Este documento apresenta várias perspectivas sobre hidreletricidade de especialistas de diversos países. Apresenta os desafios da sustentabilidade diante das mudanças climáticas e a importância da hidreletricidade para o desenvolvimento econômico e social. Discute os impactos ambientais e a necessidade de equilíbrio entre geração de energia e preservação dos recursos naturais.
2. A Grande Energia
múltiplas visões sobre a hidreletricidade
Org. de Hélio Teixeira e Ricardo Krauskopf Neto
1 .ª e d i ç ã o
ITAIPU BINACIONAL
Foz do Iguaçu - PR
2010
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G751 A grande energia: múltiplas visões sobre a hidreletricidade / Assessoria de Comunicação
Social – Itaipu Binacional ; Realização de Competence Comunicação e Marketing;
Projeto Gráfico e Direção de Arte de TAB Marketing Editorial. - Foz do Iguaçu:
Itaipu Binacional, 2009.
187 p. : il. col. ; 23 x 30 cm
Inclui fotografias do Arquivo da Itaipu Binacional.
ISBN 978-85-85263-04-1
1. Hidreletricidade. 2. Energia Elétrica. I. Título.
621.3
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Impresso em abril de 2010
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4. ÍNDICE
Apresentação – Hidreletricidade e responsabilidade socioambiental............................................................ 08
Jorge Miguel Samek
A torre do sino......................................................................................................................................................... 15
Alessandro Palmieri
Hidreletricidade sustentável – Energia para o futuro........................................................................................ 21
.
Anita Utseth
A arrancada da energia......................................................................................................................................... 25
Antônio Ermírio de Moraes
A importância da hidrelétrica............................................................................................................................... 29
Antônio Otélo Cardoso
O que a hidreletricidade tem de tão bom?......................................................................................................... 33
Carl Vansant
A experiência do passado como base para o futuro.......................................................................................... 37
Cássio B. Viotti
Itaipu nas memórias de um “barrageiro”............................................................................................................ 41
Delcidio Amaral
Barragens, desenvolvimento e o setor elétrico brasileiro................................................................................ 45
Edilberto Maurer
Suprimento de energia hidrelétrica no Brasil.................................................................................................... 49
.
Edison Lobão
Você tem sede de quê? A herança das águas indígenas e lusitanas do Brasil.............................................. 53
Evaristo Eduardo de Miranda
Energia renovável e não poluente........................................................................................................................ 57
Flávio Antônio Neiva
Uma brevíssima história da hidreletricidade no Brasil...................................................................................... 61
Francisco Luiz Sibut Gomide
5. Água e vida.............................................................................................................................................................. 65
Fritjof Capra
Energia para todos................................................................................................................................................. 69
Gurmukh S. Sarkaria
Futuro da hidreletricidade...................................................................................................................................... 75
Jerson Kelman
A energia hidrelétrica no Brasil – energia garantida, competitiva e limpa..................................................... 79
João Camilo Penna
Hidreletricidade no Brasil: potencial competitivo a ser explorado................................................................. 85
Jorge Gerdau Johannpeter
O crescimento econômico e a gestão de recursos hídricos no Brasil............................................................ 89
.
José Machado
O desafio da política energética brasileira......................................................................................................... 93
.
José Otávio Germano
O recurso hídrico na geração de energia elétrica na Colômbia...................................................................... 99
José Vicente Dulce Cabrera
Obtendo benefícios do desenvolvimento hidrelétrico em Manitoba............................................................ 105
Ken Adams
O desenvolvimento da hidreletricidade na China............................................................................................ 109
Lin Chuxue
Geração elétrica no Brasil: hidreletricidade, termeletricidade, nuclear e fontes alternativas.................... 113
Luiz Pinguelli Rosa
O Brasil precisa de hidrelétricas.......................................................................................................................... 123
Marcos Almeida Prado Lefevre
A dupla lição de Itaipu.......................................................................................................................................... 127
Marcos Sá Corrêa
6. Hidreletricidade com sustentabilidade: as boas práticas da Itaipu Binacional............................................ 131
Maria Osmarina da Silva Vaz de Lima
Aproveitando o potencial competitivo da hidreletricidade no Brasil............................................................ 135
.
Mauricio Tiommo Tolmasquim
A hidrelétrica na América Latina e no Caribe................................................................................................... 139
Mentor Poveda
A estruturação do setor elétrico paranaense – 1961/1970............................................................................... 145
Nelson L. de S. Pinto
A história da Hydro Tasmania – De pária a modelo........................................................................................ 151
Peter Rae
Hidreletricidade e desenvolvimento sustentável.............................................................................................. 155
Richard Taylor
O Brasil dos próximos 50 anos............................................................................................................................ 163
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Um retrocesso de meio século............................................................................................................................ 167
Rubens Ghilardi
Restrições ambientais e licenciamento de aproveitamentos hidrelétricos................................................... 171
Rui Carlos Vieira da Silva
O potencial hidrelétrico e seu desenvolvimento na Índia............................................................................... 175
Siba Prasad Sen
Hidreletricidade – caminho para o desenvolvimento sustentável brasileiro................................................ 179
Valter Luiz Cardeal de Souza
Opiniões sobre o desenvolvimento hidrelétrico............................................................................................... 183
Yogendra Prasad
A esperança é energia que mobiliza corações e salva vidas.......................................................................... 187
.
Zilda Arns Neumann
7. APRESENTAÇÃO
Hidreletricidade
e responsabilidade
socioambiental
Jorge Miguel Samek
Diretor-Geral Brasileiro da Itaipu Binacional
É com grande satisfação que, na qualidade de gestores da Itaipu Binacional, traze-
mos a público esta obra que envolve diretamente o principal tema de nosso dia a
dia: a hidreletricidade, que consiste na produção de energia a partir do movimento
da água.
Diante dos enormes desafios que hoje se impõem à humanidade, que precisa en-
contrar a sustentabilidade de suas ações, falar em hidreletricidade imediatamente nos
leva a questionar se esse modo de geração energética é sustentável.
E foi justamente para esclarecer essa questão que se reuniu, no período de maio de
2007 a dezembro de 2008, a visão de diversos autores, que examinaram e pesaram
minuciosamente as vantagens e desvantagens da hidreletricidade. O resultado é um
documento detalhado sobre os caminhos da sustentabilidade no campo da geração
hidrelétrica. Nossa intenção, portanto, é lançar luzes sobre um assunto que tem um
papel central na discussão sobre as estratégias de desenvolvimento do país.
No limiar do terceiro milênio, vivenciamos um momento crucial da História, em que
os países se deparam com alterações no clima e no ambiente natural do planeta,
muitas delas indiscutivelmente provocadas pelo homem.
Na busca por seu bem-estar e tratando o planeta Terra como se os recursos naturais
fossem infinitos, o homem desenvolveu e ativou sistemas políticos, produtivos e so-
ciais que, se outrora foram eficazes para ao menos uma parcela da humanidade, hoje
se confirmaram inconsistentes e incapazes de produzir resultados duradouros.
8 | a grande energia
8. Agora, esses sistemas ameaçam a própria existência da civilização. Isso é Sustentabilidade, entendida como a capacidade da sociedade de utilizar
passível de comprovação por meio do ritmo com que as temperaturas da a natureza de modo a atender a suas necessidades atuais e futuras, é
Terra vêm aumentando, com impactos sobre o clima e a biodiversidade de algo a ser tenazmente perseguido em prol da sobrevivência da huma-
todo o planeta. Um processo de tal magnitude e de efeitos tão significativos, nidade. Com ela, almeja-se que o desenvolvimento econômico e social
evidentemente, exige mudanças de comportamento e soluções de grande seja compatível com o uso dos recursos naturais disponíveis, dando-lhes
amplitude da parte do ser humano para que seja possível, ao menos, mini- sempre fôlego para se recomporem adequadamente. Dessa forma, a
mizar as consequências do Aquecimento Global. sustentabilidade acaba por também assumir um viés econômico redis-
tributivo, predicado que a remete diretamente às frentes de combate à
Preocupada com essa questão, a Organização das Nações Unidas pobreza.
criou o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC),
um fórum científico do mais elevado nível, que produziu a mais Nesse quadro, é instigante constatar que, antes de uma discussão
completa coletânea de estudos sobre esse tema. Esses especialistas essencialmente materialista e etiológica, estamos diante de um debate
vaticinam: é grande a influência do homem sobre as mudanças cli- que girará em torno do comportamento dos indivíduos e que neces ari
s
máticas, e se não houver um esforço coletivo para mudar os meios de amente apontará a revisão de gostos e aspirações e, o mais importante,
produção, as consequências serão altamente negativas e, em muitos a revisão dos valores, da ética e das regras de convivência social.
casos, imprevisíveis.
Olhando um pouco para a História, é sabido que na aurora da humanidade
Diante dessas perspectivas perturbadoras, a busca por soluções exigirá a energia que movia seres humanos e animais provinha essencialmente
uma vasta discussão que, sem dúvida, exigirá contribuições de todos os dos alimentos. Tirando proveito de seu intelecto, o homem passou a buscar
ramos do conhecimento humano. Antes de tudo, trata-se da inadiável maneiras de produzir forças que ocasionassem movimentos, ou seja, que
necessidade de se refletir sobre o nosso modus vivendi, que condiciona realizassem trabalho. Daí a alavanca, a roda, a navegação e outras formas de
o nosso modus faciendi. Ora, se vivemos sem sustentabilidade, há que aplicação de conhecimentos adquiridos pela percepção de que a natureza
se inverter essa tendência, procurando torná-la factível. É essa a medida pode jogar a favor do ser humano, diminuindo-lhe, consequentemente, a
primeira que se impõe. necessidade de esforço braçal.
a grande energia | 9
9. Muito tempo depois, com a eclosão de conhecimentos que provocaram A energia elétrica, portanto, possui na transmissão uma vantagem
a Revolução Industrial, no século 18, o homem chegou a uma conse competitiva significativa sobre o petróleo, por exemplo. O petróleo
quência dessa evolução: a máquina a vapor. exige, além das refinarias e locais de estocagem, uma infraestrutura
de transporte rodoferroviário e de navegação, de implantação e
O advento desse engenho, por outro lado, marcou o início do uso de manutenção complexas. O sistema elétrico conecta as unidades de
combustíveis em escala crescente para a produção da energia térmica, geração (importante ressaltar: de variadas fontes) às de consumo
que, por sua vez, proporciona o movimento mecânico. Logo, evoluiu-se por meio de linhas de transmissão, de impactos bem menores e de
da energia térmica para a elétrica, cuja difusão em larga escala permitiu, mais fácil expansão. A impossibilidade de estocagem da energia elétrica
de maneira exponencial, avanços científicos e tecnológicos em todas as é compensada pela capacidade que as linhas de transmissão proporcio-
áreas, com ênfase para os transportes, a construção civil, a eletrônica, as nam ao sistema de realizar intercâmbios instantâneos de energia entre
comunicações e a informática, sofisticando cada vez mais os sistemas suas unidades geradoras.
sociais e de produção. Embora haja esforços de pesquisa de fontes alter-
nativas de geração de energia elétrica, em campos relativamente pouco Para ser ter uma ideia dessa capacidade de expansão interconectada,
explorados, como ventos, marés e sol, as formas mais difundidas são a hoje, o Brasil, após décadas de investimentos em transmissão, conta
hidrelétrica, obtida pela transformação mecânica da força de quedas de com o Sistema Interligado Nacional (SIN), que cobre praticamente
água, e a térmica, obtida por centrais geradoras alimentadas por com- todo o território nacional. Ao realizar os intercâmbios instantâneos de
bustíveis minerais sólidos e líquidos, incluindo os combustíveis radioati- forma otimizada, ele confere maior confiabilidade ao fornecimento e
vos. Todas de maior ou menor conse u cia para o meio ambiente.
q ên diminui as incertezas para o consumidor, ao mesmo tempo em que
ameniza –pela flexibilidade proporcionada justamente pela interliga-
No campo das aplicações, a principal vantagem da eletricidade consiste ção – os efeitos das sazonalidades decorrentes do clima e do ciclo
na facilidade de transporte de energia a baixo custo pelo uso de redes hidrológico.
de transmissão. Aliado a isso, a eletricidade possui a capacidade de ser
transformada em qualquer outra energia, o que a converteu em uma É inequívoco que o emprego da eletricidade afeta o comportamento dos
das fontes energéticas mais utilizadas no século 20. indivíduos, das famílias, das empresas e dos governos ao permitir que:
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10. (i) pela iluminação artificial haja atividade durante a noite; (ii) pela No Brasil, instalada a crise do petróleo em 1973, a visão de segurança
regulação artificial do clima (calefação ou refrigeração) haja ocupação de energética transformou-se em senha para o rápido desenvolvimento de
espaços inóspitos; (iii) pela eficiência e rapidez dos meios de transporte, iniciativas em diversos segmentos no campo da produção de energia,
principalmente os urbanos, haja maior ocupação territorial; (iv) pelas tele- sempre voltadas para a substituição de importações do petróleo. Entre as
comunicações e a cibernética haja intensa e rápida circulação de informa- principais, têm início a produção de etanol de cana-de-açúcar (Pró-Álcool
ções; e (v) pela força motriz que proporciona à indústria haja a produção – 1975), a produção de energia elétrica com base em energia atômica
eficiente de bens e serviços. Por essa vereda, justifica-se o vertiginoso (Usina de Angra I – 1976) e a expansão da geração de energia de base
aumento da demanda desde que se passou a utilizar a eletricidade como hidráulica – a hidreletricidade.
fonte energética, a ponto de os países industrializados duplicarem seu
consumo de energia elétrica a cada dez anos. A hidreletricidade, evidentemente, sempre foi empregada com ênfase,
face à formidável e bem distribuída rede de drenagem natural e ao grande
No entanto, parte dos combustíveis empregados para a produção de ener- volume de água doce que o país possui. A isso se soma o apreciável
gia elétrica é de origem fóssil e, logo, não é renovável. Exemplos são carvão índice de nacionalização dos insumos requeridos: engenharia, materiais,
mineral, gás e petróleo, de elevado impacto ambiental e portanto contrários mão de obra e processos industriais.
à lógica da sustentabilidade. Outros são renováveis, tais como os recursos
florestais e agrícolas. Todos, invariavelmente, usados na combustão direta Daí, a oportunidade de implantar grandes aproveitamentos hidrelétricos,
ou na produção do vapor d’água para a propulsão de mecanismos. muitos deles distantes dos centros industriais, no interior do país, num
movimento predominantemente de leste para oeste no território do
A hidreletricidade aí se diferencia, e vigorosamente, das demais fontes. Brasil. Essa busca por novas fontes de geração de energia elétrica pelos
Seu processo de produção dispensa a prévia geração de energia ca- rios brasileiros apresentou a vantagem de se constituir também em um
lorífica, o que evita a emissão dos gases do efeito estufa. Utiliza como movimento de ocupação territorial, dada a existência de vastas áreas ainda
combustível a água em seu estado natural, que entra e sai do processo pouco habitadas no país. Chegou-se, então, aos superlativos empreen-
de hidrogeração sem sofrer alterações. Trata-se, assim, de uma fonte dimentos hidrelétricos de Tucuruí, na Amazônia, e de Itaipu, na fronteira
limpa de produção de energia elétrica. com o Paraguai, entre outros.
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11. Como resultado das benesses naturais de seu território e da acertada ficiência e a precaução. Já há experiências consolidadas de que isso
opção estratégica nacional, o Brasil goza hoje, no panorama interna- é possível, sendo a própria Itaipu Binacional uma delas. Reside aí o
cional, da excepcional condição de possuidor de uma das matrizes contraponto positivo, o argumento que encoraja a defesa da hidrele-
energéticas mais limpas do planeta. Enquanto no mundo, em média, tricidade como principal alternativa energética nacional.
somente um sétimo das fontes são renováveis, no Brasil essa propor-
ção é de quase a metade, se somadas a hidreletricidade e a biomassa. É justamente esse contraponto que, credenciados pela experiência
empresarial de décadas que acumulamos acerca das questões so-
Evidentemente, não há como desconhecer que a construção de hidre- cioambientais na Itaipu Binacional, pretendemos explorar e trazer ao
létricas gera impactos socioambientais relevantes, positivos e negati- público com a presente publicação.
vos, antes, durante e depois de sua implantação. Entre os principais
está a formação de reservatórios, que por menores que sejam sempre A Usina Hidrelétrica de Itaipu concentra elevada importância estraté-
indisponibilizam terras, muitas delas produtivas ou urbanas. gica para o Brasil e o Paraguai, que em 1973 firmaram o tratado para
o aproveitamento hidráulico das águas do Rio Paraná. A empresa foi
A isso se associa a compulsória remoção de pessoas de seus domicí constituída pelas Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras), do Brasil,
lios, o que nem sempre se resume a um movimento meramente físi- e pela Administración Nacional de Eletricidad (Ande), do Paraguai,
co, passível de compensação financeira, mas em que frequentemente e tem como missão “gerar energia elétrica de qualidade, com
há valores afetivos e culturais envolvidos, que afetam psicológica e responsabilidade social e ambiental, impulsionando o desenvolvi-
socialmente as populações atingidas. mento econômico, turístico e tecnológico, sustentável, no Brasil e no
Paraguai”.
No entanto, essas fragilidades socioambientais podem ser mitigadas,
algumas neutralizadas ou até mesmo revertidas, tornando absorvíveis Lembramos que a elaboração do projeto da Usina de Itaipu ocorreu
pela sociedade os custos de oportunidade decorrentes da opção pela à época dos principais eventos relacionados à nova ordem ambiental,
geração hidráulica. Além disso, há também maneiras de maximizar os levada a efeito principalmente com a realização da Conferência da
impactos positivos. Ambos os movimentos convergem para a ecoe- ONU em Estocolmo (1972 – PNUMA), sendo assim construída com
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12. o máximo de cuidados ambientais possíveis. Exemplo da continui- Programa Cultivando Água Boa, de âmbito regional, abrangendo toda
dade desses cuidados foi a criação da primeira área formal de Meio a bacia hidrográfica conectada ao reservatório da usina.
Ambiente no setor elétrico.
Isoladamente, a Usina Hidrelétrica de Itaipu produz em média 90
Ou seja, a Itaipu Binacional sempre carregou em seu bojo a cons- milhões de megawatts-hora por ano, o que equivale a uma impressio-
ciência do trato adequado da questão ambiental. Pode-se afirmar nante produção diária de 536 mil barris de petróleo ou de 47 milhões
com segurança que tais valores compõem o ethos da Entidade, de m3 de gás. Isso representa nada menos que uma quarta parte da
pois são visíveis não só institucionalmente, mas também nas práticas produção nacional de petróleo. Se essa imensa quantidade de energia
por ela adotadas. fosse gerada, por exemplo, a gás, seriam emitidas para a atmosfera
por volta de 38 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2 ) por
Por essa ótica, muitos investimentos foram e estão sendo feitos para ano. Se a mesma quantidade fosse gerada a carvão, as emissões de
mitigar os impactos causados pela construção da barragem e da for- CO2 chega iam a 85 milhões de toneladas por ano.
r
mação do reservatório e alguns vão além, promovendo o desenvolvi-
mento social nas regiões afetadas. Decorrente desse esforço, nota-se Os dados acima apresentados dão uma ideia da importância de Itai-
que muitas das ações apresentam resultados bastante satisfatórios, e pu – e, consequentemente, das hidrelétricas – para o enfrentamento
vários deles tecnologicamente inovadores, o que acaba por tornar a das mudanças climáticas. E também servem para ilustrar algumas
Itaipu Binacional referência positiva para outros empreendimentos. das razões para o grau de limpeza da matriz energética brasileira.
A hidreletricidade, assim como outras fontes renováveis de energia,
Tal é a relevância do tema que, a partir de 2003, a missão e os objetivos constitui um talento natural do Brasil e por isso precisa continuar
da Itaipu Binacional explicitam o alcance da sustentabilidade como estra- sendo a principal opção estratégica do país, com responsabilidade
tégia empresarial de alto nível. Isso, de certo modo, justifica uma natural social e ambiental.
liderança que a empresa passou a exercer, em âmbito setorial, na busca
de uma hidreletricidade sustentável. Essa opção estratégica tem seus
reflexos operacionais em diversas frentes, destacando-se entre elas o
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13.
14. Alessandro Palmieri
Engenheiro civil com 22 anos de experiência no setor privado. Entrou para o Banco
Mundial em 1997. Especialista-chefe em barragens e consultor sobre os aspectos técnicos
do financiamento de investimentos na gestão de recursos hídricos (hidreletricidade,
mitigação de inundações, suprimento de água, irrigação). Responsável pelo
monitoramento da observância à política de “segurança de barragens” e porta-voz sobre
barragens e hidreletricidade. Já trabalhou em mais de 40 países no mundo todo.1
A torre do sino
Enviado em 04/09/2007
Pediram-me que baseasse a minha construção de uma represa hidrelé- termos individuais, requer recursos
contribuição em minha própria trica. Ele continuou, contando que financeiros bem menores. Ao mesmo
experiência pessoal; decidi co- em algumas noites as pessoas ainda tempo, o objetivo de um desenvol-
meçar pela minha vivência não conseguiam ouvir o badalar do vimento nacional baseado somente
profissional, buscando na memória sino. Há algum tempo, voltei àquele em uma infraestrutura local, de
lembranças de muitos anos atrás e, lago. O que vi então foi um belo pequena escala, é muito mais difícil
a partir daí, encontrar os elos com vilarejo nas margens do lago, onde de atingir. Na realidade, nenhum país
o que aprendi, ao longo dos anos, o antigo vilarejo foi realocado, uma conseguiu aumentar o bem-estar de
com o meu trabalho com represas e massa azul de água rodeada por seu povo sem construir um conjunto
hidreletricidade. verdes montanhas, com as pessoas importante de projetos nacionais de
desfrutando o local no verão. Com infraestrutura e boas instituições para
A torre do sino certeza, aqueles que tiveram de a sua gestão. Infelizmente, é bastante
do Lago Fiastra deixar suas casas no início dos anos comum ouvirmos argumentos do tipo
Muito antes que eu tivesse a menor 60 não ficaram satisfeitos, mas os ‘pequeno é bonito’ e ‘grande é ruim’;
ideia de tornar-me um engenheiro, seus descendentes receberam uma outras partes interessadas levantam
meu pai e eu costumávamos fazer oportunidade de desenvolvimento e, argumentos opostos. Na verdade, as
caminhadas por aquela bela parte da 50 anos depois, quase ninguém mais duas dimensões – grandes investi-
Itália chamada Marca. Montanhas, fala na história do lamento noturno mentos e atividades de nível comu-
densas florestas, riachos de águas do sino. nitário – são igualmente importantes
límpidas como cristal, com uma cor- para o atendimento das necessidades
rente rápida e fria e com ocasionais Para mim, esta história é relevante do povo. Elas representam um contí-
quedas d’água. para o conceito de desenvolvimento nuo de ferramentas complementares
local e nacional. O investimento em para a satisfação daquelas neces-
Durante uma daquelas caminhadas, instituições e infraestrutura requer a sidades, em que uma ferramenta
meu pai mostrou-me a ponta de uma aceitação da população e recursos apoia-se nos resultados da outra. É
torre de sino emergindo de um lago financeiros significativos. Conseguir a importante ter também em mente a
azul de montanha. Ele explicou que a aceitação do público para uma infra- natureza dinâmica do processo: as
torre havia sido o prédio mais alto de estrutura de pequena escala, com im- necessidades das pessoas evoluem
um vilarejo submergido quando da pacto local, é muito mais fácil e, em com o crescimento econômico.
(1)
As descobertas, interpretações e conclusões aqui expressas são do autor e não necessariamente
refletem os pontos de vista do IBRO/World Bank, onde o autor trabalha como especialista-chefe
em barragens, de suas organizações afiliadas, dos diretores executivos do The World Bank
ou dos governos que eles representam.
a grande energia | 15
15. Alessandro Palmieri
As dificuldades que os países enfrentam em termos monetá ios, os efeitos am-
r on Dams (Comissão Mundial sobre
no desenvolvimento de sua infra-estru- bientais e sociais de grandes represas. Barragens) defendeu uma aborda-
tura hídrica não são apenas financeiras; gem de ‘Direitos em Risco’ para a
elas também se relacionam com a acei- Direitos, riscos identificação das partes interessadas.
tação pública de investimentos altos e, e responsabilidades O conceito de ‘Responsabilidade’
frequentemente, controversos. Grande Os processos de envolvimento das deveria ser incluído, resultando na
parte da controvérsia diz respeito à ma- partes interessadas são considerados abordagem 3R (Rights at Risk and
neira como os custos e os benefícios de por muitos como o caminho para se Responsability – Direitos em Risco e
projetos de infraestrutura são avaliados. atingir um consenso quanto à implan- Responsabilidade), por no mínimo
O Quadro 1 contém dois exemplos que tação de projetos bastante necessários. dois motivos: (a) ela identifica novas
demonstram como é difícil quantificar, O relatório da World Commission partes interessadas que têm um
papel a desempenhar na tomada
de boas decisões públicas, e (b) ela
Quadro 1
Os benefícios ocultos das represas
• O Rio Amarelo começou a correr novamente para o Mar do Norte da China, após a construção ajuda a identificar, no grupo maior
da barragem de usos múltiplos de Xialongdi. O corpo de água havia sido literalmente consumi- de partes interessadas, aquelas que
do pelas captações. Agora, a água a jusante da represa está livre de sedimentos, assim como os estão dispostas a assumir a responsa-
canais de irrigação. O componente hidrelétrico substitui a queima de 1,9 milhão de toneladas bilidade de contribuir para a tomada
de carvão por ano, evitando a emissão de 4,6 milhões de toneladas de gás dióxido de carbono,
de decisões públicas com base em
33 mil toneladas de dióxido de enxofre e 18.700 toneladas de óxido nitroso. Ainda assim, estes
benefícios bastante concretos não aparecem na avaliação do projeto, cujo desempenho finan-
informações sólidas. Uma abordagem
ceiro depende inteiramente da produção de hidreletricidade. com múltiplas partes interessadas
• Quando o Furacão Mitch atingiu Honduras em outubro de 1998, a vazão máxima na entrada não pode ter êxito se não tiver como
do reservatório de El-Cajon foi estimada em aproximadamente 10.000 m3/s. O efeito gerado pelo base um programa de atividades com
reservatório foi a redução daquele pico para aproximadamente 1.000 m3/s. Duas planícies alu- prazo definido, viabilidade econômica
viais densamente habitadas estão localizadas ao final de uma garganta estreita, com 10 km de
e apoiado por governos comprometi-
extensão, a jusante da represa.
dos. A duração do processo deve ser
A inundação trouxe graves consequências econômicas, porém não resultou em mortes. É quase
impossível pensar no efeito que uma inundação descontrolada, dez vezes maior, teria. Porém, o proporcional à urgência das neces-
valor da função de prevenção deste desastre da represa não poderia ter sido previsto, o que dirá sidades sendo tratadas. Também é
quantificado, na etapa de planejamento. verdade que há vários exemplos de
projetos com um período muito lon-
16 | a grande energia
16. a torre do sino
mentar o impacto sobre a diminuição
Quadro 2
De partes interessadas a acionistas da pobreza. As populações locais e, em
Moradores dos vilarejos de Huangshui e Hehu, na província chinesa de Zhejiang, receberam
primeiro lugar entre elas, as comuni-
ações da usina hidrelétrica de Huangshui em vez de uma compensação em pagamento
único em dinheiro. A construção da usina de Huangshui irá inundar aproximadamente 40 dades afetadas pelo projeto, deveriam
hectares de terras cultiváveis. Segundo a Interfax (2004), uma autoridade do governo local compartilhar os benefícios trazidos pe-
disse que tal acordo entre os construtores da usina e os moradores era bastante raro na los programas de infraestrutura hídrica.
China. Estima-se que tais moradores possam receber dividendos no valor de US$ 24 mil Uma forma é através da participação
todos os anos. na arrecadação. Diversos países, entre
eles, o Brasil, a China, a Colômbia, a
go de desenvolvimento que não pode atualmente aproximando-se de sua Coreia do Sul e o Japão, já incorpora-
ser atribuído a uma tomada ineficiente conclusão, prevista para 2007. Serra ram a participação na arrecadação em
de decisões. Geralmente, estes atrasos Leoa finalmente terá energia renovável sua legislação. O Quadro 2 conta uma
se devem a questões financeiras e de para substituir as antigas e ineficientes, história interessante vinda da China.
agitação social. Uma hidrelétrica de além de extremamente caras, unida-
pequeno porte, cujo longo período des a diesel. A conclusão do projeto O discurso internacional sobre
de desenvolvimento é recorde, é o mereceu uma comemoração especial, barragens e hidreletricidade
projeto de Bumbuna, em Serra Leoa. com a represa retratada em notas da Muito vem sendo debatido, escrito e
De meados dos anos 70, quando moeda nacional. publicado sobre o processo de tomada
começaram as obras preliminares de decisões com relação a barragens
e de acesso ao local, passando por Compartilhamento de benefícios e suas alternativas. A tabela 1 abaixo
diversas fases de interrupção e reinício Os programas de infraestrutura hídrica contém algumas das contribuições
dos trabalhos, incluindo a guerra civil podem ser projetados para maximizar mais relevantes do ponto de vista da
no final dos anos 90, o projeto está o crescimento econômico e para au- hidreletricidade.
Tabela 1
Ano Autor Descrição
1996 World Bank Revisão de 50 Projetos para Grandes Barragens
1999 International Energy Agency (IEA) Diretrizes para o licenciamento de projetos hidrelétricos
2000 World Commission on Dams (WCD) Relatório sobre Barragens e Desenvolvimento
a grande energia | 17
17. Alessandro Palmieri
A “Revisão” do World Bank (Banco Hidreletricidade), entre as organizações uma alegada abordagem business as
Mundial) em 1996 levou à formação profissionais. usual em escala global, apresentada
da World Commission on Dams no relatório da WCD. Se isto foi uma
(Comissão Mundial sobre Represas) – Após três anos de WCD e seis anos de falha da WCD ou se ocorreu um avan-
WCD – em 1997. O relatório da WCD, DDP (fases I e II), este último projeto ço significativo após aquele relatório
intitulado “Barragens e Desenvolvimen- foi concluído em junho de 2007. não está claro, nem é tão relevante,
to”, levou a uma iniciativa subsequente O compêndio Dams and Develop- de qualquer forma.
liderada pelo PNUMA (Programa das ment: Relevant Practices for Improved
Nações Unidas para o Meio Ambiente), Decision Making (Barragens e Desen- O essencial é que uma mensagem
chamada de Dams and Development volvimento: Práticas Relevantes para positiva sobre uma tomada aprimora-
Project (Projeto de Represas e Desen- uma Tomada de Decisões Aprimorada) da de decisões resultou das atividades
volvimento) (DDP). O DDP foi conside- representou o principal resultado do do DDP.
rado necessário para a continuação do DDP. O documento está disponível
diálogo sobre as descobertas da WCD na internet no endereço: http://www. Olhando à frente
e para a inclusão daquelas partes inte- unep.org/dams/includes/compendium. O próprio processo de tomada de
ressadas que haviam ficado em grande asp. Reproduzimos abaixo um trecho decisões é o elemento-chave para
medida ausentes do processo da do texto de apresentação do PNUMA: a realização de bons projetos que
Comissão, principalmente os governos “Esta publicação diverge da abor- atendam às necessidades do povo.
de países em desenvolvimento, o setor dagem seguida em grande parte A preocupação com os aspectos
hidrelétrico e as organizações profissio- pela literatura sobre barragens, ambientais e sociais continuará
nais. O DDP do PNUMA representou que tende a enfocar os insucessos tendo um papel preponderante na
uma oportunidade para que algumas e falhas. Ao invés disso, apresenta formatação do processo de tomada
partes interessadas aprimorassem a práticas que, embora não isentas de de decisões de futuros empreendi-
sua abordagem para o desenvolvi- deficiências, mostram uma forma mentos hidrelétricos. Acredito que
mento da infraestrutura. Os exemplos positiva ou que busca avanços para dois elementos-chave, neste pro-
mais notáveis incluíram a Indonésia e a se fazer as coisas.” cesso complexo, merecem atenção
África do Sul, em nível governamental, especial. São eles:
e a International Hydropower Asso- Esta é uma afirmação extraordinária e • Quanto aos aspectos sociais: com-
ciation (Associação Internacional de que se distingue da crítica incisiva de partilhamento dos benefícios;
18 | a grande energia
18. a torre do sino
• Quanto aos aspectos ambientais: deve acabar. Um projeto é bom se
Quadro 4
Não esqueça o básico
cláusulas de análise benefício-custo todos os seus elementos estão em
Historicamente, as equipes de projetos
e Plano de Gestão Ambiental (PGA) equilíbrio. O texto ao lado (Qua-
de infraestrutura do Banco Mundial in-
em contratos de construção (veja o dro 4) é um trecho do estudo do cluíam um engenheiro, um economista
Quadro 3). Banco Mundial intitulado Scaling up e um analista financeiro. À medida que
Infrastructure: building on strengths, a agenda do Banco foi expandida, mais
Finalmente, devemos “não esquecer learning from mistakes2 (Ampliando e mais profissionais com habilidades
específicas foram sendo incorporados
o básico”. Os aspectos ambientais e a Infraestrutura: aproveitando os
à equipe central, incluindo especialistas
sociais são os mais difíceis de se lidar; pontos fortes, aprendendo com os em gestão financeira, meio ambiente,
engenharia é uma coisa mais objetiva. erros) – de janeiro de 2006. pobreza, gênero, participação e comu-
Esta abordagem de business as usual nicação, todos essenciais para melho-
rar a qualidade, a sustentabilidade e o
impacto. Contudo, enquanto a prepa-
ração e a avaliação dos projetos se tor-
Quadro 3
Cláusulas de PGA em Contratos de Construção
navam mais complexas, alguns pontos
Com frequência maior do que a devida, a maior parte dos esforços se concentra na básicos foram deixados de lado.
Análise dos Impactos Ambientais e Sociais em detrimento dos outros dois passos es- O resultado disto foi a ocorrência de
senciais necessários para alcançarem-se projetos bem-sucedidos. muitos projetos de infraestrutura com
EIA (Estudos de Impacto Ambiental): a qualidade depende dos dados disponíveis, da respostas insatisfatórios. Tais empre-
capacidade do analista e do conhecimento que este tem do país. A minha experiência endimentos fracassaram em função
das deficiências de análise do projeto
sugere os seguintes pesos: 60%; 10%; 30%.
técnico e das questões econômicas e
PGA (Plano de Gestão Ambiental): deve traduzir as descobertas dos EIA em um plano
financeiras.
de ação a ser colocado em prática durante a implantação do projeto, bem como moni- Lição aprendida: é vital assegurar que
toramento durante a sua operação; nos casos mais difíceis, uma abordagem de gestão o projeto técnico seja adequado, que
adaptativa é necessária, através da qual os recursos são alocados para implementar estimativas de demanda e das proje-
aquelas ações que surgem como essenciais a partir do programa de monitoramento. ções financeiras sejam confiáveis e que
Contratos: itens apropriados de pagamentos devem ser incluídos no contrato de cons- as providências para a implantação se-
trução, para assegurar que as ações previstas no PGA sejam realmente implantadas. jam preparadas adequadamente. Isto
Da mesma forma, devem ser feitas provisões adequadas em contratos de operação requer uma equipe bem equilibrada
e constante verificação por parte da
para refletir as especificações da gestão adaptativa, onde estas forem necessárias.
gerência.
(2)
Disponível em < http://siteresources.worldbank.org/CSO
/Resources/LessonsLearned20Years-short.pdf>
a grande energia | 19
19.
20. Anita Utseth
Vice-ministra de Petróleo e Energia da Noruega, de outubro de 2005 a setembro de 2007.
Cargos anteriores incluem a vice-presidência da companhia petrolífera Pertra, engenheira-
chefe do Diretório Norueguês do Petróleo e conselheira sobre energia do Diretório de
Gestão da Natureza. É mestra em Ciências pela Universidade Norueguesa de Ciência e
Tecnologia e mestra em Economia da Energia e Gestão Ambiental.
HIDRELETRICIDADE SUSTENTÁVEL
– ENERGIA PARA O FUTURO
Enviado em 30/08/2007
Apreciei imensamente o convite Nossa capacidade de atender à custo, a eletrificação rural foi acelera-
para contribuir para este livro e a demanda nacional de energia elétrica da. É justo dizer que a hidreletricida-
oportunidade de participar em uma quase que totalmente através da de foi o fator-chave na transformação
discussão sobre a melhor forma de, hidreletricidade tem sido muito da Noruega de um dos países mais
juntos, avançarmos na promoção da benéfica para o nosso meio ambien- pobres da Europa, aproximadamen-
hidreletricidade sustentável. Como te, bem como para a segurança de te um século atrás, em uma nação
Vice-Ministra responsável pelo setor nosso fornecimento. industrializada e próspera. Também
de hidreletricidade e recursos hídri- nos ajudou a desenvolver uma in-
cos, sei da importância da hidrele- O desenvolvimento da hidreletrici- dústria de hidreletricidade altamente
tricidade e da grande contribuição dade na Noruega começou há mais competente.
que este recurso singular pode dar à de cem anos, e continua avançando.
sociedade. No início do século 20, tínhamos A participação pública é assegurada
legisladores de visão que enxergaram pela legislação, que exige consultas
É fato amplamente conhecido que o na hidreletricidade um recurso que em várias etapas. Condições para
acesso à energia é um dos elementos deveria beneficiar toda a sociedade. o licenciamento asseguram que
mais importantes para o desenvolvi- Seu conceito de compartilhamento diversos impactos ambientais sejam
mento econômico. A Noruega está de benefícios assegurou que, desde tratados com atenção. Uma estrutura
em boa situação porque, desde o o início, as comunidades locais legal forte e autoridades competen-
começo, fomos abençoados pela recebessem benefícios econômicos tes têm sido a base de uma gestão
Natureza em termos de recursos substanciais derivados de empreen- consistente de nossos recursos
energéticos. Junto com uma consi- dimentos hidrelétricos. Um efeito naturais. Tudo isto tem sido impor-
derável produção de petróleo e gás, colateral positivo foi que indústrias tante para assegurar que a hidreletri-
a Noruega é o sexto maior produtor importantes surgiram em torno de cidade seja vista como algo benéfico
de hidreletricidade do mundo, com usinas hidrelétricas, com frequência à sociedade e como parte de nosso
uma capacidade instalada perto de em áreas remotas. Pelo estabele- patrimônio nacional. As palavras-
29.000 MW. 99% de nossa eletrici- cimento em lei que os municípios chave foram e conti uam sendo:
n
dade é produzida por usinas hidre- locais teriam direito à “energia participação, abertura e transparência
létricas, e todos os domicílios estão compulsória”, o que significa 10% da no planejamento e no processo de
conectados à rede elétrica nacional. produção de eletricidade a preço de tomada de decisões.
a grande energia | 21
21. Anita Utseth
Fico contente que haja um interesse sidade. A hidreletricidade desenvol- as formas de hidreletricidade devam
crescente pelo desenvolvimento vida de forma sustentável é capaz de ser consideradas renováveis, sem
de mais hidreletricidade em todo fornecer energia limpa e renovável discriminação de qualquer tamanho,
o mundo. Em muitos países, como por séculos. desde o início. Em vez disso,
no Brasil, ainda existem imensos devemos nos concentrar no impacto
recursos inexplorados. A Noruega já Para muitos países, uma grande total de um projeto sobre o meio
desenvolveu cerca de 70% de seu preocupação é como assegurar o ambiente, a sociedade e a economia.
potencial hidrelétrico. O nosso foco fornecimento de energia em nível Este deve ser devidamente avaliado
está, portanto, em modernizar e am- nacional. Uma boa maneira de de forma aberta e transparente,
pliar as usinas existentes, bem como fazer isto é desenvolver recursos com o envolvimento das diferentes
as pequenas centrais hidrelétricas, naturais próprios. Muitos países partes interessadas. Para citar o
atualmente em franca expansão. ainda têm grande potencial para antigo chefe do PNUMA (Programa
desenvolvimento da hidreletricida- das Nações Unidas para o Meio
Em escala global, o mundo enfrenta de. Avançar no desenvolvimento Ambiente), Dr. Klaus Toepfer: “Não
vários desafios consideráveis relacio- da hidreletricidade pode ser um nos preocupamos mais com o
nados à energia. O acesso à energia instrumento poderoso para se pequeno ou o grande, mas com o
e a segurança do fornecimento alcançarem as Metas de Desenvol- bem planejado e o bem gerido”.
energético estão no topo da agenda vimento do Milênio, das Nações
política de muitos países, incluindo a Unidas, de erradicação da pobreza O papel da indústria na obtenção
Noruega. e para assegurar água potável da aceitação pública, através do
limpa e alimento suficiente para desenvolvimento de projetos hi-
O desafio, em minha opinião, é como todas as pessoas. drelétricos de forma responsável, é
proporcionar a segurança do abas- crucial para a reputação da hidrele-
tecimento de energia de uma forma A Noruega apoia a ideia de que tricidade.
ambientalmente amigável. O mundo a hidreletricidade é uma das
enfrenta grandes desafios quanto à fontes renováveis de energia cuja A iniciativa da International Hydro-
limitação das emissões de gases do utilização deva ser aumentada power Association (Associação
efeito estufa, redução das mudanças substancialmente. A Noruega Internacional de Hidreletricidade)
climáticas e manutenção da biodiver- também apoia a ideia de que todas em preparar Diretrizes de Sustenta-
22 | a grande energia
22. hidreletricidade sustentável – energia para o futuro
bilidade é muito útil para conscien-
tizar aqueles a quem a sociedade
incumbiu de utilizar este recurso
natural. Manter padrões elevados
e assegurar a melhoria contínua
em favor da sociedade irá contri-
buir para caminharmos na direção
de um maior desenvolvimento da
hidreletricidade sustentável.
Em minha opinião, a hidreletricidade
está destinada a desempenhar um
papel preponderante nos próximos
anos como um recurso fundamental
capaz de gerar volumes substanciais
de energia limpa e renovável.
a grande energia | 23
23.
24. Antônio Ermírio de Moraes
Engenheiro e doutor em Metalurgia, comanda um dos maiores grupos empresariais
do Brasil – o Grupo Votorantim, fundado em 1918 por seu avô, o imigrante português
Antônio Pereira Inácio, e seu pai, o senador José Ermírio de Moraes. Ao lado do
trabalho industrial, preside há mais de três décadas o Hospital da Beneficência
Portuguesa, em São Paulo, e mantém atividade de escritor, com cinco livros
publicados, três peças de teatro encenadas e artigos regulares em jornais e revistas.
A ARRANCADA DA ENERGIA
Enviado em 09/07/2007
O Brasil é um país abençoado por fatores tem enorme vantagem compa- precisamos implantar a cada ano cerca
Deus. Dentre os vários recursos natu- rativa interna e externamente. de 5.000 MW de nova capacidade
rais de que dispomos, a água é o mais instalada.
precioso por ser o principal insumo Deus foi generoso para com os bra-
para a agricultura, a indústria e a vida sileiros, e São Pedro tem colaborado Dentre os nossos energéticos, a água
humana. bastante nos últimos anos ao manter os supera todos os outros no que tange
reservatórios em níveis invejáveis para a a praticidade, custo e limpeza. Nosso
Temos cerca de 13% da água do mun- produção de energia hídrica. carvão é insuficiente e poluidor.
do. É uma enormidade. Trata-se de um O petróleo extraído do mar é caro
extraordinário privilégio quando se vê Mas não podemos contar só com e também polui. O gás é escasso e
que, dos 6,2 bilhões de habitantes da isso. Para crescer a taxas de 5% ou incerto, pois depende de importações.
Terra, 1,2 bilhão não tem água para 6% anualmente, o Brasil tem de A energia nuclear igualmente é cara
beber, sem falar nas outras necessi- fazer muito mais do que tem feito no e não se sabe o que fazer com o lixo
dades. Na China e na Índia o lençol campo da produção e transmissão produzido e com a usina desativada.
freático baixa sistematicamente todos de energia elétrica. Está na hora de O etanol é limpo, mas tem aplicações
os anos, e de modo impressionante. acordarmos. Já passamos por vários específicas e é limitado em relação à
É uma ameaça pavorosa para os 2,3 sustos. No final da década de 90 matriz energética total.
bilhões de habitantes daqueles países tivemos apagões preocupantes e no
que dependem da água. ano de 2001 amargamos uma crise A grande fonte de energia elétrica,
apavorante. O país teve de praticar limpa e renovável, reside no enorme
Cerca de 90% da eletricidade pro- um racionamento severo que, aliás, só potencial hídrico, do qual o Brasil
duzida no Brasil têm origem hídrica teve sucesso pela extraordinária capa- utiliza apenas 30%. O país precisa
(Fonte: Anexo 1 - Programação Mensal cidade de entendimento e cooperação investir cerca de R$ 15 bilhões por ano
da Operação ONS, maio/2007, média do nosso povo. – e de forma contínua – para enfren-
para o ano de 2007). Isso tem permiti- tar a demanda que vem pela frente.
do a geração de energia de baixo custo As necessidades de energia do Brasil No entanto, nos últimos cinco anos,
e livre de poluição. No mundo atual, e vão muito além do pouco que se nenhuma usina de porte foi licitada
principalmente no futuro, o país que tem feito nessa área. Para suportar as neste país continental e que tem fome
conseguir fazer essa combinação de necessidades de crescimento do país, de energia.
a grande energia | 25
25. Antônio Ermírio de Moraes
De 2003 até o presente momento tempo desperdiçado, pois as obras dade. Precisamos implantar urgente-
foram licitados apenas 805 MW de de hidrelétricas são demoradas. Muita mente um programa de construção de
potência instalada, em 7 hidrelétricas energia estaria sendo produzida se usinas geradoras e linhas de transmis-
(Fonte: Anexo 2 – Resumo das Licita- tivéssemos contado com mais ação e são de energia elétrica.
ções de Usinas Hidrelétricas, maio de menos discurso.
2007, Aneel) e 6.173 MW de potência As restrições energéticas do pas-
instalada de termelétricas (Fonte: Ane- E não foi por falta de investidores sado recente deveriam funcionar
xo 3 – Relatório Acompanhamento das interessados. Com 190 milhões de como lições para todos nós. Os
Usinas Termelétricas, maio de 2007, habitantes e com tantos recursos projetos planejados têm de entrar
SFG Aneel). Das usinas hidráulicas, disponíveis, o Brasil é um país con- em execução imediatamente. Os
quatro delas ainda não iniciaram as denado a crescer. Em poucos anos, argumentos ambientais precisam ser
obras e apenas Simplício, em constru- a agricultura e a indústria mostraram respeitados, mas eles não podem
ção, possui mais de 300 MW. sua enorme capacidade ao ampliar paralisar o desenvolvimento do país.
de maneira expressiva suas exporta- O Brasil já possui inúmeros projetos
Em decorrência desse quadro de ções. O mercado interno se robustece implantados que recuperaram a
escassez de obras hidrelétricas, com a melhoria do emprego e da natureza impactada no momento da
verifica-se a ampliação da participação massa salarial. construção. Temos muitos casos de
das termelétricas no atendimento verdadeiros jardins em represas que
das necessidades de energia elétrica Em suma, a potencialidade de reconstruíram a fauna e a flora então
do país, elevando sua contribuição crescimento e a engenhosidade dos existentes. Mais grave seria partirmos
do patamar atual de 8% para quase brasileiros motivam inúmeros empre- para outros energéticos de alto poder
15% da geração total requerida até o endedores a investir no país. poluidor e que viessem a demandar
ano de 2011 (Fonte: Anexo 1 – Pro- É um pecado esterilizar essa motivação um esforço dispendioso para limpar
gramação Mensal da Operação ONS, por força de burocracias e entraves permanentemente o meio ambiente.
maio de 2007, média para o ano de administrativos que só impedem a
2007). Os preços da energia se ele- expansão do setor energético. É urgente, portanto, tirarmos vanta-
vam e também crescem as emissões gem do privilégio que temos. Cerca
associadas à queima dos combustíveis Uma coisa é certa. Não há como crescer de 50% da energia consumida no
e gases nas termelétricas. Foi um sem energia, em especial, sem eletrici- Brasil é renovável (Fonte: Anexo 4 –
26 | a grande energia
26. a arrancada da energia
Balanço Energético preliminar, 2007, mento, exportações, divisas, impostos,
MME) e pouco poluente, como são empregos, renda e qualidade de vida.
a derivada de recursos hídricos e as Temos de virar o quadro atual, pois
diversas formas de biomassa. Igual a somos todos responsáveis!
nós, só a Noruega. Os Estados Unidos,
tão ricos em vários insumos, têm
apenas 7% de energia renovável; a
Alemanha, apenas 6%; o Japão, 5%, e
Israel só 2%.
Ao lado de todas essas medidas,
temos de cuidar da educação dos
consumidores. O Brasil é um país do
tudo ou nada. Quando ocorre um
blecaute, fala-se logo em raciona-
mento. Passadas algumas semanas,
todos voltam ao esbanjamento. As
campanhas educativas sobre o uso
racional de energéticos precisam fazer
parte do nosso cotidiano e integrar os
currículos das escolas.
Olhemos para a frente. Façamos
agora o que é necessário para que
nossos filhos não venham dizer o
que dizemos hoje: se vocês tivessem
feito isso há dez anos, não haveria
constrangimento para o Brasil crescer.
Energia é isso: é produção, abasteci-
a grande energia | 27
27.
28. Antônio Otélo Cardoso
Engenheiro eletricista com mais de 40 anos de experiência no Setor Elétrico Brasileiro.
Prestou serviços à CPFL como gerente de operação do sistema, à Copel como diretor
de Engenharia e Construção encarregado da implantação de grandes projetos de
transmissão e geração, como as usinas de Segredo e Caxias, e à Escelsa e Enersul
como superintendente de operação. Em 2000 ingressou na Itaipu Binacional, onde em
2002 assumiu a posição de diretor Técnico Executivo.
A IMPORTÂNCIA DA HIDRELÉTRICA
Enviado em 10/03/2008
Com um dos maiores recursos A quase moratória prevista para 1982 conceitos e práticas pode explicar
hidrelétricos do mundo, o Brasil, se efetivou em 1987, com as grandes alguns problemas que as hidrelétricas
desde o final da década de 50 até o inadimplências entre as concessio- brasileiras apresentaram nessas últimas
início dos anos 90, aproveitou algo nárias e contenções das tarifas para duas décadas.
como um terço desse potencial. Isso controle da inflação. Isso culminou na
ocorreu de forma planejada, sob forte liquidação, através da Lei 8.631/93, da Empreendimentos hidrelétricos e ter-
pressão da demanda dos mercados famosa Contas de Resultados a Com- melétricos são diferentes em aspectos
e baixa pressão socioambiental e pensar – CRC1, ao custo de 26 bilhões significantes. Por exemplo, usinas
política. A maioria das hidrelétricas de dólares ao contribuinte brasileiro. térmicas têm prazo de construção da
construídas nessa época foi realizada Complementarmente foram ampliados ordem de 36 meses, contra prazos de
sob a gerência de empresas estatais, os esforços dos técnicos e diretores da 50 a 60 meses para hidrelétricas, mas
com conceitos técnicos bem defi- banca internacional, principalmente do enquanto sua vida útil é de 15 a 20
nidos e cronogramas militarmente Banco Mundial, para a privatização do anos, a de hidrelétricas alcança, não
cobrados. Desde essa época, o Setor Setor Elétrico Brasileiro. raro, cem anos. Temos no Brasil ins-
Elétrico passou a “andar de lado”, talações já no seu terceiro período de
como diriam executivos financeiros, Essa mudança e a passagem do Setor concessão, de 30 anos cada um, sendo
na execução da ampliação do seu Elétrico por dois modelos político- um exemplo bem próximo a UHE Cha-
parque gerador. O país passou a econômicos fizeram com que conceitos miné, na Serra do Mar paranaense.
utilizar unidades geradoras térmicas, e práticas aplicáveis a empreendimentos Mas a diferença, que é relevante para
acionadas por calor de combustão de térmicos, preponderantes no Hemisfério a análise que proponho, diz respeito à
recursos não renováveis, como gás, Norte, fossem aplicados aos modelos característica dos projetos das usinas
óleo ou carvão, com elevados níveis financeiros e de gerenciamento de pro- geradoras. Uma termelétrica é, em
de emissão de CO², não para diminuir jeto, construção, fabricação e montagem última análise, um projeto industrial
riscos de atendimento inerentes a de nossos empreendimentos hidrelétri- convencional, comparável com uma
sistemas fortemente hidrelétricos ou cos. Tal situação tem recebido diversas fábrica de parafusos ou de televisores.
para resolver problemas localizados explicações, sendo algumas quase Como no projeto de uma fábrica, em
de déficits de ponta, mas para ampliar pedidos de desculpas. Uma análise uma termelétrica constrói-se um am-
sua produção de energia. das consequências da adoção desses biente adequado para as necessidades
(1)
A Conta de Resultados a Compensar era um mecanismo, em vigor até 1993, para contabilizar
diferenças entre as rentabilidades reais das empresas de energia elétrica e suas rentabilidades
garantidas em lei. Em 1993, quando liquidada, essa conta somava US$ 26 bilhões, indicando o
desequilíbrio de rentabilidade por que passavam as concessionárias.
a grande energia | 29
29. Antônio Otélo Cardoso
da instalação da unidade de produ- pois deve ser produzido para adaptar-se Estas considerações têm impactos
ção. Por isso, termelétricas podem ser ao ambiente onde será instalado, que no ambiente dos leilões de energia,
implantadas a partir de componentes é parcialmente controlável e sujeito a que agora têm na tarifa final da fonte
“de prateleira”, fabricados em série, diversas variáveis. Em projetos desse geradora o motivo da concorrência e
em grandes quantidades, e com a tipo, é menor a probabilidade de que em que os custos têm que ser muito
utilização de um mesmo projeto. a aplicação de métodos de certificação bem controlados. O controle acirrado
de processos garantam a qualidade do dos custos levou à adoção de concei-
Em produções industriais “clássicas” produto, porque nem processos nem tos de qualidade equivocados para o
desse tipo, é possível a aplicação com produtos são necessariamente repetidos ambiente hidrelétrico, com os empre-
efetividade dos conceitos de garantia em instalações futuras, impedindo a endedores abrindo mão, muitas vezes,
de qualidade atualmente em voga, incorporação da solução de problemas de seu próprio quadro e de proce-
como de certificação dos processos detectados em produções anteriores em dimentos de controle de qualidade
de produção, da modalidade da produções futuras. em favor da escolha de fornecedores
norma ISO 9000. Ocorre que parte com certificações de qualidade que
do sucesso da aplicação desse tipo de O que se tem visto é que essas nem sempre garantem a qualidade de
norma reside em dois pilares: a busca particularidades não têm sido levadas produtos (seus e de subfornecedores)
ativa e metódica de problemas em em conta no Setor Elétrico, seja nos singulares e fabricados em menor
produtos e processos e a incorporação modelos financeiros, seja nos de quantidade.
da solução dos problemas detectados gerência, tanto do projeto do empre-
nas produções futuras. Por isso, os endimento, como um todo, quanto no No setor hidrelétrico brasileiro, tivemos
benefícios mais significativos de tal tratamento dos aspectos particulares acidentes estruturais tanto em obras civis
abordagem são alcançados em produ- de cada grupo de fornecedores. O que quanto em equipamentos mecânicos e
ções industriais convencionais, em que se vê nos dias de hoje é o império elétricos. Entre eles, o rompimento nos
ocorre sempre a reprodução de um dos conceitos e práticas aplicáveis aos túneis de desvio de barragem de hidre-
mesmo projeto utilizando um mesmo empreendimentos termelétricos na létrica na bacia do rio Uruguai; vibração
processo, condição aplicável a terme- construção dos modelos, aplicados aos nas unidades de grande hidrelétrica
létricas. Já para projetos hidrelétricos empreendimentos hidrelétricos, de no norte do país; cruzetas-suporte de
tem-se uma situação particular. Cada prazo mais longo de maturação e de mancal escora de hidrogerador de usina
conjunto de equipamento é singular, natureza singular. do rio Paraná “trincadas”; isoladores
30 | a grande energia
30. a importância da hidrelétrica
de passagem (buchas) de extra-alta iniciais e as análises dos resultados são técnicas são vinculadas, assim como as
tensão com duração efêmera e causa efetuados por bons profissionais, de responsabilidades técnicas, à pessoa
de acidentes com transformadores de grande proficiência acadêmica e/ou física de profissionais experientes, cuja
potência em diversas empresas do computacional, porém com pouca ou grande contribuição ao processo vem
Brasil. E ainda, no exterior, grades de nenhuma experiência de campo. de sua experiência gerencial, e não às
retenção em tomadas d´água com ní- empresas proponentes em si.
veis de vibração exagerado e diversos A maioria dos problemas citados ainda
outros problemas. está em processo de análise de causas, Nosso país pretende e necessita dar
porém nas análises sempre aparecem um salto na melhoria e ampliação de
Identificamos como algumas das como causas as exageradas pressões sua infraestrutura. África, China, Índia
causas desses problemas, naqueles para diminuição de custos. Nada mais e Rússia também terão crescimentos
casos em que tive maior contato, a legítimo do que se buscar a aplicação importantes nessa área. Nossa Enge-
aplicação de modismos como down- da melhor técnica com o menor custo, nharia terá muitas oportunidades tanto
sizing, com diminuição de quadros de esse é o âmago da engenharia, mas interna como globalmente, porém
pessoal experiente e com transferên- sacrificarem-se princípios técnicos bá- acredito que necessitamos fazer uma
cia de responsabilidade do controle sicos na busca do menor custo é para pausa para refletir sobre estes proble-
de qualidade a contratados ou seus lá de exagero: é irresponsabilidade, é mas e valorizar o profissional experien-
terceirizados, e a busca da diminuição ausência de ética profissional. te como um dos principais fatores que
de custos de controle de qualidade a determinam a qualidade e os custos
qualquer preço. O Brasil não terá nada a ganhar, mas dos empreendimentos.
terá muito a perder, a continuar com
Em outros casos, a procura do limite essa rotina de apenas valorizar os
do aceitável para a relação qualidade/ custos como critérios de decisão de
custo vem montada na utilização da contratação de fornecimentos de equi-
valiosa técnica de modelagem mate- pamentos e serviços. O critério final até
mática, como a de elementos finitos, pode ser o preço, porém preenchidas
não focada, porém, na procura da condições de capacitações técnicas
maior qualidade, mas no menor custo. equilibradas e suficientes. É preciso
Além disso, as premissas e parâmetros lembrar que capacitação e experiência
a grande energia | 31
31.
32. Carl Vansant
Editor-chefe das revistas dedicadas ao setor hidrelétrico mundial, HRW e Hydro
Review. Possui mais de 30 anos de experiência no setor energético e há muito
defende a cooperação da sociedade para a expansão apropriada da hidreletricidade.
Acredita que a hidreletricidade tem grande potencial para proporcionar significativos
benefícios ao bem-estar humano.
o que a hidreletricidade
tem de tão bom?
Enviado em 02/05/2007 (1)
A hidreletricidade tem as suas raízes O uso da hidreletricidade, desde aque- necessárias circunstâncias particulares
fincadas no início das atividades de le início, vem aumentando continua- para sustentar o desenvolvimento de
comercialização da energia elétrica, mente. Em uma época, talvez até 40% empreendimentos hidrelétricos. Os
ao final dos anos 1800. Muitas das do total da eletricidade gerada tinha a aspectos de maior importância são
primeiras usinas utilizavam água água com sua fonte primária. Nos dias a topografia favorável e a suficiência
para produzir eletricidade. Algumas de hoje, a hidreletricidade responde de recursos hídricos, sendo que estas
dessas usinas hidráulicas foram cons- por cerca de 20% do total da energia características estão longe de estarem
truídas especialmente para produzir elétrica produzida no mundo. Embora universalmente disponíveis.
eletricidade, enquanto outras eram a participação percentual da hidreletri-
antigas rodas d’água – produtoras de cidade no total da produção de energia Alguns países e regiões são afortuna-
energia mecânica – convertidas para elétrica tenha diminuído, o montante dos por possuírem boa quantidade de
gerar energia elétrica. absoluto vem aumentando e, em mui- recursos hídricos; outros não têm tanta
tos países, o seu desenvolvimento é vi- sorte. Quando um país ou uma região
Mesmo nos primórdios da indústria gorosamente promovido. A capacidade possuem os recursos hídricos requeri-
da eletricidade já existia concorrên- instalada total excede os 800.000 MW dos, estes podem frequentemente ser
cia entre os métodos de geração de e, com os empreendimentos em im- aproveitados para proporcionar uma
energia elétrica – entre tecnologias que plantação, será empurrada para atingir ampla gama de benefícios duradou-
demandam o uso de combustíveis e mais de 1.000.000 MW (1 terawatt). Na ros... inclusive para produzir eletricida-
aquelas que não exigem. categoria cada vez mais importante de de que pode criar bases para o desen-
“energia renovável”, a hidreletricidade volvimento econômico generalizado.
O próprio Thomas Edison preferia ge- é de longe a fonte principal de geração
radores que utilizassem combustíveis. de eletricidade. Em muitos casos, a implantação de
Isto porque os sistemas de corrente instalações para produção da hidrele-
contínua, que ele inicialmente defen- Os motivos para a competição entre tricidade produz benefícios que podem
dia, podiam transmitir potência por a hidreletricidade e outras fontes de ser utilizados para anular “males” pre-
apenas curtas distâncias. O combus- geração de energia elétrica são bas- existentes – por exemplo, os “males”
tível, entretanto, podia ser levado até tante válidos. Muito embora a hidrele- decorrentes de devastadoras enchen-
os geradores. tricidade tenha muitas vantagens, são tes periódicas, ou da falta de fontes
(1)
Traduzido por José Ricardo da Silveira.
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