O documento analisa os primeiros meses de atividades da COSAÚDE, comissão responsável por avaliar novas tecnologias para tratamento do câncer no Brasil. Foram analisadas 22 tecnologias oncológicas, com 20 recomendações positivas e 18 de fato incorporadas ao rol da ANS. Apesar disso, a Dicol da ANS não seguiu em 10 situações as recomendações da COSAÚDE. Além disso, discute-se a composição e participação dos membros da comissão e o cumprimento dos
Cosaúde e o processo de incorporação de tecnologias oncológicas
1. COSAÚDE E O PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS ONCOLÓGICAS
Análises e reflexões Oncoguia
A Saúde Suplementar brasileira vem passando por mudanças estruturais nos últimos meses e anos,
principalmente no que diz respeito ao rol de cobertura mínima obrigatória dos planos de saúde e
dos processos de avaliação de tecnologia em saúde (ATS). O Oncoguia, orientado por sua missão de
defender os direitos dos pacientes com câncer, acompanha e participa de perto em todas essas
mudanças para garantir que as prioridades dos pacientes estejam sempre no centro das decisões.
Desde a sanção da Lei 14.307, de 3 de março de 2022, que mudou o processo de atualização do rol
da ANS para criar um procedimento mais atual e alinhado com os preceitos modernos da ATS,
temos participado da implementação junto à Agência e na recriação, com novo formato, da
Cosaúde. Tanto como membro titular, quanto como convidado, o Oncoguia esteve presente em
todas as reuniões técnicas, audiências públicas e participou seja com contribuições ou ampla
divulgação de todas as consultas públicas a respeito de tecnologias para o cuidado oncológico desde
dezembro de 2021.
Com isso, foram 09 reuniões, 09 consultas públicas e 05 audiências públicas entre dezembro/21 e
setembro/22.
É com base nessa experiência e expertise adquiridos ao longo dos anos que resolvemos fazer uma
análise dos primeiros meses de atividades da Cosaúde, incluindo nossas contribuições e reflexões
sobre o processo, baseados nos insumos gerados disponíveis publicamente. É importante ressaltar
que as informações contidas aqui são fruto do acompanhamento do Oncoguia e foram coletadas
pela nossa equipe a partir da participação nas reuniões e dos documentos divulgados pela ANS.
Primeiramente, vamos aos números brutos de análises da comissão, que ainda são poucos
divulgados e conhecidos. Foram analisados 30 processos de tecnologias pela Cosaúde, das quais 22
tinham indicação para o tratamento de pessoas com câncer. Olhando mais a fundo para as
tecnologias oncológicas, dos 22 processos analisados, 20 receberam recomendação final positiva
pela Cosaúde e 18 foram de fato incorporadas ao rol da ANS.
Sobre os números gerais:
- 30 processos
- 22 processos de oncologia
Sobre os números da oncologia:
- 22 processos de oncologia
- 20 com recomendação positiva pela Cosaúde
- 18 incorporadas no rol
- 4 tecnologias não incorporadas ao rol pela ANS
Na tabela abaixo, detalhamos esses números, com foco nas discussões sobre oncologia.
2. Tabela 1. Tecnologias para tratamento de câncer analisadas pela COSAÚDE até setembro de 2022
1ª reunião
COSAÚDE
Dicol da
ANS
2ª reunião COSAÚDE Dicol da ANS
Tecnologia Submis-
são
Data Recomen-
dação
Decisão
inicial
Data Recomen-
dação
Decisão final
Darolatumida 10/2021 18/01 Positiva Positiva 15/03 Positiva Positiva
Regorafenibe (i) 10/2021 18/01
Votos
divididos Negativa 15/03 Negativa Negativa
Trifluridina +
cloridrato
tipiracila (i) 11/2021 22/02 Positiva Positiva 20/04 Positiva Positiva
Trifluridina +
cloridrato
tipiracila (ii) 11/2021 22/02 Positiva Positiva 20/04 Positiva Positiva
Erdafitinibe 11/2021 23/02 Positiva Negativa 19/04 Negativa Negativa
Apalutamida 12/2021 16/03 Positiva Negativa 30/05 Positiva Positiva
Lorlatinibe (i) 12/2021 17/05 Positiva Negativa 12/07 Positiva Positiva
Acalabrutinibe (i) 12/2021 16/03 Positiva Positiva 30/05 Positiva Positiva
Acalabrutinibe (ii) 12/2021 16/03 Positiva Positiva 30/05 Positiva Positiva
Acalabrutinibe (iii) 12/2021 16/03 Positiva Negativa 30/05 Positiva Positiva
Enzalutamida 12/2021 16/03 Positiva Negativa 30/05 Positiva Positiva
Cabozantinibe 11/2021 22/02 Negativa Negativa 20/04 Positiva Negativa
Brigatinibe 11/2021 23/02 Positiva Positiva 19/04 Positiva Positiva
Venetoclax 11/2021 22/02 Positiva Positiva 19/04 Positiva Positiva
Gilteritinibe 01/2022 19/04 Positiva Positiva 14/06 Positiva Positiva
Lorlatinibe (ii) 02/2022 16/03 Positiva Positiva 17/05 Positiva Positiva
Abemaciclibe 02/2022 17/05 Positiva Negativa 12/07 Positiva Positiva
Radioembolização
hepática (i) 03/2022 14/06 Positiva Positiva 17/08 Positiva Positiva
Radioembolização
hepática (ii) 03/2022 14/06
Votos
divididos Negativa 17/08 Positiva Negativa
Olaparibe (i) 03/2022 14/06 Positiva Positiva 17/08 Positiva Positiva
Olaparibe (ii) 03/2022 14/06 Positiva Positiva 17/08 Positiva Positiva
Regorafenibe (ii) 04/2022 12/07 Positiva Positiva 14/09 Positiva Positiva
Sim, temos muitos novos medicamentos disponíveis para os pacientes
3. Analisando os dados, percebemos que houve uma importante atualização do rol da ANS no que
diz respeito à inclusão de novos tratamentos oncológicos – uma taxa de quase 80% de
incorporação.
Sobre o papel da Cosaúde nas decisões de incorporação
Vale ressaltar e fazer uma reflexão sobre o peso que as discussões geradas na Cosaúde vêm tendo, o
que serve de base para a tomada de decisão pela Diretoria Colegiada (Dicol) da ANS. Temos pelo
menos 10 situações na qual mesmo com votações favoráveis pela comissão a Dicol optou por não
seguir a recomendação da Cosaúde e encaminhou o processo contrariamente (dentre
recomendações preliminares e finais), mostrando que discorda da posição da comissão com alguma
frequência. O mesmo não acontece por exemplo com a Conitec, que avalia as tecnologias para o
SUS, e o Ministério da Saúde segue sempre acatando as recomendações. Fica aqui a pergunta: Qual
é, afinal, o peso que uma recomendação da Cosaúde têm na decisão final da Dicol? Consideramos
de fundamental importância essa resposta para que possamos de fato compreender e acompanhar
todo processo.
Outro ponto que merece um aprofundamento é quanto a atual composição da Cosaúde e a
participação de seus membros. Atualmente, a Cosaúde é formada pelas mesmas organizações que
compõem a Câmara de Saúde Suplementar da ANS (CAMSS). Como um espelho da CAMSS, as 39
organizações que a compõem foram convocadas para indicar seus representantes para a Cosaúde,
porém sabemos que nem todas o fizeram até o momento da elaboração deste relatório. Dentre as
39 organizações que compõem a Cosaúde, apenas 09 tiveram 100% de presença em todas as
reuniões técnicas, segundo nosso levantamento com base nas deliberações públicas durante as
reuniões. A relação de organizações que compõem a CAMSS e a Cosaúde pode ser acessada aqui.
Esses dados nos mostram o quanto a discussão está concentrada em algumas poucas organizações
que se colocam no centro do processo, enquanto as demais acabam participando apenas de
forma pontual na fase de deliberação. Com isso, é impossível não questionar a necessidade, a
validade e até mesmo a composição da comissão. Será que selecionamos os melhores
representantes para essas discussões? Será que a composição real, de organizações que participam
das reuniões, é representativa de todos os interessados? Quem não tem participado, não deveria
abrir mão de sua cadeira para deixar quem tem de fato interesse em utilizar esse espaço? Não
deveríamos pensar em um quórum mínimo representativo e justo para essas discussões?
Sobre o cumprimento dos prazos
Outro ponto importante que analisamos em relação às atividades da Cosaúde foi o tempo de
análise das tecnologias. Esse foi um fator importante de discussão no Congresso Nacional durante o
processo de aprovação da Lei 14.307/2022, que criou a comissão, tendo em vista a preocupação da
própria ANS em relação a dificuldade de cumprimento de prazos muito curtos. A Agência reiterou
algumas vezes que esse é um processo novo ao qual está se adaptando e por isso talvez não
conseguisse cumprir prazos menores que os da Conitec (180 dias prorrogáveis por mais 90).
Levando isso em consideração, a Lei foi aprovada com o prazo máximo de análise igual ao da
Conitec, com exceção para as tecnologias oncológicas, que devem ser priorizadas e analisadas no
prazo máximo de 120 dias prorrogáveis por mais 60.
4. Após 09 meses de atividade da comissão realizando essas análises, é possível ver o empenho da
equipe da Agência em conseguir cumprir os prazos determinados. Em relação às discussões de
oncologia, essas tecnologias foram de fato priorizadas e todas analisadas dentro de 6 meses -
algumas inclusive cumprindo 5 meses (9 de 22 foram finalizadas em 5 meses). Nenhuma
tecnologia oncológica ultrapassou o tempo máximo previsto, o que acarretaria em inclusão
automática segundo a Lei.
Agora, como próximo passo para avanço das análises pela Cosaúde, fica o desafio para a equipe de
pareceristas e secretaria executiva da comissão em diminuir o tempo de análise dessas tecnologias
para cumprir o prazo sem a necessidade de prorrogação. Dentre as 22 tecnologias oncológicas
analisadas até setembro, todas utilizaram 1 ou 2 meses de prorrogação, o que, em um processo de
adaptação do formato da comissão, é compreensível e esperado. Agora, partimos para o desafio de
conseguir chegar em uma decisão final em 4 meses, o que poderia ser iniciado com tecnologias
mais simples ou de maior consenso. A seguir, seguem as informações dos prazos sobre as
tecnologias já analisadas.
Tabela 3. Tempo de análise e priorização de tecnologias para a oncologia
Tecnologia Submissão Decisão final
da ANS
Meses corridos
do processo
Prazo limite
Darolatumida 10/2021 03/2022 5 04/2022
Regorafenibe (i) 10/2021 03/2022 5 04/2022
Trifluridina + cloridrato tipiracila (i) 11/2021 05/2022 6 05/2022
Trifluridina + cloridrato tipiracila (ii) 11/2021 05/2022 6 05/2022
Erdafitinibe 11/2021 05/2022 6 05/2022
Apalutamida 12/2021 06/2022 6 06/2022
Lorlatinibe (i) 12/2021 06/2022 6 06/2022
Acalabrutinibe (i) 12/2021 06/2022 6 06/2022
Acalabrutinibe (ii) 12/2021 06/2022 6 06/2022
Acalabrutinibe (iii) 12/2021 06/2022 6 06/2022
Enzalutamida 12/2021 06/2022 6 04/2022
Cabozantinibe 11/2021 05/2022 6 05/2022
Brigatinibe 11/2021 05/2022 6 05/2022
Venetoclax 11/2021 05/2022 6 05/2022
Gilteritinibe 01/2022 07/2022 6 7/2022
Lorlatinibe (ii) 02/2022 07/2022 5 08/2022
Abemaciclibe 02/2022 07/2022 5 08/2022
Radioembolização hepática (i) 03/2022 08/2022 5 09/2022
Radioembolização hepática (ii) 03/2022 08/2022 5 09/2022
Olaparibe (i) 03/2022 08/2022 5 09/2022
Olaparibe (ii) 03/2022 08/2022 5 09/2022
Regorafenibe (ii) 04/2022 09/2022 5 10/2022
5. E agora que temos um "rol paralelo"?
Por fim, motivados pela discussão recente que culminou na aprovação da Lei do “rol paralelo”,
como tem sido chamada, e pelo foco dado nas discussões de agências de ATS de renome
internacional, levantamos também dados sob esse viés. Segundo a Lei 14.454/2022, as tecnologias
que não foram analisadas pela Cosaúde, mas que tem recomendações favoráveis de “agências
internacionais de referência”, podem ser cobertas pelos planos de saúde. Com base nisso,
levantamos quais as principais agências referenciadas nas discussões oncológicas da Cosaúde,
relacionadas abaixo.
Tabela 4. Agências de ATS estrangeiras utilizadas de referência nas análises em oncologia da
COSAÚDE por número de vezes que foram citadas
Agência Nº de vezes citada
NICE (Reino Unido) 19
CADTH (Canadá) 15
PBA (Austrália) 14
SMC (Escócia) 9
GBA (Alemanha) 2
HAS (França) 1
Conhecemos as agências que são referências
As agências de ATS mais referenciadas nos dossiês e pareceres da Cosaúde têm sido de países com
sistemas que priorizam a universalidade, assim como o brasileiro: Reino Unido, Canadá e Austrália.
É de grande importância termos instituições de referência para apoiarem a análise de coberturas
extra-rol a partir de discussões internacionais sobre tecnologias. Conhecer e definir essas agências
pode ser um primeiro passo, uma vez que já vêm ocupando esse espaço nas discussões da própria
definição do rol da ANS no que diz respeito ao cuidado oncológico.