3. UmDiade Chuva
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
AlbertoCaeiro,in"PoemasInconjuntos"
Heterónimode FernandoPessoa
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5. Trovoada
Este ar baixo de nuvens paradas. O azul do céu estava sujo de branco transparente.
O moço, ao fundo do escritório, suspende um minuto o cordel à roda do embrulho eterno…
«Como está […],» comenta estatisticamente.
Um silêncio frio. Os sons da rua como que foram cortados à faca. Sentiu-se, prolongadamente,
como um mal-estar de tudo, um suspender cósmico da respiração. Parara o universo inteiro.
Momentos, momentos, momentos. A treva encarvoou-se de silêncio.
Súbito, aço vivo, (…)
Que humano era o toque metálico dos eléctricos! Que paisagem alegre a simples chuva na rua
ressuscitada do abismo.
Oh, Lisboa, meu lar!
BernardoSoares
(Heterónimode FernandoPessoa)
in “Livro do Desassossego”
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7. Meadosde Maio
Chuvoso maio!
Deste lado oiço gotejar
sobre as pedras.
Som da cidade ...
Do outro via a chuva no ar.
Perpendicular, fina,
Tomava cor,
distinguia-se
contra o fundo das trepadeiras
do jardim.
No chão, quando caía,
abria círculos
nas pocinhas brilhantes,
já formadas?
Há lá coisa mais linda
que este bater de água
na outra água?
Um pingo cai
E forma uma rosa...
um movimento circular,
que se espraia.
Vem outro pingo
E nasce outra rosa...
e sempre assim!
Os nossos olhos desconsolados,
sem alegria nem tristeza,
tranquilamente
vão vendo formar-se as rosas,
brilhar
e mover-se a água...
Irene Lisboa,in “AntologiaPoética”
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9. Cai Chuvado Céu
Cai chuva do céu cinzento
Que não tem razão de ser.
Até o meu pensamento
Tem chuva nele a escorrer.
Tenho uma grande tristeza
Acrescentada à que sinto.
Quero dizer-ma mas pesa
O quanto comigo minto.
Porque verdadeiramente
Não sei se estou triste ou não,
E a chuva cai levemente
(Porque Verlaine consente)
Dentro do meu coração.
FernandoPessoa
Poesias Inéditas (1930-1935)
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12. Cai a Chuvano Portal
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa cortina
Não a corras, não a rasgues, está caindo
Fina chuva no portal da nossa vida.
Gotas caem separando-nos do mundo
Para vivermos em paz a nossa vida.
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa toalha
Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo
Chuva fina no portal da nossa casa.
Por um dia todos longe e nós dormindo
Lado a lado, como páginas dum livro.
LídiaJorge, (Inédito)
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14. CaiChuva
Cai chuva. É noite. Uma pequena brisa
Substitui o calor.
P'ra ser feliz tanta coisa é precisa.
Este luzir é melhor.
O que é a vida? O espaço é alguém para mim.
Sonhando sou eu só.
A luzir, em quem não tem fim
E, sem querer, tem dó.
Extensa, leve, inútil passageira,
Ao roçar por mim traz
Uma ilusão de sonho, em cuja esteira
A minha vida jaz.
Barco indelével pelo espaço da alma,
Luz da candeia além
Da eterna ausência da ansiada calma,
Final do inútil bem.
Que se quer, e, se veio, se desconhece
Que, se flor, seria
O tédio de o haver... E a chuva cresce
Na noite agora fria.
FernandoPessoa,18/09/1920
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16. PequenoPoemade ApósChuva
Frescor agradecido de capim molhado
Como alguém que chorou
E depois sentiu uma grande, uma quase envergonhada
alegria
Por ter a vida
continuado...
MárioQuintana
In“Baúde Espantos”
17. Casana Chuva
A chuva, outra vez a chuva sobre as oliveiras.
Não sei por que voltou esta tarde
se minha mãe já se foi embora,
já não vem à varanda para a ver cair,
já não levanta os olhos da costura
para perguntar: Ouves?
Oiço, mãe, é outra vez a chuva,
a chuva sobre o teu rosto.
Eugénio de Andrade
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19. Chove
Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, 'stou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
Fernando Pessoa
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21. Chuvana Montanha
Como caíram tantas águas,
nublou-se o horizonte,
nublou-se a floresta,
nublou-se o vale.
E as plantas moveram-se azuis
dentro da onda que as toldava.
Tudo se transformou em cristal fosco:
as jaqueiras cansadas de frutos,
as palmeiras de leque aberto,
e as mangueiras com suas frondes
de arredondadas nuvens negras superpostas.
O arco-íris saltou somo serpente multicor
nessa piscina de desenhos delicados.
CecíliaMeireles
in “Mar Absoluto”
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23. Chuva
Chove uma grossa chuva inesperada
que a tarde não pediu mas agradece.
Chove na rua, já de si molhada
duma vida que é chuva e não parece.
Chove, grossa e constante,
uma paz que há-de ser.
Uma gota invisível e distante
na janela, a escorrer.
Miguel Torga
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25. Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.
Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…
Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
FlorbelaEspanca
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27. Chuva
Sobre as casas fechadas, a chuva.
Sobre o sono dos homens, a chuva.
Sobre os mortos inúmeros, a chuva.
A chuva noturna sobre as arvores.
A chuva noturna sobre os templos
A chuva noturna sobre o mar.
Sobre a solidão deste mundo, a chuva.
A solidão da chuva, na solidão.
CecíliaMeireles
In “ Poesia Completa”
(Abril, 1954)
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29. A Chuva Chove
A chuva chove mansamente ... como um sono
Que tranqüilize, pacifique, resserene ...
A chuva chove mansamente ... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine ...
E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono ...
Véspera triste como a noite, que envenene
A alma, evocando coisas líricas de outono ...
... Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha ...
Paço de imensos corredores espectrais,
Onde murmurem velhos órgãos árias mortas,
Enquanto o vento, estrepitando pelas portas,
Revira in-fólios, cancioneiros e missais ...
CecíliaMeireles
In “Nunca Mais... e Poemados Poemas”
30. É Quando a Chuva Cai
É quando a chuva cai, é quando
olhado devagar que brilha o corpo.
Para dizê-lo a boca é muito pouco,
era preciso que também as mãos
vissem esse brilho, dele fizessem
não só a música, mas a casa.
Todas as palavras falam desse lume,
sabem à pele dessa luz molhada.
Eugénio de Andrade