1) O tráfico de animais silvestres, especialmente papagaios, é um grande problema ambiental no Nordeste do Brasil, com milhões de aves retiradas da natureza e mantidas em cativeiro.
2) O papagaio de uma senhora que teve seu animal confiscado pelo Ibama provavelmente foi retirado de um ninho por um traficante, e não entrou em seu apartamento espontaneamente.
3) A mídia deveria dar mais atenção a questões ambientais sérias que afetam o futuro do país, em vez de defender
1. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
SUPERINTENDENCIA ESTADUAL DE PERNAMBUCO
DIVISÃO DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO
As discussões geradas em torno das matérias veiculadas pelo Diário de Pernambuco nos
dias 10 e 11 deste mês, que apresentam em tom emotivo a dedicação de Mercês Maciel
a seu papagaio sumido, trazem à tona uma importante discussão: a drástica degradação
de nossos ambientes e recursos naturais e a mentalidade com que é tratada a questão
ambiental.
O Nordeste tem como um dos principais problemas ambientais o tráfico de animais
silvestres, que de forma arraigada em nossa cultura é visto com naturalidade. É comum
nos bairros de qualquer cidade observarmos pessoas conduzindo gaiolas com suas aves
de estimação. Alguns como o traficante surpreendido em Caruaru na Operação Voo
Livre, em 2008, possuía mais de 2.000 aves trancafiadas em um quarto escuro. Outros
têm apenas um papagaio. Todos participam de uma lógica perversa que retira da
natureza anualmente milhões de animais.
Estimamos que somente na região metropolitana do Recife mais de um milhão de aves
silvestres estejam hoje confinadas em gaiolas. O papagaio de dona Mercês, de apenas
um ano, com certeza não apareceu em seu apartamento entrando pela janela, muito
provavelmente foi extraído de algum ninho por um traficante. Porém, esse foi o jeito
com que saiu, indicando que como animal selvagem que é, sempre possuirá sua aptidão
pela liberdade, por mais cuidados e mimos que receba.
A espécie em questão é uma das mais comercializadas e por isso uma das principais
vítimas do tráfico. Também não é verdade que estas aves quando mantidas por muito
tempo em cativeiro não retornam a natureza. O Ibama e o ICMBio mantêm bem
sucedidos programas de reintrodução em conjunto com outras instituições parceiras
como zoológicos e ONGs. Em média estes programas duram 2 anos e a média de
sobrevivência pode superar os 80% e tem salvo da extinção várias espécies de
papagaios, como o Chauá, recentemente devolvido às florestas do Espírito Santo.
Erra o meio de comunicação ao tentar defender e elevar a conduta de dona Mercês que é
infratora, cometeu crime ambiental e por isso foi multada em R$ 5.000,00 devendo
ainda responder a processo criminal. Talvez o dinheiro da recompensa e todo
investimento despendido na busca pelo seu bichinho, pudessem ser doados a um abrigo
de animais maltratados, ou utilizado na reintrodução de animais silvestres à natureza, ou
ainda a um lar de menores abandonados. Estas, sim, são práticas de civilidade que
merecem ser destacadas por um meio de comunicação tão importante.
A fiscalização do Ibama e dos órgãos parceiros certamente é pequena diante do estímulo
à ilegalidade dado por uma matéria como esta em um jornal de grande circulação.
Vivemos em um mundo em transformação onde os efeitos das agressões ambientais,
como por exemplo, o aquecimento global, não só se fazem sentir, mas também causam
enormes prejuízos e matam. A mídia brasileira ainda trata de forma factual estes
impactos e as agressões ambientais ao contrário de outros países. Explora problemas
2. sérios no campo do exótico e do curioso, como o caso aqui tratado. Estaríamos
certamente mais conscientes e preparados para vencer estes desafios se o jornal, em vez
de dar destaque a questão tão fútil e controversa, apresentasse discussões mais
profundas e que tem a ver com nosso futuro.
Para quem ainda está comovido com a história de Dona Mercês, ela, se quiser, não
ficará sem papagaio. Poderá adquirir um igualzinho, de um criador comercial
devidamente autorizado pelo Ibama, com anilha e chip de identificação e provará que de
fato tem amor pelos animais.
Recife, 11 de março de 2010.
Leslie Tavares
Chefe da Fiscalização do Ibama em Pernambuco