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Análise do Discurso Político Subjacente e a Terceira
                    Dimensão do Poder.
       A Fala e a Escrita dos Grupos de Interesses.
                   (Lingüística e Política)




                       Gentil Tadeu Gomes1 & Herbert Schützer2




                                                 2007




1
  Bacharel em Letra e especialista em Lingüística.
gentiltadeugomes@ig.com.br
2
  Especialista em Política e Relações Internacionais e Mestre em Geografia.
hschutzer@globomail.com
Resumo

As classes detentoras do poder exerceram sua dominação de variadas formas, que vão
desde a utilização da força bruta material explícita até sofisticadas e sutis modalidades
de coação.
Modernamente, apropriando-se dos avanços tecnológicos e das descobertas nos campos
da Psicologia e da Lingüística, a atividade de produção e manutenção das condições
ideais para dominação das massas, por parte das elites mandatárias, tem se tornado cada
vez mais fácil.
A idéia de Liberdade, que a priori seria inegavelmente positiva, passa a ser de cunho,
no mínimo, duvidoso. Aliado a isso, inclua-se o papel do Governo perante o eleitor.
O presente trabalho não tem por objetivo propor soluções ao problema. O que se deseja
é mostrar uma das formas atuais de manipulação do pensamento coletivo, realizada
através de um veículo midiático do âmbito da imprensa escrita. A intenção é demonstrar
como se dá essa forma de ação subliminar que diariamente invade o país.

Palavras-chaves: Elites, Massas, Poder, Manipulação.



Abstract

Throughout the times, the class who had the power exerted their domination of varied
forms, since the utilization of brute strength material explicit , sophisticate and subtle
modalities of coax.
Modernly, assuming itself of discovered of the constants technological advances and
uncountable in the psychology and linguistics fields, on the part of the controller elites,
it had become easier.
The idea of freedom, that priori would be undeniably positive, starts to be matrix, in the
minimum, doubtful. It is enough that it question and maximum meaning of freedom and
which the border between freedom and prison. Ally to this, includes itself for analyses
proposal the government attitude before the voter.
The present work has not for objective to consider solutions to the problem. The desire
is to show one of the current forms of manipulation of the collective thought, carries
through a propagate by media on the scope of the written press. The intention is to
demonstrate how happen this form of action that daily invades the country, under the
false image of NEWS ARTICLE

Keywords: Power, Domination, Masses, Elite, Manipulation.
1. Introdução.


                  Uma teoria moderna da Democracia não deve prescindir dos
conceitos rigorosamente elaborados pelos cientistas políticos que se
debruçaram sobre o tema. Seus postulados fundamentam e dão sustentação
teórico-material àqueles que buscam respostas e caminhos às questões de
nosso tempo. Ou mesmo àqueles que desejam aprofundar-se em algum
assunto que perpasse, em maior ou menor escala, por ela, a Democracia.
                  Mas, afinal, o que é a Democracia? Qualquer manual de direito
constitucional nos ensina que a Democracia é “...a afirmação de certos valores
fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e
funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores.” (Dallari,
1985, 127), ou de política, que a “...democracia se foi entendendo um método
ou um conjunto de regras de procedimento para a constituição de Governo e
para a formação das decisões políticas” (Bobbio, Matteucci e Pasquino, 1983,
326). Entretanto, aceitar definições como essa, pura e simplesmente,
corresponderia a não levar em conta a infinita graduação de Estados com suas
diferentes práticas democráticas existentes no mundo atual.
                  Por isso, é preciso questionar e praticar a Democracia, para
não permitir que ela seja tão corrompida pelos poderes econômico e financeiro.
Principalmente dos grupos de pressão, que se formam satelizando os
governos, os quais não são nem eleitos pelo voto popular nem controlados
pelos cidadãos.
                  Então, como podemos definir suas ações?


                                “...se a atividade dos Grupos de pressão é possível
                                 apenas nos sistemas democráticos e, em segundo lugar,
                                 procurando avaliar o seu papel dentro dos sistemas
                                 democráticos para saber se eles representam uma
                                 degeneração destes sistemas ou se não desenvolvem
                                 funções úteis à manutenção e adaptação destes
                                 sistemas, em que condições e com que riscos.” (Bobbio,
                                 Matteucci e Pasquino, 1983, 569)
Os Grupos de Interesses, como se vê, constituem-se em
organizações próprias das democracias. (Bobbio, Matteucci e Pasquino, 1983,
570) E não se pretende aqui fazer qualquer juízo de valor desses Grupos mas,
ao contrário, analisar uma de suas formas de atuação.
                    Para os estudiosos, o fato de que a Democracia possa ser
definida com muita precisão não significa que ela realmente funcione da
mesma forma em todos os lugares. Uma breve incursão na história das idéias
políticas leva a duas observações, muitas vezes relegadas sob o pretexto de
que o mundo muda, é dinâmico:
                    I) A experiência confirma que uma democracia política que não
se baseie numa democracia econômica e cultural de pouco adiantará.
Desprezada e relegada a ser o depositário de fórmulas obsoletas, a idéia de
uma democracia econômica deu lugar a um mercado triunfante que beira a
obscenidade;
                    II) Os estrategistas políticos, de toda e qualquer filiação
partidária, impuseram um silêncio prudente para que ninguém ousasse insinuar
que continuamos cultivando a mentira e aceitamos ser seus cúmplices de um
sistema que distancia do modelo ideal.
                    O chamado sistema democrático parece, cada vez mais, um
governo dos ricos e, cada vez menos, um governo do povo, como percebemos
na matéria da revista VEJA. Impossível negar o óbvio: a massa de pobres
convocada a votar jamais é chamada a governar.
                    Os povos não elegeram seus governos para que estes os
“ofereçam” ao mercado. Idéia desenvolvida por Bobbitt (2001) quando defendia
a evolução3 do Estado-Nação para o Estado-Mercado, em que o mercado
passa a ser o receptáculo de suas ações e o povo deve moldar-se a ele -
mercado.       Assim o mercado condiciona os governos para que estes lhe
“ofereçam” seus povos.
                    As dificuldades de determinada sistematização teórica4 são
muitas, porém, tal fato não se deve apresentar como inibidor de investigação
sobre a ação dos grupos de interesses. Vale ressaltar, ainda, que esse estudo

3
  Dinâmica pela qual o Estado vem passando desde sua criação no século XV, na qual Bobbitt
acrescentou uma nova etapa.
4
  Existem várias definições sobre a Democracia, o que dá margem a inúmeras interpretações. Além disso,
as particularidades de cada sociedade dão ensejo a diferentes práticas do sistema democrático.
investigativo não elimina nem despreza a capacidade de organização e eficácia
desses grupos para a produção de políticas públicas que atendam seus
objetivos. Quando se busca, ademais, uma análise nos padrões da escolha
racional coletiva, os problemas, sobretudo práticos, se avolumam. Anthony
Downs, Olson, Dahl, Lukes e tantos outros os enfrentaram e estabeleceram
diretrizes que possibilitam uma análise racional dos elementos constitutivos da
escolha de grupos, sob a ótica do governo democrático.
               Mais ainda quando se busca um encadeamento lógico que
justifique um controle dessa mesma ação governamental, pois as dificuldades
se multiplicam, é aí que o pesquisador tem o dever de encontrar nas
instituições os pressupostos das práticas de uma nova postura diante de novas
realidades.
               Nessa perspectiva, procurou-se, neste trabalho, descrever a
ação não-aparente dos grupos de interesses, que no Brasil alcançaram um
desenvolvimento tal a ponto de não serem percebidos, pois são articulados por
outros grupos que não permite que eles se exponham diretamente ao público.
Assim, objetivou-se demonstrar como essa ação é praticada, através de um
pequeno relato das teorias de ação de grupos de interesses, para
contextualizar o tema e a análise de um artigo de revista de circulação
nacional.




2. Onde estão as origens dos grupos de interesses no Brasil?



               As origens da estrutura política brasileira estão, segundo Faoro
(1975), sedimentadas na História da formação de Portugal, Estado constituído
com base em uma estrutura patrimonial, que não desenvolveu o sistema feudal
como as outras unidades políticas da Europa, portanto sem a constituição de
uma nobreza autônoma.        Esse fato deu origem a um patriomonialismo
estamental, por referência às características da nobreza feudal, que passa a
constituir o quadro administrativo do Estado. Por meio desse quadro de
controle burocrático, a nobreza busca honra social, para alcançar e conservar a
independência em relação ao soberano. Nesse tipo de sistema, o soberano
domina o território do país através desse corpo administrativo. É o tipo de
Estado que vai vigorar no Brasil-colônia e que, posteriormente, será
transformado no modelo pelo qual o país independente se constituirá.
Transplantado da metrópole, o modelo administrativo que aqui se instala tem
como característica a fusão do público ao privado, em benefício do estamento
que administra o Estado.
                O modelo capitalista português, que foi transferido para o
Brasil, apresenta um padrão que é conduzido e determinado pela política, de
modo a não estimular o desenvolvimento econômico segundo os princípios
liberais que nortearam outras nações européias. Esse fator foi responsável pelo
atraso e dependência econômica que vão se verificar em Portugal, deixando o
Brasil como área de exploração mercantil, responsável pelo lucro que o Estado
lusitano retira para se manter. E se manter significa, em última análise, saldar
dívidas portuguesas através da transferência das riquezas brasileiras para as
nações que adotaram o liberalismo econômico, as quais eram credoras de
Portugal. Assim, no Brasil, o Estado português implementará a colonização,
cooptando comerciantes e agentes do capital, que irão constituir o estamento
burocrático que, por sua vez, envolverá o setor privado, submetendo-o a seu
rogo e esgotando-o em benefício de poucos.
                A centralização do poder é o principal aspecto que a máquina
administrativa portuguesa vai instaurar no Brasil, na fase dos grandes
engenhos de cana-de-açúcar (Nordeste) e na fase da exploração das minas de
ouro e pedras preciosas (Minas Gerais, principalmente). Sob o pretexto do
estabelecimento de um controle para atender os interesses da coroa, o
estamento burocrático se fortalece na colônia. Na realidade, atendendo os
próprios interesses, através de um governo forte, com grande número de
funcionários para lhe dar supremacia sobre os senhores rurais. O aparato
administrativo que age em nome do rei (a favor dele [rei] e em interesse
próprio) exclui o povo de qualquer tipo de participação, servindo este apenas e
tão-somente para uso econômico e político.
                A vinda da família real para a colônia transfere toda a máquina
burocrática que vai dar inicio à consolidação da estrutura estamental-
burocrática a ser implantada pelo Estado brasileiro independente.             A
organização da nação vai ocorrer sob a lógica do liberalismo, o que parece,
pretensamente, ser o elemento modernizador do país. No entanto, o liberalismo
adquire um caráter contraditório, pois se assenta na base de uma economia
escravista. Acresce-se que a instituição do poder moderador e as formas de
organização do Estado brasileiro serão as mesmas que se desenvolveram no
período colonial, com um estamento burocrático muito forte. Principalmente no
segundo reinado, que alijou a possibilidade de participação do povo. Limitado
com base na renda, ele permanece sob o controle do aparelho administrativo,
que dá as diretrizes do país imperial. Como se vê, desde os primórdios da
formação do Estado brasileiro se limitou a organização de grupos de interesses
nas esferas inferiores da sociedade.
                Com a instauração da República, o modelo vai se reproduzir
sob novas formas. Primeiro, pelo poder dos militares. Depois, no período civil,
pela implantação da Política dos Governadores, momento máximo da ação do
estamento burocrático na privatização do lucro e socialização dos custos. As
características do Estado brasileiro, daí em diante, não irão se alterar. Mudará
apenas o regime do qual o estamento burocrático irá se servir, mesclando–se
momentos de maior distanciamento em relação ao povo a momentos em que
ele aparece mais próximo (como, por exemplo, o Estado Novo).
                Em suma, O Estado brasileiro consolidou o patrimonialismo,
transferido pelo colonizador português, o qual, aplicando suas características
gestoras, construiu uma lacuna entre os interesses do Estado e os da nação,
atendendo, por fim, ao grupo que se apropriou do aparelho administrativo do
Estado. Geralmente esse grupo não fazia distinção entre o público e o privado,
submetendo a seu jugo, inclusive, importantes setores da economia. Com isso,
tais setores acabaram sendo incorporados ao modelo capitalista vigente,
perdendo    suas   características     naturais,   o   que   inviabilizou   qualquer
possibilidade de crescimento em termos sócio-econômicos. Quanto à nação,
reproduz-se fora da esfera do Estado, como mostram os modelos históricos,
graças aos mecanismos de defesa produzidos pelo estamento burocrático,
para impedir o acesso dos interesses públicos na esfera da ação do Estado.
Neste caso, a formação política brasileira caminha na direção da teoria de
Andrew Mc Farland (1992), que defendeu a idéia da “muitas elites”, uma vez
que o Brasil, após o processo de industrialização, parece tê-la desenvolvido.
3. A Lógica da Ação Coletiva



                   Os grupos de interesse estão presentes nas democracias e
servem para que os interesses de partes da sociedade possam conseguir os
benefícios das políticas públicas. Geralmente, os grupos de interesses podem
ser conceituados pela lógica da ação coletiva.
                   A teoria da ação coletiva parte de uma constatação: diversas
vezes a interação de agentes com interesses comuns não gera resultados
coletivamente eficientes. Em outras palavras, sob certas condições, indivíduos
racionais são incapazes de, espontaneamente, alcançar resultados que
estejam de acordo com seus interesses. A análise de Olson (1999) busca
identificar quais são as circunstâncias em que a afirmativa anterior se verifica,
ou seja, quando a racionalidade individual não é suficiente para a racionalidade
coletiva.
                   Olson (1999) mostra que o fato dos benefícios conjuntos de
uma ação superarem os custos para um grupo não implica em sua efetivação.
A ação coletiva, geralmente, está voltada para a produção de bens públicos
para seus membros, pois bens privados podem ser produzidos através do
mercado. Ora, em tal caso, como não se podem excluir os não-contribuintes, o
grupo fracassa na produção de potenciais bens coletivos, visto que a decisão
racional de cada agente será a defecção. Exemplificando: os trabalhadores
recebem aumento salarial quer tenham contribuído ou não para uma greve
bem-sucedida, ou cada empresário de um determinado setor se beneficia da
imposição de uma tarifa de importação mesmo que não tenha contribuído para
o lobby5.
                   De acordo com a análise de Olson (1999), o número de
participantes de um grupo é uma variável-chave para as questões da ação
coletiva. Utilizando um modelo formal, ele demonstrou que quanto menor o
grupo, maiores são as chances de um de seus membros arcar com todos os
custos do bem coletivo (Olson.1999). Já em grupos maiores, essa possibilidade
5
    Grupo de pressão; grupo dos que freqüentam as antecâmaras dos parlamentos com o objetivo de
influenciar os deputados no sentido de votarem de acordo com os seus interesses.
é mais restrita e a ação coletiva tem de ser obtida através de incentivos
seletivos (selective incentives), i.e., benefícios que se aplicam apenas aos
agentes que contribuíram para a provisão de um bem público (Olson, 1999).
Conhecidos casos de incentivos seletivos são os descontos em planos de
saúde para os membros de sindicatos e o fornecimento de informações
qualificadas para os componentes de um grupo de interesse patronal. Existem
ainda outros incentivos mais informais, mas não por isso menos eficazes, que
vão desde o ostracismo até a violência física contra, por exemplo, os que
"furam" uma greve ou rompem um cartel.
                  Mesmo levando-se em conta a possibilidade de recurso aos
incentivos seletivos, é fácil notar que grupos com poucos membros, cujos
benefícios prováveis estão concentrados, têm mais incentivos e facilidades de
organização e ação do que os grandes grupos pulverizados. Os resultados são
pequenos grupos ativos e uma maioria desorganizada inerte, apesar de seus
interesses comuns. Segundo Olson (1999), "pequenos grupos em uma
sociedade, geralmente, terão maior poder de lobby e de cartel per capita (ou
mesmo por dólar da renda agregada) do que grupos maiores" (Olson.1999).
                  Olson (1999) também argumentou que os pequenos grupos
tendem a incorrer em ações redistributivas em seu favor, em detrimento de
práticas que aumentariam a eficiência em geral. Um grupo pequeno é atingido
apenas por uma ínfima parte dos danos que porventura atinjam toda a
sociedade, uma vez que, por definição, sua participação nesta é deveras
restrita. Logo, mesmo que as ações redistributivas dos grupos com poucos
membros piorem a situação geral, seus participantes serão mais do que
compensados pelos "desvios" dos ganhos em seu favor. Sindicatos de
trabalhadores e patronais, associações profissionais, lobbies e cartéis, ou
qualquer outro grupo que vise à provisão de bens coletivos para seus
membros, foram        incluídos   sob   a   designação   "coalizões   distributivas"
(distributional coalitions).
4. As práticas brasileiras



                   Para este trabalho procurou-se adotar os princípios pluralistas
defendidos por Dahl (1961), que parte da idéia de que as democracias
permitem, na sua dinâmica, um sistema de desigualdades não-cumulativas. E
que os recursos políticos num sistema pluralista apresentam-se vários, sendo
eles distribuídos desigualmente e por isso os atores possuem um maior
número de oportunidades para influenciar o poder público, portanto há uma
participação maior da sociedade, cada parte em um determinado segmento.

                    Uma extensa guerra de interesses se trava no Brasil entre o
público e o privado. Isso não quer dizer que exista um conflito sistêmico (pelo
menos não se percebe isso), o que se desenrola é um conflito temático (La
Palombara, 1982, 291). Essa guerra tem no Estado um espaço preferencial,
embora ela cruze todos os cantos da nossa sociedade. É neste sentido, que
empreendemos nosso esforço elucidativo.
                    Os interesses privados lutam pela mais extensa e profunda
mercantilização da sociedade, isto é, pela transformação radical de tudo em
mercadoria. Em outras palavras, a sociedade deve ser um lugar onde tudo se
vende e tudo se compra. O setor privado luta para que o Estado: a) financie
seus interesses e não coloque nenhum entrave à circulação do capital; b)
perdoe seus impostos e degrade ainda mais os salários; c) gaste cada vez
menos com a atenção à massa da população. Em suma, que o Estado seja
máximo para o capital e mínimo para os que vivem do trabalho.
                    E a iniciativa privada tem conseguido grandes avanços nos
últimos tempos. O Estado está profundamente penetrado por seus interesses,
em especial pelos do capital especulativo, num verdadeiro processo de
financeirização do Estado. O conjunto das atividades estatais está definido
pelos compromissos financeiros assumidos pelas autoridades econômicas -
elas mesmas originárias de grandes empresas privadas, na maioria das vezes
organizadas em grupos representativos de caráter neocorporativista6 (Werneck
Vianna, 1994). O Banco Central, os Ministérios Econômicos, o próprio
Ministério do Trabalho, da Indústria e Comércio, da Agricultura e Reforma
Agrária, por exemplo, representam os interesses do grande capital privado,



6
 As associações de interesse não são necessariamente entidades autônomas que pressionam de fora do
Estado, sendo também partidos políticos, podendo, pelo menos em parte, ter caráter heterônimo face as
autoridades governamentais e agir como canais como canis seletivos na formação (e na implementação)
da política pública.
prioritariamente os do capital especulativo, sobre cuja atração repousa a
modalidade de estabilização monetária do governo atual.
                 Se o Brasil é a sociedade mais injusta do mundo (segundo os
dados das Nações Unidas), é em grande parte devido a que o Capitalismo
Central influencia o Estado e a elite, fazendo com que cada vez menos sejam
universalizados os direitos da população. Ao mesmo tempo, o próprio Estado
subsidia o processo de acumulação privada de capital, favorecendo
principalmente grupos de interesses organizados, que possuem eficientes
canais de comunicação junto aos policy makers. Entre várias práticas utilizadas
para tal, uma delas é a difusão midiática da ideologia dominante, que no
presente trabalho será analisada num recorte – a mídia impressa. Não
bastasse isso, o mercado, para concentrar renda, produz exclusão social e
destrói empregos formais com seus respectivos direitos. E, fechando o
processo sócio-econômico, numa postura inegavelmente pró-iniciativa privada,
o Estado maximiza, até limites inéditos, a super-exploração econômica, a
destruição de direitos e a exclusão social.
                 O liberalismo busca legitimar esse processo mediante a
restrição do debate em torno do eixo estatal/privado. Desqualificando o Estado,
enfraquece a capacidade deste para regular as relações econômicas e sociais,
garantir direitos e servir de instrumento contra o processo de maximização dos
lucros das grandes empresas privadas. E não é difícil desqualificar um Estado
que   arrecada    apenas    metade     do     que   deveria   (dos   assalariados,
principalmente) e gasta mal, prestando serviços ruins à população que dele
necessita, sendo forte com os fracos e fraco com os fortes, pagando mal a
seus funcionários, gastando mais com o pagamento dos juros das dívidas do
que com educação e saúde.
                 Em suma, um Estado onde os grandes interesses privados se
manifestam, e que reproduz através das políticas públicas que atendem as
particularidades, independentemente do sistema de governo e do próprio
governante, através de um sistema pluralista (não no sentido apresentado por
Dahl, mas no apresentado por Lukes), que defende a idéia de uma
desigualdade de oportunidades em que          o ator mais importante tem maior
proporção de sucessos.
5. A ação do 3º. Poder no Brasil


                      Apesar de Lukes (1992), que será melhor abordado no próximo
item, achar difícil empreender uma análise das ações dos grupos que
exercitam o poder na ausência de conflito, o artigo publicado pela revista Veja,
em 01 de novembro de 2001, nos permite tangenciar a questão sem                  nos
aprofundarmos, uma vez que este não é o objetivo deste trabalho. Mas nos
permite antever as ações para fazer seus objetivos.
                      Na matéria analisada7, na verdade, há dois textos; portanto há
dois objetos: um aparente, um subjacente. Em outras palavras, existe um texto
dentro de outro texto.
                      O jornalista João Gabriel de Lima faz uma abordagem da
Língua Portuguesa como sendo uma das maiores dificuldades dos brasileiros,
impedindo que leiam e escrevam adequadamente. Há vários depoimentos de
pessoas com autoridade no assunto, comentando e avaliando o problema.
Destacam-se o Professor Pasquale Cipro Neto e o economista Reinaldo Polito,
dono de uma escola de expressão oral.
                      É o texto verdadeiro? É nele que se encontra o sentido real que
originou a matéria? É nele que se encontra a intencionalidade dos interesses
presentes?
                      O jornalista, associado a seus co-enunciadores, solicita à
Classe Média (os brasileiros) que vote em José Serra (o que fala a Língua
Correta), e não em Lula (o brasileiro que não sabe falar nem escrever) ou em
Enéias Carneiro (o da linguagem empolada) – conflito temático entre os
grupos. É como se houvesse uma união de personalidades da Classe Média
(os brasileiros que querem melhorar – e melhorar seria votar em José Serra)
tentando convencer uma outra parcela dessa classe de que o candidato do
PSDB é o único que deve, merece e possui condições de ocupar a cadeira
presidencial. Justifica isso apresentando a tese de que José Serra é o único
que fala a mesma língua da Classe Média. E falar a mesma língua implica
dizer, nesse contexto, ter os mesmos ideais, ter os mesmos anseios, pensar da


7
    Veja a matéria completa no Anexo I
mesma maneira compartilhar a mesma ideologia. A partir desse ponto,
estabelece-se uma igualdade entre a Classe Média e José Serra; ambos têm
as mesmas origens, ambos são iguais, ambos falam a mesma Língua. E assim
é criada a identidade entre os pares Classe Média /José Serra.
                O autor criou um silogismo: deve-se votar naquele que fala a
mesma língua do eleitor; José Serra é o único candidato que fala a língua da
Classe Média; logo a classe média deve votar em José Serra.
                Dessa forma, a questão Língua funciona apenas como elo
entre iguais. Ela não é, como sugere o Texto Aparente, o cerne da
matéria/reportagem. A língua (Ideologia, no Texto Subjacente) é o meio de
convencimento, é a grande força de argumentação lógica para convencer a
porção da Classe Média que decidiu votar em Lula ou em Enéias Carneiro, ou
que está indecisa, a votar no PSDB de José Serra. O texto vai, do início ao fim,
demonstrando, por meio de depoimentos de co-enunciadores-pares da Classe
Média, entre eles Fernando Henrique Cardoso, Evanildo Bechara, outros
professores, empresários, altos executivos, e não-pares diretos, como Sérgio
Buarque de Holanda, o filósofo Ludwig Wittgenstein, utilizando vivos e mortos,
para confirmar a necessidade da Classe Média votar no candidato do PSDB,
porque: o Lula fala errado, a Língua do povão, ou seja, governará para as
classes menos favorecidas; e Enéias fala a língua do passado, o que
significará um retrocesso político.




5.1. Onde está Fernando Henrique Cardoso (FHC)?


                Não se encontra, diretamente, no texto em palavras. Ele está
simbolizado nas imagens estilizadas do “homem tranqüilo e calmo que escreve
e fala com grande facilidade a Língua Correta – a Língua da Classe Média”.
Aqui verificamos uma manipulação dos símbolos, já que se procura
desenvolver um sentimento de medo (avesso às mudanças) no público, para
impedi-lo de questionar as demandas das elites, legitimando-as, criando um
consenso em torno dos valores da classe dominante. (Hayes. 1981)
                Na ocasião da matéria, FHC era o Presidente da República, e
pautou seus governos pelo favorecimento às classes sociais economicamente
superiores, ou seja, os setores da sociedade mais organizados fizeram valer os
seus interesses contra os interesses não-organizados. Por ser do PSDB, sua
imagem sugere a continuidade desse favorecimento no caso da vitória de José
Serra, que também era do PSDB e, portanto, falava e continuaria falando a
mesma Língua de FHC. A Língua Correta, a Língua da Classe Média.




5.2. Contextualizando a análise


                A revista Veja, dirigida à Classe Média, publicou a matéria num
ano eleitoral, quando o cenário político apontava Lula como o principal
candidato, que recebia apoio de cantores ligados à elite intelectual brasileira
(Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, etc.) e de atores de prestígio, o que
provocava uma fuga de votos (da Classe Média) para o PT.
                Signos icônicos são utilizados, primeiramente na capa, que
mostra um “Rapaz Bonito, Branco” (Classe Média) “sorridente” (alegria,
felicidade); de sua boca sai a expressão: “Falar bem”. Complementando, o
fundo Amarelo une-se ao Azul da camisa do rapaz, sugerindo “a bandeira do
PSDB”. Num segundo momento, signos são apresentados no decorrer da
matéria em si. Como se a Democracia, com alternância do poder, estivesse
associada aos baixos padrões culturais da população, abalando tanto o
pensamento conservador como o liberal na sociedade brasileira, principalmente
na Classe Média.
                Outras pistas são dadas pelo texto, como: a diferença entre “o
brasileiro” (que não sabem falar nem escrever) e “os brasileiros” (que querem
melhorar). Existe um sentido pejorativo no termo “o brasileiro”; enquanto há um
sentido positivo no termo “os brasileiros”. Após a fala de Suplicy (a reportagem
diz que ele é um homem inteligente, mas não sabe se expressar – pejorativo)
abre o parágrafo dizendo que “A dificuldade do brasileiro em falar e
escrever...”, o que sugere que Suplicy não sabe falar, se expressar.
                Isso demonstra a intenção de macular a imagem do brasileiro,
que é sempre associado a não falar e a não escrever bem. Como no texto
aponta que as escolas públicas não possuem quantidade suficiente de
professores de Língua Portuguesa capacitados adequadamente ao cargo, para
a maioria do povo, este por conseqüência não aprende a falar nem a escrever
direito. Estabelece-se, portanto, uma identidade entre ambos: brasileiro e
“povão”. Percebe-se que os membros do PT falam a Língua do “povão”. Assim,
pelo conceito de identidade/ideologia, todos do PT falam a mesma Língua que
o povão. Como a imagem do PT sempre esteve ligada a Luiz Inácio Lula da
Silva, temos que: Lula igual a povão. Portanto, “brasileiro” significa Lula e por,
extensão, PT e “povão”. Claramente esse fato remete ao temor do “governo do
povo” em contraste com a plutocracia8, defendida pela Classe Média. Como se
fosse possível, ao povo, governar da mesma forma que os ricos
(essencialmente em benefício próprio), quando na verdade se busca um
governo que atenda os desejos comuns da sociedade (Wollheim,1999,p. 97),
uma vez que se governa para todos (ou, pelo menos, é o que teoricamente
deveria acontecer).
                    Existe no texto um dialogismo constitutivo9 que se dá pela
polifonia10 existente, que fica, do início ao fim, retomando falas direcionadas ao
senso comum que justificam a idéia de que “Lula é analfabeto, por isso não
pode ser presidente”. Essa polifonia dirigida é, em grande parte, explicita e
implícita ao mesmo tempo. Explícita, na medida em que o co-enunciador é
citado ou tem sua fala marcada pelas aspas. Contudo, o enunciado não revela
seu conteúdo real, verdadeiro; ele só é percebido pelo analista no conjunto da
análise, pois encontra-se submerso. Assim, o explícito verdadeiro só existe
pelo implícito, uma vez que seja percebido e compreendido. De outra forma, o
que existirá é um pseudo-explícito residente na superfície do texto, que
provocará inevitavelmente uma não-apreensão do conteúdo intencional,
projetado pela classe difusora da ideologia política. O leitor ficará apenas no
âmbito do Texto Aparente, que é apenas um “merchandising”. Mas ficará
submetido ao papel político desempenhado pela mídia.




8
  Governo dos mais ricos.
9
  Conceito Bakhtiniano (Mikhail Bakhtin, pelo qual se forma um diálogo “virtual! Entre aquilo que é dito
no texto e alguma idéia a ele relacionada, a qual pode ser indiretamente/subliminarmente percebida pelo
leitor)
10
   Conceito Bakhtiniano, que afirma a existência de várias “vozes” (aquilo que ouvimos, vemos, lemos e
reelaboramos consciente ou inconscientemente, passando a afirmar como produto autêntico da nossa
reflexão) numa produção textual.
“...Influencia a formação de políticas ao gerar a atenção
                               do público e, através dela, a pressão política para que
                               certos atores passem a atuar sobre uma questão
                               particular. A cobertura da mídia, porém, não apenas
                               aumenta as percepções e atenção públicas sobre várias
                               questões, mas as constrói, definindo-as como
                               econômicas, ou políticas, sociais ou pessoais, radicais
                               ou conservadoras.” (Howlett, 2000, 186)


               Em linhas gerais, a argumentação lógica de defesa do voto da
Classe Média em José Serra foi tecido a partir de dois patamares centrais: i)
criação da identidade ideológica entre PSDB/Classe Média, para esse objetivo,
a idéia de “falar a mesma Língua”. Com isso, valorizaram a face positiva
(Teoria das Faces de P. Brown e S Levinson. 1987) do PSDB e, por
decorrência imanente, a de seu candidato à Presidência da República, José
Serra; ii) destruição profunda da imagem de Lula/PT e Enéias/PRONA,
desabilitando-os ao exercício de Presidente da República, utilizando, para essa
finalidade, a mesma arma anterior, a Língua, só que em sentido iconoclasta. O
mesmo elemento que habilita José Serra desabilita Lula e Enéias Carneiro.




5.3. A apoteose


               “A julgar pela máxima do filósofo Ludwig Wittgenstein – ‘os
limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento’ – os
brasileiros que tentam melhorar seu português estão também aprendendo a
pensar melhor.” A coação final, trazendo o peso da palavra de um filósofo
austríaco, se liga aos brasileiros da Classe Média que votará em Serra
aprendendo a votar melhor, votar no PSDB.
               É importante acrescentar, a título de elucidação, que existe um
grau de interpenetração entre os grupos de interesses e os partidos políticos.
Em alguns casos, interferem no recrutamento e formulação da política a seguir
e na elaboração dos programas, inviabilizando o atendimento mais amplo dos
interesses da sociedade. (Pasquino, 1982,13)
               Há ainda, no texto subjacente, outros dialogismos constitutivos,
perceptíveis apenas dentro da analise do contexto profundo. Um deles localiza-
se logo na abertura do Texto Aparente, no primeiro parágrafo: “Roberto Carlos,
Romário, Silvio Santos, Carla Perez.” A referência a essas personalidades do
meio artístico e esportivo, não se dá casualmente, ela é planejada. Outras,
poderiam estar ali, mas não estão. Essas personalidades associam-se a Lula e
ao PT, de modo pejorativo, pois são populares (e de origem popular) e se
destacaram esportiva ou artisticamente, não intelectualmente. Isso faz parte de
um sistema lógico-coercitivo, que tem por objetivo induzir a Classe Média a
votar em José Serra. Por outro lado, em sentido oposto, aparecem, logo a
seguir, duas personalidades do mundo acadêmico e empresarial, o Professor
Pasquale Cipro Neto e o empresário e também professor Reinaldo Polito,
representantes dos brasileiros que querem melhorar (parte da Classe Média
que vota no PSDB). Opõe-se ao povo, por não falarem a mesma Língua. Em
suma, temos a disputa: Rico X Pobre. Os ricos representados pelo PSDB de
José Serra, e os pobres, representados pelo PT de Lula. Aqui, parece que
somente numa plutocracia o Brasil atingirá um estágio superior. Quando
Péricles já tinha afirmado: “que a democracia é perfeitamente compatível com
as diferenças de riqueza, o que não é compatível é que essas diferenças
acarretem influência política de grupos de interesses” (Wollheim,1999,p. 94).
                Pode-se verificar a intencionalidade das escolhas. Os nomes
ali colocados foram selecionados com o objetivo de serem atados e
entrelaçados, ao longo do enunciado global, à idéia de mediocridade, uma vez
que representam o gosto popular. E a lógica dessa relação vai sendo
construída com o “martelamento” de que o pobre não sabe falar nem escrever
direito, por isso não pensa de modo racional e articulado. Como Lula vem
dessa classe e é seu ícone, criou-se a identidade Lula/Povo a partir do
elemento   de    igualdade   entre   ambos:    “ignorância”,   no   sentido     do
desconhecimento da Língua culta, que levaria a outros desconhecimentos.
Não se sabendo a Língua, não se articula o pensamento. Logo, a falta de
domínio lingüístico é uma barreira aos demais setores do saber humano. Isto
posto, não se justifica votar em alguém que não tenha capacidade de raciocinar
e de tomar decisões em nome de um país. Ainda mais por não falar a “mesma
Língua”. Eis a lógica iconoclasta que é repetida ao longo do texto. Dessa
forma, se objetiva socialmente transmitir valores dos grupos de interesses
dominantes, para posterior subjetivização desta ideologia às demais classes
sociais.
Dentro dessa ótica, os indivíduos da Classe Média procuram
agir como racionais utilitaristas, uma vez que para atingir uma maior
compreensão da dinâmica política tem-se que investir maior quantidade de
recursos (Downs.1999) para manter-se informado. Assim, com poucos
investimentos, uma revista pode, aparentemente, lhes dar acesso à
informação. Entretanto acabam reféns desse meio de comunicação, o que os
torna   elementos    manipuláveis/capturáveis    pelos   grupos    dominantes,
principalmente em períodos eleitorais. (Downs.1999).
                Como Downs (1999) afirmou, as lideranças políticas sabem
utilizar os fatores dispostos no sistema e, como pode-se observar pela análise
anterior, no Brasil a prática é colocada em uso para favorecer o grupo que tem
acesso aos meios de comunicação, no que se refere à difusão de seus valores.
Isso livra alguns atores do conflito, por terem maiores recursos políticos e
econômicos (Dahl.1961).




6. A visão de Lukes. The Power - A Radical View



                O cientista político britânico Steven Lukes foi responsável pela
criação da teoria da Terceira Dimensão da Representação Política, que se
denomina Controle sobre as Preferências. Ela está intrinsecamente relacionada
à discussão sobre os impasses e alternativas para a representação política,
sobre o foco da disputa do poder.
                Essa teoria, em oposição às das outras duas antecessoras,
produzidas por R. Dahl, P. Bachrach e M. Baratz, que discutiram sobre os
sistemas políticos pluralista e elitista, contraria através de novas propostas
sobre a representatividade política, pois o conflito aberto entre os atores pode
nunca ocorrer. Isso aconteceu devido à onda que arrastou a discussão nos
últimos trinta anos sobre a democracia eleitoral, principalmente procurando
ocupar o espaço dos regimes autoritário e totalitário, deslegitimados diante da
eficácia participativa da Democracia.
                É sobre essas duas teorias que Lukes (1992) constrói sua
crítica de como o poder pode ser considerado a partir da visão unidimensional
e bidimensional. A análise conceitual do poder e sua relação íntima entre os
sentidos teóricos e políticos constituem questões metodológicas e invocam ao
limite o behaviourismo. As questões teóricas procuram os limites do pluralismo,
a consciência falsa e os interesses verdadeiros. As raízes históricas do tema
remontam a Weber e influenciaram marcadamente Dahl e seus colegas
americanos da década de 1960.
                       Sua grande crítica a essas duas teorias, elitista e pluralista, é
de que elas são limitadas, uma vez que só se referem às formas observáveis
do poder e a isso adicionou uma terceira dimensão que remete à discussão
apresentada anteriormente.
                       A visão unidimensional está centrada na questão do poder
como capacidade de tomada de decisão onde um ator A pode ou consegue
fazer com que um ator B faça algo que, sem a força coercitiva de A, não faria
por si só. Outro aspecto levado em conta nesta análise diz respeito a que este
poder (força) é exercido através de instituições formais. Além disso, na medida
em que este poder só se refere a exemplos observáveis, pode ser medido por
seus resultados nas decisões. Sobre isso Lukes(1982) afirma que: “...one-
dimensional, view of power involves a focus on behaviour in the making of
decisions on issues over which there is an observable conflict of (subjective)
interests,       seen      as    express      policy     preferences       revealed       by    political
participations.”11
                       Na análise bidimensional, há também a questão do fato ou
conflito observável, real. Mas Bachrach e Baratz (1963) afirmam que além do
poder institucionalizado existe a influência informal. As duas dimensões são a
tomada de decisão e a não-tomada de decisão, sendo ambas as faces do
tomador de decisões.. A não-tomada de decisão é ela mesma uma decisão.
Além da força da autoridade coercitiva pode-se observar a influência, indução,
persuasão, manipulação. Neste sentido, a análise do texto da revista Veja
demonstra como esse poder pode ser utilizado sem que se percebam os
grupos interessados na sua difusão. Voltando ao texto: ao procurar construir
uma identidade, hiperboliza-se12 a necessidade da Classe Média não votar em
Lula, sob pena de se igualar ao “povo”. Em outras palavras, diz que a Classe

11
     LUKES, Steven. Power: A radical view. P. 15
12
     Figura de estilo que consiste em engrandecer ou diminuir exageradamente a verdade das coisas.
Média é superior, e não ignorante como o “povo” e o PT, o que justifica votar
em José Serra, seu igual. A elaboração do enunciado traz, de forma latente,
uma ameaça à face positiva da Classe Média, caso ela vote no PT, pois estaria
registrando e autenticando que é ignorante. Por oposição lógica, a face positiva
será valorizada, caso essa classe vote no PSDB.
                Também na análise de Lukes(1992), há a presunção de que os
interesses são observáveis e conscientemente articulados pelo tomador de
decisão, desde que os indivíduos ou grupos tenham o capital cultural
necessário à sua apreensão. Aqui reside a mais importante diferença do que
tentamos demonstrar neste trabalho, pois o autor acredita que esses eventos
não possam ser observáveis (ou possam, mas de forma muito difícil) e que
esses mesmos eventos possam ser articulados, ou melhor, aconteçam de
forma inconsciente e, portanto, requeiram um exercício muito grande de
abstração. E como já apresentamos anteriormente, o objeto deste trabalho
requer um maior conhecimento que supera o senso comum.
                A não-tomada de decisão, não observável e inconscientemente
articulada, pode nos dar uma pista de que haja uma superestrutura
perpassando (ou encobrindo) o centro de tomadas de decisão. Neste sentido,
procura-se não questionar o status quo, mas legitimá-lo, não politizando a
demanda (ela não passa pelo Congresso). Com este proceder, as reais
demandas populares adquirem o formato de ilegítimas, criando-se assim uma
pseudo-realidade, que vai de encontro aos interesses das classes dominantes
(Hayes. 1981). De fato, analisar um determinado evento não somente no
âmbito do indivíduo, mas na estrutura em que o indivíduo, país e/ou
organização estão envolvidos, é algo bastante complexo. Mas as dificuldades
podem ser transpassadas e certamente não requeiram de nós consignar a
visão da terceira dimensão do poder numa esfera metafísica ou ideológica.
Esta superestrutura impele algumas tomadas de decisão, ou uma não tomada
de decisão, que à luz da simples análise do indivíduo ou da organização, não
fariam sentido. Pode-se dizer, assim, que uma visão ou análise tridimensional
do poder deva levar em conta idéias, valores e normas em que estejam
inseridos os tomadores de decisão. E não se deve perder a dimensão de que
esses elementos influenciam os grupos não-organizados. Além disso, as
percepções (sentidos) de tais grupos sofrem a força do poder coercitivo do
Estado, que difere daquela exercida pelo terceiro poder, pois é aplicada de
forma inexorável quando a amplitude de suas conseqüências não atinge os
indivíduos ou grupos de interesses.
               Em suma, Lukes contraria a idéia dos antecessores, propondo
que os indivíduos que não fazem parte de um determinado grupo social,
detentor de poder decisório, são deixados de lado e manipulados no que se
refere as suas propostas, não sendo considerados na agenda política. Como a
proposição apresentada neste trabalho, os grupos que dominam o poder se
utilizam dos meios disponíveis para continuar a reproduzir os seus interesses.
E isso pode ser comprovado por uma pequena parcela da sociedade, uma vez
que o conhecimento exigido é muito superior à média da população e,
consequentemente, devido a esse fato, no Brasil estas práticas podem ser
reproduzidas por longo tempo.
Bibliografia


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WOLLHEIM, Richard. Democracia. In: Ideologias Políticas. CRESPIGNY,
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ANEXO I




                    Falar e escrever,
                     eis a questão




                               Edição 1 725 - 7 de novembro de 2001


Expressar-se em português com clareza e correção é uma das
maiores dificuldades dos brasileiros. A boa notícia é que
muitos estão conscientes disso e querem melhorar


João Gabriel de Lima

                 Ilustração Orlando




Roberto Carlos, Romário, Silvio Santos, Vera Fischer, Carla Perez. Os famosos
no Brasil em geral jogam futebol, atuam na televisão ou cantam música
popular. O professor paulista Pasquale Cipro Neto, de 46 anos, tornou-se um
nome nacional de uma forma bem diferente: ensinando português. Há duas
semanas ele estreou um quadro no Fantástico, da Rede Globo. Já na estréia, E
Agora, Professor? (esse é o nome do quadro) recebeu uma enxurrada de e-
mails de telespectadores – cerca de 300 –, que queriam tirar dúvidas sobre o
uso do idioma. Pasquale é um fenômeno de mídia. Além de levantar a
audiência na TV, ele ajuda a vender publicações. Quando produziu um encarte
com exercícios de português para O Globo, provocou um aumento de 40% na
circulação dominical do jornal carioca. Republicada mais tarde na revista
Época, pertencente à mesma empresa, a série fez com que a vendagem em
bancas do semanário quase dobrasse. Pasquale também é um sucesso no
rádio, em livros, em palestras e em CD-ROM. Ele não é o único que ficou
conhecido nacionalmente por ensinar os brasileiros a falar e escrever melhor.
Dono de uma escola de expressão oral, o economista Reinaldo Polito também
faz um sucesso impressionante. Tem 1.600 alunos por ano, já vendeu mais de
570.000 livros e suas palestras estão cotadas em 9.500 reais.
Seria errado concluir, a partir desses dois exemplos, que a língua portuguesa é
uma paixão dos brasileiros, assim como o futebol, a televisão e a música. A
verdade é que as pessoas finalmente perceberam que precisam dominar a
norma culta do idioma. Principalmente na vida profissional. Nunca, no mundo
corporativo, houve tantas reuniões e apresentações. Quem não consegue
articular pensamentos com clareza e correção tem um grande entrave à
ascensão na carreira. A invenção do e-mail contribuiu para este quadro, ao
incrementar também a comunicação por escrito dentro das empresas. Na
Nestlé, por exemplo, o número de mensagens eletrônicas trocadas entre os
funcionários dobra a cada ano. Foram 2 milhões em 1999, 4 milhões em 2000
e, até o fim de 2001, esse número deve chegar a 8 milhões. É óbvio que é
péssimo para a imagem de alguém enviar a seu chefe um e-mail confuso ou
com erros de português. "O domínio da língua é importantíssimo para qualquer
profissional, tanto que, na hora de admitir novos funcionários, costumamos
fazer um teste de expressão escrita", informa Carlos Faccina, diretor de
recursos humanos da Nestlé. José Paulo Moreira de Oliveira, especialista em
português ligado à empresa de consultoria MVC, estima que, em carreiras nas
quais a internet é ferramenta de trabalho, os profissionais despendam 25% de
seu dia atualizando a correspondência eletrônica. Fora do trabalho, o e-mail é
também cada vez mais usado na vida particular. A tendência é que sua
utilização fique cada vez menos restrita à parcela da população que tem
computador em casa. Recentemente, os Correios criaram um programa piloto
de internet. No Rio de Janeiro e em São Paulo, várias agências contam com
terminais para quem quiser enviar e-mails em vez de cartas. Quem não tiver
endereço eletrônico pode obter um de graça, aderindo ao programa. Os
Correios prometem colocar esse equipamento em todas as agências do país
até 2003.
AS ATIVIDADES DE PASQUALE


                   Escreve colunas em jornais de dez
                  capitais brasileiras
                   Participa de programas de
                  treinamento no jornal Folha de S.
                  Paulo e na Rede Globo
                   Ancora o Nossa Língua Portuguesa,
                  na TV Cultura
                   Acaba de estrear um quadro no
                  Fantástico, da Rede Globo
                   Apresenta dois programas de rádio
                   Coordena atividades especiais
                  numa das unidades do Curso Anglo
                   Tem sete livros publicados, que
                  totalizam 350 000 exemplares
                  vendidos
                   Seu CD-ROM Nossa Língua
                  Portuguesa vendeu
                  50 000 cópias

As angústias dos brasileiros em relação ao português são de duas ordens.
Para uma parte da população, a que não teve acesso a uma boa escola e,
mesmo assim, conseguiu galgar posições, o problema é sobretudo com a
gramática. É esse o público que consome avidamente os fascículos e livros do
professor Pasquale, em que as regras básicas do idioma são apresentadas de
forma clara e bem-humorada. Para o segmento que teve a oportunidade de
estudar em bons colégios, a principal dificuldade é com a clareza. É para
satisfazer principalmente a essa demanda que um novo tipo de profissional
surgiu: o professor de português especializado em adestrar funcionários de
empresas. Antigamente, os cursos dados no escritório eram de gramática
básica e se destinavam principalmente a secretárias. De uns tempos para cá,
eles passaram a atender primordialmente gente de nível superior. Em geral, os
professores que atuam em firmas são acadêmicos que fazem esse tipo de
trabalho esporadicamente, para ganhar um dinheiro extra. "É fascinante,
porque deixamos de viver na teoria para enfrentar a língua do mundo real", diz
Antônio Suárez Abreu, livre-docente pela Universidade de São Paulo que já
deu cursos em empresas como a Mercedes-Benz, a Nortel e a Companhia
Paulista de Força e Luz. Abreu até lançou um livro voltado para esse público, A
Arte de Argumentar – Gerenciando Razão e Emoção, que está na segunda
edição.
Já existe no país até uma escola voltada para o ensino da língua para
profissionais. É o Curso Permanente de Português, de Porto Alegre. O CPP,
como é conhecido, foi fundado em 1976 por Édison de Oliveira, uma espécie
de precursor gaúcho de Pasquale Cipro Neto. Ele se notabilizou com aulas de
gramática no rádio e na televisão do Rio Grande do Sul. Até recentemente, o
CPP funcionava como um curso especializado em redação para o vestibular.
Há cinco anos, resolveu atacar o filão das empresas. "É um trabalho bastante
complexo, porque nós temos de entrar no universo das profissões para saber
os problemas específicos que cada uma apresenta", analisa a professora Maria
Elyse Bernd, diretora do CPP. O curso mescla aulas de gramática com
atividades práticas direcionadas para as diferentes carreiras. Médicos
aprendem a escrever laudos; advogados, petições; economistas, relatórios e
assim por diante (veja exemplos). O CPP tem como clientes bancos, tribunais e
até um hospital. Algumas empresas procuram o curso incentivadas pelos
próprios funcionários. "Fizemos uma pesquisa e descobrimos que conhecer
melhor as regras do idioma era uma demanda de todos os níveis hierárquicos",
diz Josué Vieira da Costa, da área de recursos humanos do Banrisul, banco
estatal gaúcho que contratou os serviços do CPP. Costa lembra que as
dificuldades com o português chegaram a entravar a burocracia do banco.
"Uma vez, um funcionário quase foi promovido erroneamente por causa do
parecer dúbio de um executivo. É incrível que esse tipo de coisa atrapalhe o
funcionamento de uma empresa."
AS PROEZAS DE POLITO


                    Tem 11 livros publicados, que
                   venderam 570 000 exemplares
                    O best-seller é Como Falar
                   Corretamente e sem Inibições, que
                   vendeu 300 000 exemplares
                    Por seu curso passam, em média,
                   1 600 alunos por ano
                    Dá em média 3 palestras por mês
                    Seu cachê por palestra é 9 500
                   reais
                    Tem vários alunos famosos, entre
                   eles o senador Eduardo Suplicy

                   Ouça dicas do professor Reinaldo
                   Polito sobre como falar bem em
                   público.

A dificuldade com a clareza é um traço cultural no Brasil. "Num país com tantas
carências educacionais, falar de maneira rebuscada é indicador de status,
mesmo que o falante não esteja dizendo coisa com coisa", afirma o professor
Francisco Platão Savioli, da Universidade de São Paulo, autor de nove livros
sobre o ensino do idioma. Esse amor pelas palavras difíceis tem origem na
época da transição do Império para a República, no fim do século XIX.
Conforme explica Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do
Brasil, com o advento da República o curso superior passou a ser o principal
parâmetro de reconhecimento social. Na época, estavam em voga as escolas
de direito. Assim, para ser alguém na sociedade daquele tempo, era necessário
não apenas ser advogado, mas também falar como advogado. É daí que surge,
segundo Sérgio Buarque, a linguagem bacharelesca. Esse estilo floresceu no
começo do século XX e, a partir do modernismo, seu prestígio foi decaindo. O
português empolado persiste, no entanto, até hoje, em formas degeneradas.
Uma delas é o chamado "burocratês", a linguagem dos memorandos das
empresas, nos quais mesmo para solicitar a compra de uma caixa de clipes
são necessárias várias saudações e salamaleques. Outra é a retórica de parte
dos políticos. O linguajar pomposo também sobrevive nas teses acadêmicas e,
como era de esperar, no discurso dos advogados.
Há vários indícios, no entanto, de que essa tradição de rebuscamento está
fadada a ir para a lata de lixo da História. Na área do direito, por exemplo,
existe uma corrente que defende a simplificação da língua. Há duas semanas,
o desembargador João Wehbi Dib ganhou as manchetes de jornais pelo tom
com que redigiu seu voto num processo contra o escritor Ruy Castro, acusado
de difamar Garrincha no livro Estrela Solitária. Entre as provas arroladas pelos
advogados dos herdeiros do jogador, havia uma descrição feita por Castro da
anatomia íntima do craque. Para choque de muitos, o desembargador Wehbi
Dib discorreu sobre o assunto sem meias palavras. "As novas gerações de
advogados perceberam que o discurso empolado, muitas vezes, atrapalha a
argumentação lógica", diz Ester Kosovski, professora da área de direito da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outro golpe no barroquismo vem da
própria popularização do e-mail. "A linguagem da correspondência eletrônica,
nas empresas, tem de ser mais concisa e mais clara que a do memorando,
porque em geral tem o objetivo de provocar uma ação imediata", analisa o
professor paranaense Artur Roman, autor de dissertação de mestrado sobre o
assunto e funcionário do setor de treinamento do Banco do Brasil.

A clareza também se tornou a prioridade dos cursos de oratória. O professor
Reinaldo Polito, que há 26 anos tem em São Paulo uma escola de expressão
verbal para profissionais de várias áreas, constatou, ao longo de sua carreira,
uma mudança significativa. Segundo ele, até pouco tempo atrás a maior parte
de sua clientela era formada por executivos na faixa dos 45 anos, que se
preocupavam, antes de tudo, com a impostação de voz e a gestualidade.
Recentemente, ele passou a ser procurado principalmente por jovens em início
de carreira que querem aprender a se expressar de forma clara e simples.
"Para atender esse pessoal, que hoje é o grosso do meu público, tive de
reorientar o curso. Passei a enfatizar o encadeamento das idéias e a coerência
da argumentação", conta Polito. A demanda é tanta que, em março passado,
ele inaugurou outra unidade de sua escola, no bairro paulistano do Ipiranga.
Nela, há auditórios de vários tamanhos para simular diferentes tipos de
conferências. Polito tem entre seus alunos o senador do PT Eduardo Suplicy.
"Ele é um homem inteligentíssimo, só precisa aprender a se expressar melhor.
É um grande desafio para mim", avalia Polito.
A dificuldade do brasileiro em falar e escrever de forma a se fazer entender não
é apenas conseqüência da tradição bacharelesca. Há outros fatores. Para
começar, lê-se pouco no Brasil. O parâmetro de comparação que costuma ser
utilizado nessa área é a média de livros publicados per capita, que resulta da
divisão do total da produção pela população do país. No Brasil se produzem
2,4 livros por habitante, contra sete na França e onze nos Estados Unidos.
Esse indicador, no entanto, é imperfeito, porque ignora a taxa de
analfabetismo, a proporção de livros didáticos no universo editorial e a
quantidade de volumes que vai parar em bibliotecas. A Câmara Brasileira do
Livro divulgou recentemente um estudo que mostra que, na verdade, os
brasileiros lêem em média apenas 1,2 livro por ano. Não cultivar a leitura é um
desastre para quem deseja expressar-se bem. Ela é condição essencial para
melhorar a linguagem oral e escrita. Quem lê interioriza as regras gramaticais
básicas e aprende a organizar o pensamento.
As escolas poderiam ensinar a escrever, mas não o fazem. Não que as aulas
de redação sejam em menor número do que o desejado. O problema é que
essa matéria é ensinada de forma errada, por meio de assuntos distantes da
vida real. "Em vez de escrever redações sobre temas vagos, como 'Minhas
férias' ou 'Meu cachorro', o aluno deveria ser adestrado nos diferentes gêneros
da escrita: a carta, o memorando, a ficção, a conferência e até o e-mail", opina
o professor Luiz Marcuschi, da Universidade Federal de Pernambuco. Por
último, há a questão do nível dos professores. "A maior parte da mão-de-obra
nessa área é de baixa qualificação", diz o professor Pasquale Cipro Neto.
"Como o aluno vai aprender a diferença entre sujeito e predicado se nem o
professor entende direito? Infelizmente, não existem bons professores de
português em número suficiente para atender à imensa demanda que o país
tem."
Pasquale conhece bem as carências nessa área. Ele percorre o Brasil para dar
palestras. Transformou-se em estrela de magnitude nacional depois de atuar
em comerciais da rede de lanchonetes McDonald's, em 1997. Pasquale, no
entanto, não é uma unanimidade. Esteja em São Paulo, Macapá ou Passo
Fundo, inevitavelmente ouve críticas. Elas ecoam o pensamento de uma certa
corrente relativista, que acha que os gramáticos preocupados com as regras da
norma culta prestam um desserviço à língua. De acordo com essa tendência, o
certo e o errado em português não são conceitos absolutos. Quem aponta
incorreções na fala popular estaria, na verdade, solapando a inventividade e a
auto-estima das classes menos abastadas. Isso configuraria uma postura
elitista. Trata-se de um raciocínio torto, baseado num esquerdismo de meia-
pataca, que idealiza tudo o que é popular – inclusive a ignorância, como se ela
fosse atributo, e não problema, do "povo". O que esses acadêmicos
preconizam é que os ignorantes continuem a sê-lo. Que percam oportunidades
de emprego e a conseqüente chance de subir na vida por falar errado.
"Ninguém defende que o sujeito comece a usar o português castiço para
discutir futebol com os amigos no bar", irrita-se Pasquale. "Falar bem significa
ser poliglota dentro da própria língua. Saber utilizar o registro apropriado em
qualquer situação. É preciso dar a todos a chance de conhecer a norma culta,
pois é ela que vai contar nas situações decisivas, como uma entrevista para um
novo trabalho." Felizmente, a maior parte das pessoas não está nem aí para a
conversa mole dos relativistas. Quer saber, isso sim, de falar e escrever direito.
A julgar pela máxima do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein – "os limites da
minha linguagem são também os limites do meu pensamento" –, os brasileiros
que tentam melhorar seu português estão também aprendendo a pensar
melhor.

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A terceira dimensão do poder

  • 1. Análise do Discurso Político Subjacente e a Terceira Dimensão do Poder. A Fala e a Escrita dos Grupos de Interesses. (Lingüística e Política) Gentil Tadeu Gomes1 & Herbert Schützer2 2007 1 Bacharel em Letra e especialista em Lingüística. gentiltadeugomes@ig.com.br 2 Especialista em Política e Relações Internacionais e Mestre em Geografia. hschutzer@globomail.com
  • 2. Resumo As classes detentoras do poder exerceram sua dominação de variadas formas, que vão desde a utilização da força bruta material explícita até sofisticadas e sutis modalidades de coação. Modernamente, apropriando-se dos avanços tecnológicos e das descobertas nos campos da Psicologia e da Lingüística, a atividade de produção e manutenção das condições ideais para dominação das massas, por parte das elites mandatárias, tem se tornado cada vez mais fácil. A idéia de Liberdade, que a priori seria inegavelmente positiva, passa a ser de cunho, no mínimo, duvidoso. Aliado a isso, inclua-se o papel do Governo perante o eleitor. O presente trabalho não tem por objetivo propor soluções ao problema. O que se deseja é mostrar uma das formas atuais de manipulação do pensamento coletivo, realizada através de um veículo midiático do âmbito da imprensa escrita. A intenção é demonstrar como se dá essa forma de ação subliminar que diariamente invade o país. Palavras-chaves: Elites, Massas, Poder, Manipulação. Abstract Throughout the times, the class who had the power exerted their domination of varied forms, since the utilization of brute strength material explicit , sophisticate and subtle modalities of coax. Modernly, assuming itself of discovered of the constants technological advances and uncountable in the psychology and linguistics fields, on the part of the controller elites, it had become easier. The idea of freedom, that priori would be undeniably positive, starts to be matrix, in the minimum, doubtful. It is enough that it question and maximum meaning of freedom and which the border between freedom and prison. Ally to this, includes itself for analyses proposal the government attitude before the voter. The present work has not for objective to consider solutions to the problem. The desire is to show one of the current forms of manipulation of the collective thought, carries through a propagate by media on the scope of the written press. The intention is to demonstrate how happen this form of action that daily invades the country, under the false image of NEWS ARTICLE Keywords: Power, Domination, Masses, Elite, Manipulation.
  • 3. 1. Introdução. Uma teoria moderna da Democracia não deve prescindir dos conceitos rigorosamente elaborados pelos cientistas políticos que se debruçaram sobre o tema. Seus postulados fundamentam e dão sustentação teórico-material àqueles que buscam respostas e caminhos às questões de nosso tempo. Ou mesmo àqueles que desejam aprofundar-se em algum assunto que perpasse, em maior ou menor escala, por ela, a Democracia. Mas, afinal, o que é a Democracia? Qualquer manual de direito constitucional nos ensina que a Democracia é “...a afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores.” (Dallari, 1985, 127), ou de política, que a “...democracia se foi entendendo um método ou um conjunto de regras de procedimento para a constituição de Governo e para a formação das decisões políticas” (Bobbio, Matteucci e Pasquino, 1983, 326). Entretanto, aceitar definições como essa, pura e simplesmente, corresponderia a não levar em conta a infinita graduação de Estados com suas diferentes práticas democráticas existentes no mundo atual. Por isso, é preciso questionar e praticar a Democracia, para não permitir que ela seja tão corrompida pelos poderes econômico e financeiro. Principalmente dos grupos de pressão, que se formam satelizando os governos, os quais não são nem eleitos pelo voto popular nem controlados pelos cidadãos. Então, como podemos definir suas ações? “...se a atividade dos Grupos de pressão é possível apenas nos sistemas democráticos e, em segundo lugar, procurando avaliar o seu papel dentro dos sistemas democráticos para saber se eles representam uma degeneração destes sistemas ou se não desenvolvem funções úteis à manutenção e adaptação destes sistemas, em que condições e com que riscos.” (Bobbio, Matteucci e Pasquino, 1983, 569)
  • 4. Os Grupos de Interesses, como se vê, constituem-se em organizações próprias das democracias. (Bobbio, Matteucci e Pasquino, 1983, 570) E não se pretende aqui fazer qualquer juízo de valor desses Grupos mas, ao contrário, analisar uma de suas formas de atuação. Para os estudiosos, o fato de que a Democracia possa ser definida com muita precisão não significa que ela realmente funcione da mesma forma em todos os lugares. Uma breve incursão na história das idéias políticas leva a duas observações, muitas vezes relegadas sob o pretexto de que o mundo muda, é dinâmico: I) A experiência confirma que uma democracia política que não se baseie numa democracia econômica e cultural de pouco adiantará. Desprezada e relegada a ser o depositário de fórmulas obsoletas, a idéia de uma democracia econômica deu lugar a um mercado triunfante que beira a obscenidade; II) Os estrategistas políticos, de toda e qualquer filiação partidária, impuseram um silêncio prudente para que ninguém ousasse insinuar que continuamos cultivando a mentira e aceitamos ser seus cúmplices de um sistema que distancia do modelo ideal. O chamado sistema democrático parece, cada vez mais, um governo dos ricos e, cada vez menos, um governo do povo, como percebemos na matéria da revista VEJA. Impossível negar o óbvio: a massa de pobres convocada a votar jamais é chamada a governar. Os povos não elegeram seus governos para que estes os “ofereçam” ao mercado. Idéia desenvolvida por Bobbitt (2001) quando defendia a evolução3 do Estado-Nação para o Estado-Mercado, em que o mercado passa a ser o receptáculo de suas ações e o povo deve moldar-se a ele - mercado. Assim o mercado condiciona os governos para que estes lhe “ofereçam” seus povos. As dificuldades de determinada sistematização teórica4 são muitas, porém, tal fato não se deve apresentar como inibidor de investigação sobre a ação dos grupos de interesses. Vale ressaltar, ainda, que esse estudo 3 Dinâmica pela qual o Estado vem passando desde sua criação no século XV, na qual Bobbitt acrescentou uma nova etapa. 4 Existem várias definições sobre a Democracia, o que dá margem a inúmeras interpretações. Além disso, as particularidades de cada sociedade dão ensejo a diferentes práticas do sistema democrático.
  • 5. investigativo não elimina nem despreza a capacidade de organização e eficácia desses grupos para a produção de políticas públicas que atendam seus objetivos. Quando se busca, ademais, uma análise nos padrões da escolha racional coletiva, os problemas, sobretudo práticos, se avolumam. Anthony Downs, Olson, Dahl, Lukes e tantos outros os enfrentaram e estabeleceram diretrizes que possibilitam uma análise racional dos elementos constitutivos da escolha de grupos, sob a ótica do governo democrático. Mais ainda quando se busca um encadeamento lógico que justifique um controle dessa mesma ação governamental, pois as dificuldades se multiplicam, é aí que o pesquisador tem o dever de encontrar nas instituições os pressupostos das práticas de uma nova postura diante de novas realidades. Nessa perspectiva, procurou-se, neste trabalho, descrever a ação não-aparente dos grupos de interesses, que no Brasil alcançaram um desenvolvimento tal a ponto de não serem percebidos, pois são articulados por outros grupos que não permite que eles se exponham diretamente ao público. Assim, objetivou-se demonstrar como essa ação é praticada, através de um pequeno relato das teorias de ação de grupos de interesses, para contextualizar o tema e a análise de um artigo de revista de circulação nacional. 2. Onde estão as origens dos grupos de interesses no Brasil? As origens da estrutura política brasileira estão, segundo Faoro (1975), sedimentadas na História da formação de Portugal, Estado constituído com base em uma estrutura patrimonial, que não desenvolveu o sistema feudal como as outras unidades políticas da Europa, portanto sem a constituição de uma nobreza autônoma. Esse fato deu origem a um patriomonialismo estamental, por referência às características da nobreza feudal, que passa a constituir o quadro administrativo do Estado. Por meio desse quadro de controle burocrático, a nobreza busca honra social, para alcançar e conservar a independência em relação ao soberano. Nesse tipo de sistema, o soberano
  • 6. domina o território do país através desse corpo administrativo. É o tipo de Estado que vai vigorar no Brasil-colônia e que, posteriormente, será transformado no modelo pelo qual o país independente se constituirá. Transplantado da metrópole, o modelo administrativo que aqui se instala tem como característica a fusão do público ao privado, em benefício do estamento que administra o Estado. O modelo capitalista português, que foi transferido para o Brasil, apresenta um padrão que é conduzido e determinado pela política, de modo a não estimular o desenvolvimento econômico segundo os princípios liberais que nortearam outras nações européias. Esse fator foi responsável pelo atraso e dependência econômica que vão se verificar em Portugal, deixando o Brasil como área de exploração mercantil, responsável pelo lucro que o Estado lusitano retira para se manter. E se manter significa, em última análise, saldar dívidas portuguesas através da transferência das riquezas brasileiras para as nações que adotaram o liberalismo econômico, as quais eram credoras de Portugal. Assim, no Brasil, o Estado português implementará a colonização, cooptando comerciantes e agentes do capital, que irão constituir o estamento burocrático que, por sua vez, envolverá o setor privado, submetendo-o a seu rogo e esgotando-o em benefício de poucos. A centralização do poder é o principal aspecto que a máquina administrativa portuguesa vai instaurar no Brasil, na fase dos grandes engenhos de cana-de-açúcar (Nordeste) e na fase da exploração das minas de ouro e pedras preciosas (Minas Gerais, principalmente). Sob o pretexto do estabelecimento de um controle para atender os interesses da coroa, o estamento burocrático se fortalece na colônia. Na realidade, atendendo os próprios interesses, através de um governo forte, com grande número de funcionários para lhe dar supremacia sobre os senhores rurais. O aparato administrativo que age em nome do rei (a favor dele [rei] e em interesse próprio) exclui o povo de qualquer tipo de participação, servindo este apenas e tão-somente para uso econômico e político. A vinda da família real para a colônia transfere toda a máquina burocrática que vai dar inicio à consolidação da estrutura estamental- burocrática a ser implantada pelo Estado brasileiro independente. A organização da nação vai ocorrer sob a lógica do liberalismo, o que parece,
  • 7. pretensamente, ser o elemento modernizador do país. No entanto, o liberalismo adquire um caráter contraditório, pois se assenta na base de uma economia escravista. Acresce-se que a instituição do poder moderador e as formas de organização do Estado brasileiro serão as mesmas que se desenvolveram no período colonial, com um estamento burocrático muito forte. Principalmente no segundo reinado, que alijou a possibilidade de participação do povo. Limitado com base na renda, ele permanece sob o controle do aparelho administrativo, que dá as diretrizes do país imperial. Como se vê, desde os primórdios da formação do Estado brasileiro se limitou a organização de grupos de interesses nas esferas inferiores da sociedade. Com a instauração da República, o modelo vai se reproduzir sob novas formas. Primeiro, pelo poder dos militares. Depois, no período civil, pela implantação da Política dos Governadores, momento máximo da ação do estamento burocrático na privatização do lucro e socialização dos custos. As características do Estado brasileiro, daí em diante, não irão se alterar. Mudará apenas o regime do qual o estamento burocrático irá se servir, mesclando–se momentos de maior distanciamento em relação ao povo a momentos em que ele aparece mais próximo (como, por exemplo, o Estado Novo). Em suma, O Estado brasileiro consolidou o patrimonialismo, transferido pelo colonizador português, o qual, aplicando suas características gestoras, construiu uma lacuna entre os interesses do Estado e os da nação, atendendo, por fim, ao grupo que se apropriou do aparelho administrativo do Estado. Geralmente esse grupo não fazia distinção entre o público e o privado, submetendo a seu jugo, inclusive, importantes setores da economia. Com isso, tais setores acabaram sendo incorporados ao modelo capitalista vigente, perdendo suas características naturais, o que inviabilizou qualquer possibilidade de crescimento em termos sócio-econômicos. Quanto à nação, reproduz-se fora da esfera do Estado, como mostram os modelos históricos, graças aos mecanismos de defesa produzidos pelo estamento burocrático, para impedir o acesso dos interesses públicos na esfera da ação do Estado. Neste caso, a formação política brasileira caminha na direção da teoria de Andrew Mc Farland (1992), que defendeu a idéia da “muitas elites”, uma vez que o Brasil, após o processo de industrialização, parece tê-la desenvolvido.
  • 8. 3. A Lógica da Ação Coletiva Os grupos de interesse estão presentes nas democracias e servem para que os interesses de partes da sociedade possam conseguir os benefícios das políticas públicas. Geralmente, os grupos de interesses podem ser conceituados pela lógica da ação coletiva. A teoria da ação coletiva parte de uma constatação: diversas vezes a interação de agentes com interesses comuns não gera resultados coletivamente eficientes. Em outras palavras, sob certas condições, indivíduos racionais são incapazes de, espontaneamente, alcançar resultados que estejam de acordo com seus interesses. A análise de Olson (1999) busca identificar quais são as circunstâncias em que a afirmativa anterior se verifica, ou seja, quando a racionalidade individual não é suficiente para a racionalidade coletiva. Olson (1999) mostra que o fato dos benefícios conjuntos de uma ação superarem os custos para um grupo não implica em sua efetivação. A ação coletiva, geralmente, está voltada para a produção de bens públicos para seus membros, pois bens privados podem ser produzidos através do mercado. Ora, em tal caso, como não se podem excluir os não-contribuintes, o grupo fracassa na produção de potenciais bens coletivos, visto que a decisão racional de cada agente será a defecção. Exemplificando: os trabalhadores recebem aumento salarial quer tenham contribuído ou não para uma greve bem-sucedida, ou cada empresário de um determinado setor se beneficia da imposição de uma tarifa de importação mesmo que não tenha contribuído para o lobby5. De acordo com a análise de Olson (1999), o número de participantes de um grupo é uma variável-chave para as questões da ação coletiva. Utilizando um modelo formal, ele demonstrou que quanto menor o grupo, maiores são as chances de um de seus membros arcar com todos os custos do bem coletivo (Olson.1999). Já em grupos maiores, essa possibilidade 5 Grupo de pressão; grupo dos que freqüentam as antecâmaras dos parlamentos com o objetivo de influenciar os deputados no sentido de votarem de acordo com os seus interesses.
  • 9. é mais restrita e a ação coletiva tem de ser obtida através de incentivos seletivos (selective incentives), i.e., benefícios que se aplicam apenas aos agentes que contribuíram para a provisão de um bem público (Olson, 1999). Conhecidos casos de incentivos seletivos são os descontos em planos de saúde para os membros de sindicatos e o fornecimento de informações qualificadas para os componentes de um grupo de interesse patronal. Existem ainda outros incentivos mais informais, mas não por isso menos eficazes, que vão desde o ostracismo até a violência física contra, por exemplo, os que "furam" uma greve ou rompem um cartel. Mesmo levando-se em conta a possibilidade de recurso aos incentivos seletivos, é fácil notar que grupos com poucos membros, cujos benefícios prováveis estão concentrados, têm mais incentivos e facilidades de organização e ação do que os grandes grupos pulverizados. Os resultados são pequenos grupos ativos e uma maioria desorganizada inerte, apesar de seus interesses comuns. Segundo Olson (1999), "pequenos grupos em uma sociedade, geralmente, terão maior poder de lobby e de cartel per capita (ou mesmo por dólar da renda agregada) do que grupos maiores" (Olson.1999). Olson (1999) também argumentou que os pequenos grupos tendem a incorrer em ações redistributivas em seu favor, em detrimento de práticas que aumentariam a eficiência em geral. Um grupo pequeno é atingido apenas por uma ínfima parte dos danos que porventura atinjam toda a sociedade, uma vez que, por definição, sua participação nesta é deveras restrita. Logo, mesmo que as ações redistributivas dos grupos com poucos membros piorem a situação geral, seus participantes serão mais do que compensados pelos "desvios" dos ganhos em seu favor. Sindicatos de trabalhadores e patronais, associações profissionais, lobbies e cartéis, ou qualquer outro grupo que vise à provisão de bens coletivos para seus membros, foram incluídos sob a designação "coalizões distributivas" (distributional coalitions). 4. As práticas brasileiras Para este trabalho procurou-se adotar os princípios pluralistas defendidos por Dahl (1961), que parte da idéia de que as democracias
  • 10. permitem, na sua dinâmica, um sistema de desigualdades não-cumulativas. E que os recursos políticos num sistema pluralista apresentam-se vários, sendo eles distribuídos desigualmente e por isso os atores possuem um maior número de oportunidades para influenciar o poder público, portanto há uma participação maior da sociedade, cada parte em um determinado segmento. Uma extensa guerra de interesses se trava no Brasil entre o público e o privado. Isso não quer dizer que exista um conflito sistêmico (pelo menos não se percebe isso), o que se desenrola é um conflito temático (La Palombara, 1982, 291). Essa guerra tem no Estado um espaço preferencial, embora ela cruze todos os cantos da nossa sociedade. É neste sentido, que empreendemos nosso esforço elucidativo. Os interesses privados lutam pela mais extensa e profunda mercantilização da sociedade, isto é, pela transformação radical de tudo em mercadoria. Em outras palavras, a sociedade deve ser um lugar onde tudo se vende e tudo se compra. O setor privado luta para que o Estado: a) financie seus interesses e não coloque nenhum entrave à circulação do capital; b) perdoe seus impostos e degrade ainda mais os salários; c) gaste cada vez menos com a atenção à massa da população. Em suma, que o Estado seja máximo para o capital e mínimo para os que vivem do trabalho. E a iniciativa privada tem conseguido grandes avanços nos últimos tempos. O Estado está profundamente penetrado por seus interesses, em especial pelos do capital especulativo, num verdadeiro processo de financeirização do Estado. O conjunto das atividades estatais está definido pelos compromissos financeiros assumidos pelas autoridades econômicas - elas mesmas originárias de grandes empresas privadas, na maioria das vezes organizadas em grupos representativos de caráter neocorporativista6 (Werneck Vianna, 1994). O Banco Central, os Ministérios Econômicos, o próprio Ministério do Trabalho, da Indústria e Comércio, da Agricultura e Reforma Agrária, por exemplo, representam os interesses do grande capital privado, 6 As associações de interesse não são necessariamente entidades autônomas que pressionam de fora do Estado, sendo também partidos políticos, podendo, pelo menos em parte, ter caráter heterônimo face as autoridades governamentais e agir como canais como canis seletivos na formação (e na implementação) da política pública.
  • 11. prioritariamente os do capital especulativo, sobre cuja atração repousa a modalidade de estabilização monetária do governo atual. Se o Brasil é a sociedade mais injusta do mundo (segundo os dados das Nações Unidas), é em grande parte devido a que o Capitalismo Central influencia o Estado e a elite, fazendo com que cada vez menos sejam universalizados os direitos da população. Ao mesmo tempo, o próprio Estado subsidia o processo de acumulação privada de capital, favorecendo principalmente grupos de interesses organizados, que possuem eficientes canais de comunicação junto aos policy makers. Entre várias práticas utilizadas para tal, uma delas é a difusão midiática da ideologia dominante, que no presente trabalho será analisada num recorte – a mídia impressa. Não bastasse isso, o mercado, para concentrar renda, produz exclusão social e destrói empregos formais com seus respectivos direitos. E, fechando o processo sócio-econômico, numa postura inegavelmente pró-iniciativa privada, o Estado maximiza, até limites inéditos, a super-exploração econômica, a destruição de direitos e a exclusão social. O liberalismo busca legitimar esse processo mediante a restrição do debate em torno do eixo estatal/privado. Desqualificando o Estado, enfraquece a capacidade deste para regular as relações econômicas e sociais, garantir direitos e servir de instrumento contra o processo de maximização dos lucros das grandes empresas privadas. E não é difícil desqualificar um Estado que arrecada apenas metade do que deveria (dos assalariados, principalmente) e gasta mal, prestando serviços ruins à população que dele necessita, sendo forte com os fracos e fraco com os fortes, pagando mal a seus funcionários, gastando mais com o pagamento dos juros das dívidas do que com educação e saúde. Em suma, um Estado onde os grandes interesses privados se manifestam, e que reproduz através das políticas públicas que atendem as particularidades, independentemente do sistema de governo e do próprio governante, através de um sistema pluralista (não no sentido apresentado por Dahl, mas no apresentado por Lukes), que defende a idéia de uma desigualdade de oportunidades em que o ator mais importante tem maior proporção de sucessos.
  • 12. 5. A ação do 3º. Poder no Brasil Apesar de Lukes (1992), que será melhor abordado no próximo item, achar difícil empreender uma análise das ações dos grupos que exercitam o poder na ausência de conflito, o artigo publicado pela revista Veja, em 01 de novembro de 2001, nos permite tangenciar a questão sem nos aprofundarmos, uma vez que este não é o objetivo deste trabalho. Mas nos permite antever as ações para fazer seus objetivos. Na matéria analisada7, na verdade, há dois textos; portanto há dois objetos: um aparente, um subjacente. Em outras palavras, existe um texto dentro de outro texto. O jornalista João Gabriel de Lima faz uma abordagem da Língua Portuguesa como sendo uma das maiores dificuldades dos brasileiros, impedindo que leiam e escrevam adequadamente. Há vários depoimentos de pessoas com autoridade no assunto, comentando e avaliando o problema. Destacam-se o Professor Pasquale Cipro Neto e o economista Reinaldo Polito, dono de uma escola de expressão oral. É o texto verdadeiro? É nele que se encontra o sentido real que originou a matéria? É nele que se encontra a intencionalidade dos interesses presentes? O jornalista, associado a seus co-enunciadores, solicita à Classe Média (os brasileiros) que vote em José Serra (o que fala a Língua Correta), e não em Lula (o brasileiro que não sabe falar nem escrever) ou em Enéias Carneiro (o da linguagem empolada) – conflito temático entre os grupos. É como se houvesse uma união de personalidades da Classe Média (os brasileiros que querem melhorar – e melhorar seria votar em José Serra) tentando convencer uma outra parcela dessa classe de que o candidato do PSDB é o único que deve, merece e possui condições de ocupar a cadeira presidencial. Justifica isso apresentando a tese de que José Serra é o único que fala a mesma língua da Classe Média. E falar a mesma língua implica dizer, nesse contexto, ter os mesmos ideais, ter os mesmos anseios, pensar da 7 Veja a matéria completa no Anexo I
  • 13. mesma maneira compartilhar a mesma ideologia. A partir desse ponto, estabelece-se uma igualdade entre a Classe Média e José Serra; ambos têm as mesmas origens, ambos são iguais, ambos falam a mesma Língua. E assim é criada a identidade entre os pares Classe Média /José Serra. O autor criou um silogismo: deve-se votar naquele que fala a mesma língua do eleitor; José Serra é o único candidato que fala a língua da Classe Média; logo a classe média deve votar em José Serra. Dessa forma, a questão Língua funciona apenas como elo entre iguais. Ela não é, como sugere o Texto Aparente, o cerne da matéria/reportagem. A língua (Ideologia, no Texto Subjacente) é o meio de convencimento, é a grande força de argumentação lógica para convencer a porção da Classe Média que decidiu votar em Lula ou em Enéias Carneiro, ou que está indecisa, a votar no PSDB de José Serra. O texto vai, do início ao fim, demonstrando, por meio de depoimentos de co-enunciadores-pares da Classe Média, entre eles Fernando Henrique Cardoso, Evanildo Bechara, outros professores, empresários, altos executivos, e não-pares diretos, como Sérgio Buarque de Holanda, o filósofo Ludwig Wittgenstein, utilizando vivos e mortos, para confirmar a necessidade da Classe Média votar no candidato do PSDB, porque: o Lula fala errado, a Língua do povão, ou seja, governará para as classes menos favorecidas; e Enéias fala a língua do passado, o que significará um retrocesso político. 5.1. Onde está Fernando Henrique Cardoso (FHC)? Não se encontra, diretamente, no texto em palavras. Ele está simbolizado nas imagens estilizadas do “homem tranqüilo e calmo que escreve e fala com grande facilidade a Língua Correta – a Língua da Classe Média”. Aqui verificamos uma manipulação dos símbolos, já que se procura desenvolver um sentimento de medo (avesso às mudanças) no público, para impedi-lo de questionar as demandas das elites, legitimando-as, criando um consenso em torno dos valores da classe dominante. (Hayes. 1981) Na ocasião da matéria, FHC era o Presidente da República, e pautou seus governos pelo favorecimento às classes sociais economicamente
  • 14. superiores, ou seja, os setores da sociedade mais organizados fizeram valer os seus interesses contra os interesses não-organizados. Por ser do PSDB, sua imagem sugere a continuidade desse favorecimento no caso da vitória de José Serra, que também era do PSDB e, portanto, falava e continuaria falando a mesma Língua de FHC. A Língua Correta, a Língua da Classe Média. 5.2. Contextualizando a análise A revista Veja, dirigida à Classe Média, publicou a matéria num ano eleitoral, quando o cenário político apontava Lula como o principal candidato, que recebia apoio de cantores ligados à elite intelectual brasileira (Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, etc.) e de atores de prestígio, o que provocava uma fuga de votos (da Classe Média) para o PT. Signos icônicos são utilizados, primeiramente na capa, que mostra um “Rapaz Bonito, Branco” (Classe Média) “sorridente” (alegria, felicidade); de sua boca sai a expressão: “Falar bem”. Complementando, o fundo Amarelo une-se ao Azul da camisa do rapaz, sugerindo “a bandeira do PSDB”. Num segundo momento, signos são apresentados no decorrer da matéria em si. Como se a Democracia, com alternância do poder, estivesse associada aos baixos padrões culturais da população, abalando tanto o pensamento conservador como o liberal na sociedade brasileira, principalmente na Classe Média. Outras pistas são dadas pelo texto, como: a diferença entre “o brasileiro” (que não sabem falar nem escrever) e “os brasileiros” (que querem melhorar). Existe um sentido pejorativo no termo “o brasileiro”; enquanto há um sentido positivo no termo “os brasileiros”. Após a fala de Suplicy (a reportagem diz que ele é um homem inteligente, mas não sabe se expressar – pejorativo) abre o parágrafo dizendo que “A dificuldade do brasileiro em falar e escrever...”, o que sugere que Suplicy não sabe falar, se expressar. Isso demonstra a intenção de macular a imagem do brasileiro, que é sempre associado a não falar e a não escrever bem. Como no texto aponta que as escolas públicas não possuem quantidade suficiente de professores de Língua Portuguesa capacitados adequadamente ao cargo, para
  • 15. a maioria do povo, este por conseqüência não aprende a falar nem a escrever direito. Estabelece-se, portanto, uma identidade entre ambos: brasileiro e “povão”. Percebe-se que os membros do PT falam a Língua do “povão”. Assim, pelo conceito de identidade/ideologia, todos do PT falam a mesma Língua que o povão. Como a imagem do PT sempre esteve ligada a Luiz Inácio Lula da Silva, temos que: Lula igual a povão. Portanto, “brasileiro” significa Lula e por, extensão, PT e “povão”. Claramente esse fato remete ao temor do “governo do povo” em contraste com a plutocracia8, defendida pela Classe Média. Como se fosse possível, ao povo, governar da mesma forma que os ricos (essencialmente em benefício próprio), quando na verdade se busca um governo que atenda os desejos comuns da sociedade (Wollheim,1999,p. 97), uma vez que se governa para todos (ou, pelo menos, é o que teoricamente deveria acontecer). Existe no texto um dialogismo constitutivo9 que se dá pela polifonia10 existente, que fica, do início ao fim, retomando falas direcionadas ao senso comum que justificam a idéia de que “Lula é analfabeto, por isso não pode ser presidente”. Essa polifonia dirigida é, em grande parte, explicita e implícita ao mesmo tempo. Explícita, na medida em que o co-enunciador é citado ou tem sua fala marcada pelas aspas. Contudo, o enunciado não revela seu conteúdo real, verdadeiro; ele só é percebido pelo analista no conjunto da análise, pois encontra-se submerso. Assim, o explícito verdadeiro só existe pelo implícito, uma vez que seja percebido e compreendido. De outra forma, o que existirá é um pseudo-explícito residente na superfície do texto, que provocará inevitavelmente uma não-apreensão do conteúdo intencional, projetado pela classe difusora da ideologia política. O leitor ficará apenas no âmbito do Texto Aparente, que é apenas um “merchandising”. Mas ficará submetido ao papel político desempenhado pela mídia. 8 Governo dos mais ricos. 9 Conceito Bakhtiniano (Mikhail Bakhtin, pelo qual se forma um diálogo “virtual! Entre aquilo que é dito no texto e alguma idéia a ele relacionada, a qual pode ser indiretamente/subliminarmente percebida pelo leitor) 10 Conceito Bakhtiniano, que afirma a existência de várias “vozes” (aquilo que ouvimos, vemos, lemos e reelaboramos consciente ou inconscientemente, passando a afirmar como produto autêntico da nossa reflexão) numa produção textual.
  • 16. “...Influencia a formação de políticas ao gerar a atenção do público e, através dela, a pressão política para que certos atores passem a atuar sobre uma questão particular. A cobertura da mídia, porém, não apenas aumenta as percepções e atenção públicas sobre várias questões, mas as constrói, definindo-as como econômicas, ou políticas, sociais ou pessoais, radicais ou conservadoras.” (Howlett, 2000, 186) Em linhas gerais, a argumentação lógica de defesa do voto da Classe Média em José Serra foi tecido a partir de dois patamares centrais: i) criação da identidade ideológica entre PSDB/Classe Média, para esse objetivo, a idéia de “falar a mesma Língua”. Com isso, valorizaram a face positiva (Teoria das Faces de P. Brown e S Levinson. 1987) do PSDB e, por decorrência imanente, a de seu candidato à Presidência da República, José Serra; ii) destruição profunda da imagem de Lula/PT e Enéias/PRONA, desabilitando-os ao exercício de Presidente da República, utilizando, para essa finalidade, a mesma arma anterior, a Língua, só que em sentido iconoclasta. O mesmo elemento que habilita José Serra desabilita Lula e Enéias Carneiro. 5.3. A apoteose “A julgar pela máxima do filósofo Ludwig Wittgenstein – ‘os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento’ – os brasileiros que tentam melhorar seu português estão também aprendendo a pensar melhor.” A coação final, trazendo o peso da palavra de um filósofo austríaco, se liga aos brasileiros da Classe Média que votará em Serra aprendendo a votar melhor, votar no PSDB. É importante acrescentar, a título de elucidação, que existe um grau de interpenetração entre os grupos de interesses e os partidos políticos. Em alguns casos, interferem no recrutamento e formulação da política a seguir e na elaboração dos programas, inviabilizando o atendimento mais amplo dos interesses da sociedade. (Pasquino, 1982,13) Há ainda, no texto subjacente, outros dialogismos constitutivos, perceptíveis apenas dentro da analise do contexto profundo. Um deles localiza- se logo na abertura do Texto Aparente, no primeiro parágrafo: “Roberto Carlos,
  • 17. Romário, Silvio Santos, Carla Perez.” A referência a essas personalidades do meio artístico e esportivo, não se dá casualmente, ela é planejada. Outras, poderiam estar ali, mas não estão. Essas personalidades associam-se a Lula e ao PT, de modo pejorativo, pois são populares (e de origem popular) e se destacaram esportiva ou artisticamente, não intelectualmente. Isso faz parte de um sistema lógico-coercitivo, que tem por objetivo induzir a Classe Média a votar em José Serra. Por outro lado, em sentido oposto, aparecem, logo a seguir, duas personalidades do mundo acadêmico e empresarial, o Professor Pasquale Cipro Neto e o empresário e também professor Reinaldo Polito, representantes dos brasileiros que querem melhorar (parte da Classe Média que vota no PSDB). Opõe-se ao povo, por não falarem a mesma Língua. Em suma, temos a disputa: Rico X Pobre. Os ricos representados pelo PSDB de José Serra, e os pobres, representados pelo PT de Lula. Aqui, parece que somente numa plutocracia o Brasil atingirá um estágio superior. Quando Péricles já tinha afirmado: “que a democracia é perfeitamente compatível com as diferenças de riqueza, o que não é compatível é que essas diferenças acarretem influência política de grupos de interesses” (Wollheim,1999,p. 94). Pode-se verificar a intencionalidade das escolhas. Os nomes ali colocados foram selecionados com o objetivo de serem atados e entrelaçados, ao longo do enunciado global, à idéia de mediocridade, uma vez que representam o gosto popular. E a lógica dessa relação vai sendo construída com o “martelamento” de que o pobre não sabe falar nem escrever direito, por isso não pensa de modo racional e articulado. Como Lula vem dessa classe e é seu ícone, criou-se a identidade Lula/Povo a partir do elemento de igualdade entre ambos: “ignorância”, no sentido do desconhecimento da Língua culta, que levaria a outros desconhecimentos. Não se sabendo a Língua, não se articula o pensamento. Logo, a falta de domínio lingüístico é uma barreira aos demais setores do saber humano. Isto posto, não se justifica votar em alguém que não tenha capacidade de raciocinar e de tomar decisões em nome de um país. Ainda mais por não falar a “mesma Língua”. Eis a lógica iconoclasta que é repetida ao longo do texto. Dessa forma, se objetiva socialmente transmitir valores dos grupos de interesses dominantes, para posterior subjetivização desta ideologia às demais classes sociais.
  • 18. Dentro dessa ótica, os indivíduos da Classe Média procuram agir como racionais utilitaristas, uma vez que para atingir uma maior compreensão da dinâmica política tem-se que investir maior quantidade de recursos (Downs.1999) para manter-se informado. Assim, com poucos investimentos, uma revista pode, aparentemente, lhes dar acesso à informação. Entretanto acabam reféns desse meio de comunicação, o que os torna elementos manipuláveis/capturáveis pelos grupos dominantes, principalmente em períodos eleitorais. (Downs.1999). Como Downs (1999) afirmou, as lideranças políticas sabem utilizar os fatores dispostos no sistema e, como pode-se observar pela análise anterior, no Brasil a prática é colocada em uso para favorecer o grupo que tem acesso aos meios de comunicação, no que se refere à difusão de seus valores. Isso livra alguns atores do conflito, por terem maiores recursos políticos e econômicos (Dahl.1961). 6. A visão de Lukes. The Power - A Radical View O cientista político britânico Steven Lukes foi responsável pela criação da teoria da Terceira Dimensão da Representação Política, que se denomina Controle sobre as Preferências. Ela está intrinsecamente relacionada à discussão sobre os impasses e alternativas para a representação política, sobre o foco da disputa do poder. Essa teoria, em oposição às das outras duas antecessoras, produzidas por R. Dahl, P. Bachrach e M. Baratz, que discutiram sobre os sistemas políticos pluralista e elitista, contraria através de novas propostas sobre a representatividade política, pois o conflito aberto entre os atores pode nunca ocorrer. Isso aconteceu devido à onda que arrastou a discussão nos últimos trinta anos sobre a democracia eleitoral, principalmente procurando ocupar o espaço dos regimes autoritário e totalitário, deslegitimados diante da eficácia participativa da Democracia. É sobre essas duas teorias que Lukes (1992) constrói sua crítica de como o poder pode ser considerado a partir da visão unidimensional
  • 19. e bidimensional. A análise conceitual do poder e sua relação íntima entre os sentidos teóricos e políticos constituem questões metodológicas e invocam ao limite o behaviourismo. As questões teóricas procuram os limites do pluralismo, a consciência falsa e os interesses verdadeiros. As raízes históricas do tema remontam a Weber e influenciaram marcadamente Dahl e seus colegas americanos da década de 1960. Sua grande crítica a essas duas teorias, elitista e pluralista, é de que elas são limitadas, uma vez que só se referem às formas observáveis do poder e a isso adicionou uma terceira dimensão que remete à discussão apresentada anteriormente. A visão unidimensional está centrada na questão do poder como capacidade de tomada de decisão onde um ator A pode ou consegue fazer com que um ator B faça algo que, sem a força coercitiva de A, não faria por si só. Outro aspecto levado em conta nesta análise diz respeito a que este poder (força) é exercido através de instituições formais. Além disso, na medida em que este poder só se refere a exemplos observáveis, pode ser medido por seus resultados nas decisões. Sobre isso Lukes(1982) afirma que: “...one- dimensional, view of power involves a focus on behaviour in the making of decisions on issues over which there is an observable conflict of (subjective) interests, seen as express policy preferences revealed by political participations.”11 Na análise bidimensional, há também a questão do fato ou conflito observável, real. Mas Bachrach e Baratz (1963) afirmam que além do poder institucionalizado existe a influência informal. As duas dimensões são a tomada de decisão e a não-tomada de decisão, sendo ambas as faces do tomador de decisões.. A não-tomada de decisão é ela mesma uma decisão. Além da força da autoridade coercitiva pode-se observar a influência, indução, persuasão, manipulação. Neste sentido, a análise do texto da revista Veja demonstra como esse poder pode ser utilizado sem que se percebam os grupos interessados na sua difusão. Voltando ao texto: ao procurar construir uma identidade, hiperboliza-se12 a necessidade da Classe Média não votar em Lula, sob pena de se igualar ao “povo”. Em outras palavras, diz que a Classe 11 LUKES, Steven. Power: A radical view. P. 15 12 Figura de estilo que consiste em engrandecer ou diminuir exageradamente a verdade das coisas.
  • 20. Média é superior, e não ignorante como o “povo” e o PT, o que justifica votar em José Serra, seu igual. A elaboração do enunciado traz, de forma latente, uma ameaça à face positiva da Classe Média, caso ela vote no PT, pois estaria registrando e autenticando que é ignorante. Por oposição lógica, a face positiva será valorizada, caso essa classe vote no PSDB. Também na análise de Lukes(1992), há a presunção de que os interesses são observáveis e conscientemente articulados pelo tomador de decisão, desde que os indivíduos ou grupos tenham o capital cultural necessário à sua apreensão. Aqui reside a mais importante diferença do que tentamos demonstrar neste trabalho, pois o autor acredita que esses eventos não possam ser observáveis (ou possam, mas de forma muito difícil) e que esses mesmos eventos possam ser articulados, ou melhor, aconteçam de forma inconsciente e, portanto, requeiram um exercício muito grande de abstração. E como já apresentamos anteriormente, o objeto deste trabalho requer um maior conhecimento que supera o senso comum. A não-tomada de decisão, não observável e inconscientemente articulada, pode nos dar uma pista de que haja uma superestrutura perpassando (ou encobrindo) o centro de tomadas de decisão. Neste sentido, procura-se não questionar o status quo, mas legitimá-lo, não politizando a demanda (ela não passa pelo Congresso). Com este proceder, as reais demandas populares adquirem o formato de ilegítimas, criando-se assim uma pseudo-realidade, que vai de encontro aos interesses das classes dominantes (Hayes. 1981). De fato, analisar um determinado evento não somente no âmbito do indivíduo, mas na estrutura em que o indivíduo, país e/ou organização estão envolvidos, é algo bastante complexo. Mas as dificuldades podem ser transpassadas e certamente não requeiram de nós consignar a visão da terceira dimensão do poder numa esfera metafísica ou ideológica. Esta superestrutura impele algumas tomadas de decisão, ou uma não tomada de decisão, que à luz da simples análise do indivíduo ou da organização, não fariam sentido. Pode-se dizer, assim, que uma visão ou análise tridimensional do poder deva levar em conta idéias, valores e normas em que estejam inseridos os tomadores de decisão. E não se deve perder a dimensão de que esses elementos influenciam os grupos não-organizados. Além disso, as percepções (sentidos) de tais grupos sofrem a força do poder coercitivo do
  • 21. Estado, que difere daquela exercida pelo terceiro poder, pois é aplicada de forma inexorável quando a amplitude de suas conseqüências não atinge os indivíduos ou grupos de interesses. Em suma, Lukes contraria a idéia dos antecessores, propondo que os indivíduos que não fazem parte de um determinado grupo social, detentor de poder decisório, são deixados de lado e manipulados no que se refere as suas propostas, não sendo considerados na agenda política. Como a proposição apresentada neste trabalho, os grupos que dominam o poder se utilizam dos meios disponíveis para continuar a reproduzir os seus interesses. E isso pode ser comprovado por uma pequena parcela da sociedade, uma vez que o conhecimento exigido é muito superior à média da população e, consequentemente, devido a esse fato, no Brasil estas práticas podem ser reproduzidas por longo tempo.
  • 22. Bibliografia BACHRACH, Peter & BARATZ, Morton. Decisions and Nondecisions: Na Analytical Framework, in American Political Science Review, Vol 57, N˚.3. 1963. BARROS, D.L.P. de. “Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso”. In: Brait, B. (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas, Editora da Unicamp. 1997. pp.27-36. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol 1. Brasília. Editora Unb. 1983. BOBBIIT, Philip. A Guerra e a Paz na História Moderna. São Paulo. Editora Campus. 2001. BROWN, P & LEVINSON, S. C. Politeness: some Universal in Language Use. Studies Interaction Sociolinguistics 4. Cambridge: Cambridge University Press, 1987. DAHL, Robert. Who Governs? Democracy and Power in na American City – New Haven. EUA. Yale University Press. 1961. ____________ Dilemmas of Pluralist Democracy: Autonomy vs. Control. New Haven (USA) Yale University Press. 1982. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo. Editora Saraiva. 1983. DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia. São Paulo. Edusp. 1999. FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder. Vol 1 e 2. 6ª, ed.Rio de Janeiro. Editora Globo. 1975. HAYES, Michael. Lobbyists and Legislators. New Brunswick (USA). Rutgers University Press. 1981. HOWLETT, Michael. A dialética da opinião pública: efeitos recíprocos da política pública e da opinião pública em sociedades democráticas contemporâneas. Opinião Pública, vol. VI, n˚ 2, p. 171-337. Campinas. 2000. MC FARLAND, Interest Groups and the Policymaking Process: Sources of Countervailing in América. In: Mark Petracca (Org.) – The Politics of Interest Groups: Interst Groups Transformed. USA. Westview Press. 1992.
  • 23. La PALOMBARA, Joseph. A Política no Interior das Nações. Brasília. Editora Unb. 1982. LUKES, Steven. Power: A Radical View. Londres. The Macmillan Press. 1992. OLSON, Mancur. A Lógica da Ação Coletiva. São Paulo. Edusp. 1999. PASQUINO, Gianfranco. Teoria dos Grupos e Grupos de Pressão. In: Curso de Ciência Política, Unidade VI. Brasília. Editora Unb. 1982. WERNECK VIANNA, Maria Lúcia. Lobismo: Um Novo Conceito para Analisar a Articulação de Interesses no Brasil. Rio de Janeiro. Centro de Estudos de Políticas Públicas, N˚. 25. 1994. WOLLHEIM, Richard. Democracia. In: Ideologias Políticas. CRESPIGNY, Anthony de; CRONIN, Jeremy (eds). Brasília. Editora Unb. 1999.
  • 24. ANEXO I Falar e escrever, eis a questão Edição 1 725 - 7 de novembro de 2001 Expressar-se em português com clareza e correção é uma das maiores dificuldades dos brasileiros. A boa notícia é que muitos estão conscientes disso e querem melhorar João Gabriel de Lima Ilustração Orlando Roberto Carlos, Romário, Silvio Santos, Vera Fischer, Carla Perez. Os famosos no Brasil em geral jogam futebol, atuam na televisão ou cantam música popular. O professor paulista Pasquale Cipro Neto, de 46 anos, tornou-se um nome nacional de uma forma bem diferente: ensinando português. Há duas semanas ele estreou um quadro no Fantástico, da Rede Globo. Já na estréia, E Agora, Professor? (esse é o nome do quadro) recebeu uma enxurrada de e- mails de telespectadores – cerca de 300 –, que queriam tirar dúvidas sobre o
  • 25. uso do idioma. Pasquale é um fenômeno de mídia. Além de levantar a audiência na TV, ele ajuda a vender publicações. Quando produziu um encarte com exercícios de português para O Globo, provocou um aumento de 40% na circulação dominical do jornal carioca. Republicada mais tarde na revista Época, pertencente à mesma empresa, a série fez com que a vendagem em bancas do semanário quase dobrasse. Pasquale também é um sucesso no rádio, em livros, em palestras e em CD-ROM. Ele não é o único que ficou conhecido nacionalmente por ensinar os brasileiros a falar e escrever melhor. Dono de uma escola de expressão oral, o economista Reinaldo Polito também faz um sucesso impressionante. Tem 1.600 alunos por ano, já vendeu mais de 570.000 livros e suas palestras estão cotadas em 9.500 reais. Seria errado concluir, a partir desses dois exemplos, que a língua portuguesa é uma paixão dos brasileiros, assim como o futebol, a televisão e a música. A verdade é que as pessoas finalmente perceberam que precisam dominar a norma culta do idioma. Principalmente na vida profissional. Nunca, no mundo corporativo, houve tantas reuniões e apresentações. Quem não consegue articular pensamentos com clareza e correção tem um grande entrave à ascensão na carreira. A invenção do e-mail contribuiu para este quadro, ao incrementar também a comunicação por escrito dentro das empresas. Na Nestlé, por exemplo, o número de mensagens eletrônicas trocadas entre os funcionários dobra a cada ano. Foram 2 milhões em 1999, 4 milhões em 2000 e, até o fim de 2001, esse número deve chegar a 8 milhões. É óbvio que é péssimo para a imagem de alguém enviar a seu chefe um e-mail confuso ou com erros de português. "O domínio da língua é importantíssimo para qualquer profissional, tanto que, na hora de admitir novos funcionários, costumamos fazer um teste de expressão escrita", informa Carlos Faccina, diretor de recursos humanos da Nestlé. José Paulo Moreira de Oliveira, especialista em português ligado à empresa de consultoria MVC, estima que, em carreiras nas quais a internet é ferramenta de trabalho, os profissionais despendam 25% de seu dia atualizando a correspondência eletrônica. Fora do trabalho, o e-mail é também cada vez mais usado na vida particular. A tendência é que sua utilização fique cada vez menos restrita à parcela da população que tem computador em casa. Recentemente, os Correios criaram um programa piloto de internet. No Rio de Janeiro e em São Paulo, várias agências contam com terminais para quem quiser enviar e-mails em vez de cartas. Quem não tiver endereço eletrônico pode obter um de graça, aderindo ao programa. Os Correios prometem colocar esse equipamento em todas as agências do país até 2003.
  • 26. AS ATIVIDADES DE PASQUALE Escreve colunas em jornais de dez capitais brasileiras Participa de programas de treinamento no jornal Folha de S. Paulo e na Rede Globo Ancora o Nossa Língua Portuguesa, na TV Cultura Acaba de estrear um quadro no Fantástico, da Rede Globo Apresenta dois programas de rádio Coordena atividades especiais numa das unidades do Curso Anglo Tem sete livros publicados, que totalizam 350 000 exemplares vendidos Seu CD-ROM Nossa Língua Portuguesa vendeu 50 000 cópias As angústias dos brasileiros em relação ao português são de duas ordens. Para uma parte da população, a que não teve acesso a uma boa escola e, mesmo assim, conseguiu galgar posições, o problema é sobretudo com a gramática. É esse o público que consome avidamente os fascículos e livros do professor Pasquale, em que as regras básicas do idioma são apresentadas de forma clara e bem-humorada. Para o segmento que teve a oportunidade de estudar em bons colégios, a principal dificuldade é com a clareza. É para satisfazer principalmente a essa demanda que um novo tipo de profissional
  • 27. surgiu: o professor de português especializado em adestrar funcionários de empresas. Antigamente, os cursos dados no escritório eram de gramática básica e se destinavam principalmente a secretárias. De uns tempos para cá, eles passaram a atender primordialmente gente de nível superior. Em geral, os professores que atuam em firmas são acadêmicos que fazem esse tipo de trabalho esporadicamente, para ganhar um dinheiro extra. "É fascinante, porque deixamos de viver na teoria para enfrentar a língua do mundo real", diz Antônio Suárez Abreu, livre-docente pela Universidade de São Paulo que já deu cursos em empresas como a Mercedes-Benz, a Nortel e a Companhia Paulista de Força e Luz. Abreu até lançou um livro voltado para esse público, A Arte de Argumentar – Gerenciando Razão e Emoção, que está na segunda edição. Já existe no país até uma escola voltada para o ensino da língua para profissionais. É o Curso Permanente de Português, de Porto Alegre. O CPP, como é conhecido, foi fundado em 1976 por Édison de Oliveira, uma espécie de precursor gaúcho de Pasquale Cipro Neto. Ele se notabilizou com aulas de gramática no rádio e na televisão do Rio Grande do Sul. Até recentemente, o CPP funcionava como um curso especializado em redação para o vestibular. Há cinco anos, resolveu atacar o filão das empresas. "É um trabalho bastante complexo, porque nós temos de entrar no universo das profissões para saber os problemas específicos que cada uma apresenta", analisa a professora Maria Elyse Bernd, diretora do CPP. O curso mescla aulas de gramática com atividades práticas direcionadas para as diferentes carreiras. Médicos aprendem a escrever laudos; advogados, petições; economistas, relatórios e assim por diante (veja exemplos). O CPP tem como clientes bancos, tribunais e até um hospital. Algumas empresas procuram o curso incentivadas pelos próprios funcionários. "Fizemos uma pesquisa e descobrimos que conhecer melhor as regras do idioma era uma demanda de todos os níveis hierárquicos", diz Josué Vieira da Costa, da área de recursos humanos do Banrisul, banco estatal gaúcho que contratou os serviços do CPP. Costa lembra que as dificuldades com o português chegaram a entravar a burocracia do banco. "Uma vez, um funcionário quase foi promovido erroneamente por causa do parecer dúbio de um executivo. É incrível que esse tipo de coisa atrapalhe o funcionamento de uma empresa."
  • 28. AS PROEZAS DE POLITO Tem 11 livros publicados, que venderam 570 000 exemplares O best-seller é Como Falar Corretamente e sem Inibições, que vendeu 300 000 exemplares Por seu curso passam, em média, 1 600 alunos por ano Dá em média 3 palestras por mês Seu cachê por palestra é 9 500 reais Tem vários alunos famosos, entre eles o senador Eduardo Suplicy Ouça dicas do professor Reinaldo Polito sobre como falar bem em público. A dificuldade com a clareza é um traço cultural no Brasil. "Num país com tantas carências educacionais, falar de maneira rebuscada é indicador de status, mesmo que o falante não esteja dizendo coisa com coisa", afirma o professor Francisco Platão Savioli, da Universidade de São Paulo, autor de nove livros sobre o ensino do idioma. Esse amor pelas palavras difíceis tem origem na época da transição do Império para a República, no fim do século XIX. Conforme explica Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil, com o advento da República o curso superior passou a ser o principal parâmetro de reconhecimento social. Na época, estavam em voga as escolas de direito. Assim, para ser alguém na sociedade daquele tempo, era necessário não apenas ser advogado, mas também falar como advogado. É daí que surge, segundo Sérgio Buarque, a linguagem bacharelesca. Esse estilo floresceu no começo do século XX e, a partir do modernismo, seu prestígio foi decaindo. O português empolado persiste, no entanto, até hoje, em formas degeneradas. Uma delas é o chamado "burocratês", a linguagem dos memorandos das empresas, nos quais mesmo para solicitar a compra de uma caixa de clipes são necessárias várias saudações e salamaleques. Outra é a retórica de parte dos políticos. O linguajar pomposo também sobrevive nas teses acadêmicas e, como era de esperar, no discurso dos advogados. Há vários indícios, no entanto, de que essa tradição de rebuscamento está fadada a ir para a lata de lixo da História. Na área do direito, por exemplo, existe uma corrente que defende a simplificação da língua. Há duas semanas, o desembargador João Wehbi Dib ganhou as manchetes de jornais pelo tom com que redigiu seu voto num processo contra o escritor Ruy Castro, acusado de difamar Garrincha no livro Estrela Solitária. Entre as provas arroladas pelos advogados dos herdeiros do jogador, havia uma descrição feita por Castro da anatomia íntima do craque. Para choque de muitos, o desembargador Wehbi Dib discorreu sobre o assunto sem meias palavras. "As novas gerações de advogados perceberam que o discurso empolado, muitas vezes, atrapalha a
  • 29. argumentação lógica", diz Ester Kosovski, professora da área de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outro golpe no barroquismo vem da própria popularização do e-mail. "A linguagem da correspondência eletrônica, nas empresas, tem de ser mais concisa e mais clara que a do memorando, porque em geral tem o objetivo de provocar uma ação imediata", analisa o professor paranaense Artur Roman, autor de dissertação de mestrado sobre o assunto e funcionário do setor de treinamento do Banco do Brasil. A clareza também se tornou a prioridade dos cursos de oratória. O professor Reinaldo Polito, que há 26 anos tem em São Paulo uma escola de expressão verbal para profissionais de várias áreas, constatou, ao longo de sua carreira, uma mudança significativa. Segundo ele, até pouco tempo atrás a maior parte de sua clientela era formada por executivos na faixa dos 45 anos, que se preocupavam, antes de tudo, com a impostação de voz e a gestualidade. Recentemente, ele passou a ser procurado principalmente por jovens em início de carreira que querem aprender a se expressar de forma clara e simples. "Para atender esse pessoal, que hoje é o grosso do meu público, tive de reorientar o curso. Passei a enfatizar o encadeamento das idéias e a coerência da argumentação", conta Polito. A demanda é tanta que, em março passado, ele inaugurou outra unidade de sua escola, no bairro paulistano do Ipiranga. Nela, há auditórios de vários tamanhos para simular diferentes tipos de conferências. Polito tem entre seus alunos o senador do PT Eduardo Suplicy. "Ele é um homem inteligentíssimo, só precisa aprender a se expressar melhor. É um grande desafio para mim", avalia Polito. A dificuldade do brasileiro em falar e escrever de forma a se fazer entender não é apenas conseqüência da tradição bacharelesca. Há outros fatores. Para começar, lê-se pouco no Brasil. O parâmetro de comparação que costuma ser utilizado nessa área é a média de livros publicados per capita, que resulta da divisão do total da produção pela população do país. No Brasil se produzem 2,4 livros por habitante, contra sete na França e onze nos Estados Unidos. Esse indicador, no entanto, é imperfeito, porque ignora a taxa de analfabetismo, a proporção de livros didáticos no universo editorial e a quantidade de volumes que vai parar em bibliotecas. A Câmara Brasileira do Livro divulgou recentemente um estudo que mostra que, na verdade, os brasileiros lêem em média apenas 1,2 livro por ano. Não cultivar a leitura é um desastre para quem deseja expressar-se bem. Ela é condição essencial para melhorar a linguagem oral e escrita. Quem lê interioriza as regras gramaticais básicas e aprende a organizar o pensamento. As escolas poderiam ensinar a escrever, mas não o fazem. Não que as aulas de redação sejam em menor número do que o desejado. O problema é que essa matéria é ensinada de forma errada, por meio de assuntos distantes da vida real. "Em vez de escrever redações sobre temas vagos, como 'Minhas férias' ou 'Meu cachorro', o aluno deveria ser adestrado nos diferentes gêneros da escrita: a carta, o memorando, a ficção, a conferência e até o e-mail", opina o professor Luiz Marcuschi, da Universidade Federal de Pernambuco. Por último, há a questão do nível dos professores. "A maior parte da mão-de-obra nessa área é de baixa qualificação", diz o professor Pasquale Cipro Neto. "Como o aluno vai aprender a diferença entre sujeito e predicado se nem o professor entende direito? Infelizmente, não existem bons professores de
  • 30. português em número suficiente para atender à imensa demanda que o país tem." Pasquale conhece bem as carências nessa área. Ele percorre o Brasil para dar palestras. Transformou-se em estrela de magnitude nacional depois de atuar em comerciais da rede de lanchonetes McDonald's, em 1997. Pasquale, no entanto, não é uma unanimidade. Esteja em São Paulo, Macapá ou Passo Fundo, inevitavelmente ouve críticas. Elas ecoam o pensamento de uma certa corrente relativista, que acha que os gramáticos preocupados com as regras da norma culta prestam um desserviço à língua. De acordo com essa tendência, o certo e o errado em português não são conceitos absolutos. Quem aponta incorreções na fala popular estaria, na verdade, solapando a inventividade e a auto-estima das classes menos abastadas. Isso configuraria uma postura elitista. Trata-se de um raciocínio torto, baseado num esquerdismo de meia- pataca, que idealiza tudo o que é popular – inclusive a ignorância, como se ela fosse atributo, e não problema, do "povo". O que esses acadêmicos preconizam é que os ignorantes continuem a sê-lo. Que percam oportunidades de emprego e a conseqüente chance de subir na vida por falar errado. "Ninguém defende que o sujeito comece a usar o português castiço para discutir futebol com os amigos no bar", irrita-se Pasquale. "Falar bem significa ser poliglota dentro da própria língua. Saber utilizar o registro apropriado em qualquer situação. É preciso dar a todos a chance de conhecer a norma culta, pois é ela que vai contar nas situações decisivas, como uma entrevista para um novo trabalho." Felizmente, a maior parte das pessoas não está nem aí para a conversa mole dos relativistas. Quer saber, isso sim, de falar e escrever direito. A julgar pela máxima do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein – "os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento" –, os brasileiros que tentam melhorar seu português estão também aprendendo a pensar melhor.