O documento conta a história de Vicente Curi, um empreiteiro que adoeceu no dia em que tinha um trabalho importante marcado. Apesar dos contratempos e perigos que enfrentou naquele dia, ele foi salvo por intervenção divina em cada situação. No final, ele compreendeu que estava recebendo uma "moratória" da Providência Divina.
2. Com base no conto “A Moratória”, do livro A Vida Escreve, pelo Espírito
Hilário Silva. (Momentos de Paz Maria da Luz).
Conta-nos assim o autor:
Vicente Curi, o empreiteiro de obras, amanheceu exasperado. Enfermo.
Abatido. O corpo bambeara e a cabeça parecia-lhe um vaso em fogo.
Justamente naquele dia.
De noite, marcara o relógio. Horário certo de levantar. Quatro operários
esperavam-no para a necessária demolição do velho prédio que adquirira em
bairro distante.
Precisava satisfazer o serviço urgente em reconstruções diversas. Via-se,
porém, cansado, febril.
3. Além disso, vomitava substância amarga. Tentara erguer-se, inutilmente. A
esposa dissera ser “melhor chamar médico”. Vicente reagiu, obstinado. Carro
de clínico à porta, alarme certo. Piorava a olhos vistos.
A ideia do serviço marcado castigava-lhe o pensamento. Contrariava-se.
Apesar do problema orgânico, preferia ter viajado, a demorar-se na cama.
D. Mercedes, a esposa, pede-lhe calma. É indispensável confiar na divina
bondade.
Às nove horas, Cesário, um dos cooperadores, vem pedir providências.
Atacando o serviço, ele e os companheiros assistiram ao inesperado. A casa
velha, caindo aos pedaços, não aguentou o ataque das picaretas e ruíra, de
vez.
4. Valmiro, o operário mais jovem, tivera os pés gravemente feridos, ficando
impossibilitado para o trabalho.
O empreiteiro, agora, não apenas gemia.
- Onde a Providência Divina que não me ajuda? Gritava, frenético.
Badalaram dez horas. Entulhado de comprimidos, Vicente pede à esposa a
injeção antitóxica guardada no armário. Era a última de pequena série que
deixara incompleta. Tanto tempo passara que D. Mercedes julgou prudente
comprar uma nova caixa em farmácia vizinha.
- Não temos, falara o moço de vendas e acrescentou: - Agora é remédio
raro.
O enfermo, no entanto, não se conformava.
5. Queria a injeção. Velha assim mesmo. Entretanto, buscando ajustá-la à
agulha, D. Mercedes viu-a cair no piso, perdendo-se o conteúdo. Vicente se
enraiveceu, enquanto a mulher lhe falava na Providência Maior. Alguém
lembrou o telefone para recurso a outra farmácia. O doente, amuado,
recusou; não queria mais a medicação.
Mais tarde, porque sentisse dores nas costas, D. Crescência, antiga
enfermeira da vizinhança, falou em aplicação de ventosas. Vicente lembrou
do avô, sob ventosas acima dos rins. E aceitou-as. Copos de vidro, algodão e
fósforo foram trazidos ao quarto. Quando faziam a aplicação das ventosas,
um algodão inflamado escapa das mãos da bondosa amiga.
6. Comunica-se o fogo aos lençóis finos. Vicente é retirado pelas senhoras.
Ultrapassa os limites do silêncio. Protesta indignado. Fala asneiras. Do
colchão incendiado, porém, sai correndo enorme escorpião, mostrando dardo
em riste. D. Mercedes entra em luta perseguindo o lacrau que lhe foge ao
chinelo, e fala, mais uma vez, sobre o Amparo Divino. O marido lamenta-se,
desesperado. Sente-se perseguido. E reclama:
- Parece que urubus pousaram em mim.
Quase noite, embora melhor, mostra-se Vicente mais inquieto. Relaciona
amarguras e prejuízos. D. Mercedes pede o concurso de Souto, amigo da
casa, para conduzi-lo ao templo espírita. Vicente precisava de socorro moral.
Convencera-o a valer-se do passe de reconforto.
7. Souto, ao telefone, promete colaborar, e, na hora certa, surge sorrindo. Está
pronto. O enfermo toma-lhe o braço, mas, talvez porque se movimentassem
com lentidão, o ônibus esperado não espera por eles. Para um segundo, e
zarpa adiante.
- Era o que faltava! Diz Vicente, enervado. Não quer mais o passe. O amigo,
entretanto, insiste. D. Mercedes insiste. Tomam um taxi. Chegam ao templo
indicado, alcançando o recinto no momento em que iam cerrar a porta. São
os últimos. Antes deles, porém, um moço pálido entra à pressa e roga ao
diretor da reunião, em voz alta, uma oração pelas vítimas de um desastre,
ocorrido momentos antes. O ônibus, que Vicente perdera, capotara em local
próximo.
8. Fora feito balanço. Quatro mortos e dez feridos. Iniciava-se a prece de
abertura. Por não poder conversar, pensa D. Mercedes, mais uma vez, no
Infinito Amor de Deus. E, com efeito, no momento do passe, o Irmão Luís,
orientador espiritual das tarefas em curso, incorpora-se em D. Cristina, a
médium habitual, e diz a Vicente, alarmado:
- Meu amigo, não reclame. Por quatro vezes, hoje, rebelou-se você contra a
Providência Divina, ao passo que a Divina Providência o arrebatou às garras
da morte por quatro vezes. Sua ficha de espírito devedor marcava, para hoje,
a desencarnação rude e violenta. Você esteve à bica de ser esmagado pelo
prédio que veio a cair; de ser envenenado pela ampola que trazia líquido
alterado; de ser picado pelo escorpião que o seguira no próprio leito, e de ser
estrangulado na engrenagem do coletivo menos feliz.
9. Entretanto, Vicente, em atenção aos seus gestos de caridade, amigos
espirituais do caminho advogaram-lhe a causa. Você mereceu amparo, na lei,
como alguém que consegue moratória no banco. Volte para casa e descanse a
cabeça teimosa. O socorro de Deus nem sempre tem a forma da flor ou a
rutilância da luz. Volte e agradeça os contratempos e dissabores do dia.
Serenidade é remédio em cada remédio. Vicente enxugou os olhos úmidos.
Terminada a sessão, regressou a casa, tranquilo. Reconciliara-se consigo
mesmo, e, tornando ao leito, que recebia agora por bênção doce e
reconfortante, planeou, satisfeito, a renovação de sua vida.
Reflexão:
A evolução humana se dá através de sucessivas encarnações.
10. O Espírito necessita da matéria para a conquista de habilidades, aptidões,
conhecimentos e experiência. Embora na erraticidade, enquanto aguarda
novas oportunidades na matéria, o Espírito aprenda e amplie suas
percepções, somente na matéria consegue amealhar as virtudes. É na ação. É
na experiência que os valores são adquiridos. Li, certa vez, uma frase que
bem consegue representar esta ideia, e diz assim: “Somente aquele que sobe
a serra pode vislumbrar a visão em cima do monte”. Isto significa que, na
estrada evolutiva, temos que caminhar, temos que agir, temos que fazer, para
podermos alcançar a plenitude de nossas faculdades, a plenitude dos valores
espirituais. E essa estrada se dá sempre na matéria.
11. Partindo dessa premissa, poderíamos dizer que, como Espíritos milenares,
somos, hoje, melhores do que ontem, e deixamos em nossas passagens
terrenas experiências boas e experiências más, mas que sempre nos ensinam
algum valor necessário. Como fomos criados, em espírito, simples e
ignorantes, todos, sem exceção, devemos encontrar o melhor caminho para a
escalada do monte, que há de nos permitir vislumbrar a verdade. Muitas
vezes, dizemos, sem muita reflexão, que nossas dores e aflições são um
castigo de Deus, para as faltas que cometemos. De forma simplista,
poderíamos pensar assim, mas isto nos levaria a uma percepção de um Deus
que castiga e que cobra, ao invés de um Deus de amor e justiça, que ensina,
esclarece, e eleva seus filhos.
12. Essa deformação do pensamento se origina do fato de que queremos
entender o Criador à nossa imagem e semelhança, como aquele senhor que,
apesar de amoroso, julga e pune seus filhos, para melhor educá-los. Na
realidade, Deus está em todas as coisas e, portanto, está em nós, e nos induz
constantemente ao ajustamento com a lei de amor, com a lei de justiça. O
livre-arbítrio que possuímos e que nos diferencia de outras espécies, nos
permite escolher a trajetória desejada, as lições que precisamos aprender, as
experiências que devemos vivenciar. Assim sendo, quando algo não vai
como desejamos, não é porque Deus nos impõe castigo, mas porque são as
consequências daquilo que escolhemos para viver, das ações que escolhemos
para tomar.
13. Ao contrário do castigo, a misericórdia de Deus permite ao homem fazer e
refazer suas próprias construções na vida; exercitar, corrigir, e crescer através
de oportunidades sempre renovadas. As suas encarnações sucessivas têm
essa finalidade, e bem demonstram o zelo que o Criador tem por todas as
suas criaturas. O que, em geral, acontece conosco e que, apesar de tudo isso,
não estamos ainda aptos para compreender o dispositivo da justiça divina,
que não tem exceções à regra, e atende a todos da mesma maneira. Desta
forma, como o homem de pouca fé, reclamamos da sorte; reclamamos da
vida; reclamamos e nos impacientamos quando as coisas que nos ocorrem
não atendem à nossa vontade.
14. A pouca fé permite as criaturas falharem nas observações dos valores
espirituais. Quando falamos em resignação e paciência, em tolerância, em
perseverança, em disciplina, falamos de virtudes que devem ser aprendidas,
para que o homem conheça melhor e entenda sua verdadeira destinação.
Como já foi dito, Deus não castiga; Deus não cobra; Deus oportuniza e
permite em sua infinita misericórdia o crescimento contínuo do Espírito de
seus filhos.
Já tivemos oportunidade de falar na misericórdia de Deus e evidenciar a
forma como ela se manifesta nos homens. Como o processo é evolutivo e de
aprendizado, e não de cobrança, sempre que o homem demonstrar com suas
intenções, com suas obras, com suas ações, que já começou a compreender
sua verdade, Deus determina que a moratória lhe seja aplicada, e que...
15. Suas provas cessem, para que ele possa exercitar sua vontade, no sentido do
amor. E, quanto mais o discípulo agir na caridade mais luz lhe será
proporcionada, e mais força lhe será enviada para suas experiências de
renovação. Nossos guias, nossos protetores, nossos mestres espirituais,
cuidam sempre para que a luz que começa a brilhar possa se alimentar pelo
combustível da esperança, e impedem que os tropeços do caminho possam
nos desviar dos rumos da renovação. Assim, quando te sentires mais
impaciente, porque as coisas não estão caminhando como desejas, observa a
moratória de Deus, e acredita que as coisas estão certas e alinhadas, com
tudo aquilo que necessitas. Coloca-te à disposição do trabalho; agradece a
ventura da vida; pede por todos os que sofrem e não compreendem; busca
novas forças, para continuares a escalada do monte que te é destinado.
16. Crê que todas as coisas estão certas, pela vontade do Pai, que é sempre
infinitamente amoroso e justo.
Muita Paz!
Meu Blog: http://espiritual-espiritual.blogspot.com.br
Com estudos comentados de O Livro dos Espíritos e de O Evangelho
Segundo o Espiritismo. Nova página: Espiritismo com humor.