da Consolação, em São
Kyrial falando sobre "os ambientes intelectuais Paulo. Mais tarde, se retrataram na igreja.
da França". Publica “Memórias Sentimentais de Escreve "A casa e a língua", em defesa da
João Miramar”, com capa de Tarsila. Faz uma arquitetura de Warchavchik. Nasce seu filho
leitura do “Serafim Ponte Grande”, em casa de Rudá Poronominare Galvão de Andrade com a
Paulo Prado para uma platéia de amigos escritora Pagú. É preso pela polícia do Rio de
modernistas. Janeiro, por ameaçar o antigo amigo, poeta
Viaja à Europa. Monta com Tarsila um novo Olegário Mariano.
apartamento em Paris, conservando este Em 1931, escreve “O mundo político”.
endereço até 1929. Começa a escrever ensaios políticos,
Publica em Paris pela editora Au Sans Pareil geralmente sobre a situação e os problemas do
o livro de poemas “Pau Brasil”. operário. Funda com Queiroz Lima e Pagú “O
Retorna ao Brasil. Candidata-se à Academia Homem do Povo”. Publica o “Manifesto Ordem e
Brasileira de Letras. Oficializa o noivado com Progresso”. Engaja-se no Partido Comunista.
Tarsila do Amaral. No ano seguinte, redige o prefácio definitivo
Recebido com outros brasileiros em de “Serafim Ponte Grande”.
audiência pelo papa, a fim de tentarem a Em 1933, publica “Serafim Ponte Grande”.
anulação do casamento de Tarsila. Patrocina a publicação de “Parque Industrial”,
Casa-se com Tarsila do Amaral, em 30 de romance de Pagú.
outubro, em cerimônia paraninfada pelo No ano seguinte, deixa Pagú e une-se à
Presidente Washington Luis. pianista Pilar Ferrer. Publica “A Escada
Publica na “Revista do Brasil” o prefácio de Vermelha”, terceiro romance de “A trilogia do
“Serafim Ponte Grande”, primeira versão, exílio”, e “O Homem e o Cavalo”, com capa de
"Objeto e fim da presente obra". seu filho, Oswald de Andrade Filho. No dia 24
Divulga em “Terra Roxa e Outras Terras” a de dezembro, assina contrato ante-nupcial em
"Carta Oceânica", prefácio ao livro “Pathé Baby” regime de separação de bens com Julieta
de Antônio de Alcântara Machado e um trecho Bárbara Guerrini.
do “Serafim Ponte Grande”. Em 1935, compra uma serraria.
Escreve sátira política para “A Platéia”. Faz
parte do movimento artístico cultural
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
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“Quarteirão”. Fichado na polícia civil do apresentada à cadeira de literatura brasileira da
Ministério da Justiça, como subversivo. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
No ano seguinte, publica na revista “XI de Universidade de São Paulo, na qual o
agosto”, "Página de Natal" do Marco Zero. biografado é livre-docente.em Literatura
Conclui o poema “O Santeiro do Mangue”, 1ª Brasileira. Nasce sua filha Antonieta Marília.
versão, dedicado criticamente a Jorge de Lima e Reúne no volume “Ponta de Lança” artigos
Murilo Mendes. esparsos. Publica "A sátira na poesia brasileira",
Em dezembro casa-se com a escritora Julieta conferência pronunciada na Biblioteca Pública
Bárbara Guerrini, tendo como padrinho o Municipal de São Paulo.
jornalista Casper Líbero, o pintor Portinari e Publica “Poesias Reunidas - Oswald de
uma irmã da noiva, Clotilde. Passa a residir no Andrade”, editora. Gazeta e “Marco Zero: II —
Rio de Janeiro. Chão”, pela José Olympio.
Escreve “O país da sobremesa”, em 1937. É Inicia a organização da Ala Progressista
feita uma tentativa de encenação da peça “O Brasileira, programa de conciliação nacional.
Rei da Vela” pela Companhia de Álvaro Lança um manifesto ao "Povo de São Paulo,
Moreyra. Atua na Frente Negra Brasileira. Trabalhadores de São Paulo. Homens livres de
Escreve na revista “Problemas” (São Paulo). São Paulo". Escreve o "Canto do Pracinha só".
Publica “A Morta” e “O Rei da Vela”. No Rio de Rompe com o Partido Comunista do Brasil e
Janeiro, a edição de “Serafim Ponte Grande” é Luis Carlos Prestes, seu secretário geral.
dada como esgotada. Publica na “Gazeta de Limeira”, conferência
Em 1938, publica o trecho "A vocação" da pronunciada em Piracicaba intitulada "A lição da
série “Marco Zero: IV”, “A presença do Mar”. inconfidência"
Está ligado ao Sindicato de Jornalista de São Em 1946, publica “O Escaravelho de Ouro”
Paulo, matrícula nº. 179. Redige “Análise de (poesia). Assina contrato com o governo de São
dois tipos de ficção”. Paulo para a realização da obra "O que fizemos
1939, Oswald ingressa no Pen Club do Brasil. em 25 anos", espécie de levantamento da vida
Publica no jornal “Meio Dia” as colunas "Banho nacional, em todos os setores da atividade
de Sol" e "De literatura". É o representante do técnica e social à literária e artística.
jornal “Meio Dia” em São Paulo. Escreve para o Apresenta o escritor norte-americano Samuel
“Jornal da Manhã” (SP) uma série de Putnam, em visita ao Brasil, na Escola de
reportagens sobre personalidades importantes Sociologia e Política (São Paulo). Participa em
da vida política, econômica e social de São Limeira (SP) do Congresso de Escritores.
Paulo. Candidata-se a delegado regional da
Escreve “O lar do operário”. Candidata-se à Associação Brasileira de Escritores e perde a
Academia Brasileira de Letras pela segunda vez, eleição. Envia bilhete-aberto ao Presidente da
enviando uma carta aberta aos imortais, em Seção Estadual, escritor Sérgio Buarque de
1940. Holanda, protestando e desligando-se da
Em 1941, monta um escritório de imóveis na Associação, em 1947.
rua Marconi, com Nonê, o filho mais velho. Em 1948, pronuncia em Bauru a conferência
1942, publica “Cântico dos Cânticos para "O sentido do interior". Nasce seu filho Paulo
Flauta e Violão”, dedicado à sua futura mulher, Marcos.
Maria Antonieta d’Alkmin. Lança, em 2ª edição Publica na revista Anhembi o texto "O
pela Globo, “Os Condenados”, com capa de modernismo", em 1949. Profere conferência no
Koetz. Centro de Debates Casper Líbero: "Civilização e
Publica “Marco Zero: I A revolução dinheiro", e no Museu de Arte de São Paulo,
melancólica”, pela José Olympio, capa de Santa “Novas dimensões da poesia". Realiza excursão
Rosa. Começa a publicar no “Diário de S.Paulo” a Iguape, com Albert Camus, para assistir às
a coluna "Feira das Sextas". Casa-se com Maria tradicionais festas do Divino. É encarregado de
Antonieta d'Alkmin, em 1943. apresentar e saudar o escritor francês de
Em 1944, inicia a série “Telefonema”, passagem por São Paulo para fazer
publicada no “Correio da Manhã”, até 1954. conferências. Escreve a coluna "3 linhas e 4
No ano seguinte escreve "O sentido da verdades" na “Folha de S.Paulo”, até 1950.
nacionalidade no Caramuru e no Uruguai". Profere nova conferência na Faculdade de
Publica "A Arcádia e a inconfidência", tese Direito em homenagem a Rui Barbosa.
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Em 1950, escreve “O antropófago”. É Andrade; é lançado o filme “Cem
homenageado com um banquete, no Automóvel Oswaldinianos”, de Adilson Ruiz e instalado
Clube, pela passagem do 60º aniversário, painel na estação República do Metrô paulista”.
saudado por Sérgio Milliet. Participa de
concurso para provimento da Cadeira de OBRAS
Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Humor:
Letras da Universidade de São Paulo, ocasião - Revista “O Pirralho” — crônicas em português
em que defende a tese "A crise da filosofia macarrônico sob o pseudônimo de Annibale
messiânica", sem êxito. Candidata-se a Scipione (1912 — 1917)
deputado federal pelo PRT, com o seguinte Poesia:
slogan: “Pão – Teto – Roupa – Saúde – - Pau-Brasil (1925)
Instrução”. Pronuncia as seguintes - Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald
conferências: "A arte moderna e a arte de Andrade (1927)
soviética", "Velhos e novos livros atuais". - Cântico dos cânticos para flauta e violão
Redige "Um aspecto antropofágico da cultura (1945)
brasileira — o homem cordial" para o 1º - O escaravelho de ouro (1946)
Congresso Brasileiro de Filosofia. Apresenta a Romance:
versão definitiva de “O Santeiro do Mangue”. - A trilogia do exílio: I — Os condenados, II —A
Escreve, em 1952, “Introdução à estrela de absinto, III — A escada vermelha
antropofagia”. Profere discurso de saudação em (1922-1934)
homenagem a Josué de Castro, representante - Memórias sentimentais de João Miramar
da ONU, por iniciativa da Secretaria Municipal (1924)
de Cultura de São Paulo. Escreve o artigo "Dois - Serafim Ponte Grande (1933)
emancipados: Júlio Ribeiro e Inglês de Souza". - Marco Zero: I - A revolução melancólica, II —
É membro da Comissão Julgadora do Salão Chão (1943).
Letras e Artes Carmen Dolores, em 1953. - Memórias: Um homem sem profissão (1954)
Saudou o escritor José Lins do Rego, pelo Teatro:
prêmio recebido em torno do romance - A recusa (1913)
“Cangaceiros”, patrocinado pelo Salão de Letras - Théâtre Brésilien — Mon coeur balance e Leur
e Artes Carmen Dolores Barbosa. Começa a Âme (1916) (com Guilherme de Almeida)
publicar a série “A Marcha das Utopias” no - O homem e o cavalo (1934)
jornal “O Estado de S.Paulo”. Tenta em vão - A morta (1937);
vender sua coleção de quadros. - O rei da vela (1937).
Em 1954, escreve o ensaio “Do órfico e mais - O rei floquinhos (1953)
cogitações" e "O primitivo e a antropofagia”. Manifestos:
Envia comunicação, por intermédio de Di - Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924)
Cavalcanti, para o Encontro de Intelectuais, no - Manifesto Antropófago (1928)
Rio de Janeiro. Publica o primeiro volume das - Manifesto Ordem e Progresso (1931)
“Memórias — Um homem sem profissão”, com - Teses, artigos e conferências publicadas:
capa de seu filho, Oswaldo Jr., pela José - O meu poeta futurista (1921)
Olympio. Graças à interferência de Vicente Rao, - A Arcádia e a Inconfidência (1945)
foi indicado para ministrar um curso de cultura - A sátira na poesia brasileira (1945)
brasileira em Genebra. Retorna como sócio à Versões e adaptações:
Associação Brasileira de Escritores (A.B.D.E.). - Filme “O homem do Pau-Brasil”, de Joaquim
Falece em São Paulo, em 22 de outubro de Pedro de Andrade, baseado na vida de Oswald
1954, na sua residência da rua Marquês de de Andrade (1980)
Caravelas, 214. É sepultado no jazigo da - Filme “Oswaldinianas”. Formado por cinco
família, no cemitério da Consolação, em São episódios, dirigidos por Julio Bressane, Lucia
Paulo (SP). Murat, Roberto Moreira, Inácio Zatz, Ricardo
É homenageado postumamente pelo Dias e Rogério Sganzerla (1992)
Congresso Internacional de Escritores, em Publicações póstumas:
1954. Em 1990, no centenário de seu - A utopia antropofágica – Globo
nascimento, a “Oficina Cultural Três Rios” passa - Ponta de lança – Globo
a se chamar “Oficina Cultural Oswald de - O rei da vela – Globo
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
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- Pau Brasil – Obras completas – Globo - O perfeito cozinheiro das almas desse mundo
- O santeiro do mangue e outros poemas – – Globo
Globo - Os condenados – A trilogia do exílio – Globo
- Obras completas – Um homem sem profissão - Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald
– Memórias e confissões sob as ordens de de Andrade – Globo
mamãe – Globo - Os dentes do dragão – Globo
- Telefonema – Globo - Mon coeur balance – Le Âme - Globo
- Dicionário de bolso – Globo
Aventuras de
Pedro Malasartes
UMA DAS DE PEDRO MALASARTES Tarde da noite, Pedro foi ao lugar onde
estavam os perus, e matou-os a todos,
Um dia, Pedro Malasartes foi ter com o labreando de sangue as ovelhas. O homem,
rei e lhe pediu três botijas de azeite, indo-os buscar, achou-os mortos, e voltou
prometendo-lhe levar em troca três mulatas muito aflito, dizendo: "Pedro, não sabe, as
moças e bonitas. O rei aceitou o negócio. Pedro ovelhas mataram os seus perus". Ouvindo isto,
saiu e foi ter à casa de uma velha, ali pela Malasartes fez um grande espalhafato, gritando
noitinha; pediu-lhe um rancho, e que lhe que o homem tinha morto os perus do rei e
botasse as botijas no poleiro das galinhas. A recebeu seis ovelhas pelos perus. Largou-se,
velha concordou com tudo. Alta noite, Pedro indo dormir na casa de um homem que tinha
Malasartes levantou-se, foi de pontinha de pé um curral de bois. Aí ele fez as mesmas
ao poleiro, quebrou as botijas, derramou o artimanhas, até pegar seis bois pelas seis
azeite, lambuzando as galinhas. De manhã ovelhas.
muito cedo Malasartes acordou a velha, e Mais adiante, ele encontrou uns
pediu-lhe as botijas de azeite. A velha foi vendilhões de ouro e trocou os bois por ouro.
buscá-las, e, achando-as quebradas, disse: Mais adiante encontrou uns homens que iam
"Pedro, as galinhas quebraram as carregando uma rede com um defunto. Pedro
botijas e derramaram o azeite". perguntou quem era, disseram-lhe que era uma
– Não quero saber disso, -disse Pedro; - moça. Ele pediu para ir enterrá-la e eles deram.
quero para aqui meu azeite, senão quero três Logo que os homens se ausentaram, ele
galinhas. tirou a moça da rede, encheu-a de bastante
A velha ficou com medo, deu-lhe as três ouro e de enfeites, e foi ter com ela nas costas
galinhas. Malasartes partiu e foi à noite à casa à casa de um homem rico que havia ali perto.
de outra velha; pediu rancho e que agasalhasse Pediu rancho, disse às filhas do tal homem que
aquelas três galinhas entre os perus. A velha, aquela era a filha do rei que estava doente, e
como tola, consentiu. Alta noite, Pedro se ele andava passeando com ela, e pediu que a
levantou, foi ao quintal, matou as três galinhas, fossem deitar.
besuntando de sangue os perus. No dia Foram levar a moça para uma
seguinte, bem cedo, acordou a velha, pedindo camarinha, indo Malasartes com ela, dizendo
as suas galinhas, porque queria seguir viagem. que só com ele ela se acomodava. Deitou a
A velha foi buscá-las e encontrou o destroço. moça defunta na cama e retirou-se, dizendo às
Voltou aflita, contando a Malasartes. donas da casa: "Ela custa muito a dormir, ainda
Ele fez um grande barulho até levar seis chora como se fosse uma criança; quando
perus em troca das galinhas. Na noite seguinte, chorar, metam-lhe a correia."
foi ter à casa de um homem que tinha um Alta noite, Pedro foi e se escondeu
chiqueiro de ovelhas, e pediu-lhe para passar a debaixo da cama onde estava a moça e pôs-se
noite em sua casa e que lhe agasalhasse a chorar como menino. As moças da casa,
aqueles perus lá no chiqueiro das ovelhas, supondo ser a filha do rei, deram-lhe muito até
porque bicho com bicho se acomodavam bem. ela se calar, que foi quando Pedro se calou.
O homem assim fez. Depois ele escapuliu e foi para o seu quarto.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
16. 12
De manhã ele pediu a moça, que queria Quando o perseguidor chegou à toda, e
ir-se embora. Foram ver a filha do rei, e nada perguntou à lavadeira se tinha visto passar um
de a poderem acordar. Afinal conheceram que homem tocando uma carneirada, ela
ela estava morta, e vieram dar parte a respondeu, quase sem poder falar, que Pedro
Malasartes. Ele pôs as mãos na cabeça dizendo: Malasartes havia feito o que ficou dito.
"Estou perdido; vou para a forca; me mataram E, porque Pedro já estava longe com o
a filha do rei!…" rebanho, o homem voltou soltando um milhão
Os donos da casa ficaram muito aflitos, de pragas.
e começaram a oferecer cousas pela moça, e
Pedro sem querer aceitar nada, até que ele DE COMO MALASARTES PASSA ADIANTE
mesmo exigiu três mulatas das mais moças e A CARNEIRADA
bonitas. O homem rico as deu, e Pedro disse
que dava uma desculpa ao rei sobre a morte de Já muito longe, encontrou um porqueiro
sua filha, e lhe dava de presente as três que vinha tocando também. Pedro Malasartes
mulatas, para o rei não se agastar muito. que já previa que o fazendeiro havia de vir no
Malasartes largou-se e foi logo para o seu rasto, propôs troca dos carneiros, (que
palácio, onde entregou o rei as três mulatas valiam menos, pelos porcos, que valiam mais).
com este dito: "Eu não disse a vossa majestade Fecharam o negócio, tendo o porqueiro
que lhe dava três mulatas pelas três botijas de feito uma volta em dinheiro.
azeite? Aí estão elas". O rei ficou muito Malasartes seguiu com a porcada e o
admirado. outro com os carneiros, em direção oposta.
O porqueiro foi pousar em casa do dono
DE COMO MALASARTES FINGIU QUE dos carneiros. Ao ver o seu rebanho, o homem
SE MATAVA avançou para o porqueiro, e exigiu entrega do
que era seu. O porqueiro quis resistir, mas
Vendo que a vitima vinha em sua vendo que o homem estava armado até os
perseguição, deu tudo quanto tinha e, ao dentes e tinha muitos capangas, não teve outro
aproximar-se de um riacho, encontrou uma remédio senão fazer a restituição, ficando no
mulher a lavar roupa. Estava perdido, porque a prejuízo, e tocou pra trás a ver se encontrava o
lavadeira daria ao perseguidor a sua direção. Malasartes que já estava longe, tendo tomado
Mais que depressa tocou a carneirada a por um atalho que foi dar numa fazenda. E, vai
atravessar o riacho, e tomando um dos então, vendeu a porcada por um precinho
carneiros, tirou-lhe as tripas e meteu-as barato, mas com a condição de o comprador
debaixo da camisa. Quando a manada passou, deixar que ele cortasse a ponta do rabo de
ele arrancou da faca, fingiu que abriu o ventre cada porco.
e deixou cair na água as tripas do carneiro, que Fecharam o negócio e Pedro Malasartes
ali levou ocultas. meteu no embornal os rabinhos dos porcos e
A lavadeira deu um grito, caiu bateu o pé na estrada.
desmaiada ao presenciar tal cena e Malasartes
desapareceu.
Nilto Maciel
Hiroito)
(Hiroito)
Japonezinho mirrado, já velho, sorria. Os moleques o chamavam de “japa”. Ele
enrugado, banguela. Vigiava carros num se zangava, cuspia farelos e pingos de caldo.
estacionamento. Em troca recebia minguadas Deitado no catre imundo, Hiroito
moedas. Quando a fome apertava, corria ao recordava a Grande Guerra. Dores, mortes,
vendedor de pastéis. Esmigalhava com os dedos destruição. E a fuga para o Brasil. Dormia,
a iguaria e enchia a boca de farelos de carne cansado, e sonhava horrores. Milhões de pulgas
moída e trigo assado. Pedia caldo de cana e a roê-lo vivo. Baratas e ratos fardados,
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
17. 13
enormes, violentos. Prendiam-no, arrastavam- a vitória. O poderoso exército do Império do Sol
no, molestavam-no. Nascente. Quando a guerra terminasse, o Japão
Mal amanhecia, pulava do gramado e, seria dono do mundo. E ele, Hirohito, o homem
tonto, buscava a aurora. Fechava os olhinhos mais poderoso da Terra.
sujos e enfiava as mãos na água da bacia. A E expirou.
fome de novo. Imaginava pastéis macios. ---------–
Esquecia os inimigos, a guerra, os insetos.
Corria para pegar o ônibus. Precisava chegar
cedo ao estacionamento. E disputar com os
moleques o direito de receber moedas dos
donos dos carros. Moedas e insultos. “Vai
trabalhar, vagabundo!” Nilto Maciel
Um dia lhe disseram que no Japão havia
Nasceu em Baturité, Ceará, em 1945.
muita riqueza. Indústrias e mais indústrias.
Obteve primeiro lugar em alguns
Como em nenhum outro país. O povo vivia farto
concursos literários nacionais e estaduais, com
e feliz. Nem parecia aquele povo destruído em
o livro de contos Tempos de Mula Preta; livro
45. Riu. Não acreditou naquilo. E, se fosse
de contos Punhalzinho Cravado de Ódio; A
verdade, mesmo assim preferia viver no Brasil,
Última Noite de Helena; Os Luzeiros do Mundo;
onde não havia guerra.
A Rosa Gótica; conto “Apontamentos Para Um
Noutro dia houve tiroteio entre policias e
Ensaio”; “livro Pescoço de Girafa na Poeira;
ladrões de carro. O estacionamento virou
"Eça de Queiroz", livro Vasto Abismo.
campo de batalha. Tiros a torto e a direito.
Tem contos e poemas publicados em
Correria e gritaria. Um pandemônio. Assustado,
esperanto, espanhol, italiano e francês. O Cabra
o velho japonês correu. Talvez alcançasse a
que Virou Bode foi transposto para a tela
barraca dos pastéis. Quando aquilo acabasse,
(vídeo), pelo cineasta Clébio Ribeiro, em 1993.
mataria a fome. Porém, antes de alcançar
Alguns livros:
refúgio, uma bala se incrustou em seu peito.
Itinerário, Tempos de Mula Preta, A
Atirado ao chão, rolou para debaixo de um
Guerra da Donzela, Punhalzinho Cravado de
carro. Se sentia dor, não sabia. Na verdade,
Ódio, Os Guerreiros de Monte-Mor, O Cabra que
tudo parecia grandioso aos seus olhos semi-
Virou Bode, Navegador, Vasto Abismo,
abertos. Aviões devastavam céus. Tanques
Panorama do Conto Cearense, A Leste da
rolavam sobre os inimigos, que viravam pastéis.
Morte, etc.
As tropas japonesas invadiam Ásias e Américas.
E ele, Hirohito, imperador do Japão, comandava
Antonio Roberto de Paula
Poesias)
(Poesias)
O SILÊNCIO DE MARINGÁ Um motor ronca
Rompendo uma reta
É na noite Perdendo força
Quando procuro o sono Nos meus ouvidos
Fecho os olhos
E tento ouvir Chega uma música
O silêncio de Maringá Em baixo volume
Um silêncio que dura Sobe poderosa
A eternidade E se perde na escuridão
De poucos segundos
Logo outros sons
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
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Itinerantes de vozes Demarcava seu espaço sem pedir licença
Passos e latidos
Vêem e seguem Para Pedro Caveira era vencer ou morrer
Sem dar boa-noite Dos homens ganhava o temor, o respeito
Das mulheres conseguia tirar o prazer
A noite passa veloz Era na marra, na força, de qualquer jeito
O dia começa na madrugada
Acelerações e freios Entre as tantas moçoilas submissas
Buzinas e máquinas Havia uma que ocupava seu coração
É a cidade de pé Era a bela , doce e estonteante melissa
Em movimento Morena brejeira exalando amor e paixão
Houve um tempo Por ela é que Pedro Caveira se derretia
Em que a cidade Um caso conhecido em toda comunidade
Dormia mais cedo Quando ela chegava seu sorriso se abria
Não vagava tanto Para ela, ele pedia só amor e fidelidade
E acordava no horário
Na vida acontecem coisas inesperadas
Tempo da poeira Por uma bronca sem grande repercussão
Dos lampiões Caveira teve que tirar férias forçadas
Das casas de madeira Fora de circulação, um ano de prisão
E portões de balaústres
Um dia antes de se entregar à justiça
A noite era de poucos Pediu ao bando a palavra em penhor
Só dos profissionais Chorou abraçado à querida Melissa
Hoje o dia ficou pequeno Que lhe fez juras de eterno amor
A noite é a extensão
Chamou num canto o seu preferido
É na noite O humilde amigo Zequinha Terceiro
Quando procuro o sono Lhe pediu em lágrimas, comovido
Fecho os olhos Que cuidasse de todo o seu terreiro
E tento ouvir
O silêncio de Maringá Zequinha levou à risca aquele pedido
Um precioso silêncio Por sua conta incluiu a bela morena
Um frágil silêncio Virou chefão do pedaço, cabra temido
Que dura menos E botou as guampas no Pedro Caveira
Que a pureza do instante
Passou o tempo, cumprida a sentença
A noite Caveira quis retornar ao antigo ninho
Já não é mais noite Mas ninguém mais quis a sua presença
É só o dia sem sol E até Melissa lhe negou os carinhos
Entrando no outro dia
(Antonio Roberto de Paula - Livro Maringânias - Humilhado, pobre, com medo de morrer
2007 - Poesias comemorativas - Maringá 60 anos) Pedro Caveira abandonou aquela cidade
Com ódio de Zequinha de endoidecer
CABRITO NA HORTA Hoje perambula na estrada da infelicidade
Patrono, manda-chuva, mandava brasa O mundo sempre foi e será dos espertos
Pedro Caveira era o tipo de fazer tremer Zequinha agora é senhor, do alto escalão
Nunca foi de levar desaforo para casa O pai e o avô na vida não deram certo
Não havia homem que podia lhe conter Mas ele é o terceiro, o chefe, um campeão
Na faca, na bala, no pau, na porrada E finalizando essa incrível história
Pedro Caveira se valia da truculência Pra você não ser tomado de revolta
A cada dia mais uma área era dominada
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
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E pra que a tua vida não seja inglória Regional do Bradesco-Maringá; e foi
Não deixe o cabrito tomar conta da horta proprietário do Bar do Toninho ( 1985 a 1990),
--- na avenida Dr. Alexandre Rasgulaeff, no Jardim
Letra: Antonio Roberto de Paula Alvorada, em Maringá.
Melodia: Helington Lopes Desde a adolescência escreve poesias,
História contada por Cláudio Viola contos, crônicas e artigos, inclusive com
A música "Cabrito na horta" , em versão publicações desde a década de 1970, nos
reduzida, participou do Femucic, em 2005, com
jornais O Diário do Norte do Paraná , O Jornal
apresentação do grupo Receita do Samba
de Maringá e Jornal do Povo . Sua primeira
experiência efetiva no jornalismo ocorreu em
1975, no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal,
com o jornal Skeletus , do CETA (Centro
Estudantil Tristão de Athaíde).
Publicado até 1977, o Skeletus tinha
Antonio Roberto de Paula como editores, além de De Paula, seus amigos
O jornalista Antonio Roberto de Paula, Mário Sérgio Recco, José Miguel Grillo, Nivaldo
sócio-proprietário da TV Clipping Maringá, Gôngora Verri, Edson Cemensati e Edson Luiz
nasceu na cidade paulista de Lupércio, em 17 Matias. Em 1981, foi colaborador do Vôo Livre ,
de junho de 1957. É o primogênito dos quatro suplemento de O Diário publicado às sextas-
filhos de Alcebíades de Paula Neto e Rita feiras, editado por Mário Sérgio Recco.
Andrade de Paula. A mudança para Maringá Seu primeiro emprego efetivo na
ocorreu em 1959. De Paula concluiu o curso imprensa foi no Jornal do Povo, em 1991, como
primário em 1967, em Engenheiro Beltrão (PR), colunista de futebol amador, passando depois
onde a família residiu até meados de 1972. para a editoria de esportes e escrevendo a
Em 1968 estudou no Seminário Verbo coluna Visão de jogo. Neste mesmo ano atuou
Divino, em Ponta Grossa. De 1969 a 1976, fez o como comentarista da extinta Rádio
ginásio e o científico, como eram chamados na Metropolitana (Rádio Jornal).
época os ensinos fundamental e médio, nos Em 1992 e 1993 trabalhou como
seguintes estabelecimentos de ensino de comentarista em transmissões de futebol
Maringá: Santo Inácio, Instituto de Educação, amador pela RTV Maringá. Em 1993, deixou o
Gastão Vidigal e Paraná. Jornal do Povo e se transferiu para a sucursal
Foi aprovado no vestibular do curso de do Correio de Notícias, jornal curitibano que
Letras na UEM (Universidade Estadual de encerrou as atividades na cidade no ano
Maringá) em 1981, mas desistiu do curso. Em seguinte. Lá, foi colunista e editor de esportes.
2001, formou-se em Jornalismo pelo Cesumar Ainda em 1993, deixou a RTV indo para
(Centro Universitário de Maringá). Em 2003, fez a TV Maringá (Band) para ser editor, pauteiro e
o curso de pós-graduação Língua Portuguesa – produtor do programa diário Esporte por
Teoria e Prática, pelo Instituto Paranaense de Esporte , onde permaneceu até 1995.
Ensino e Univale (União das Escolas Superiores Neste período, De Paula também foi
do Vale do Ivaí). Atualmente, cursa Mestrado produtor e comentarista do programa Atalaia
em Letras na UEM. Esportiva, da Rádio Atalaia de Maringá. De
Sua monografia de conclusão do curso 1995 a 1997, trabalhou no O Diário exercendo
de graduação foi a apresentação do livro Os as funções de editor de esportes, colunista do
homens da Folha do Norte do Paraná , jornal DNP Esporte, repórter de matérias políticas e
maringaense fundado em 1962, pelo primeiro locais, pauteiro e secretário de redação.
arcebispo de Maringá, dom Jaime Luiz Coelho, De 1997 a 1998 foi repórter da Revista
e que teve suas atividades encerradas em M-9. De 1997 a 1999 escreveu crônicas,
1979. artigos, poesias e contos na coluna Linha
Antes de atuar profissionalmente na Expressa, no Jornal do Povo. Em 1998 e 1999
imprensa, De Paula foi escriturário na atuou como editor-chefe do departamento de
Transparaná (1977), funcionário público jornalismo da TV Cidade – Sistema NET. Em
municipal ( 1977 a 1979), tendo trabalhado na 2000, foi repórter, pauteiro e colunista do
extinta Codemar (Companhia de jornal Hoje Maringá.
Desenvolvimento de Maringá) e Secretaria de
Fazenda; bancário ( 1979 a 1985), no Centro
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
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De Paula e o jornalista Cláudio Viola são produtores do programa Beca TV , da TV
parceiros em composições em que incluem os Clipping Maringá, com Guilherme Tadeu e Allan
hinos do Maringá Futebol Clube (1996), do Oliveira, em 2004. Em 2003, publicou o livro Da
Grêmio Maringá (2000) e as músicas Maringá minha janela, de crônicas, artigos, poemas,
Velho, gravada em 2003 pela cantora contos inéditos e já publicados.
maringaense Márcia Mara, e Cabrito na horta , Em 2004 lançou o livro A história política
classificada no Femucic (Festival de Música de um cabo de José, de Maria e de todos os
Cidade Canção), gravada por Helington Lopes Santos , em que narra a história do vereador
(que também foi um dos compositores) e o maringaense Cabo Zé Maria e seus dez anos de
grupo Receita do Samba. mandato. Em 2005, dirigiu o videodocumetário
Em 2002, abriu com a jornalista Simone Crônica democrática de uma cidade brasileira ,
Labegalini a TV Clipping Maringá. No início de sobre as Eleições 2004, numa produção da TV
2003, De Paula trabalhou como produtor, Clipping Maringá, com roteiro de Guilherme
repórter e comentarista do programa Estação Tadeu de Paula e fotografia e montagem de
Comunitária , da Rádio Comunitária São Allan Oliveira.
Francisco FM, do Jardim Alvorada, retornando Foi nomeado assessor de imprensa da
no ano seguinte. Foi responsável juntamente Câmara Municipal de Maringá em 1997, vindo a
com seu filho Guilherme Tadeu de Paula da ocupar a chefia do setor no final de 1999, onde
sucursal em Maringá do jornal londrinense permanece até hoje.
Paraná Shimbun, em 2003 e 2004, e um dos
Pedro Silva
(Uma Viagem na Época
dos Descobrimentos)
Um sonho de criança Mas o nosso Bartolomeu iria ser ainda
mais famoso. Porém, nesta altura, ainda o não
- Bartolomeu! Bartolomeu! – grita uma sabia.
donzela formosa, com pouco mais de trinta Ao jantar, o seu pai, conhecedor por ser
anos. de poucos sorrisos e de poucas falas, dirigiu-se
Por todo o lado procurava, mas o seu ao filho:
filho não aparecia em sítio algum. - Bartolomeu, tua mãe contou-me que
De repente, um franzino jovem surge. passaste o dia junto ao riacho. É verdade?
Tinha um olhar simpático. O cabelo - Sim, pai, é verdade. Perdoe-me. – e o
despenteado. Mas a sua maneira de ser era jovem baixou a cabeça, em tom triste.
delicada: - Sabes que a vida não é só brincadeira,
- Desculpe, mãe. Estava a brincar no não sabes?
riacho. - Eu sei, meu pai, mas…
- Outra vez, Bartolomeu? Mas tu só te - E olha que a nossa vida tem sido de
sentes bem junto à água? trabalho. Os sonhos são apenas para quando
O jovem, envergonhado, encolhe os dormimos. A realidade é bem diferente quando
ombros e responde: estamos acordados. – afirmou o pai de
- Por acaso… sim! – e corre a abraçar a Bartolomeu Dias.
sua mãe. - Desculpe, pai. Mas isto não é um
Estávamos em 1465 e Bartolomeu Dias, sonho, eu serei mesmo navegador!
nascido em Mirandela, uma belíssima localidade O pai não deixou de esboçar um
transmontana, dava os primeiros passos na sua pequeno sorriso. O empenho do seu filho era
futura vida de navegador. Apesar de ter apenas de louvar. Dentro do seu coração, o pai de
quinze anos, já o seu pai o incentivava a seguir Bartolomeu desejava que este conseguisse ser
as pisadas de Dinis Dias, seu parente e também o mais famoso dos navegadores portugueses.
famoso navegador. Mas também sabia as dificuldades que o filho
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.
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teria de enfrentar. “Porém, sonhar não custa”, - O que quereis de mim? – perguntou D.
pensava de si para si. João II, o Príncipe Perfeito.
- Senhor, eu gostaria… - a voz parecia
Vivendo um sonho não sair, dada a sua timidez. – Eu gostaria de
poder participar na próxima viagem a África.
Pouco anos depois, Bartolomeu Dias O rei pensou um pouco e respondeu:
despediu-se dos pais e rumou a Sul. O destino - Pois bem, embarcarás daqui a dois
era a capital de Portugal, Lisboa. Era lá que dias, rumo a São Jorge da Mina, a nossa mais
todos os sonhos seriam possíveis de conquistar. importante feitoria.
Até então, passara os seus dias numa pequena E assim foi.
povoação do interior do país. Nunca vira o mar, Cruzando mares pela primeira vez
mas sonhara com ele todos os dias de sua vida. chegou em 1484 ao local estipulado pelo rei. Ali
Deslocou-se para Lisboa. Ali estudaria esteve algum tempo, aperfeiçoando os seus
matemática e astronomia na Universidade de conhecimentos marítimos e aprendendo os
Lisboa. Mas, ainda antes de começar a estudar, costumes locais.
a primeira atitude que teve ao chegar à capital
foi deslocar-se à zona de Belém. A razão? A viagem de uma vida
Queria ver o local de onde as caravelas partiam
rumo ao desconhecido. Tão rapidamente ganhou experiência
“Que local magnífico!”, pensava que, dois anos depois, o rei João II confiou-lhe
Bartolomeu, olhando para tanta agitação. Eram uma importante missão: descobrir o Preste
marinheiros que se despediam das suas João das Índias. Desde há alguns anos que em
famílias. Eram vendedores que apregoavam os Portugal se contava a história da existência de
seus produtos. E, por fim, eram crianças que um rei muito rico que vivia na Etiópia. Esse rei,
choravam de saudades ao ver a chegada dos ao contrário dos reis que o rodeavam, era
seus pais ou que brincavam indiferentes a tudo cristão. Portanto, poderia ajudar D. João II na
o mais. conquista de novos territórios na África e na
Com tudo isto sonhara o jovem Ásia.
Bartolomeu Dias quando, pouco tempo antes, No entanto, este era o plano secreto.
partira de Mirandela rumo a Lisboa. Na viagem Oficialmente, Bartolomeu Dias tinha
não parara de fazer perguntas a Dinis Dias, o como missão investigar as costas do continente
seu parente que ganhara alguma fama ao africano. Isto para se tentar perceber se seria
comando de caravelas. Queria saber tudo: possível chegar à Índia por mar.
como se preparava uma expedição; quantos Nessa altura, em 1486, ninguém acreditava que
marinheiros levava a embarcação; e, mais fosse possível ultrapassar a zona conhecida por
importante, quando ele poderia participar. A Cabo das Tormentas. Este nome havia sido
tudo respondia Dinis com a sua calma de ganho pelo fato de o mar ser muito perigoso e
sempre. À última pergunta, respondeu-lhe: “na de muitos barcos ali terem desaparecido.
altura certa, chegará o teu momento de Mas Bartolomeu Dias não tinha medo de
embarcar”. nada. Se o rei lhe havia solicitado essa missão,
Os estudos passaram a correr. Tudo assim seria cumprida.
aprendia a um ritmo louco tal a ânsia de largar Na verdade, o navegador, que
terra firme e aventurar-se no alto mar. comandava duas caravelas, não chegou a
Quanto os estudos terminaram, e encontrar qualquer notícia do mítico rei das
auxiliado pelo seu familiar Dinis Dias, entrou na Índias, o famoso Preste João. Porém, trazia
corte portuguesa. À sua frente estava D. João relatos muito entusiasmantes para D. João II.
II. Assim que o viu, Bartolomeu ajoelhou-se. Chegado à corte, Bartolomeu correu
Era o seu rei que ali se encontrava. Portanto, para junto do seu rei e declarou:
mandava a educação que lhe fizesse uma - Senhor, é possível dobrar o Cabo das
vénia. Tormentas. Eu sei!
- Levantai-te. – afirmou o soberano. - Mas como tal será possível,
- Obrigado, senhor. É uma honra poder Bartolomeu? – perguntou o monarca.
estar aqui na tua presença. – disse Bartolomeu. - Acreditai em mim.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.3 – Paraná, março/abril de 2010.