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GOD OF WAR: RAGNARÖK
GOD OF WAR: RAGNARÖK
Junte-se a Kratos em
Junte-se a Kratos em Tormenta20
Tormenta20!
!
TOOLBOX
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Como manter seus herois motivados
Como manter seus herois motivados
MONSTERCHEFE
MONSTERCHEFE
A festa acabou de começar!
A festa acabou de começar!
DRAGAO
DRAGAO
BRASIL
CONTO
CONTO
A Ilha dos Demônios,
A Ilha dos Demônios, de
de Rafaela S. Polanczyk
Rafaela S. Polanczyk
PEQUENAS AVENTURAS
PEQUENAS AVENTURAS
Abrigue-se no crânio de gigantes
Abrigue-se no crânio de gigantes
Desvende
Desvende
Bielefeld neste
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grande preview
grande preview
do
do Atlas de Arton
Atlas de Arton!
!
ANO 18 • EDIÇÃO 186
CHEFE DE FASE
CHEFE DE FASE
NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO
NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO
BREVES JORNADAS
BREVES JORNADAS
ALCANCE O TOPO DA TORRE PIRATA, SE FOR CAPAZ!
ALCANCE O TOPO DA TORRE PIRATA, SE FOR CAPAZ!
RESENHAS
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INTERVIEW WITH THE VAMPIRE
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• A ARTE DE ABATER ANCIÕES
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• GOW: RAGNARÖK
GOW: RAGNARÖK
O REINO DOS CAVALEIROS
O REINO DOS CAVALEIROS
CHEFE DE FASE
CHEFE DE FASE
NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO
NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO
BREVES JORNADAS
BREVES JORNADAS
ALCANCE O TOPO DA TORRE PIRATA, SE FOR CAPAZ!
ALCANCE O TOPO DA TORRE PIRATA, SE FOR CAPAZ!
RESENHAS
RESENHAS
INTERVIEW WITH THE VAMPIRE
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• A ARTE DE ABATER ANCIÕES
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• GOW: RAGNARÖK
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BIELEFELD
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O Reino dos Cavaleiros
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TOOLBOX
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Como manter seus herois motivados
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MONSTERCHEFE
MONSTERCHEFE
A festa acabou de começar!
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CONTO
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A Ilha dos Demônios,
A Ilha dos Demônios, de
de Rafaela S. Polanczyk
Rafaela S. Polanczyk
PEQUENAS AVENTURAS
PEQUENAS AVENTURAS
Abrigue-se no crânio de gigantes
Abrigue-se no crânio de gigantes
DRAGAO
DRAGAO
ANO 18 • EDIÇÃO 186
GOD OF WAR: RAGNARÖK
GOD OF WAR: RAGNARÖK
BRASIL
~
~ Junte-se a Kratos
Junte-se a Kratos
em uma jornada
em uma jornada
nórdica em
nórdica em
Tormenta20
Tormenta20!
!
O que ainda há para ser dito
sobre Samuel Marcelino, autor
da capa deste mês? Não sei, mas
é bom pensarmos logo, porque
ele não vai embora tão cedo!
Nosso Cavaleiro da Mantícora,
que vaga pelo reino de Bielefeld,
é uma boa prova disso!
A CAPA
A CAPA
46
46 Gazeta do Reinado
Gazeta do Reinado
Conheça o novo reitor da Academia Arcana
48
48 Caverna do Saber
Caverna do Saber
Distinções: o lendário Cavaleiro Silvestre
52
52 Conto
Conto
A Ilha dos Demônios, por Rafaela S. Polanczyk
72
72 Breves Jornadas
Breves Jornadas
Em busca do tesouro da Torre Pirata!
78
78 Monster Chefe
Monster Chefe
O inimigo da festa chegou
82
82 Bielefeld
Bielefeld
Uma prévia quentinha do Atlas de Arton
98
98 Gloriosos Diários
Gloriosos Diários
Fim dos Tempos direto da CCXP
100
100 Pequenas Aventuras
Pequenas Aventuras
Nesta edição, faça escolhas de quebrar a cabeça
102
102 Chefe de Fase
Chefe de Fase
O Príncipe Submarino invade o RPG
106
106 Liga dos Defensores
Liga dos Defensores
Evoluindo e aprendendo em 3DeT Victory!
4
4 Notícias do Bardo
Notícias do Bardo
Ghanor RPG e tudo que aconteceu na CCXP 2022!
8
8 Resenhas
Resenhas
Interview with the Vampire, A arte de abater
anciões, God of War: Ragnarök
11
11 Sir Holand
Sir Holand
Metas de ano novo nem sempre são fáceis
12
12 Supremo Tribunal Regreiro
Supremo Tribunal Regreiro
Todos de pé! Confira a súmula de dezembro de 2022
16
16 Dicas de Mestre
Dicas de Mestre
Enganações que gostamos
19
19 Calabouço Tranquilo
Calabouço Tranquilo
Ah... os milagres do Natal
20
20 Arquivos Secretos
Arquivos Secretos
O terror de Stephen King direto para sua mesa
26
26 God of War: Ragnarök
God of War: Ragnarök
Reinos, raças e origens para Tormenta20!
38
38 Toolbox
Toolbox
Por que os heróis fazem o que fazem?
Editora-Chefe
Karen Soarele
Editor-Executivo
J.M. Trevisan
Colunistas
Felipe Della Corte
Leonel Caldela
Rafael Dei Svaldi
Thiago Rosa
Colaboradores
Textos: Ana Carolina Gonçalves, Bruno
Schlatter, Daniel Duran, Dan Ramos,
Davide Di Benedetto, Glauco Lessa,
João Paulo “Moreau do Bode”Pereira,
Marcelo Cassaro, Marlon Teske, Rafael
Dei Svaldi, Rafaela S. Polanczyk,
Vinicius Mendes
Arte: Cássia Bellmann, Edh Muller,
Eduardo Medeiros, Enrico Tomasetti,
Leonel Domingos, Samuel Marcelino,
Sandro Zambi, Vitor Louzada
Diagramação: Cássia Bellmann
Revisão: Elisa Guimarães, Guilherme
e Rafael Dei Svaldi, Vinicius Mendes
Extras
Edição do podcast: Adonias Marques
Fundo de tela: Samuel Marcelino
HQ: Ricardo Mango
Mapa de batalha: Filipe Borin
D
DR
RA
AG
GAO
AO
BRASIL
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Toda vez que eu começo a escrever um editorial,
tento seguir algumas diretrizes. Duas delas são: ser
sincero no que eu digo e não me repetir demais nos
temas. Nesta edição de dezembro, entretanto, vai ser
difícil não quebrar a segunda regra. Porque é quase
impossível, se não injusto, chegar em dezembro e não
fazer um editorial de agradecimento.
Não é novidade para ninguém que os últimos anos foram difíceis,
porque eles foram difíceis para todo mundo (ok, existe uma parcela muito
pequena da sociedade que com certeza sofreu menos, mas isso não é
assunto para esta página). Foi difícil para o consumidor, mas foi difícil
para quem produz também.
Atravessar o lamaçal destes dois (ou quatro) anos sem demissões, sem
queda de qualidade, mantendo a chegada de novos produtos exigiu, sem
falsa modéstia, muita habilidade, jogo de cintura e a capacidade de manter
a fidelidade de todos vocês.
Cada leitor precisou fazer escolhas difíceis quando o cinto apertou. Aos
que decidiram ficar com a gente, muito obrigado. Aos que abriram mão
com aperto no peito por necessidade, meu obrigado também. Todo mundo
já esteve do outro lado e sabe como é.
Depois de um fim de ano alucinante em termos de lançamentos, esperamos
ainda mais de 2023. Só a dupla Atlas de Arton e Ameaças de Arton já é
o suficiente para fazer todo mundo salivar. E, mais uma vez, como foi em
Tormenta20, vamos precisar da ajuda da comunidade. Mas com certeza
não vamos parar por aí.
A Jambô é cada vez mais uma editora organizada e preparada para
manter o posto que conquistou com muito esforço: o de maior editora de
RPG do Brasil. E esse não é nem o fim da nossa Jornada Heróica pessoal.
Ainda há muito o que conquistar.
Em janeiro saio de férias com a tarefa de trabalhar na pré-produção
do curta de Tormenta (e descansar um pouco, porque não sou de ferro).
Recebam bem o Thiago Rosa na edição do mês que vem!
Mais uma vez, muito obrigado a toda a equipe da editora e aos leitores
pelo ano incrível! Nos vemos em 2023!
PS. Daqui a um ano estaremos perigosamente perto da Dragão Brasil 200!
OBRIGADO!
Dragão Brasil é © 2016-22 Jambô Editora.
Apoie a Dragão Brasil
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E D I T O R I A L S U M Á R I O
Agora você pode viver suas aventuras no jogo de interpretação oficial do Nerdcast RPG: A Lenda de Ghanor RPG é um
manual completo para criar personagens, narrar aventuras e explorar os Sete Reinos. Estude tradições arcanas, governe seu
próprio feudo e, se ousar, enfrente um novo Devorador de Mundos: este RPG inclui 7 raças, 11 classes, 30 origens, 60 monstros
e mais de 100 itens mágicos, todos inspirados no Nerdcast RPG: Medieval e no universo de A Lenda de Ruff Ghanor, criados por
Jovem Nerd, Azaghal e Leonel Caldela. Além disso, Ghanor RPG tem um sistema totalmente compatível com Tormenta20: Edição
Jogo do Ano, o que permite que os jogadores usem os dois livros em conjunto. E não para por aí: você pode expandir a sua
jogatina com a Caixa de Luxo, que inclui um conjunto de dados excluivos, mapas de batalhas, escudo do mestre, marca-páginas
com regras adicionais e um pingente metálico em edição limitada de Ruff Ghanor! Saiba mais em ghanor.com.br.
4
O DESTINO DE GHANOR
O DESTINO DE GHANOR
ESTÁ EM SUAS MÃOS
ESTÁ EM SUAS MÃOS
N O T Í C I A S D O B A R D O
JAMBÔ NA CCXP!
JAMBÔ NA CCXP!
4 5
N O T Í C I A S D O B A R D O
6 7
N O T Í C I A S D O B A R D O N O T Í C I A S D O B A R D O
A série do clássico Entre-
vista com o Vampiro, livro
de Anne Rice que moderni-
zou os chupadores de san-
gue a partir dos anos 70,
não é tão fiel ao material
original, e talvez esse seja
o maior indício de que o
entendeu muito bem.
Adaptar uma obra renomada
sempre é um campo minado: se
for fiel demais, perde o potencial
da mídia nova e pode acabar
com um resultado truncado.
Se desviar demais, pode irritar
fãs apaixonados que vão se
incomodar porque a roupa do
personagem era pra ser verme-
lho sangue, não vermelho vinho.
Nesse sentido, Interview chuta o
balde: muda etnias, período histó-
rico e até alguns acontecimentos
essenciais da narrativa.
Louis, antes um latifundiário
escravocrata do final do século
XVIII, agora é um rapaz negro,
que construiu fortuna em atividades
questionáveis no começo do século XX.
Seu entrevistador, um jovem jornalista
ingênuo, agora idoso passando por
uma doença terminal, está fazendo sua
segunda entrevista com o vampiro.
Os fãs mais puristas podem torcer o
nariz a princípio, mas a bem da verdade,
as intervenções elevam a obra. Louis
ganha complexidade quando entra o
elemento racial (e poderes de leitura de
mente). Daniel Malloy cria dinâmicas mais
interessantes como jornalista experiente.
No mais, o que temos é uma mistura
de história de terror fantástico, com
uma história de terror real, no caso, o
relacionamento abusivo entre Louis e
Lestat. E ao contrário do que ocorreu
no antigo filme com Tom Cruise e
Brad Pitt, aqui eles são oficialmente
um casal disfuncional que tenta resolver
seus problemas adotando uma criança.
A produção visual da série é belíssima
e a direção não se leva mais a sério do
que deveria. Há referências ao cinema
de horror gótico e obras clássicas
sobre vampiros sem nunca cair
no pastiche. Há nojeira e efeitos
práticos com partes de corpo e
sangue falso. E para além disso,
os pontos realmente altos: roteiro,
direção e um elenco fenomenal.
Jacob Anderson deixa fácil
se encantar com Louis, facilmente
um dos protagonistas mais chatos
da literatura. Eric Bogosian é
um Daniel amargo e mordaz, o
tempo todo encurralando Louis
em suas contradições. Bailey
Bass é uma Cláudia que alia
monstruosidade e ingenuidade
de uma forma perturbadoramente
carismática. Mas quem leu Anne
Rice, sabe: a grande estrela de
sua obra é Lestat, e Sam Reid
brilha no papel. O personagem
consegue ser sedutor e amedron-
tador em igual medida, indo do
encanto à violência extrema em
questões de segundos.
Anne Rice’s Interview with the Vampire
é uma daquelas adaptações que deixam
bem claro que às vezes a melhor forma
de ser fiel ao espírito do material original,
é se afastando dele, e com a primeira
temporada acabando em mais um gan-
cho que modifica o original, seria mentira
dizer que não estou empolgado para ver
onde essa versão das criaturas das trevas
vai me levar.
VINICIUS MENDES
Só uma mordidinha!
INTERVIEW WITH THE VAMPIRE
Apesar do título chei-
rando a horror cósmico,
imagine uma coletânea de
contos fantásticos que pa-
recem escritos por Ray Bra-
dbury — o lendário autor de
Fahrenheit 451 e Crônicas
Marcianas — caso ele tives-
se levantado da cova. Está
tudo lá: o sentimento nos-
tálgico e agridoce, aplicado
aos mais diversos gêneros.
Ficção científica. Realismo
mágico. Surrealismo.
Fábio Ochôa é um autor
que pouca gente fora da cena
brasileira de quadrinhos reco-
nhece, mas conta com segui-
dores fiéis. Quem lê, respeita.
Tanto pela produção em escala
industrial de ficção-curta, quanto
pelas análises enciclopédicas de
cultura pop. Esta antologia co-
letou, pela primeira vez, contos
escritos por ele ao longo de mais
de trinta anos, espalhados em
sites nerds e literários. É a obra
de um samurai da blogosfera na
Era Meiji das redes sociais.
Ochôa ganha o leitor logo de cara.
Tanto pela qualidade de sua prosa cirúr-
gico-telegráfica, quanto pela força bruta
de ideias nascidas a partir da mente de
alguém forjado na energia cocainômana
de mil redações publicitárias.
Aqui você encontrará de tudo,
mesmo. Por exemplo, a história de um
professor embarcando no trem errado
na estação ferroviária. O homem vai
parar em uma aldeia onde o sol nasce
Evento da literatura underground
A ARTE DE ABATER ANCIÕES
na forma dos olhos incandescentes de
um lobo gigante, mas esta fera imortal
precisa ser abatida todos os dias pelos
guerreiros locais para trazer o anoite-
cer. Há também o relato de um policial
do BOPE deparando-se com um portal
do tempo, e resolvendo utilizá-lo para
a desova dos cadáveres de pessoas
executadas. Ou ainda a resposta para
a pergunta: o que aconteceu em Nova
Iorque após King Kong despencar do
alto do Empire Estate?
Porém, apesar de lembrar o
modelo “antológico” repopula-
rizado em tempos recentes por
séries de tevê como Black Mirror,
O Gabinete de Curiosidades e
Love Death + Robots, este não
é um simples aglomerado de
historietas avulsas. Não apenas
os melhores contos ochoanianos
foram selecionados, como pas-
saram por ímpar trabalho de
edição do próprio autor, artesa-
nalmente costurados dentro de
um multiverso.
Nenhuma novidade, mas
isto é realizado com competên-
cia mestra. A costura é quase
invisível, com padrõezinhos,
temas e personagens que vão
se repetindo ao longo das tra-
mas. Um efeito cumulativo que
vai crescendo em intensidade,
culminando no conto que dá
nome a compilação, tal qual um
quebra-cabeças montado até a
última peça.
Há pecadilhos. Meia dúzia de frases
aqui e ali escritas em tradutorês, ou um
personagem carioca que bebe cerveja
gaúcha. De resto, é um evento em forma
de livro. E pode não ser o equivalente li-
terário de um grande festival internacional
de música, é claro. Está mais para o show
daquela banda que ninguém conhece e
só você gosta…
Mas, caramba, como tocam bem!
DAVIDE DI BENEDETTO
8 9
R E S E N H A R E S E N H A
Depois de uma longa
espera, a franquia God
of War apresenta a conti-
nuação dos perrengues de
Kratos e Atreus pelos Nove
Reinos enquanto lidam com
os caprichos e os planos
maquiavélicos dos deuses
nórdicos. Usando todo o ar-
senal gráfico do PlayStation
5, Kratos tem que lidar com
um filho mais rebelde e com
deuses mais poderosos…
God of War: Ragnarök nos
leva de volta ao mundo nórdico
que Kratos aprendeu a chamar de
lar. Com o conhecimento de uma
profecia mórbida, a dupla de pai
e filho agora tem que lidar com
o olhar cada vez mais atento de
Odin a seus passos. Os gráficos
continuam maravilhosos, ainda
mais potentes com o hardware
da nova geração; os combates
seguem bem animados e extre-
mamente sanguinolentos, além
de mais desafiadores; e os diálogos
permanecem como um dos pontos mais
fortes dessa nova fase da franquia.
Há muitos momentos entre Kratos e
Atreus, mas Ragnarök vai além e apre-
senta novos companheiros de batalha
em certas situações. A continuação é
um prato ainda mais cheio para quem
gosta dos contos da mitologia nórdica.
Mundos ainda desconhecidos do primeiro
jogo marcam presença no segundo, tanto
geográfica quanto narrativamente. Ainda
há tempo de visitar cenários familiares,
como a fria Midgard.
Seguindo a onda de jogos AAA com
exploração por meio de missões principais
e secundárias, God of War Ragnarök apre-
senta algumas sidequests bem interessantes
que aprofundam o passado dos persona-
gens e revelam mais dos Nove Reinos.
No entanto, ainda há algumas missões
bem dispensáveis, úteis apenas para os
jogadores que caçam troféus e querem
platinar o jogo. Já as principais são as
responsáveis por fazer a história do jogo
brilhar — quem se surpreendeu com as
revelações do primeiro jogo pode esperar
por mais reviravoltas impressionantes.
Como o título indica bem, a
trama gira em torno — bem lite-
ralmente — da inevitabilidade das
profecias, e o quanto é possível
controlar e mudar o próprio des-
tino. Kratos já enfrentou deuses e
lidou até com as Fúrias, mas dessa
vez quer apenas proteger o próprio
filho de uma guerra sem sentido,
em vez de causar uma. Isso o leva
a se abrir mais com os outros per-
sonagens e contar acontecimentos
de jogos mais antigos, quando se
tornou um deus da guerra e cha-
cinou um panteão inteiro. Apenas
em Ragnarök os companheiros de
Kratos ganham total dimensão das
marcas e arrependimentos que o
espartano carrega, e como isso o
torna tão avesso a guerras e con-
frontos contra outros deuses.
Personagens queridos como
Mimir e Freya também confron-
tam os demônios do próprio
passado, inevitavelmente lidando
com as consequências de suas
ações. Personagens novos cativantes
adicionam ainda mais tensão e risco à
trama. Se no primeiro jogo dessa nova
fase os inimigos não eram tão óbvios,
em Ragnarök os vilões são ainda mais
ambíguos e misteriosos.
God of War Ragnarök aproveita tudo
que deu mais certo no primeiro jogo, sem
buscar reinventar a roda, mas aprimoran-
do toda a experiência e proporcionando
um jogo melhor que o anterior em todos
os sentidos.
GLAUCO LESSA
Eu me desenvolvo e evoluo com meu filho…
GOD OF WAR: RAGNARÖK
10
R E S E N H A
1) Qual é a explicação da ação de
“reempunhar um arco longo”? Por
regra ela existe, mas a cena em si é
meio estranha, já que você segura
um arco apenas com uma mão e a
outra está livre, afinal você está sem-
pre a usando para puxar flechas, o
que exige muito movimento da outra
mão. Do jeito que está, se alguém
usar essa outra mão para pegar uma
poção, depois precisa “reempunhar”
o arco de alguma forma. É até difícil
narrar uma cena assim, afinal a mão
que vai ser reempunhada está tão
livre que você consegue usá-la para
puxar uma flecha e depois a colocar
no arco.
Todos em pé! Os Exmos. Ministros do STR avaliaram as petições enviadas pelos conselheiros da Dragão
Brasil e estão prontos para dar seus pareceres.
Apresentamos extraordinariamente uma mudança de cadeiras nesta seção. Esta súmula ainda contém respostas
debatidas, deliberadas e formuladas por todos os participantes do Supremo Tribunal Regreiro, mas agora elas
serão redigidas aqui pelos Exmos. Ministros Thiago Rosa Moreira, presidente do Sindicato Furtivo, e Rafael
Dei Svaldi, fundador e presidente do Magistério Monstrográfico.
Caso você seja um conselheiro da revista, procure pelo post fixo no grupo fechado dos conselheiros no
Facebook para redigir sua petição. Caso não seja, considere tornar-se um, mudando seu nível de apoio para
ter suas súplicas atendidas neste tribunal.
SÚMULA DE DEZEMBRO / 2022
2) Uma criatura Média pode
agarrar uma criatura Colossal?
Como os valores de ataque sobem
muito, é bem comum em nível alto
alguém agarrar um colosso su-
premo ou algo assim, mas é uma
cena um tanto estranha, afinal a
pessoa agarra um dedo do pé do
colosso, e ele para. Pior ainda, um
lutador usando Imobilizar em um
Colosso Supremo.
— Cons. Julio Cesar
Excelentíssimo conselheiro Julio Ce-
sar, muito obrigado pela sua missiva!
Sem mais delongas, vamos direto para
suas respostas.
1) Empunhar uma arma não significa
apenas segurá-la, mas sim assumir uma
postura adequada para seu uso. Caso a
mão seja usada para pegar outros itens
ou até mesmo empunhar outras armas,
essa postura fica comprometida. O uso
da ação de movimento para reempunhar
representa esse ajuste. Lembre-se, porém,
que caso seja possível sacar a arma como
ação livre (por exemplo, através do poder
Saque Rápido) a ação de reempunhar
também é feita como ação livre.
2) Sim, apesar de que o mestre pode
proibir a ação caso a ache sem cabi-
mento. Personagens de tamanho humano
agarrando e imobilizando monstros
gigantescos é algo comum em histórias
lendárias, figurando entre os feitos de
heróis como Hércules.
• • •
Os poderes de paladino Aura
de Cura e Cura Pelas Mãos podem
curar um companheiro osteon?
— Cons. Paulo Vinicius
Paladiníssimo conselheiro Paulo Vi-
nicius, a resposta é sim e não. Aura de
Cura não é um efeito de luz e, portanto,
pode afetar osteons. Cura Pelas Mãos,
porém, é um efeito de luz e portanto não
pode curar osteons.
• • •
1) A magia Mão Poderosa de
Talude cria uma mão flutuante
entre o conjurador e um oponen-
te. Essa mão pode realizar certas
atividades de acordo com a von-
tade do conjurador, mas uma em
especial gerou uma dúvida em
uma discussão com amigos: a
ação “agarrar”. Diferente da des-
crição da ação “empurrar”, que
deixa claro que a mão empurra
o oponente até o alcance máxi-
mo da magia, não é dito se esse
oponente deve estar adjacente ao
conjurador ou se a ação agarrar
pode ser feita à distância. Além
disso, também não é dito se a
mão orbita o conjurador ou se é
materializada em um espaço vazio
e nem é dado para ela um valor
de deslocamento, Vocês poderiam
esclarecer esses pontos, por favor?
2) Gostaria de saber como fun-
ciona um Campo Antimagia com
armas de ataque a distância. No
FAQ 1.2 foi informado que conju-
radores podem lançar magias para
fora de seu Campo Antimagia, mas
e se o jogador atirar de dentro de
um Campo Antimagia contra um
alvo que esteja fora do campo
usando uma arma mágica de dis-
paro? E se ele atirar contra um alvo
que esteja dentro de um Campo
Antimagia usando a mesma arma
enquanto está do lado de fora?
— Cons. Gilmar Burato
Arcaníssimo conselheiro Gilmar, va-
mos às suas respostas!
1) A mão é conjurada em um espaço
a escolha do conjurador, dentro do al-
cance da magia e entre o conjurador e
um oponente escolhido pelo conjurador.
Dentro destes limites, ela pode tanto
agarrar quanto empurrar o oponente
escolhido dentro do alcance da magia,
por isso ela não necessita de um valor
de deslocamento. Na prática, com uma
ação de movimento o conjurador faz
com que a mão alcance o oponente
em qualquer lugar (novamente, dentro
do alcance da magia). Por fim, quando
faz a ação empurrar, a mão não está
limitada por seu deslocamento; ela
empurra o oponente tanto quanto o
resultado de seu teste permitir, até o
alcance máximo da magia.
2) Recentemente, os membros do
STR optaram por uma nova interpre-
tação do texto de Campo Antimagia,
que será incorporada à nova versão
do FAQ. Com essa nova interpretação,
um conjurador não pode lançar magias
dentro do Campo. Quanto a armas
de disparo, o poder de itens mágicos
é apenas suprimido pelo campo. Ou
seja, um alvo fora do campo é afetado
pelos encantamentos, um alvo dentro
do campo não é afetado por eles. A
critério do mestre, inclusive, qualquer
efeito que afete testes de ataque não se
aplicaria se o atirador estiver dentro do
campo antimagia.
• • •
Qual seria a ação necessária
para trocar a empunhadura de
uma arma adaptável? Por exemplo,
para trocar entre empunhar uma
espada bastarda com uma mão
para empunhar a mesma espada
bastarda com as duas mãos?
— Cons. Lucas Waterkemper Alberton
Marcialíssimo conselheiro Lucas, a
ação necessária é uma ação de movi-
mento, de forma similar a reempunhar
uma arma de duas mãos (T20 página
142). Porém, caso a arma em questão
possa ser sacada como uma ação livre
(por exemplo, caso o usuário tenha o
poder Saque Rápido), a empunhadura
pode ser trocada como uma ação livre.
• • •
Algumas dúvidas que surgiram
em uma mesa que mestro:
1) A ativação dos poderes Ar-
madilha e Marca da Presa, ambos
de Caçador, é considerada uma
ação chamativa para efeitos de
Furtividade?
2) Uma criatura sob efeito de
Marca da Presa que caia em uma
armadilha de espinhos recebe o
dano extra da Marca da Presa?
— Cons. Everton Vieira Martins
Excelentíssimo arapuqueiro e conse-
lheiro Everton, vamos às suas respostas!
1) A perícia Furtividade indica que
“Esconder-se é uma ação livre que você
só pode fazer no final do seu turno e
apenas se terminar seu turno em um lugar
onde seja possível se esconder. (...) Se
tiver atacado ou feito outra ação muito
chamativa, sofre –20.” A definição de
ações muito chamativas é deixada em
aberto justamente para dar margem aos
mestres para tomar decisões em situações
específicas. A resposta final desse tipo de
12 13
pergunta sempre caberá primariamente
ao mestre da mesa em questão. Porém,
Marca da Presa é uma ação que depende
exclusivamente do caçador e não exige
gestos nem palavras. Parece bem razoável
considerá-la uma ação mais discreta. Os
poderes de Armadilha, por outro lado, en-
volvem uso de vários artifícios com grande
potencial para fazer barulho. É razoável
considerá-los uma ação muito chamativa.
Porém, lembre-se que você sempre pode
argumentar com seu mestre — talvez o seu
caçador tenha pedido ajuda ao inventor
do grupo para lubrificar as peças, tornan-
do sua armadilha
menos barulhenta.
2) Sim. Marca da Presa se aplica
a todas as rolagens de dano contra a
criatura afetada.
• • •
Olá, venho tirar outra dúvida e já
deixo minha gratidão pela resposta.
Como efeitos de teleporte inte-
ragem com a condição agarrado?
Um arcanista agarrado é capaz de
se teleportar, ou mesmo passando
nos dois testes ele ainda seria in-
capaz de sair dessa situação?
— Cons. Fagner Ferreira
Excelentíssimo conselheiro Fagner, sua
pergunta é capaz de fazer Noturno dos
X-Men fazer BAMF e deixar para trás uma
pequena nuvem de enxofre!
Antes de mais nada, lembre-se que
estar agarrado é considerado uma con-
dição terrível para lançar magias (T20
página 171). Ou seja, o arcanista do
exemplo precisa ter sucesso em um teste
de Vontade com CD 20 + custo em PM
da magia de teleporte para poder lançar
a magia. Caso tenha sucesso, porém,
escapa da condição agarrado.
14
D I C A S D E M E S T R E
Nem tudo
Nem tudo
precisa ser
precisa ser
verdade dentro
verdade dentro
do mundo de jogo!
do mundo de jogo!
Muito tenho ouvido, em minhas incursões no Reinado,
de um fabuloso país no extremo leste de Arton governado,
com garras de ferro, por um imenso dragão vermelho. Veja,
não se trata de força de expressão. Vez por outra registra-se
suas visitas à capital de Deheon em forma élfica, mas se
tem em certeza de que se trata do Dragão-Rei Sckhar, em
carne, osso e fogo vulcânico, tendo inclusive o reino sido
derivado de seu nome. Pois eu digo, sem sombra de dúvida:
tal coisa não existe.
Veja: dragões, por mais inteligentes e ardilosos que sejam,
ainda não passam de feras gananciosas e individualistas
demais para governar seres vivos, ainda que lhes trate como
gado de abate. Mesmo assim, um dragão jamais se preocu-
paria em cuidar de suas manadas, ao invés de apenas lhes
dar caça. Sei que há, pelas vastidões dessa terra, criaturas
deste tipo que ativamente são chamadas de Dragão-Rei…
mas é apenas uma classificação taxonômica, e a correlação
filosófica desse termo é apenas um disparate.
Imagino, com certa irreverência, por quanto tempo um
dragão suportaria a política e intriga do jogo dos tronos antes
de cozinhar viva a corte com seu sopro de fogo. Dizem que
a criatura vê a nação como seu tesouro pessoal de covil, mas
é absurdo sequer cogitar que Sckhar admitisse não controlar
pessoalmente cada moeda de ouro em que deita em cima…
afinal, não pode jamais enxergar toda a extensão de seu
reino em um mero virar de pescoço.
O mais provável é que, assim como os reis de antiga-
mente, este tirano de linhagem antiga, muito possivelmente
um mago fugido de Lenórienn, tenha se apossado de uma
forma divina metafórica. Outrossim, não é incomum que
humanos e demais raças inferiores se refiram a seus senhores
feudais como animais graças às criaturas representadas em
sua heráldica, especialmente os mais nobres e lendários.
Portanto, senhores, até o dia em que eu testemunhar tais
escamas régias com meus próprios olhos, afirmarei catego-
ricamente que essa não passa de mais uma das fantasias
imaginativas vindas dos recantos distantes.
– Relatório de campo n. XXIII do Ano de Tauron de 14XX,
pela mão do Coronel de Campo Darrakis do Sexto Batalhão
de Subterfúgio Raízes da Oliveira
Vivemos em um mundo repleto de
lendas, superstições e tradições.
Desde os tempos mais primórdios, o ser
humano aprendeu a criar explicações
sobrenaturais para o que não entendia
e, nos períodos históricos que inspiram
a fantasia medieval, lendas e fábulas
eram parte do cotidiano. Fenômenos
estranhos ainda inexplicáveis para a
ciência, doenças estranhas à medicina
contemporânea, entre outros.
Tudo ganhava contornos fantasiosos: vampiros se escon-
diam na escuridão dos becos. Demônios podiam entrar pela
sua janela. Trolls espreitavam sob as pontes. Certas doenças
eram obras de fadas. A noite é escura e cheia de terrores,
como diria uma certa senhora de Game of Thrones. No livro
Devoradores de Mortos, o navio dos protagonistas confronta
um monstro marinho grotesco (nada mais que uma baleia).
Povos atribuíam características sobrenaturais ou mitológicas
a pessoas de lugares distantes, fósseis de dinossauros deram
origem aos dragões e um sem número de animais fantásti-
cos surgiram de descrições exageradas ou inventadas por
viajantes. Isso sem falar nas sociedades inseparáveis de sua
mitologia, como a greco-romana e a escandinava.
A fantasia medieval literária e do RPG é, em maior ou
menor grau, a solidificação desses medos e lendas. Temos
gente que realmente solta fogo pelas mãos. A floresta está
mesmo cheia de monstros. O fantasma da casa mal-assom-
brada pode muito bem ser… um fantasma, ou alguma outra
criatura horripilante. Costumamos considerar verídico tudo que
é descrito nos cenários de campanha porque eles são quase
sempre a “versão verdadeira” das coisas para a pessoa que
vai mestrar não se perder. Mesmo se algo é deixado vago,
mal explicado ou como parte de lendas e boatos, o público
costuma pedir a explicação real.
Quem não queria saber de onde veio a Tormenta? A
internet está entupida de teorias sobre as Grandes Verdades™
de obras como Dragon Age e The Witcher (sem falar nas que
já foram reveladas). Em Castelo Falkenstein, Sherlock Holmes
coexiste com seu criador Sir Arthur Conan Doyle, e o
Japão é governado por dragões imperadores.
Sim, no RPG, o mundo é seu e você muda o que quiser.
Eu sei. Mas muitos de vocês se sentem presos ao cânone do
cenário, especialmente se ele tem bastante suporte. Minha
proposta aqui é te ajudar a se rebelar, mas sem deixar seu
jogo desatualizado!
17
DENTRO DA FANTASIA
A FANTASIA
D I C A S D E M E S T R E
Com o tempo, porém, fui percebendo que na verdade
eu podia ter a liberdade que quisesse dentro de qualquer
cenário de campanha ao considerar minhas alterações o meu
headcanon (termo que indica uma crença pessoal sobre a
história que não foi demonstrada oficialmente; ou seja, algo
que acontece apenas na cabeça do fã), mantendo as versões
oficiais das coisas sempre como uma das muitas possibilidades
de verdade. Meio confuso, eu sei, mas me deixa explicar.
Como dito anteriormente, mesmo em um mundo de
fantasia, ainda podemos deixar algumas coisas como fruto
de exageros de uma história que passa por muita gente
(seja por distâncias ou através de gerações). Lendas e
mitologia podem ser parte de um povo, histórias para
ensinar crianças e formar valores. Fantasia ainda pode
ser criada para desinformar inimigos, esconder verdades
ou alguma outra forma de propaganda… igualzinho no
mundo real. Em Dragonlance, cada raça do cenário tem
sua própria versão de como o mundo foi criado. Quem
está certo? Não importa.
Em Game of Thrones, como não há eventos mági-
cos e criaturas fantásticas há muito tempo, as pessoas
passaram a dizer que dragões, magia, snarks e gra-
mequins são como contos de fada (sim, a memória
do povo é curta). Ao longo da história, obviamente
descobrimos que a coisa não era bem assim. E ainda
há o costume de chamar as casas pelos animais do
brasão, de modo que você tem os lobos Starks, a lula
gigante Greyjoy, os leões Lannister, etc.
Até mesmo em mundos de alta magia, com
coisas fantásticas acontecendo no dia a dia da
população, é possível pensar na fantasia dentro da
fantasia. As pessoas tendem a achar que qualquer
coisa vagamente diferente do que estão acostuma-
das é um absurdo. Onde já se viu um goblin azul?
Todo mundo sabe que goblins são verdes. Que
história é essa que em Valkaria tem restaurantes
com o mesmo nome, especialmente um nome tão
estranho quanto “Castelo do Sabor”? Profecia da
Flecha de Fogo? Que lorota.
O interessante nessa abordagem é que você tem
os dois mundos, e pode aceitar tudo que o cenário
de campanha tem a oferecer sem se preocupar em
mudar o que gosta quando essa coisa realmente
for entrar na aventura. Você só precisa decidir o
que é verdade e o que não é na hora H. Como
nosso minotauro lá do começo, que provavelmente
já descobriu que Sckhar é beeem real…
Canon vs. Headcanon
Não consigo usar absolutamente nenhum material de RPG
sem mudar um monte de coisas. Tenho essa mania de deixar
tudo do meu jeitinho. Gosto de ter a base pra jogar meus
temperos, entende? Imagino que seja assim com boa parte
das pessoas que mestram RPG. Às vezes acho algo tosco e
altero, ou quero criar e detalhar alguma coisa que ainda não
foi explorada. É normal.
Só que isso sempre me trouxe duas preocupações: uma era
de fugir demais do material original e a coisa toda perder a
essência. A outra é que é muito tentador se manter ao cânone.
O cenário vai seguindo, aparecem novos materiais, o fandom
pira, e você não quer se sentir excluído.
(Já cheguei até a arranjar um problema pra comuni-
dade de Tormenta, porque meu mapinha pessoal cheio
de alterações foi parar na internet e um monte de gente
acabou sendo levada ao engano achando que era oficial.
Desculpa, quinteto!)
As belezas do retcon
Mas aí você mesmo fez o seu cenário, e tudo que eu
disse até agora não serve. Certo? Errado. Além de todos
os benefícios de poder criar histórias fantasiosas, confundir
os personagens dos jogadores, manter o cenário sempre
surpreendente e poder introduzir qualquer coisa a qualquer
momento na sua campanha sem a necessidade de ter falado
daquilo antes… você pode mudar o que quiser na hora que
quiser, inclusive no passado.
Às vezes alguém teve um dia ruim, faltou inspiração na
hora do jogo ou outra adversidade. Daí faz-se uma bes-
teira, uma briga desfaz o grupo, o TPK parece próximo,
uma dungeon é mal conduzida, as coisas saem do controle.
Geralmente dá pra contornar a situação ingame e/ou a coisa
acaba gerando novos plots e tudo fica bem. Às vezes, no
entanto, uma cena ou a campanha inteira é arruinada. O
clima fica ruim, a história vai sendo empurrada com a barriga
e encontra um fim precoce.
(Ou às vezes você só é como eu, incrivelmente desmemo-
riado, e vive esquecendo fatos e personagens do passado.)
Quando essas coisas acontecem, uma boa forma de salvar
o dia é o retcon (retroactive continuity). É um termo usado em
quadrinhos e outras obras de ficção, onde muda-se coisas
pregressas na história para preencher lacunas, consertar
problemas, explicar algo melhor e coisas do tipo.
Assumir que seu mundo de fantasia é um lugar cheio de,
bem, fantasia (perceba que eu evitei bastante o uso do termo
fake news durante todo o artigo) é uma forma excelente de
usar retcons, com a abordagem de que aquilo sempre foi assim
no cenário, mas os personagens dos jogadores tinham ouvido
falar de algo exagerado ou inverossímil. Dá até pra “voltar
no tempo” e “recontar” cenas que saíram ruins, melhorando
ou apagando algo que não deu certo na história.
Claro, tudo em comum acordo com os jogadores; muita
gente não gosta nadinha de retcons, mas eu sempre advogo
pela diversão do grupo. Então, talvez você até consiga con-
vencer os “incrédulos” a usar esse recurso narrativo, desde
que haja uma boa desculpa dentro do jogo.
E nem preciso dizer, mas vou dizer assim mesmo: use com
parcimônia. Minha dica aqui é guardar o retcon para coisas
importantes, como inserir raças de um suplemento novo no
mundo ou provocar os personagens dos jogadores com relatos
fabulosos sobre eventos cataclísmicos.
Ou ambos, não é, osteons?
DAN RAMOS
18 19
D I C A S D E M E S T R E
Dragon Age Inquisition:
Dragon Age Inquisition:
Solas enganou os deuses,
Solas enganou os deuses,
o povo e nós, jogadores
o povo e nós, jogadores
O SEGREDOS DO
MESTRE DO HORROR,
ATERRORIZANDO
SUA MESA DE
ORDEM PARANORMAL
INSPIRAÇÃO MACABRA
ARQUIVOS
SECRETOS
Na história da literatura, do cinema, das ani-
mações e séries, é difícil apontar um autor
específico como o grande mestre do horror, de
modo definitivo. O cara mais tenso na hora de
causar medo em todo mundo ou de te deixar
extremamente incomodado sem fazer muito
esforço. Aquele maluco capaz de te apavorar
com duas ou três linhas de texto, e de esculpir
na sua cabeça uma imagem mental que não vai
sair de lá por anos.
Sim, com candidatos como Clive Barker, Love-
craft, Edgar Allan Poe (só para ficar nos clássicos),
é difícil mesmo.
Para os outros. Para mim é bem fácil: o mestre é
Stephen King.
King vem, desde a década de 1970, destruindo as
almas e mentes que se atrevem a ler suas páginas, com
a naturalidade de quem dá a volta no quarteirão para
comprar pão e sorvete (quem compra pão e sorvete?
Não sei. Mas foi o que veio na hora).
Seu tom casual e familiar, sem enrolação desme-
dida, serve para aproximar o leitor de um jeito único,
inspirando muitos outros criadores, incluindo este
que vos fala. Sério, se você consumiu terror nos
últimos 40 anos, a impressão digital de Stephen King
está lá em algum lugar, mesmo que você nem tenha
se dado conta.
Assim, me parece muito lógico buscar dicas na mais
profunda das fontes na hora de criar sua campanha ou
aventura de Ordem Paranormal.
Segure seu amuleto preferido, porque é hora de
deixar a membrana mais fina e encarar os horrores
de frente!
ADEUS, VIDA NORMAL!
De certa forma, assim como em Ordem Paranormal,
na maior parte dos contos e livros de King, pessoas
comuns são arrastadas de encontro a acontecimentos
paranormais ou inexplicáveis e, até que se estabeleçam
nesta nova situação, criando mecanismos de reação e
defesa, precisam se virar para lidar com algo que até
então não fazia parte de suas vidas.
Sim, os personagens de Ordem têm ao seu lado a,
er, Ordem da Realidade. Mas não existe motivo que
nos impeça de extrair inspiração das obras do Mestre
Máximo do Terror.
Não custa avisar que este texto inevitavelmente
conterá vários spoilers, embora eu prometa tentar
não colocar nada que estrague a experiência. Eu sei
que é bem mais fácil assistir os filmes, mas se você
resolver ler as obras originais, me dê um toque no
Twitter. Eu vou gostar de saber.
A COISA
Em A Coisa, transformado em filme mais de uma
vez (para a surpresa de ninguém, o livro é melhor,
apesar de bem longo), um palhaço assassino assola a
cidade de Derry, matando em sua maioria crianças.
Sua tática é bem covarde: atrair os pirralhos com a
promessa de diversão e balões infinitos em um lugar
onde nada chato existe.
Bem no comecinho do filme, George Denbrough é
morto pelo monstro ao ser arrastado para um bueiro (a
cena é de cortar o coração). Os protagonistas são um
grupo de garotos, um deles é o irmão de George, que
prometem acabar com a criatura e se reunirem depois
de adultos para fazer o mesmo caso o horror volte um
dia. Um doce para quem adivinhar o que acontece.
V Em Ordem Paranormal: Não é difícil imaginar
uma situação em que os personagens determinam
a aventura da infância em seus históricos ou na
sessão zero, e são convocados para lidar com a
ameaça de novo depois de adultos justamente por
terem sido bem sucedidos anteriormente em con-
dições ainda mais adversas. Assim como no livro,
talvez nem todo mundo esteja contente com a ideia
e precise ser convencido a encarar o palhaço no-
vamente (que, é claro, é muito mais que um mero
palhaço psicopata).
V Onde assistir: A primeira parte da versão mais
recente pode ser encontrada na HBO Max e na TN-
TGo. A segunda parte está disponível no Amazon
Prime Video e HBO Max. Já a versão clássica, de
1990, pode ser alugada na Microsoft, Apple
TV e Amazon Prime.
beijo
para
quem
ta
lendo
21
CHRISTINE, O CARRO ASSASSINO
Sim, é isso que você leu. É um carro assassino que
se chama Christine. Mas não feche a revista ainda: o
livro estranhamente é bom.
Arnie é um adolescente nerd cheio de espinhas
na década de 1970, obviamente zoado pelos amigos.
Um grande clássico. Até que um dia ele encontra um
carrão caindo aos pedaços sendo vendido por Roland,
um senhor de idade de saúde debilitada, e o compra
por 250 dólares.
A ideia dele é simples e nada ruim: reformar o
veículo e ganhar popularidade com as garotas. E
meio que é o que acontece, só que de uma maneira
bizarra. A dedicação de Arnie faz com que o carro
comece a regenerar sozinho, enquanto ele próprio
se transforma em uma versão muito melhor de si
mesmo. Além disso, os inimigos do agora confiante
adolescente, começam a ser atropelados misterio-
samente. Christine nitidamente se alimenta da
devoção de Arnie.
Seu histórico nas mãos do dono original também
não é dos mais saudáveis. A filha do homem morreu
engasgada com um hambúrguer no banco de trás, e
a esposa se matou no banco da frente tempos depois.
Coisa finíssima.
V Em Ordem Paranormal: Descobrir que tudo
isso está acontecendo passa não só por investigar
a vida de Arnie, ou de quem quer que esteja com
o carro, mas também o passado de Roland, além
de superar a incredulidade da premissa “tem um
carro andando sozinho por aí matando gente”. E
já que a ideia é se inspirar, quem disse que a gente
precisa se contentar com UM carro? Talvez isso
aconteça em outros lugares, em outras situações.
Talvez, em algum lugar, um caminhoneiro solitário
tenha se dedicado demais a cuidar de seu principal
instrumento de profissão…
V Onde assistir: Preferi não ver o filme por
dois motivos: é de 1983 e eu acho que é mais difí-
cil segurar o conceito todo em vídeo do que numa
mídia escrita. Mas tem gente que jura que ele é
ótimo! Disponível apenas para aluguel no Google
Play e Apple TV.
O CEMITÉRIO
Oh, boy.
Dependendo da sua idade você deve ter ouvido falar
desse livro como O Cemitério Maldito. Ou de repente
já ouviu a música dos Ramones, Pet Sematary, feita
para a primeira adaptação cinematográfica. É o meu
favorito, junto com A Coisa. Um dos livros mais sutis
de King, mas também um dos que batem mais forte,
dependendo da sua vivência.
Louis Creed se muda para uma casa nova, na beira
de uma estrada muito movimentada, com a esposa,
suas duas crianças, Ellie e Gage, e seu gato, Church.
Louis fica muito amigo de um senhor que mora do
outro lado, Jud, e ele mostra à família um lugar bem
peculiar atrás da casa deles: o Cemitério de Bichinhos.
Basicamente um lugar onde as crianças locais enterram
seus pets. Macabro, mas fofo.
Só que aí você faz a matemática (estrada movimen-
tada + gato + criança) e é lógico que vem tragédia por aí.
O gato é atropelado e o pai fica com dó de contar
para a filha. Jud simpatiza e diz para Louis enterrar
o gato no Cemitério de Bichinhos. Ele faz isso e, na
tarde seguinte, Church aparece de volta, do nada. O
problema é que ele parece meio estranho, se comporta
diferente e a menina sequer quer ficar perto dele. Então,
meses depois, Gage, o garotinho fofo, é atropelado por
um caminhão. E aí, meus amigos, o que é tentar trazer
um filho dos mortos para quem já fez o mesmo por
causa de um gato, não é mesmo?
V Em Ordem Paranormal: A ideia de pessoas
que voltam dos mortos não é nada original. O que faz
diferença no livro é a expectativa de que isso vá acon-
tecer, e a sutileza das alterações que isso provoca. Em
um contexto mais amplo, investigar quem é que voltou
dos mortos, os efeitos disso, e corrigir o problema é a
grande pegada. É normal encontrar histórias em que as
pessoas querem se livrar dos mortos-vivos, mas o que
fazer se o familiar vivo não quiser que isso aconteça?
V Onde assistir: O livro tem duas adaptações, uma
de 1989 (a da música dos Ramones) e outra de 2019.
Nunca vi nenhuma, porque a história já é perfeita
demais como foi escrita. A dos anos 80 não consegui
encontrar, mas se você quiser arriscar, a versão mais
recente está disponível para aluguel na Amazon, Apple
TV e na Microsoft.
O ILUMINADO
Aquele caso em que o filme, com o tempo,
acaba se tornando mais famoso que o próprio
livro. Os memes e as cenas enraizadas na
cultura pop ajudam. Ter sido dirigido por
Stanley Kubrick também.
Jack Torrance (um pretendente a escritor e
alcoólico em recuperação), a esposa e o filho, se
mudam para o Overlook Hotel, onde ele assu-
mirá o cargo de zelador no inverno, quando não
há hóspedes e tudo fica coberto pela neve. O
trabalho é bem simples, e por isso ele vai ter
todo o tempo do mundo para escrever.
Ah, sim. A vaga só existe porque o zelador
anterior ficou louco misteriosamente, matou a
própria família e se matou. Um mero detalhe.
Aquestãoéque,paraasurpresadeninguém,
o Overlook está infestado de fantasmas que
ficam provocando o lado mais obscuro de
Jack, com visões e tentações quase inescapá-
veis. Quem paga o pato, claro, é a coitada da
esposa e o filho, que por um acaso é sensitivo.
V Em Ordem Paranormal: A história do
Overlook por si só já é um prato cheio para
qualquer investigação, mas o desafio de lidar
com tudo o que acontece por lá e manter a
sanidade é a cereja do bolo. Se o personagem
tem um medo, um trauma ou um grande
desejo, tenha certeza que o hotel vai tentar
manipulá-lo para se voltar contra o
próprio grupo. É o tipo
de aventura que deve
ser negociada com os
jogadores de alguma
forma, mas ter um
amigo como inimigo
costuma ser uma expe-
riência inesquecível.
V Onde assistir: O clás-
sico de Kubrick está disponí-
vel na HBO Max. Existe uma
série de TV que contou com super-
visão do próprio Stephen King (que nunca
gostou muito da versão para o cinema), mas
o final é tão tosco que eu nem me
esforcei para procurar.
Stephen King tem a prática de manter suas
histórias quase sempre no mesmo lugar: a
maior parte se passa em cidades localizadas
no estado do Maine, não por acaso, seu estado
natal. Castle Rock é a mais conhecida delas,
mas Derry e Salem’s Lot também povoam a
imaginação dos fãs. Para quem pretende criar
suas próprias aventuras de Ordem Paranormal,
há uma ótima lição a ser tirada daí.
Por um lado, King escreve sobre o Maine
porque conhece o Maine. É onde ele cresceu,
estudou e viveu. Ele sabe como são as
estradas, as lojas, as casas, o povo, o
sotaque e, por conta disso, consegue passar
para as páginas uma verossimilhança difícil
de conseguir inventando tudo do nada.
Por outro, as três cidades citadas no
primeiro parágrafo não existem na vida real.
São uma mistura de localidades que King
visitou ou frequentou, moldadas para o tipo
de história que escolheu contar. Por estarem
inseridas num meio familiar, um entorno
absolutamente crível, funcionam.
Assim, você pode, por exemplo,
ambientar sua história em Belém,
se for paraense. Mas também pode
criar Santa Inácia do Tronco
Torto, uma cidade no interior
do estado, com características
peculiares, e nublar os
limites do que é real e do
que não é em sua campanha.
TUDO ACONTECE NO MAINE
23
22
TROCAS MACABRAS
Num belo dia em Castle Rock, surge uma nova loja
chamada Needful Things (algo como Coisas Necessá-
rias, numa tradução rápida), cujo dono é um velhinho
muito simpático chamado Leland. King tem algo com
velhinhos simpáticos, embora nem todos se mante-
nham assim até o fim da história.
O grande diferencial do estabelecimento é que
quem entra ali costuma encontrar em suas prateleiras
o item que sempre sonhou ter, por mais estranha que
a possibilidade possa parecer. Como é um cara muito
legal, Leland costuma exigir como preço nada mais
do que o que a pessoa tiver no bolso no momento…
e um favor futuro.
Uma brincadeira. Uma pegadinha contra algum
outro morador da cidade. Coisas inofensivas.
Lógico que, com o tempo, Leland acaba enre-
dando Castle Rock inteira num sistema complexo
de recompensa e vingança, que pisa no sobrena-
tural mas diz muito também sobre como funciona
a mesquinhez da alma humana.
V Em Ordem Paranormal: O envolvimento dos
jogadores pode acontecer em qualquer das etapas
do plano do dono da Needful Things. Quanto mais
avançado, falando no português claro, mais o pau
tem chance de quebrar, colocando em risco a própria
existência de Castle Rock (ou de qualquer outra cidade
que o mestre queira usar). Indo mais longe, talvez essa
Needful Things seja apenas UMA de várias abertas em
outros lugares, ampliando ainda mais a investigação
e o potencial de desgraça.
V Onde assistir: Trocas Macabras tem
um filme bem honesto, produzido em 1993.
Tem até ator indicado ao Oscar no elenco (Ed
Harris). Disponível no canal MGM, dentro
do Amazon Prime.
O NEVOEIRO
Aqui, ao invés de um romance, temos uma novela
(que nada mais é que um conto turbinado, não deixe
os escritores confundirem você com explicações
complicadas) e um filme de cair o queixo. A premissa
nem é complicada.
Depois de uma tempestade, a cidade de Bridgton
é cercada por um nevoeiro super denso e misterioso.
Há quem diga que a culpa é de experimentos numa
base militar, mas ninguém tem certeza. O protago-
nista, David Drayton, e seu filho ficam presos dentro
de um supermercado, cercados pelo fenômeno.
Quem tenta sair é atacado por monstros de proce-
dência desconhecida. O confinamento no templo
do consumo aflora a esquisitice de uma série de
personagens. Entre eles a Senhora Carmody, uma
fanática religiosa que acredita, obviamente, que o
acontecido faz parte de uma profecia que decreta
o fim do mundo e começa a recrutar seguidores. O
fim do filme é diferente da versão literária, e é tão
devastador que o próprio King já declarou achá-lo
melhor que a sua ideia original.
V Em Ordem Paranormal: O grande apelo da
aventura é o isolamento do resto do mundo, de seus
recursos, e uma possível busca pelo responsável pelo
fenômeno. Claro, a coisa toda pode ter surgido a partir
de um ritual feito fora da cidade (e aí o problema é sair
do supermercado ileso), mas e se o culpado estiver ali
dentro, junto com todo mundo?
V Onde assistir: O Nevoeiro está disponível no
Amazon Prime e HBO Max, e vale cada minuto. Existe
uma série de 2017 que eu nunca assisti, mas pode ser
vista na Netflix.
HORROR, SIM!
CUIDADO, TAMBÉM!
Como estamos falando de obras literárias e cine-
matográficas, principalmente antigas, é normal que se
encontre imagens bem impressionantes.
Em A Coisa há uma sequência que envolve a
explosão de uma antiga fábrica enquanto crianças
procuravam ovos de chocolate. A descrição, sem brin-
cadeira, me assombra até hoje e é o exemplo que eu
dou toda vez que preciso explicar o que é uma boa
cena de terror.
Mas RPG é um meio dinâmico,
interativo e muito mais envolvente.
É preciso ter cuidado na hora de
transpor ideias para a mesa. Nunca
passe por cima das emoções dos joga-
dores e lembre-se sempre: os perso-
nagens devem ser explorados, não
quem os controla. Por mais que
você, mestre, se empolgue com todo
o material e as ideias mostradas aqui
(e eu vou ficar muito feliz se isso
acontecer), lembre-se sempre de
dosar de forma inteligente os acon-
tecimentos e de respeitar traumas
declarados pelos jogadores.
A ideia, claro, ainda é explorar
o horror, mas a responsabilidade é
um ingrediente essencial.
VOCÊ QUER UM BALÃO?
Por hoje é o que temos, mas a verdade é que há
muito a ser explorado! Não só a obra de Stephen King
é imensa (nem falamos de A Hora do Vampiro, sua
releitura moderna de Drácula), como há muita coisa de
outros autores que podem ser adaptadas ao contexto
de Ordem Paranormal.
Se você é Conselheiro da Dragão Brasil e gostou da
ideia, dê um toque no nosso grupo exclusivo. Se não
é, deixe um recado nas redes sociais.
Quem sabe eu volto para mais uma rodada?
Cheers!
J.M. TREVISAN
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GOD OF WAR: RAGNARÖK
Profecias, reinos,
Profecias, reinos,
novas raças
novas raças
e origens em
e origens em
Tormenta20!
Tormenta20!
Por
Por Glauco
Glauco Lessa
Lessa e
e Felipe Della Corte
Felipe Della Corte
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A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O
Esta matéria é sobre um infame deus
da guerra… e não estamos falando de
ninguém de Arton! God of War Ragnarök
foi lançado agora, no fim de 2022, e
já é um sucesso entre a crítica e os fãs.
As aventuras de Kratos e Atreus pelos
Nove Reinos não são parecidas com uma
campanha de RPG por acaso — aqui você
vê como trazer o clima (frio!) do jogo
para sua mesa!
Depois de cinco anos sem dar novidades sobre a fran-
quia, a desenvolvedora Santa Monica Studios lançou God
of War em 2018. Conhecido como God of War 4 entre
os fãs, o jogo marcou uma nova fase para a franquia e
para Kratos. Agora, não só Kratos estava em uma outra
região do mundo, como tinha recomeçado a vida e tido
um novo filho. A jogabilidade saiu do bom e velho hack
‘n slash para o gênero de ação e aventura. Passamos a
ver Kratos através de uma câmera por cima do ombro
(famosíssima em Resident Evil 4, por exemplo), como em
outros jogos mais recentes — e mergulhamos em um lado
mais introspectivo, cansado e silencioso do espartano.
Com o sucesso desse novo recomeço (que não foi um
reboot, como muitos chegaram a cogitar), o surgimento
de uma continuação não seria nada surpreendente. E aqui
está. God of War Ragnarök segue os passos de seu jogo
predecessor, com melhorias na jogabilidade, novos aliados
e vilões e reviravoltas ainda mais acachapantes.
Arton também é um mundo com muita intriga divina.
Além de opções de regras para Tormenta20, vamos mer-
gulhar na mitologia de God of War e entender como os
deuses podem deixar sua mesa de RPG mais emocionante!
Começando pelo fim
Talvez mais famosa que as próprias divindades nórdicas
seja a história que conta o seu fim. O Ragnarök é mais do
que um mito — é uma profecia conhecida pelos próprios
deuses, incapazes de mudar o próprio destino. Traduzido
frequentemente como “destino final dos deuses” ou “crepús-
culo dos deuses”, o evento começa com um longo inverno
conhecido como Fimbulvetr (no jogo, Fimbulwinter), que
logo dá sucessão a uma série de confrontos mortais entre
os deuses, levando todos à morte. Um incêndio colossal
dá lugar a um dilúvio, em que o mar afoga toda a terra.
No fim, há um novo começo: um casal de humanos, Líf e
Lifthrasir sobrevivem e repovoam Midgard.
Na franquia God of War, o Ragnarök começa no fim
do jogo de 2018 e se estende durante os acontecimentos
do jogo deste ano. A característica mais marcante logo de
cara são as mudanças climáticas do Fimbulwinter de cada
um dos Nove Reinos. Kratos vê a si e seu filho envolvidos
nessa profecia, e se você se lembra bem do jogo anterior,
sabe porque!
Profecias em jogo
RPG é um jogo de narrativa compartilhada. Por isso,
é muito difícil contar histórias sobre profecias — afinal, os
jogadores têm poder para mudar o rumo da história. Ou
o mestre teria que forçar a mão para a trama “voltar para
os trilhos” (o que pode ser bem frustrante), ou os jogadores
precisariam ter a possibilidade de alterar a profecia.
Um truque eficiente para envolver uma profecia na
sua mesa é inseri-la retroativamente. Os personagens dos
jogadores não precisam saber que são personagens de uma
profecia: depois de cinco ou seis sessões, podem descobrir
que tudo o que fizeram e passaram até aquele momento
já estava previsto. Os próximos passos da profecia são
vagos ou misteriosos, conhecidos apenas pelos deuses (que
estão atentos aos personagens) ou pelos vilões (que estão
tirando proveito disso). Dessa forma, qualquer atitude dos
personagens está inescapavelmente dentro da profecia, sem
tolher ninguém da liberdade e da agência dentro do jogo.
Outra maneira de lidar com isso é oferecer algum
recurso que permita que os personagens driblem a profe-
cia. Uma espada mágica que corta o fio do destino, um
despertar mágico que concede o verdadeiro livre-arbítrio
aos heróis… Seus jogadores se sentirão muito poderosos,
mesmo que efetivamente só estejam jogando e agindo com
seus personagens normalmente.
Aviso: a matéria pode conter spoilers tanto do
jogo atual quanto da versão de 2018!
Estejam todos cientes!
A opção menos popular é a de “voltar aos trilhos”,
mencionada anteriormente. Muitas aventuras já seguem
essa regra, mas colocar isso como parte da trama (em vez
de ser apenas um acordo implícito da mesa) pode ser frus-
trante para os jogadores. No entanto, talvez eles gostem
dessa premissa, aceitando o desafio de tentar interpretar
seus personagens dentro dessas limitações, abraçando
seus destinos trágicos ou até, quem sabe, encontrando os
meios para superá-los com as próprias mãos.
Escatologia e sadismo
Nem todas as profecias falam do fim do mundo, mas
as mais famosas, sim. Mitos escatológicos (que têm a ver
com o fim dos tempos, e não com as nojeiras que você está
pensando!) existem em várias culturas da humanidade e são
um prato cheio para uma semente de campanha na sua mesa.
Uma coisa a se ter em mente é: a partir do momento
em que uma profecia sobre o fim do mundo surgir
na trama da sua campanha, tudo terá que girar
em torno disso. Tramas importantes envolvendo
NPCs ou até o passado dos personagens inevi-
tavelmente cairão para um segundo plano, a
não ser que sejam conectadas ao fim de tudo.
Essa conexão pode ser direta, como
algum NPC importante e querido
envolvido na profecia, ou de
forma indireta — afinal, sem
um mundo para viver, do
que adianta buscar vingança
contra aquele vilão cruel?
Histórias envolvendo o fim
do mundo são mais reco-
mendadas para campanhas
em altíssimo nível. Isso se dá
por duas razões principais:
poder e apego ao mundo.
Obviamente, é pouco pro-
vável que personagens de
nível 1 tenham condições
de impedir uma profecia
dessas, a não ser que a
campanha os leve até o
nível 20 para alcançar esse
objetivo. Por outro lado, o
fim do mundo só costuma ter peso para os jogadores se eles
se importarem com o mundo em primeiro lugar, e isso só
vem com o tempo.
Por isso, o mais indicado é viver muitas aventuras com
os heróis. Deixe que se envolvam com os NPCs, amem e
odeiem outros personagens, encontrem um reino ou dois
para chamar de lar, e aí sim, revele a terrível profecia que
destruirá tudo isso. Agora, eles não só têm poder para
evitar a tragédia, mas se importam de verdade com ela.
Uma campanha desse tipo também dá maior liberdade
criativa para a mesa. Está liberado chutar o balde! Itens
mágicos capazes de matar deuses? Combates épicos que
inundam continentes e destroem a lua? Não há limite! Seu
grupo sempre quis confrontar Mestre Arsenal para uma
guerra sem fim? Dois amantes do grupo querem duelar com
Valkaria para ter o direito de casar? Nesse tipo de história,
os personagens têm todas as condições para desafiar não
só o destino como também os próprios deuses!
Olha os deuses, mano!
Outro ponto muito popular do Ragnarök
é o confronto intenso e até as últimas con-
sequências entre deuses, os seres mais
poderosos do mundo. Em outras mitologias
(e até cenários de RPG), deuses não
costumam se enfrentar de forma di-
reta, já que têm muito a perder —
recorrem a esquemas, intrigas
e mortais poderosos: os heróis!
Arton é um bom exemplo
disso. Das tramoias de Sszzaas
à punição de Kallyadranoch,
das profecias de Thyatis
ao desaparecimento de
Oceano… são muitos os
Thor, o melhor
Thor, o melhor
guerreiro de Asgard
guerreiro de Asgard
30 31
A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O
casos em que deuses ganham ou perdem
poder por razões misteriosas, indiretas ou
distantes dos mortais. Entretanto, Arton
também tem situações em que os deuses
partem para um confronto aberto e direto,
como a ascensão de Aharadak e a morte
de Tauron e as derrotas de Glórienn e
Ragnar pelas mãos de Thwor.
Se você já está criando uma profecia
sobre o fim do mundo na sua campanha e
seus jogadores são poderosos o suficiente
para impedi-la, considere envolver os
deuses de forma direta, como convocar
os personagens para lutar ao lado dos
heróis contra deuses inimigos, e quem
sabe algum personagem jogador não se
torne um deus?
Os Nove Reinos
God of War: Ragnarök faz questão
de nos apresentar o mundo que Kratos e
Atreus vivem, bem como as pessoas que
o habitam. Os dois jogos envolvem jorna-
das por vários dos reinos que compõem
o mundo nórdico do jogo. Cada Reino
possui características bem particulares e
podem ser grande fonte de inspiração
para sua mesa.
Todos os Reinos existem interconecta-
dos pela Yggdrasil, a Árvore do Mundo.
A árvore existe desde sempre, fora do
espaço e do tempo, representando o
caminho a ser cruzado para viajar de
um Reino a outro.
Alfheim,
o Reino dos Elfos
Não fosse palco de uma longa guerra
entre elfos luminosos e elfos negros, este
Reino possuiria ares tranquilos com suas
florestas densas e volumosas. O motivo
para o conflito é a Luz de Alfheim, dis-
Svartalfheim, tudo que
Svartalfheim, tudo que
a luz toca é bonito
a luz toca é bonito
putada pelos dois grupos de maneira ferrenha. Os céus
do Reino sempre estão azuis quando os luminosos estão
sob controle da Luz, mas logo o firmamento é tingido de
vermelho quando os elfos negros tomam controle.
Apesar de elfos negros serem vistos como cruéis e
malignos por natureza quando comparados aos elfos
luminosos, as coisas não são assim tão simples. Há mais
tons de cinza nesse conflito do que qualquer analogia fácil
entre luz e trevas.
Nova Raça: Elfo de Alfheim
Duas raças ancestrais que dividem uma mesma origem,
os elfos luminosos (Ljósálfar) são seres pálidos de pele
quase translúcida e olhos brilhantes, enquanto e os elfos
negros (Dökkalfar) têm a pele variando em tons de grafite
e características insetóides
Habilidades de Raça
Destreza +2, Inteligência +1 (Ljósálfar); Força +2, Carisma +1
(Dökkalfar).
Armamento das Sombras (Dökkalfar) Você pode gastar 1 PM
para cobrir sua arma com energia das trevas. Sua pró-
xima rolagem de dano com a arma
nesta cena causa +1d6 pontos de
dano de trevas.
Armas Luminosas (Ljósálfar) Você pode
gastar uma ação de movimento e
1 PM para criar uma arma
que saiba usar feita de luz
sólida. A arma dura até o
fim da cena ou até você
soltá-la, é considerada
mágica e fornece +1
em testes de ataque.
Filho da Luz (Ljósálfar) Você recebe +2 em Percepção, visão
no escuro e imunidade às condições cego e ofuscado.
Ser das Sombras (Dökkalfar) Você recebe visão no escuro,
deslocamento de escalada 9m e redução de trevas 10.
Voo Enquanto a maioria dos elfos escuros têm asas inse-
tóides, os elfos luminosos conseguem voar usando a
bênção da Luz. Você pode gastar 1 PM por rodada para
voar com deslocamento de 12m.
Asgard, o Reino dos Aesir
Asgard é mais que um reino — é uma verdadeira
fortaleza onde habitam os deuses Aesir, seus súditos e os
mais valorosos guerreiros de todos os tempos. Forasteiros
não sabem exatamente como é o lugar, já que Odin não
permite o acesso a Asgard vindo de outros Reinos.
Os sortudos que conseguiram pisar neste Reino sem
alertar Odin conhecem a paisagem paradisíaca e idílica,
com planícies praticamente inabitadas do lado de fora
das grandes Muralhas de Asgard. Dos muros para dentro,
o acesso é ainda mais restrito e vigiado por Heimdall, o
Vigilante dos Aesir.
Nova Origem: Súdito dos Aesir
Você vive nos domínios dos Aesir,
os grandes deuses, sempre dispo-
nível para cumprir suas ordens e
caprichos sem hesitar. Essa pro-
ximidade com o divino faz com
que sua saúde e boa sorte
sejam quase inabaláveis,
assim como sua fé.
Brok e Sindri, mais
Brok e Sindri, mais
que amigos, irmãos
que amigos, irmãos
32 33
A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O
Itens Um acessório com a runa de um dos Aesir, que
concede +1 em Fortitude, Reflexos ou Vontade (escolhido
na criação de personagem).
Benefícios Conhecimento, Diplomacia, Religião (perí-
cias); Sortudo, Súplica aos Aesir (poderes).
SÚPLICA AOS AESIR
Quando faz um teste de perícia (exceto testes de ataque
ou resistência), você pode gastar 1 PM para fazer uma
rápida oração aos deuses e receber um bônus de +2 nesse
teste. A cada quatro níveis, você pode gastar +1 PM para
aumentar esse bônus em +1.
Helheim, o Reino dos Mortos
Este Reino congelante é a pós-vida para a maioria das
pessoas — aquelas que tiveram uma morte honrada em cam-
po de batalha. Vítimas de assassinato, doença ou velhice vêm
parar aqui. É dito que o frio é tão castigador que é capaz de
congelar almas. Criaturas cruéis torturam os mortos, que são
obrigados a reviverem seus maiores arrependimentos em vida.
Nova Origem:
Retornado de Helheim
De alguma forma você retornou do reino dos mortos,
seja por conta de uma encantamento poderoso ou mero
capricho dos Aesir. Seu corpo retornou de forma saudá-
vel, mas sua mente retém as memórias do inferno gelado.
Itens Um acessório ou arma simples ligada ao motivo
de sua primeira morte. Enquanto você estiver empunhan-
do ou vestindo o item, seus pontos de mana máximos
aumentam em +1.
Benefícios Intimidação, Sobrevivência, Vontade (pe-
rícias); Mente Calejada, Presença Aterradora (poderes).
MENTE CALEJADA
Acostumado aos horrores que presenciou em He-
lheim, você recebe +5 em testes de resistência contra
efeitos de medo e é imune à condição apavorado.
Efeitos que o deixariam apavorado, deixam abalado
ao invés disso.
Týr, o deus da guerra
Týr, o deus da guerra
que faz Kratos parecer
que faz Kratos parecer
um garoto
um garoto
Midgard, o Reino dos Humanos
O nome deste Reino significa, literalmente, “terra do
meio” e não poderia ser mais certeiro. Considerado um
lugar no meio do caminho entre todos os outros reinos,
Midgard é a terra dos humanos e dos animais.
Apesar da baixa temperatura, possui terras cultiváveis,
rios e mares fecundos. Os habitantes não têm contato
direto com os deuses, oferecendo apenas sua devoção
e fidelidade. Apesar disso, ao longo dos acontecimentos
de God of War é possível ver que os deuses estão mais
presentes em Midgard do que se esperaria.
Nova Origem: Nativo de Midgard
Você cresceu ao lado de grandes heróis e guerreiros,
sendo preparado para o Ragnarok desde sua infância.
Itens Uma arma simples ou marcial que saiba usar,
um escudo leve (se souber usar escudos).
Benefícios Atletismo, Luta, Pontaria, Sobrevivência
(perícias); Em busca do Valhalla, Proficiência, um poder
de combate a sua escolha (poderes).
EM BUSCA DO VALHALLA
Você vive apenas por uma morte gloriosa em combate,
para que as valkírias reconheçam seu valor e carreguem
sua alma imortal até os salões dos grandes guerreiros.
Sempre que estiver lutando contra ameaças de ND maior
que o seu nível, você recebe +2 em testes de ataque e
rolagens de dano, mas sofre uma penalidade de –2 na
Defesa e em testes de resistência.
Jötunheim,
o Reino dos Gigantes de Gelo
Lar das montanhas mais altas de todos os Nove Reinos,
este Reino não possui mais nativos, todos mortos em uma
campanha genocida feita por Thor e seu Mjölnir.
Nem todos os Jötnar (Jötunn no singular, outro nome
para os gigantes de gelo) eram realmente grandes em
tamanho. Muitos tinham o tamanho de um humano
comum, outros possuíam cabeças de animais ou até
eram animais por completo, como a própria Serpente
do Mundo, Jörmungandr.
Muspelheim,
o Reino dos Gigantes de Fogo
Um dos Reinos mais primordiais da mitologia nórdica,
este lugar é tomado de lava e fumaça vulcânica, comple-
tamente inabitável. Já foi habitada por gigantes, mas isso
foi há muito tempo.
Não se sabe o paradeiro de seu rei, Sutr — alguns su-
põem que esteja dormindo apenas esperando o Ragnarök.
É um dos reinos mais avessos à vida humana, então aventu-
reiros devem estar bem preparados se quiserem desbravá-lo.
Nova Raça: Jotunn
As poderosas e ancestrais raças de gigantes nativas
de Jötunheim e Muspelheim, antigamente abundante em
Midgard, mas praticamente dizimada pelos Aesir por
conta de seu medo e inveja. Apesar de sua alcunha, os
jotnar variam muito e estatura, apresentando desde corpos
enormes como montanhas até o tamanho de
humanos comuns.
Habilidades de Raça
JOTUNN DE FOGO
Força +2, Destreza +1, Sabedoria -1
JOTUNN DE GELO
Força +2, Inteligência +1, Carisma -1
JOTUNN DE ROCHA
Constituição +2, Força +1, Inteligência -1
Angrboda, uma das
Angrboda, uma das
últimas dos Gigantes
últimas dos Gigantes
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A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O
Svartalfheim, o Reino dos Anões
Um Reino próspero, tranquilo, mas ao mesmo tempo
apreensivo e temeroso da benevolência de seu patrono,
Odin. Os anões são gênios da manufatura e da arquitetu-
ra, e trabalham para o Pai-de-Todos em troca de proteção.
Não possuem permissão para falar com ninguém que não
seja Aesir ou de Asgard.
As terras de Svartalfheim são mais férteis, o clima
também é mais ameno e agradável. A genialidade anã
também oferece mais comodidades, como maquinário e
sistemas de fornecimento de água. As riquezas naturais
são exploradas pelos artesãos anões e por Asgard —
seu aço é tão superior que é conhecido como “aço de
Svartalfheim” em outros Reinos.
Nova Raça:
Anão de Svartalfheim
Os mais astutos e talentosos
artesãos, alquimistas e cientis-
tas dos Nove Reinos, responsá-
veis por construir e aperfeiçoar
as armas que os deuses irão
brandir no dia do Ragnarok.
Habilidades de Raça
Inteligência +2, Constituição +1, Carisma -1
Caminhar entre os Reinos Você usa as fendas entre os
reinos para se mover sem ser detectado. Você aprende
e pode lançar a magia Salto Dimensional (atributo-
-chave Inteligência), mas só pode lançá-la sobre si
mesmo. Caso aprenda novamente essa magia, seu
custo diminui em –1 PM.
Pacifista Violência é sempre o último recurso para um anão.
Você recebe +5 em Diplomacia e Furtividade e sempre
fica abalado durante o primeiro turno de um combate.
Tecelão do Improvável Você é capaz de usar materiais
“impossíveis” como o canto dos pássaros, o aroma
do orvalho ou o choro de uma criança , como maté-
ria-prima para fabricar itens. Para você, o custo de
fabricação de qualquer item mundano é um quinto do
preço, ao invés de um terço.
Vanaheim,
o Reino dos Vanir
Este reino tomado de selvas,
criaturas perigosas e umidade já
foi o lar dos deuses Vanir, inimi-
gos derrotados dos Aesir. Poucas
pessoas, além dos próprios Vanir,
puderam pisar em Vanaheim nos
últimos tempos, já que Odin
também bloqueou a pas-
sagem para o Reino.
Em meio às ruínas erguidas aos deuses Vanir, os últi-
mos poucos membros de uma resistência tramam planos
para enfrentar os Aesir novamente, enquanto impedem
que os deuses asgardianos invadam e tomem Vanaheim
de forma definitiva.
Nova Raça: Vanir
Considerados divinos como os Aesir, os Vanir são uma
raça escassa e desconfiada desde sua quase aniquilação
e vivem escondidos dos Aesir, tramando sua vingança.
Sua afinidade com as energias mágicas e com a magia
antiga é um grande poder e uma grande maldição.
Habilidades de Raça
Sabedoria +2, Carisma +1, Constituição -1
Afinidade Mágica Você aprende e pode lançar três magias
de 1º círculo, arcanas ou divinas, a sua escolha (atribu-
to-chave Carisma). As magias são consideradas divinas
para todos os efeitos e você pode aplicar aprimoramen-
tos nessas magias como se fosse um Druida de mesmo
nível que seu nível de personagem. Caso aprenda
novamente essas magias, seu custo diminui em –1 PM.
Bênção da Magia Ancestral Você pode lançar qualquer magia
que conheça sobre outra criatura inteligente com que
possa se comunicar. Ao invés de ser alvo dos efeitos
normais da magia, essa criatura recebe a capacidade
de lançar esta magia uma única vez até o fim da cena,
com os mesmos efeitos mas sem custo em PM.
Elusivo Você passou a vida escondendo sua origem e
poderes para evadir seus perseguidores. Você recebe
+2 em Enganação e Intuição.
E vem mais!
Acompanhe na Dicas de Mestre do mês que vem (DB
187) regras completas para uso de runas em Tormenta20,
A Lenda de Ruff Ghanor e Ordem Paranormal.
GLAUCO LESSA
FELIPE DELLA CORTE
Escolha três poderes da lista a seguir.
Gigante Seu tamanho é Grande e você recebe 3 espaços
de inventário por ponto de Força, ao invés de 2.
Manipulação Elemental Você aprende e pode lançar Ex-
plosão de chamas (fogo), Névoa (gelo) ou Transmutar
objetos (rocha) (atributo-chave Força). Caso aprenda
novamente essa magia, seu custo diminui em –1 PM.
Percepção Paracronal Você tem visões sobre o futuro,
vislumbrando eventos que não aconteceram ainda.
Você aprende e pode lançar Augúrio, mas o tempo de
execução da magia aumenta para 1 minuto.
Resistência Superior Sua pele é um couro grosso feito de
matéria elemental. Você recebe +2 na Defesa e redução
10 contra fogo (fogo), frio (gelo) ou ácido (rocha)
Niflheim,
o Reino da Névoa
Provavelmente o menor dos Reinos, e ainda assim, um
lugar traiçoeiro e perigoso. Uma vez lar de anões, agora este
é um verdadeiro labirinto tomado por uma névoa espessa —
a arquitetura anã é apenas um rastro do que já existiu antes.
A névoa foi uma maldição lançada por Odin e drena
lentamente a energia vital de qualquer um que ouse explorar
o Reino. Não bastasse isso, Nilfheim está cheio de monstros.
Nova Origem:
Sobrevivente da Névoa.
De alguma maneira você sobreviveu à maldição que
destruiu seu reino e conseguiu sair do labirinto de monstros,
mas essa experiência o marcou para sempre.
Itens Lampião, mochila de aventureiro e capa pesada.
Benefícios Atletismo, Furtividade e Sobrevivência (perí-
cias); Atlético, Rastejador de Masmorras (poderes).
RASTEJADOR DE MASMORRAS
Você sabe se esgueirar em silêncio através dos am-
bientes mais hostis para não atrair atenção indesejada.
Você não sofre penalidade de -5 em Furtividade para
para se esconder depois de se mover e sua penalidade
de armadura não se aplica em testes de Furtividade.
Kratos, em busca
Kratos, em busca
da aposentadoria
da aposentadoria
Atreus, em busca da
Atreus, em busca da
experiência completa
experiência completa
Imagine a cena: os personagens estão
reunidos na taverna — bebendo cerveja,
contando suas moedas, fazendo essas
coisas que personagens jogadores
fazem em tavernas. Subitamente um
velhinho entra esbaforido pela porta e
exclama: “Aventureiros! Eu preciso de
aventureiros!”. Os personagens fazem
algumas perguntas e descobrem que o
ancião está mesmo com problemas. Parece
perigoso demais, melhor não se envolver.
O velhinho então diz que pode pagar!
Mas o grupo já tem bastante dinheiro. O
velhinho revela que o vilão por trás de
tudo é um arqui-inimigo dos personagens!
Eles concluem: “Esse cara está por aqui?
Melhor fugir agora mesmo!”.
Ou então: um jardineiro vê seu patrão, um hobbit com quem
conviveu a vida toda, se preparando para uma jornada. Ele
pergunta ao amigo onde pretende ir e o patrão responde: vai
levar um anel amaldiçoado até um conselho de nobres, magos
e guerreiros poderosos de todas as raças. O jardineiro dá um
sorriso amarelo e se afasta lentamente. À noite, durante o jantar,
ele comenta com os amigos como seu patrão endoidou de vez
e que espera ter uma boa relação com os novos moradores
da casa, que vão herdá-la depois de sua morte...
Muitas vezes, a parte mais difícil de contar uma história não é
desenvolvê-la, nem mesmo terminá-la. Muitas vezes, nem mesmo
começá-la! Muitos mestres e autores iniciantes têm problemas com
algo que acontece antes do início da história. Antes do primeiro
diálogo ou do primeiro combate — sem isso, não haveria razão
para diálogos, combates ou para a história em si.
Estamos falando, é claro, de motivação.
Rebelde sem causa
Já tocamos neste assunto em outras Toolbox ao longo dos
anos. Especialmente as colunas Fugindo do Épico (Dragão
Brasil 126), Entendendo os Heróis (DB 140), Alerta Ver-
melho (DB 157), Agora É Pessoal (DB 173) e Liberdade &
Improviso (DB 177) abordam o tema. Contudo, acho que
vale a pena focar na motivação dos protagonistas como um
elemento separado, já que causa dor de cabeça a muita
gente. E, sem essa motivação, quase nenhum dos outros
truques que discutimos aqui serve para muita coisa...
Caso ainda não tenha ficado claro, motivação é a razão
pela qual os protagonistas se envolvem na trama. Partindo do
modelo mais clássico de narrativas de aventura, nossa história
começa no mundo normal (ou seja, na vida cotidiana), então
ocorre um incidente que chama o protagonista à aventura.
Motivação essencialmente é a ligação do protagonista com
esse chamado, uma “desculpa” para que ele o atenda.
De cara, já podemos fazer uma separação/classificação:
a motivação pode ser interna (um desejo ou ambição do
personagem) ou externa (algo que acontece com o perso-
nagem). Existem histórias em que a motivação é puramente
interna ou externa, e mais tarde vamos falar sobre elas. Mas
é mais comum que seja um misto de ambas. Muitas vezes,
o problema de motivação surge quando o autor (escritor/
mestre) apresenta uma motivação externa, presumindo que
ela será também uma motivação interna, ou que pelo menos
as duas vão convergir. Mas os jogadores não são motivados
pelo fator externo, ou o público não se convence de que um
protagonista seria motivado por ele.
Vamos começar então pela “motivação mista”. Em RPG,
não precisamos ir mais longe que a situação arquetípica
do velhinho da taverna. O mestre apresenta uma motiva-
ção externa: um NPC indefeso com problemas e a chance
de ganhar algum ouro. Ele espera que as motivações
internas dos personagens jogadores tenham algo a ver
com altruísmo e ganância. Mas, sem perguntar aos pró-
prios jogadores, não há como ter certeza. Na verdade, o
mestre não está errado — a maior parte dos personagens
de RPG são mesmo motivados por esses dois fatores. E,
a menos que algo tenha sido dito especificamente em
contrário na sessão zero ou antes do início da campanha,
não há razão para pensar que esses personagens seriam
tão diferentes da média.
O pulo do gato está em avaliar e regular o quanto es-
ses dois fatores estão sendo envolvidos. Se o velhinho está
simplesmente preocupado com kobolds que existem numa
caverna próxima, isso pode não ser suficiente para despertar
o sentido de altruísmo dos aventureiros. Mas uma criança
sequestrada, uma ameaça de morte ou mesmo um sacrifício
para um deus profano podem fazer esse altruísmo aflorar.
Da mesma forma, o pagamento deve justificar os riscos que
os personagens vão correr. Em outras palavras, nenhuma
motivação externa será universal e aplicável a todos os grupos
sem adaptações. Conhecendo os personagens, você pode
aumentar o heroísmo e o lucro envolvidos na missão. Isso
tudo é bastante óbvio, mas já vamos falar mais sobre o que
está por trás desses fatores.
38 39
T O O L B O X T O O L B O X
MOTIVAÇÃO
Afinal,
Afinal,
por que seus
por que seus
heróis fazem
heróis fazem
tudo isso?
tudo isso?
Em ficção (literatura, HQ ou qualquer outra mídia), po-
demos simplesmente “obrigar” os personagens a aceitar a
motivação externa. Mas então nos arriscamos a cair numa
armadilha ainda pior: o público (que em geral não tem
uma ligação tão forte com a história, principalmente no
início) pode não “comprar” essa motivação. Pode questio-
nar a decisão do protagonista. Em outras palavras, pode
passar a história inteira perguntando por que Sam decidiu
acompanhar Frodo — o que vai gerar uma camada extra
de afastamento da obra.
Os pontos de convergência de motivações externas e inter-
nas para personagens de ficção são infinitos. Contudo, voltando
a nossas generalizações, podemos dizer que personagens de
ficção são motivados principalmente por relações pessoais
(amigos, família, parceiros românticos) e por ambição. Ou seja,
quando o fator externo toca em alguém querido ou proporciona
a possibilidade de conquistar um sonho, a motivação é boa o
bastante para convencer o público.
Motivar CD 25
Mas podemos ir mais fundo. Afinal, se o truque fosse
simplesmente “deixe o vilão mais malvado e aumente a re-
compensa” ou “faça o vilão raptar o namorado da heroína
e dê a ela um grande sonho”, esta seria uma coluna bem
curta! Precisamos examinar o que é um personagem de RPG
e de ficção.
Personagens de RPG são essencialmente ferramentas com
as quais os jogadores interagem com o cenário de jogo.
Mais do que isso: são ferramentas que, salvo raras exceções,
devem progredir. Mesmo que o sistema ou os jogadores não
se importem com aumento de poder, os personagens adquirem
maior capacidade de afetar o mundo ou aprender sobre ele
à medida que o tempo de jogo passa. Isso, mais do que
qualquer tabela de XP, ato vilanesco ou tesouro, vai nos dar a
verdadeira motivação para o grupo embarcar na campanha.
A verdadeira motivação para um personagem jogador em
uma campanha de RPG é só uma: avanço. Pode ser XP, pode
ser ouro, pode ser descoberta de mistérios. Quando concorda
em jogar RPG, o jogador (a pessoa real) está implicitamente
dizendo que quer avançar no jogo. Assim, sua motivação
sempre será algo que faça esse avanço acontecer, mesmo
que o jogador não saiba. Por isso o clichê do velhinho da
taverna dá tão certo; ele toca em três formas básicas de
avanço. Os personagens interagem com um NPC (história/
mistérios/interpretação), são pagos (equipamentos) e vão
receber XP (níveis).
Quando, durante a sessão zero ou a preparação da
campanha, você pergunta aos jogadores o que motiva seus
personagens, você está perguntando quais tipos de avanço
interessam mais para eles. Sempre que desejar empurrá-los
numa certa direção (digamos, para que aceitem uma missão),
você deve oferecer uma chance de avançar nisso. Jogadores
mais interpretativos em geral querem avançar no sentido
de entender mais o mundo e ter mais ligações com NPCs.
Jogadores mais combeiros muitas vezes querem chances de
melhorar seus personagens.
Por isso podemos generalizar tanto e dizer que todos os
personagens de RPG têm como objetivo avançar. Mesmo
jogos pouco focados em progressão de poder (digamos, o
famoso Call of Cthulhu) têm alguma progressão. Em CoC,
os personagens perdem Sanidade à medida que encontram
criaturas profanas. Ou seja, existe uma progressão, ela ape-
nas não diz respeito a poder, mas a degradação e loucura.
Os jogadores de CoC também estão atrás de avanço — o
avanço de seus personagens rumo ao inevitável. RPG, em
termos gerais, presume um “endgame”, seja o 20° nível,
seja Sanidade 0.
Palestra motivacional
E o que são protagonistas de ficção? Bem, essa é uma
pergunta com infinitas respostas, mas para nossos propósitos,
esses personagens são essencialmente ferramentas para o
leitor fazer uma conexão emocional com a obra. Não importa
se essa conexão emocional vai existir a partir dos sentimentos
profundos do personagem, de seu visual, de seus diálogos
engraçados ou de qualquer outra coisa. Como autores, o
que queremos é envolver o público com a obra e para isso
usamos os protagonistas.
Quando dizemos que o público deve entender as mo-
tivações dos protagonistas, o que estamos falando é que
o autor deve estabelecer pontos de conexão emocional do
personagem com o público, para que suas decisões façam
sentido. Note que essas decisões não precisam fazer “sentido
material”. Não importa que Sam fosse obviamente desprepara-
do para uma jornada ao lado de Frodo e que, realisticamente,
ele talvez só atrapalhasse. As decisões precisam fazer “sentido
emocional”. O público precisa ver a relação de Sam e Frodo
para que o jardineiro possa acompanhar seu patrão sem ser
questionado. Se nós primeiro conhecemos a lealdade entre
os dois e logo em seguida formos apresentados à primeira
grande decisão de Frodo, a conclusão lógica do público é
que Sam precisa ir junto. Cria-se uma relação emocional de
causa e efeito. Qualquer outra coisa pareceria inverossímil.
Mais uma vez, pode parecer que estamos discutindo algo
óbvio: “faça seu protagonista ter ligação emocional com seu
objetivo”. Contudo, assim como em RPG, podemos ir mais
fundo. Para que essa ligação emocional exista (isto é, para
que seu protagonista tenha uma motivação), você precisa abrir
mão da maior parte do cinismo da história. Precisa fazer com
que seus protagonistas sejam vulneráveis, frágeis. Precisa,
acima de tudo, dar tempo para que eles mostrem ao público
quem são — sem piadas, sem ação, sem ironia. Ao criar
as condições para uma boa motivação, leve o personagem
a sério. Mesmo que ele seja frio ou brincalhão, deixe claro
para o público que existe algo por trás disso.
Nosso maior aliado ao criar motivações para os protago-
nistas é a estrutura linear de história. O personagem começa
no mundo comum, sendo verdadeiro e tendo relações sinceras.
Resista à tentação de tornar sua história excessivamente mo-
vimentada ou surpreendente logo de início. A motivação só
vai existir se o protagonista tiver tempo para respirar.
Muitas franquias e obras famosas hoje em dia parecem
ir pelo caminho oposto, mas na verdade estão fazendo exa-
tamente isso. Filmes da Marvel (que eu adoro e não estou
criticando) têm roteiros que são essencialmente metralhadoras
de piadinhas e ação contínua. Todo esse papo de “deixe
seu protagonista respirar” não parece se encaixar com essa
estrutura. Contudo, como sempre as grandes franquias têm
ferramentas de que a maior parte de nós não dispõe. Ao
usar personagens conhecidos, o MCU essencialmente usa
toda uma ligação emocional que já foi criada ao longo de
anos. Da mesma forma, trailers, teasers e até entrevistas com
os atores servem para estabelecer uma conexão prévia. O
público já chega preparado, já possui um entendimento dos
protagonistas e uma relação emocional com eles. Ninguém
está previamente no hype para ver o tio do Homem-Ácaro
sendo morto... Mas todos esperamos uma cena emotiva
quando o mesmo está para acontecer com o Homem-Aranha.
Foco, força & fé
Certo, falamos de motivação para um personagem en-
trar na história, mas existe uma armadilha muito mais sutil e
perigosa, tanto em RPG quanto em ficção: os personagens
precisam de motivações para permanecer na história.
Uma vez que o(s) protagonista(s) esteja(m) envolvido(s)
na história e o público tenha aceitado que sua participação
faz todo sentido, você logo entra num terreno arriscado. Os
aventureiros cumpriram a missão do velhinho da taverna, ok.
40 41
T O O L B O X T O O L B O X
Thor Love & Thunder:
Thor Love & Thunder:
Sem tempo para respirar quando
Sem tempo para respirar quando
o vilão pode matar deuses
o vilão pode matar deuses
Mas eles descobriram que o problema, o que quer que seja,
faz parte de uma situação muito mais grave, uma ameaça
que pode destruir o mundo todo! Sam acompanhou Frodo até
Valfenda, certo. Mas, no caminho, conhecemos vários perso-
nagens interessantes, cujas relações podem ser mais atraentes
do que a amizade de um jardineiro e seu patrão. Súbito, os
aventureiros decidem que isso tudo está além de sua alçada.
Ameaças globais dizem respeito a grandes heróis, então eles
avisam um nobre, esperando que ele tome providências, e
lavam as mãos. Ou o público de repente passa a questionar
a intensidade da lealdade entre Frodo e Sam. O jardineiro já
não tem mais nenhuma razão para ficar ao lado de seu patrão.
Quase nenhuma história de aventura (ou de outros gêneros,
como mistério e terror) resiste por muito tempo à exposição ao
mundo mais amplo da história. No instante em que o público
(jogadores ou leitores) começa a pensar nas outras opções
que existem para lidar com o problema, a maior parte das
motivações cai por terra. Nós estamos acostumados com um
mundo em que existem instituições, autoridades e especialistas
para nos ajudar em situações difíceis — ainda bem! Se somos
assaltados, a reação saudável é fazer um BO, não investigar
o caso sozinhos.
Como autor ou mestre, parte de sua tarefa é limitar o
acesso dos protagonistas ao mundo externo — ou, melhor
ainda, distrair o público para que eles nem pensem no mundo
externo como solução do problema. Tormenta20 apresenta,
logo nas primeiras páginas do livro básico, uma opção para
lidar com isso. O texto deixa claro que NPCs poderosos têm
seus próprios problemas, ameaças tão ou mais graves acon-
tecendo o tempo todo e, portanto, não podem resolver o que
quer que os personagens jogadores estejam enfrentando. Mais
do que isso, o texto informa que heróis (os típicos personagens
de Tormenta20) por definição não procuram se esquivar de
seus problemas nem lavar as mãos! Isso, se for levado a
sério pelo grupo, coloca os jogadores na mentalidade certa:
as ameaças estão contidas no microcosmo da campanha.
As soluções estão presentes na jornada dos personagens.
Resolver os problemas que o mestre coloca faz parte, de uma
maneira ou de outra, do avanço dos personagens de RPG,
como discutimos antes.
Mas existem outras formas de fazer isso. Em Fim dos
Tempos, optei por começar numa região isolada, com pro-
blemas aparentemente isolados. Isso deixou claro ao grupo
que não fazia sentido buscar soluções externas. Quando os
Cães das Colinas foram a Valkaria no segundo arco,
parte da primeira sessão envolveu a apresentação
da capital do Reinado. Eles viram que, nessa cidade,
várias ameaças estão acontecendo ao mesmo tempo.
Mesmo que estejam lidando com vilões perigosos,
eles souberam que precisam enfrentá-los sozinhos ou
com a ajuda de seus próprios aliados, não delegar
a situação a outros heróis.
Em ficção isso é um pouco mais fácil. Você pode
simplesmente omitir menções ao mundo exterior dos
diálogos dos personagens e evitar mostrar o ambiente
além do microcosmo dos protagonistas. Uma obra
que faz isso com maestria é House. Se um paciente
chega para ser diagnosticado pela equipe do Dr.
House, ele será diagnosticado ali, ou vai morrer.
Quase nunca há menção de outros médicos, muito
menos de outros hospitais! Os diálogos rápidos e a
sucessão de complicações logo nos fazem esquecer
que isso é sequer uma possibilidade. No meio de um
episódio, é raro que um espectador pense “Hmm, mas
se eles não dispõem desse equipamento, por que não
mandam o paciente para uma clínica especializada?”.
Somos lembrados disso ocasionalmente por viradas
de trama em que o estado do paciente se agrava ou
ele tem pouco tempo de vida, mas em geral essas
opções são simplesmente ignoradas.
O caso de Frodo e Sam é ainda mais simples e
elegante. O jardineiro se torna oficialmente parte da
Sociedade do Anel, sem que ninguém sugira a sério
que ele simplesmente volte para casa. No instante em
que Sam é “marcado” como parte da Sociedade, o
público deixa de questionar sua participação — se
é que já questionou. Ou seja, os protagonistas são
quase literalmente fechados num microcosmo. Se os
personagens que se envolveram com o Um Anel em
primeiro lugar fazem parte da “Sociedade do Anel”,
só o espectador com mais má vontade do mundo vai
esperar que o problema do Um Anel seja resolvido
fora da Sociedade!
Mas já vamos falar sobre má vontade. Antes pre-
cisamos lidar com as motivações puramente externas
ou internas.
Fi-lo porque qui-lo
A maneira mais fácil de manter a motivação para
um protagonista estar na história é torná-la “pura”.
Ou seja, só externa ou só interna. Dois filmes dos
anos 80 vão servir para ilustrar isso.
Duro de Matar é um ótimo exemplo de motivação
100% externa. John McClane quer se reencontrar com sua
ex-esposa. Ele não quer combater uma quadrilha de assal-
tantes internacionais, só se envolve com a trama porque está
literalmente trancado no prédio em que ela ocorre. Uma vez
que Holly esteja em risco, ok, ele tem também uma motivação
interna para continuar, mas ainda assim demonstra de novo e
de novo que gostaria de sair dessa situação. Ele pede ajuda
da polícia, tenta fazer com que a lei interfira e só objeta
quando fica claro que os policiais vão criar uma tragédia.
Uma das razões pelas quais o filme é tão cativante é que
John McClane se torna a voz do público. Ele ativamente traz
à tona o absurdo que é resolver sozinho uma situação como
essa e nos lembra de novo e de novo do mundo exterior.
Numa coluna passada eu já fui contra o senso comum ao
dizer que os ferimentos de McClane não importam narrati-
vamente — são brutais em termos estéticos, mas não fazem
parte da história além disso. O personagem nunca foi um
“cara comum” em termos físicos. O que nos aproxima dele é o
quanto ele é comum em termos emocionais! Diferente de Sam,
McClane não demonstra lealdade ou moralidade extremamente
elevadas. Por isso a identificação com ele é tão forte.
Karate Kid, em contrapartida, é uma história de motivações
100% internas. A primeira cena do filme mostra Daniel Larusso
“brincando de karatê”, chutando a porta do condomínio para
onde está se mudando. Ao longo de todo o filme, ele tem a
opção de sair da situação — desistir da garota, arranjar outro
hobby, não participar do campeonato... Mesmo quando é
perseguido pelos bullies, Daniel tem agência. Ele escolheu
estar naquela situação e mais tarde escolhe não sair. Enquanto
nos identificamos com John McClane porque ele é “um cara
comum”, a identificação com Daniel vem do lado oposto:
ele continua com seu objetivo/obsessão apesar do mundo
externo tentando constantemente demovê-lo.
É fácil ver como isso se conecta com o assunto anterior,
não? No primeiro caso, a opção de sair da história por causa
do mundo exterior é retirada pelo próprio mundo exterior, por
mais que o protagonista tente. No segundo, é retirada pelo
protagonista, por mais que o mundo exterior tente.
Nos anos 90, era comum que mestres de RPG começassem
sua preparação perguntando “o que os personagens querem”.
Isso era uma tentativa de trazer à tona motivações 100%
internas. Um personagem que desejasse ser campeão da
arena receberia a opção de lutar na arena e caberia ao
jogador tomar a iniciativa. O mundo exterior (o mestre) não
fazia questão de empurrá-lo para isso. Mas muitas vezes
acontecia o oposto: o jogador dizia que o personagem não
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T O O L B O X T O O L B O X
House:
House:
Dr. House dá conta
Dr. House dá conta
de tudo sozinho
de tudo sozinho
Brooklin 99:
Brooklin 99:
Sempre há uma boa desculpa
Sempre há uma boa desculpa
para citar Duro de Matar
para citar Duro de Matar
queria nada, ou queria apenas sobreviver. Isso sinalizava
um jogador que esperava uma motivação 100% externa,
dada pelo mestre. Tendo a opção, seu personagem não iria
participar da campanha! Hoje em dia, na maior parte dos
casos o padrão parece ser personagens com um misto de
motivações. Isso não coloca o peso em apenas uma das
partes... o que vai nos levar ao próximo tópico.
Desmotivado
Nem mesmo o mestre mais experiente, nem mesmo o autor
mais habilidoso são capazes de vencer um desafio específico: a
má vontade do público. Nenhuma história resiste a um escrutínio
impiedoso questionando todas as motivações dos personagens.
Sam é leal a Frodo e entendemos essa lealdade, ok. Ele
é considerado parte da Sociedade do Anel, ok. Mas se um
leitor/espectador simplesmente resolver passar o tempo inteiro
questionando por que Sam não aproveita a situação para
pedir um aumento, ou tentar se tornar jardineiro de Galladriel,
ou roubar itens élficos de Elrond, ou fizer qualquer uma de
uma lista infinita de ações “práticas”/cínicas, vai conseguir
destruir a história... para si mesmo. Da mesma forma, um
jogador que passar a campanha inteira questionando como
aventureiros independentes podem lidar com grandes questões
globais vai conseguir estragar a própria diversão.
Mas então fica o questionamento: por que esse pessoal
consome essas obras? Por que entra nessas campanhas?
Toda história depende de uma mínima boa vontade do
público em ao menos tentar aceitar suas “verdades”. Esta
coluna falou quase só do trabalho e da responsabilidade de
escritores e mestres, mas vamos tirar um tempo para falar de
nossa responsabilidade como leitores e jogadores.
Em RPG é fácil definir esses parâmetros, ainda que seja
também fácil achar pessoas que estejam dispostas a quebrá-los.
Na minha opinião, o primeiro passo para ser um bom colega
de jogo é justamente “jogar o jogo”. Ou seja, aceitar missões
razoáveis, interessar-se pela trama, não interagir de forma hostil
com todos os NPCs, participar do grupo... Isso não significa
ler a mente do mestre ou apenas concordar com tudo. Mas o
pedido do velhinho da taverna claramente é um chamado à
aventura. Se você fizer questão de interpretar um personagem
ranzinza nessa hora, pode reclamar, mas simplesmente ignorar
o pedido é má vontade pura. Da mesma forma, você pode
fazer com que seu personagem fique o tempo todo implicando
com outro personagem por ser um mago (com o aval do outro
jogador, claro). Mas se recusar a participar do grupo porque
há um mago entre os colegas não faz sentido.
Em outras palavras, você deve ter motivação para jogar
RPG. E essa motivação deve informar a motivação de seu
personagem. Não está motivado para isso? Sem problemas,
você é livre para não participar dessa campanha e fazer
qualquer outra coisa. Mas apontar pretensos “furos” e minar
a motivação dos outros é algo puramente destrutivo.
Como leitores, nossa tarefa é um pouco mais sutil. Na minha
opinião, devemos estar cientes de onde estamos entrando e
escolher se queremos ou não consumir essa história. Numa
história clássica de aventura, precisamos aceitar vínculos
idealizados de lealdade, mesmo que isso não faça sentido
objetivo. Uma história desse tipo nunca vai resistir a um exame
puramente cínico. O mesmo vale com sitcoms nas quais os
personagens são motivados por mal-entendidos ou problemas
fúteis, obras de terror nas quais os personagens são motivados
por medo ou obras românticas nas quais os personagens são
motivados pela busca incansável do parceiro “perfeito”. Os
personagens estão rejeitando o mundo externo. O autor também
está. A obra como um todo está rejeitando o mundo externo e
apresentando as motivações possíveis dentro de seu contexto.
Apenas um leitor/espectador decidido a não gostar da
obra fica constantemente trazendo o mundo externo para
esse contexto. Isso não só é garantia de frustração como é
absurdo. Não podemos impor motivações do mundo real ao
mundo dessas obras... Porque, no universo dessas obras, essas
motivações não existem. Seria como questionar por que Frodo
não usa uma AK-47 para enfrentar os Espectros do Anel!
Tmj
Motivações dos protagonistas fazem parte de um acordo
tácito entre autor e leitor — ou de um acordo explícito entre jo-
gadores e mestre. Uma história na qual o protagonista se envolve
sem motivação nenhuma se torna vazia, fraca, oca... Por mais
interessante que seja superficialmente, sempre vai faltar algo.
Por outro lado, nenhuma motivação será suficiente para
responder a todas as perguntas que podem existir sobre o en-
volvimento dos personagens. Para abordar todas as questões
do mundo real, precisaríamos de um cenário tão complexo
quanto o próprio mundo real!
No fim das contas, motivar protagonistas é o mesmo que
motivar o público: dar a eles a oportunidade de se ligar à
história. Depois disso, a decisão de se motivar ou não é de
cada um.
LEONEL CALDELA
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  • 2. CHEFE DE FASE CHEFE DE FASE NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO BREVES JORNADAS BREVES JORNADAS ALCANCE O TOPO DA TORRE PIRATA, SE FOR CAPAZ! ALCANCE O TOPO DA TORRE PIRATA, SE FOR CAPAZ! RESENHAS RESENHAS INTERVIEW WITH THE VAMPIRE INTERVIEW WITH THE VAMPIRE • • A ARTE DE ABATER ANCIÕES A ARTE DE ABATER ANCIÕES • • GOW: RAGNARÖK GOW: RAGNARÖK BIELEFELD BIELEFELD O Reino dos Cavaleiros O Reino dos Cavaleiros TOOLBOX TOOLBOX Como manter seus herois motivados Como manter seus herois motivados MONSTERCHEFE MONSTERCHEFE A festa acabou de começar! A festa acabou de começar! CONTO CONTO A Ilha dos Demônios, A Ilha dos Demônios, de de Rafaela S. Polanczyk Rafaela S. Polanczyk PEQUENAS AVENTURAS PEQUENAS AVENTURAS Abrigue-se no crânio de gigantes Abrigue-se no crânio de gigantes DRAGAO DRAGAO ANO 18 • EDIÇÃO 186 GOD OF WAR: RAGNARÖK GOD OF WAR: RAGNARÖK BRASIL ~ ~ Junte-se a Kratos Junte-se a Kratos em uma jornada em uma jornada nórdica em nórdica em Tormenta20 Tormenta20! !
  • 3. O que ainda há para ser dito sobre Samuel Marcelino, autor da capa deste mês? Não sei, mas é bom pensarmos logo, porque ele não vai embora tão cedo! Nosso Cavaleiro da Mantícora, que vaga pelo reino de Bielefeld, é uma boa prova disso! A CAPA A CAPA 46 46 Gazeta do Reinado Gazeta do Reinado Conheça o novo reitor da Academia Arcana 48 48 Caverna do Saber Caverna do Saber Distinções: o lendário Cavaleiro Silvestre 52 52 Conto Conto A Ilha dos Demônios, por Rafaela S. Polanczyk 72 72 Breves Jornadas Breves Jornadas Em busca do tesouro da Torre Pirata! 78 78 Monster Chefe Monster Chefe O inimigo da festa chegou 82 82 Bielefeld Bielefeld Uma prévia quentinha do Atlas de Arton 98 98 Gloriosos Diários Gloriosos Diários Fim dos Tempos direto da CCXP 100 100 Pequenas Aventuras Pequenas Aventuras Nesta edição, faça escolhas de quebrar a cabeça 102 102 Chefe de Fase Chefe de Fase O Príncipe Submarino invade o RPG 106 106 Liga dos Defensores Liga dos Defensores Evoluindo e aprendendo em 3DeT Victory! 4 4 Notícias do Bardo Notícias do Bardo Ghanor RPG e tudo que aconteceu na CCXP 2022! 8 8 Resenhas Resenhas Interview with the Vampire, A arte de abater anciões, God of War: Ragnarök 11 11 Sir Holand Sir Holand Metas de ano novo nem sempre são fáceis 12 12 Supremo Tribunal Regreiro Supremo Tribunal Regreiro Todos de pé! Confira a súmula de dezembro de 2022 16 16 Dicas de Mestre Dicas de Mestre Enganações que gostamos 19 19 Calabouço Tranquilo Calabouço Tranquilo Ah... os milagres do Natal 20 20 Arquivos Secretos Arquivos Secretos O terror de Stephen King direto para sua mesa 26 26 God of War: Ragnarök God of War: Ragnarök Reinos, raças e origens para Tormenta20! 38 38 Toolbox Toolbox Por que os heróis fazem o que fazem? Editora-Chefe Karen Soarele Editor-Executivo J.M. Trevisan Colunistas Felipe Della Corte Leonel Caldela Rafael Dei Svaldi Thiago Rosa Colaboradores Textos: Ana Carolina Gonçalves, Bruno Schlatter, Daniel Duran, Dan Ramos, Davide Di Benedetto, Glauco Lessa, João Paulo “Moreau do Bode”Pereira, Marcelo Cassaro, Marlon Teske, Rafael Dei Svaldi, Rafaela S. Polanczyk, Vinicius Mendes Arte: Cássia Bellmann, Edh Muller, Eduardo Medeiros, Enrico Tomasetti, Leonel Domingos, Samuel Marcelino, Sandro Zambi, Vitor Louzada Diagramação: Cássia Bellmann Revisão: Elisa Guimarães, Guilherme e Rafael Dei Svaldi, Vinicius Mendes Extras Edição do podcast: Adonias Marques Fundo de tela: Samuel Marcelino HQ: Ricardo Mango Mapa de batalha: Filipe Borin D DR RA AG GAO AO BRASIL ~ ~ Toda vez que eu começo a escrever um editorial, tento seguir algumas diretrizes. Duas delas são: ser sincero no que eu digo e não me repetir demais nos temas. Nesta edição de dezembro, entretanto, vai ser difícil não quebrar a segunda regra. Porque é quase impossível, se não injusto, chegar em dezembro e não fazer um editorial de agradecimento. Não é novidade para ninguém que os últimos anos foram difíceis, porque eles foram difíceis para todo mundo (ok, existe uma parcela muito pequena da sociedade que com certeza sofreu menos, mas isso não é assunto para esta página). Foi difícil para o consumidor, mas foi difícil para quem produz também. Atravessar o lamaçal destes dois (ou quatro) anos sem demissões, sem queda de qualidade, mantendo a chegada de novos produtos exigiu, sem falsa modéstia, muita habilidade, jogo de cintura e a capacidade de manter a fidelidade de todos vocês. Cada leitor precisou fazer escolhas difíceis quando o cinto apertou. Aos que decidiram ficar com a gente, muito obrigado. Aos que abriram mão com aperto no peito por necessidade, meu obrigado também. Todo mundo já esteve do outro lado e sabe como é. Depois de um fim de ano alucinante em termos de lançamentos, esperamos ainda mais de 2023. Só a dupla Atlas de Arton e Ameaças de Arton já é o suficiente para fazer todo mundo salivar. E, mais uma vez, como foi em Tormenta20, vamos precisar da ajuda da comunidade. Mas com certeza não vamos parar por aí. A Jambô é cada vez mais uma editora organizada e preparada para manter o posto que conquistou com muito esforço: o de maior editora de RPG do Brasil. E esse não é nem o fim da nossa Jornada Heróica pessoal. Ainda há muito o que conquistar. Em janeiro saio de férias com a tarefa de trabalhar na pré-produção do curta de Tormenta (e descansar um pouco, porque não sou de ferro). Recebam bem o Thiago Rosa na edição do mês que vem! Mais uma vez, muito obrigado a toda a equipe da editora e aos leitores pelo ano incrível! Nos vemos em 2023! PS. Daqui a um ano estaremos perigosamente perto da Dragão Brasil 200! OBRIGADO! Dragão Brasil é © 2016-22 Jambô Editora. Apoie a Dragão Brasil Siga a Jambô Editora E D I T O R I A L S U M Á R I O
  • 4. Agora você pode viver suas aventuras no jogo de interpretação oficial do Nerdcast RPG: A Lenda de Ghanor RPG é um manual completo para criar personagens, narrar aventuras e explorar os Sete Reinos. Estude tradições arcanas, governe seu próprio feudo e, se ousar, enfrente um novo Devorador de Mundos: este RPG inclui 7 raças, 11 classes, 30 origens, 60 monstros e mais de 100 itens mágicos, todos inspirados no Nerdcast RPG: Medieval e no universo de A Lenda de Ruff Ghanor, criados por Jovem Nerd, Azaghal e Leonel Caldela. Além disso, Ghanor RPG tem um sistema totalmente compatível com Tormenta20: Edição Jogo do Ano, o que permite que os jogadores usem os dois livros em conjunto. E não para por aí: você pode expandir a sua jogatina com a Caixa de Luxo, que inclui um conjunto de dados excluivos, mapas de batalhas, escudo do mestre, marca-páginas com regras adicionais e um pingente metálico em edição limitada de Ruff Ghanor! Saiba mais em ghanor.com.br. 4 O DESTINO DE GHANOR O DESTINO DE GHANOR ESTÁ EM SUAS MÃOS ESTÁ EM SUAS MÃOS N O T Í C I A S D O B A R D O JAMBÔ NA CCXP! JAMBÔ NA CCXP! 4 5 N O T Í C I A S D O B A R D O
  • 5. 6 7 N O T Í C I A S D O B A R D O N O T Í C I A S D O B A R D O
  • 6. A série do clássico Entre- vista com o Vampiro, livro de Anne Rice que moderni- zou os chupadores de san- gue a partir dos anos 70, não é tão fiel ao material original, e talvez esse seja o maior indício de que o entendeu muito bem. Adaptar uma obra renomada sempre é um campo minado: se for fiel demais, perde o potencial da mídia nova e pode acabar com um resultado truncado. Se desviar demais, pode irritar fãs apaixonados que vão se incomodar porque a roupa do personagem era pra ser verme- lho sangue, não vermelho vinho. Nesse sentido, Interview chuta o balde: muda etnias, período histó- rico e até alguns acontecimentos essenciais da narrativa. Louis, antes um latifundiário escravocrata do final do século XVIII, agora é um rapaz negro, que construiu fortuna em atividades questionáveis no começo do século XX. Seu entrevistador, um jovem jornalista ingênuo, agora idoso passando por uma doença terminal, está fazendo sua segunda entrevista com o vampiro. Os fãs mais puristas podem torcer o nariz a princípio, mas a bem da verdade, as intervenções elevam a obra. Louis ganha complexidade quando entra o elemento racial (e poderes de leitura de mente). Daniel Malloy cria dinâmicas mais interessantes como jornalista experiente. No mais, o que temos é uma mistura de história de terror fantástico, com uma história de terror real, no caso, o relacionamento abusivo entre Louis e Lestat. E ao contrário do que ocorreu no antigo filme com Tom Cruise e Brad Pitt, aqui eles são oficialmente um casal disfuncional que tenta resolver seus problemas adotando uma criança. A produção visual da série é belíssima e a direção não se leva mais a sério do que deveria. Há referências ao cinema de horror gótico e obras clássicas sobre vampiros sem nunca cair no pastiche. Há nojeira e efeitos práticos com partes de corpo e sangue falso. E para além disso, os pontos realmente altos: roteiro, direção e um elenco fenomenal. Jacob Anderson deixa fácil se encantar com Louis, facilmente um dos protagonistas mais chatos da literatura. Eric Bogosian é um Daniel amargo e mordaz, o tempo todo encurralando Louis em suas contradições. Bailey Bass é uma Cláudia que alia monstruosidade e ingenuidade de uma forma perturbadoramente carismática. Mas quem leu Anne Rice, sabe: a grande estrela de sua obra é Lestat, e Sam Reid brilha no papel. O personagem consegue ser sedutor e amedron- tador em igual medida, indo do encanto à violência extrema em questões de segundos. Anne Rice’s Interview with the Vampire é uma daquelas adaptações que deixam bem claro que às vezes a melhor forma de ser fiel ao espírito do material original, é se afastando dele, e com a primeira temporada acabando em mais um gan- cho que modifica o original, seria mentira dizer que não estou empolgado para ver onde essa versão das criaturas das trevas vai me levar. VINICIUS MENDES Só uma mordidinha! INTERVIEW WITH THE VAMPIRE Apesar do título chei- rando a horror cósmico, imagine uma coletânea de contos fantásticos que pa- recem escritos por Ray Bra- dbury — o lendário autor de Fahrenheit 451 e Crônicas Marcianas — caso ele tives- se levantado da cova. Está tudo lá: o sentimento nos- tálgico e agridoce, aplicado aos mais diversos gêneros. Ficção científica. Realismo mágico. Surrealismo. Fábio Ochôa é um autor que pouca gente fora da cena brasileira de quadrinhos reco- nhece, mas conta com segui- dores fiéis. Quem lê, respeita. Tanto pela produção em escala industrial de ficção-curta, quanto pelas análises enciclopédicas de cultura pop. Esta antologia co- letou, pela primeira vez, contos escritos por ele ao longo de mais de trinta anos, espalhados em sites nerds e literários. É a obra de um samurai da blogosfera na Era Meiji das redes sociais. Ochôa ganha o leitor logo de cara. Tanto pela qualidade de sua prosa cirúr- gico-telegráfica, quanto pela força bruta de ideias nascidas a partir da mente de alguém forjado na energia cocainômana de mil redações publicitárias. Aqui você encontrará de tudo, mesmo. Por exemplo, a história de um professor embarcando no trem errado na estação ferroviária. O homem vai parar em uma aldeia onde o sol nasce Evento da literatura underground A ARTE DE ABATER ANCIÕES na forma dos olhos incandescentes de um lobo gigante, mas esta fera imortal precisa ser abatida todos os dias pelos guerreiros locais para trazer o anoite- cer. Há também o relato de um policial do BOPE deparando-se com um portal do tempo, e resolvendo utilizá-lo para a desova dos cadáveres de pessoas executadas. Ou ainda a resposta para a pergunta: o que aconteceu em Nova Iorque após King Kong despencar do alto do Empire Estate? Porém, apesar de lembrar o modelo “antológico” repopula- rizado em tempos recentes por séries de tevê como Black Mirror, O Gabinete de Curiosidades e Love Death + Robots, este não é um simples aglomerado de historietas avulsas. Não apenas os melhores contos ochoanianos foram selecionados, como pas- saram por ímpar trabalho de edição do próprio autor, artesa- nalmente costurados dentro de um multiverso. Nenhuma novidade, mas isto é realizado com competên- cia mestra. A costura é quase invisível, com padrõezinhos, temas e personagens que vão se repetindo ao longo das tra- mas. Um efeito cumulativo que vai crescendo em intensidade, culminando no conto que dá nome a compilação, tal qual um quebra-cabeças montado até a última peça. Há pecadilhos. Meia dúzia de frases aqui e ali escritas em tradutorês, ou um personagem carioca que bebe cerveja gaúcha. De resto, é um evento em forma de livro. E pode não ser o equivalente li- terário de um grande festival internacional de música, é claro. Está mais para o show daquela banda que ninguém conhece e só você gosta… Mas, caramba, como tocam bem! DAVIDE DI BENEDETTO 8 9 R E S E N H A R E S E N H A
  • 7. Depois de uma longa espera, a franquia God of War apresenta a conti- nuação dos perrengues de Kratos e Atreus pelos Nove Reinos enquanto lidam com os caprichos e os planos maquiavélicos dos deuses nórdicos. Usando todo o ar- senal gráfico do PlayStation 5, Kratos tem que lidar com um filho mais rebelde e com deuses mais poderosos… God of War: Ragnarök nos leva de volta ao mundo nórdico que Kratos aprendeu a chamar de lar. Com o conhecimento de uma profecia mórbida, a dupla de pai e filho agora tem que lidar com o olhar cada vez mais atento de Odin a seus passos. Os gráficos continuam maravilhosos, ainda mais potentes com o hardware da nova geração; os combates seguem bem animados e extre- mamente sanguinolentos, além de mais desafiadores; e os diálogos permanecem como um dos pontos mais fortes dessa nova fase da franquia. Há muitos momentos entre Kratos e Atreus, mas Ragnarök vai além e apre- senta novos companheiros de batalha em certas situações. A continuação é um prato ainda mais cheio para quem gosta dos contos da mitologia nórdica. Mundos ainda desconhecidos do primeiro jogo marcam presença no segundo, tanto geográfica quanto narrativamente. Ainda há tempo de visitar cenários familiares, como a fria Midgard. Seguindo a onda de jogos AAA com exploração por meio de missões principais e secundárias, God of War Ragnarök apre- senta algumas sidequests bem interessantes que aprofundam o passado dos persona- gens e revelam mais dos Nove Reinos. No entanto, ainda há algumas missões bem dispensáveis, úteis apenas para os jogadores que caçam troféus e querem platinar o jogo. Já as principais são as responsáveis por fazer a história do jogo brilhar — quem se surpreendeu com as revelações do primeiro jogo pode esperar por mais reviravoltas impressionantes. Como o título indica bem, a trama gira em torno — bem lite- ralmente — da inevitabilidade das profecias, e o quanto é possível controlar e mudar o próprio des- tino. Kratos já enfrentou deuses e lidou até com as Fúrias, mas dessa vez quer apenas proteger o próprio filho de uma guerra sem sentido, em vez de causar uma. Isso o leva a se abrir mais com os outros per- sonagens e contar acontecimentos de jogos mais antigos, quando se tornou um deus da guerra e cha- cinou um panteão inteiro. Apenas em Ragnarök os companheiros de Kratos ganham total dimensão das marcas e arrependimentos que o espartano carrega, e como isso o torna tão avesso a guerras e con- frontos contra outros deuses. Personagens queridos como Mimir e Freya também confron- tam os demônios do próprio passado, inevitavelmente lidando com as consequências de suas ações. Personagens novos cativantes adicionam ainda mais tensão e risco à trama. Se no primeiro jogo dessa nova fase os inimigos não eram tão óbvios, em Ragnarök os vilões são ainda mais ambíguos e misteriosos. God of War Ragnarök aproveita tudo que deu mais certo no primeiro jogo, sem buscar reinventar a roda, mas aprimoran- do toda a experiência e proporcionando um jogo melhor que o anterior em todos os sentidos. GLAUCO LESSA Eu me desenvolvo e evoluo com meu filho… GOD OF WAR: RAGNARÖK 10 R E S E N H A
  • 8. 1) Qual é a explicação da ação de “reempunhar um arco longo”? Por regra ela existe, mas a cena em si é meio estranha, já que você segura um arco apenas com uma mão e a outra está livre, afinal você está sem- pre a usando para puxar flechas, o que exige muito movimento da outra mão. Do jeito que está, se alguém usar essa outra mão para pegar uma poção, depois precisa “reempunhar” o arco de alguma forma. É até difícil narrar uma cena assim, afinal a mão que vai ser reempunhada está tão livre que você consegue usá-la para puxar uma flecha e depois a colocar no arco. Todos em pé! Os Exmos. Ministros do STR avaliaram as petições enviadas pelos conselheiros da Dragão Brasil e estão prontos para dar seus pareceres. Apresentamos extraordinariamente uma mudança de cadeiras nesta seção. Esta súmula ainda contém respostas debatidas, deliberadas e formuladas por todos os participantes do Supremo Tribunal Regreiro, mas agora elas serão redigidas aqui pelos Exmos. Ministros Thiago Rosa Moreira, presidente do Sindicato Furtivo, e Rafael Dei Svaldi, fundador e presidente do Magistério Monstrográfico. Caso você seja um conselheiro da revista, procure pelo post fixo no grupo fechado dos conselheiros no Facebook para redigir sua petição. Caso não seja, considere tornar-se um, mudando seu nível de apoio para ter suas súplicas atendidas neste tribunal. SÚMULA DE DEZEMBRO / 2022 2) Uma criatura Média pode agarrar uma criatura Colossal? Como os valores de ataque sobem muito, é bem comum em nível alto alguém agarrar um colosso su- premo ou algo assim, mas é uma cena um tanto estranha, afinal a pessoa agarra um dedo do pé do colosso, e ele para. Pior ainda, um lutador usando Imobilizar em um Colosso Supremo. — Cons. Julio Cesar Excelentíssimo conselheiro Julio Ce- sar, muito obrigado pela sua missiva! Sem mais delongas, vamos direto para suas respostas. 1) Empunhar uma arma não significa apenas segurá-la, mas sim assumir uma postura adequada para seu uso. Caso a mão seja usada para pegar outros itens ou até mesmo empunhar outras armas, essa postura fica comprometida. O uso da ação de movimento para reempunhar representa esse ajuste. Lembre-se, porém, que caso seja possível sacar a arma como ação livre (por exemplo, através do poder Saque Rápido) a ação de reempunhar também é feita como ação livre. 2) Sim, apesar de que o mestre pode proibir a ação caso a ache sem cabi- mento. Personagens de tamanho humano agarrando e imobilizando monstros gigantescos é algo comum em histórias lendárias, figurando entre os feitos de heróis como Hércules. • • • Os poderes de paladino Aura de Cura e Cura Pelas Mãos podem curar um companheiro osteon? — Cons. Paulo Vinicius Paladiníssimo conselheiro Paulo Vi- nicius, a resposta é sim e não. Aura de Cura não é um efeito de luz e, portanto, pode afetar osteons. Cura Pelas Mãos, porém, é um efeito de luz e portanto não pode curar osteons. • • • 1) A magia Mão Poderosa de Talude cria uma mão flutuante entre o conjurador e um oponen- te. Essa mão pode realizar certas atividades de acordo com a von- tade do conjurador, mas uma em especial gerou uma dúvida em uma discussão com amigos: a ação “agarrar”. Diferente da des- crição da ação “empurrar”, que deixa claro que a mão empurra o oponente até o alcance máxi- mo da magia, não é dito se esse oponente deve estar adjacente ao conjurador ou se a ação agarrar pode ser feita à distância. Além disso, também não é dito se a mão orbita o conjurador ou se é materializada em um espaço vazio e nem é dado para ela um valor de deslocamento, Vocês poderiam esclarecer esses pontos, por favor? 2) Gostaria de saber como fun- ciona um Campo Antimagia com armas de ataque a distância. No FAQ 1.2 foi informado que conju- radores podem lançar magias para fora de seu Campo Antimagia, mas e se o jogador atirar de dentro de um Campo Antimagia contra um alvo que esteja fora do campo usando uma arma mágica de dis- paro? E se ele atirar contra um alvo que esteja dentro de um Campo Antimagia usando a mesma arma enquanto está do lado de fora? — Cons. Gilmar Burato Arcaníssimo conselheiro Gilmar, va- mos às suas respostas! 1) A mão é conjurada em um espaço a escolha do conjurador, dentro do al- cance da magia e entre o conjurador e um oponente escolhido pelo conjurador. Dentro destes limites, ela pode tanto agarrar quanto empurrar o oponente escolhido dentro do alcance da magia, por isso ela não necessita de um valor de deslocamento. Na prática, com uma ação de movimento o conjurador faz com que a mão alcance o oponente em qualquer lugar (novamente, dentro do alcance da magia). Por fim, quando faz a ação empurrar, a mão não está limitada por seu deslocamento; ela empurra o oponente tanto quanto o resultado de seu teste permitir, até o alcance máximo da magia. 2) Recentemente, os membros do STR optaram por uma nova interpre- tação do texto de Campo Antimagia, que será incorporada à nova versão do FAQ. Com essa nova interpretação, um conjurador não pode lançar magias dentro do Campo. Quanto a armas de disparo, o poder de itens mágicos é apenas suprimido pelo campo. Ou seja, um alvo fora do campo é afetado pelos encantamentos, um alvo dentro do campo não é afetado por eles. A critério do mestre, inclusive, qualquer efeito que afete testes de ataque não se aplicaria se o atirador estiver dentro do campo antimagia. • • • Qual seria a ação necessária para trocar a empunhadura de uma arma adaptável? Por exemplo, para trocar entre empunhar uma espada bastarda com uma mão para empunhar a mesma espada bastarda com as duas mãos? — Cons. Lucas Waterkemper Alberton Marcialíssimo conselheiro Lucas, a ação necessária é uma ação de movi- mento, de forma similar a reempunhar uma arma de duas mãos (T20 página 142). Porém, caso a arma em questão possa ser sacada como uma ação livre (por exemplo, caso o usuário tenha o poder Saque Rápido), a empunhadura pode ser trocada como uma ação livre. • • • Algumas dúvidas que surgiram em uma mesa que mestro: 1) A ativação dos poderes Ar- madilha e Marca da Presa, ambos de Caçador, é considerada uma ação chamativa para efeitos de Furtividade? 2) Uma criatura sob efeito de Marca da Presa que caia em uma armadilha de espinhos recebe o dano extra da Marca da Presa? — Cons. Everton Vieira Martins Excelentíssimo arapuqueiro e conse- lheiro Everton, vamos às suas respostas! 1) A perícia Furtividade indica que “Esconder-se é uma ação livre que você só pode fazer no final do seu turno e apenas se terminar seu turno em um lugar onde seja possível se esconder. (...) Se tiver atacado ou feito outra ação muito chamativa, sofre –20.” A definição de ações muito chamativas é deixada em aberto justamente para dar margem aos mestres para tomar decisões em situações específicas. A resposta final desse tipo de 12 13
  • 9. pergunta sempre caberá primariamente ao mestre da mesa em questão. Porém, Marca da Presa é uma ação que depende exclusivamente do caçador e não exige gestos nem palavras. Parece bem razoável considerá-la uma ação mais discreta. Os poderes de Armadilha, por outro lado, en- volvem uso de vários artifícios com grande potencial para fazer barulho. É razoável considerá-los uma ação muito chamativa. Porém, lembre-se que você sempre pode argumentar com seu mestre — talvez o seu caçador tenha pedido ajuda ao inventor do grupo para lubrificar as peças, tornan- do sua armadilha menos barulhenta. 2) Sim. Marca da Presa se aplica a todas as rolagens de dano contra a criatura afetada. • • • Olá, venho tirar outra dúvida e já deixo minha gratidão pela resposta. Como efeitos de teleporte inte- ragem com a condição agarrado? Um arcanista agarrado é capaz de se teleportar, ou mesmo passando nos dois testes ele ainda seria in- capaz de sair dessa situação? — Cons. Fagner Ferreira Excelentíssimo conselheiro Fagner, sua pergunta é capaz de fazer Noturno dos X-Men fazer BAMF e deixar para trás uma pequena nuvem de enxofre! Antes de mais nada, lembre-se que estar agarrado é considerado uma con- dição terrível para lançar magias (T20 página 171). Ou seja, o arcanista do exemplo precisa ter sucesso em um teste de Vontade com CD 20 + custo em PM da magia de teleporte para poder lançar a magia. Caso tenha sucesso, porém, escapa da condição agarrado. 14
  • 10. D I C A S D E M E S T R E Nem tudo Nem tudo precisa ser precisa ser verdade dentro verdade dentro do mundo de jogo! do mundo de jogo! Muito tenho ouvido, em minhas incursões no Reinado, de um fabuloso país no extremo leste de Arton governado, com garras de ferro, por um imenso dragão vermelho. Veja, não se trata de força de expressão. Vez por outra registra-se suas visitas à capital de Deheon em forma élfica, mas se tem em certeza de que se trata do Dragão-Rei Sckhar, em carne, osso e fogo vulcânico, tendo inclusive o reino sido derivado de seu nome. Pois eu digo, sem sombra de dúvida: tal coisa não existe. Veja: dragões, por mais inteligentes e ardilosos que sejam, ainda não passam de feras gananciosas e individualistas demais para governar seres vivos, ainda que lhes trate como gado de abate. Mesmo assim, um dragão jamais se preocu- paria em cuidar de suas manadas, ao invés de apenas lhes dar caça. Sei que há, pelas vastidões dessa terra, criaturas deste tipo que ativamente são chamadas de Dragão-Rei… mas é apenas uma classificação taxonômica, e a correlação filosófica desse termo é apenas um disparate. Imagino, com certa irreverência, por quanto tempo um dragão suportaria a política e intriga do jogo dos tronos antes de cozinhar viva a corte com seu sopro de fogo. Dizem que a criatura vê a nação como seu tesouro pessoal de covil, mas é absurdo sequer cogitar que Sckhar admitisse não controlar pessoalmente cada moeda de ouro em que deita em cima… afinal, não pode jamais enxergar toda a extensão de seu reino em um mero virar de pescoço. O mais provável é que, assim como os reis de antiga- mente, este tirano de linhagem antiga, muito possivelmente um mago fugido de Lenórienn, tenha se apossado de uma forma divina metafórica. Outrossim, não é incomum que humanos e demais raças inferiores se refiram a seus senhores feudais como animais graças às criaturas representadas em sua heráldica, especialmente os mais nobres e lendários. Portanto, senhores, até o dia em que eu testemunhar tais escamas régias com meus próprios olhos, afirmarei catego- ricamente que essa não passa de mais uma das fantasias imaginativas vindas dos recantos distantes. – Relatório de campo n. XXIII do Ano de Tauron de 14XX, pela mão do Coronel de Campo Darrakis do Sexto Batalhão de Subterfúgio Raízes da Oliveira Vivemos em um mundo repleto de lendas, superstições e tradições. Desde os tempos mais primórdios, o ser humano aprendeu a criar explicações sobrenaturais para o que não entendia e, nos períodos históricos que inspiram a fantasia medieval, lendas e fábulas eram parte do cotidiano. Fenômenos estranhos ainda inexplicáveis para a ciência, doenças estranhas à medicina contemporânea, entre outros. Tudo ganhava contornos fantasiosos: vampiros se escon- diam na escuridão dos becos. Demônios podiam entrar pela sua janela. Trolls espreitavam sob as pontes. Certas doenças eram obras de fadas. A noite é escura e cheia de terrores, como diria uma certa senhora de Game of Thrones. No livro Devoradores de Mortos, o navio dos protagonistas confronta um monstro marinho grotesco (nada mais que uma baleia). Povos atribuíam características sobrenaturais ou mitológicas a pessoas de lugares distantes, fósseis de dinossauros deram origem aos dragões e um sem número de animais fantásti- cos surgiram de descrições exageradas ou inventadas por viajantes. Isso sem falar nas sociedades inseparáveis de sua mitologia, como a greco-romana e a escandinava. A fantasia medieval literária e do RPG é, em maior ou menor grau, a solidificação desses medos e lendas. Temos gente que realmente solta fogo pelas mãos. A floresta está mesmo cheia de monstros. O fantasma da casa mal-assom- brada pode muito bem ser… um fantasma, ou alguma outra criatura horripilante. Costumamos considerar verídico tudo que é descrito nos cenários de campanha porque eles são quase sempre a “versão verdadeira” das coisas para a pessoa que vai mestrar não se perder. Mesmo se algo é deixado vago, mal explicado ou como parte de lendas e boatos, o público costuma pedir a explicação real. Quem não queria saber de onde veio a Tormenta? A internet está entupida de teorias sobre as Grandes Verdades™ de obras como Dragon Age e The Witcher (sem falar nas que já foram reveladas). Em Castelo Falkenstein, Sherlock Holmes coexiste com seu criador Sir Arthur Conan Doyle, e o Japão é governado por dragões imperadores. Sim, no RPG, o mundo é seu e você muda o que quiser. Eu sei. Mas muitos de vocês se sentem presos ao cânone do cenário, especialmente se ele tem bastante suporte. Minha proposta aqui é te ajudar a se rebelar, mas sem deixar seu jogo desatualizado! 17 DENTRO DA FANTASIA A FANTASIA
  • 11. D I C A S D E M E S T R E Com o tempo, porém, fui percebendo que na verdade eu podia ter a liberdade que quisesse dentro de qualquer cenário de campanha ao considerar minhas alterações o meu headcanon (termo que indica uma crença pessoal sobre a história que não foi demonstrada oficialmente; ou seja, algo que acontece apenas na cabeça do fã), mantendo as versões oficiais das coisas sempre como uma das muitas possibilidades de verdade. Meio confuso, eu sei, mas me deixa explicar. Como dito anteriormente, mesmo em um mundo de fantasia, ainda podemos deixar algumas coisas como fruto de exageros de uma história que passa por muita gente (seja por distâncias ou através de gerações). Lendas e mitologia podem ser parte de um povo, histórias para ensinar crianças e formar valores. Fantasia ainda pode ser criada para desinformar inimigos, esconder verdades ou alguma outra forma de propaganda… igualzinho no mundo real. Em Dragonlance, cada raça do cenário tem sua própria versão de como o mundo foi criado. Quem está certo? Não importa. Em Game of Thrones, como não há eventos mági- cos e criaturas fantásticas há muito tempo, as pessoas passaram a dizer que dragões, magia, snarks e gra- mequins são como contos de fada (sim, a memória do povo é curta). Ao longo da história, obviamente descobrimos que a coisa não era bem assim. E ainda há o costume de chamar as casas pelos animais do brasão, de modo que você tem os lobos Starks, a lula gigante Greyjoy, os leões Lannister, etc. Até mesmo em mundos de alta magia, com coisas fantásticas acontecendo no dia a dia da população, é possível pensar na fantasia dentro da fantasia. As pessoas tendem a achar que qualquer coisa vagamente diferente do que estão acostuma- das é um absurdo. Onde já se viu um goblin azul? Todo mundo sabe que goblins são verdes. Que história é essa que em Valkaria tem restaurantes com o mesmo nome, especialmente um nome tão estranho quanto “Castelo do Sabor”? Profecia da Flecha de Fogo? Que lorota. O interessante nessa abordagem é que você tem os dois mundos, e pode aceitar tudo que o cenário de campanha tem a oferecer sem se preocupar em mudar o que gosta quando essa coisa realmente for entrar na aventura. Você só precisa decidir o que é verdade e o que não é na hora H. Como nosso minotauro lá do começo, que provavelmente já descobriu que Sckhar é beeem real… Canon vs. Headcanon Não consigo usar absolutamente nenhum material de RPG sem mudar um monte de coisas. Tenho essa mania de deixar tudo do meu jeitinho. Gosto de ter a base pra jogar meus temperos, entende? Imagino que seja assim com boa parte das pessoas que mestram RPG. Às vezes acho algo tosco e altero, ou quero criar e detalhar alguma coisa que ainda não foi explorada. É normal. Só que isso sempre me trouxe duas preocupações: uma era de fugir demais do material original e a coisa toda perder a essência. A outra é que é muito tentador se manter ao cânone. O cenário vai seguindo, aparecem novos materiais, o fandom pira, e você não quer se sentir excluído. (Já cheguei até a arranjar um problema pra comuni- dade de Tormenta, porque meu mapinha pessoal cheio de alterações foi parar na internet e um monte de gente acabou sendo levada ao engano achando que era oficial. Desculpa, quinteto!) As belezas do retcon Mas aí você mesmo fez o seu cenário, e tudo que eu disse até agora não serve. Certo? Errado. Além de todos os benefícios de poder criar histórias fantasiosas, confundir os personagens dos jogadores, manter o cenário sempre surpreendente e poder introduzir qualquer coisa a qualquer momento na sua campanha sem a necessidade de ter falado daquilo antes… você pode mudar o que quiser na hora que quiser, inclusive no passado. Às vezes alguém teve um dia ruim, faltou inspiração na hora do jogo ou outra adversidade. Daí faz-se uma bes- teira, uma briga desfaz o grupo, o TPK parece próximo, uma dungeon é mal conduzida, as coisas saem do controle. Geralmente dá pra contornar a situação ingame e/ou a coisa acaba gerando novos plots e tudo fica bem. Às vezes, no entanto, uma cena ou a campanha inteira é arruinada. O clima fica ruim, a história vai sendo empurrada com a barriga e encontra um fim precoce. (Ou às vezes você só é como eu, incrivelmente desmemo- riado, e vive esquecendo fatos e personagens do passado.) Quando essas coisas acontecem, uma boa forma de salvar o dia é o retcon (retroactive continuity). É um termo usado em quadrinhos e outras obras de ficção, onde muda-se coisas pregressas na história para preencher lacunas, consertar problemas, explicar algo melhor e coisas do tipo. Assumir que seu mundo de fantasia é um lugar cheio de, bem, fantasia (perceba que eu evitei bastante o uso do termo fake news durante todo o artigo) é uma forma excelente de usar retcons, com a abordagem de que aquilo sempre foi assim no cenário, mas os personagens dos jogadores tinham ouvido falar de algo exagerado ou inverossímil. Dá até pra “voltar no tempo” e “recontar” cenas que saíram ruins, melhorando ou apagando algo que não deu certo na história. Claro, tudo em comum acordo com os jogadores; muita gente não gosta nadinha de retcons, mas eu sempre advogo pela diversão do grupo. Então, talvez você até consiga con- vencer os “incrédulos” a usar esse recurso narrativo, desde que haja uma boa desculpa dentro do jogo. E nem preciso dizer, mas vou dizer assim mesmo: use com parcimônia. Minha dica aqui é guardar o retcon para coisas importantes, como inserir raças de um suplemento novo no mundo ou provocar os personagens dos jogadores com relatos fabulosos sobre eventos cataclísmicos. Ou ambos, não é, osteons? DAN RAMOS 18 19 D I C A S D E M E S T R E Dragon Age Inquisition: Dragon Age Inquisition: Solas enganou os deuses, Solas enganou os deuses, o povo e nós, jogadores o povo e nós, jogadores
  • 12. O SEGREDOS DO MESTRE DO HORROR, ATERRORIZANDO SUA MESA DE ORDEM PARANORMAL INSPIRAÇÃO MACABRA ARQUIVOS SECRETOS Na história da literatura, do cinema, das ani- mações e séries, é difícil apontar um autor específico como o grande mestre do horror, de modo definitivo. O cara mais tenso na hora de causar medo em todo mundo ou de te deixar extremamente incomodado sem fazer muito esforço. Aquele maluco capaz de te apavorar com duas ou três linhas de texto, e de esculpir na sua cabeça uma imagem mental que não vai sair de lá por anos. Sim, com candidatos como Clive Barker, Love- craft, Edgar Allan Poe (só para ficar nos clássicos), é difícil mesmo. Para os outros. Para mim é bem fácil: o mestre é Stephen King. King vem, desde a década de 1970, destruindo as almas e mentes que se atrevem a ler suas páginas, com a naturalidade de quem dá a volta no quarteirão para comprar pão e sorvete (quem compra pão e sorvete? Não sei. Mas foi o que veio na hora). Seu tom casual e familiar, sem enrolação desme- dida, serve para aproximar o leitor de um jeito único, inspirando muitos outros criadores, incluindo este que vos fala. Sério, se você consumiu terror nos últimos 40 anos, a impressão digital de Stephen King está lá em algum lugar, mesmo que você nem tenha se dado conta. Assim, me parece muito lógico buscar dicas na mais profunda das fontes na hora de criar sua campanha ou aventura de Ordem Paranormal. Segure seu amuleto preferido, porque é hora de deixar a membrana mais fina e encarar os horrores de frente! ADEUS, VIDA NORMAL! De certa forma, assim como em Ordem Paranormal, na maior parte dos contos e livros de King, pessoas comuns são arrastadas de encontro a acontecimentos paranormais ou inexplicáveis e, até que se estabeleçam nesta nova situação, criando mecanismos de reação e defesa, precisam se virar para lidar com algo que até então não fazia parte de suas vidas. Sim, os personagens de Ordem têm ao seu lado a, er, Ordem da Realidade. Mas não existe motivo que nos impeça de extrair inspiração das obras do Mestre Máximo do Terror. Não custa avisar que este texto inevitavelmente conterá vários spoilers, embora eu prometa tentar não colocar nada que estrague a experiência. Eu sei que é bem mais fácil assistir os filmes, mas se você resolver ler as obras originais, me dê um toque no Twitter. Eu vou gostar de saber. A COISA Em A Coisa, transformado em filme mais de uma vez (para a surpresa de ninguém, o livro é melhor, apesar de bem longo), um palhaço assassino assola a cidade de Derry, matando em sua maioria crianças. Sua tática é bem covarde: atrair os pirralhos com a promessa de diversão e balões infinitos em um lugar onde nada chato existe. Bem no comecinho do filme, George Denbrough é morto pelo monstro ao ser arrastado para um bueiro (a cena é de cortar o coração). Os protagonistas são um grupo de garotos, um deles é o irmão de George, que prometem acabar com a criatura e se reunirem depois de adultos para fazer o mesmo caso o horror volte um dia. Um doce para quem adivinhar o que acontece. V Em Ordem Paranormal: Não é difícil imaginar uma situação em que os personagens determinam a aventura da infância em seus históricos ou na sessão zero, e são convocados para lidar com a ameaça de novo depois de adultos justamente por terem sido bem sucedidos anteriormente em con- dições ainda mais adversas. Assim como no livro, talvez nem todo mundo esteja contente com a ideia e precise ser convencido a encarar o palhaço no- vamente (que, é claro, é muito mais que um mero palhaço psicopata). V Onde assistir: A primeira parte da versão mais recente pode ser encontrada na HBO Max e na TN- TGo. A segunda parte está disponível no Amazon Prime Video e HBO Max. Já a versão clássica, de 1990, pode ser alugada na Microsoft, Apple TV e Amazon Prime. beijo para quem ta lendo 21
  • 13. CHRISTINE, O CARRO ASSASSINO Sim, é isso que você leu. É um carro assassino que se chama Christine. Mas não feche a revista ainda: o livro estranhamente é bom. Arnie é um adolescente nerd cheio de espinhas na década de 1970, obviamente zoado pelos amigos. Um grande clássico. Até que um dia ele encontra um carrão caindo aos pedaços sendo vendido por Roland, um senhor de idade de saúde debilitada, e o compra por 250 dólares. A ideia dele é simples e nada ruim: reformar o veículo e ganhar popularidade com as garotas. E meio que é o que acontece, só que de uma maneira bizarra. A dedicação de Arnie faz com que o carro comece a regenerar sozinho, enquanto ele próprio se transforma em uma versão muito melhor de si mesmo. Além disso, os inimigos do agora confiante adolescente, começam a ser atropelados misterio- samente. Christine nitidamente se alimenta da devoção de Arnie. Seu histórico nas mãos do dono original também não é dos mais saudáveis. A filha do homem morreu engasgada com um hambúrguer no banco de trás, e a esposa se matou no banco da frente tempos depois. Coisa finíssima. V Em Ordem Paranormal: Descobrir que tudo isso está acontecendo passa não só por investigar a vida de Arnie, ou de quem quer que esteja com o carro, mas também o passado de Roland, além de superar a incredulidade da premissa “tem um carro andando sozinho por aí matando gente”. E já que a ideia é se inspirar, quem disse que a gente precisa se contentar com UM carro? Talvez isso aconteça em outros lugares, em outras situações. Talvez, em algum lugar, um caminhoneiro solitário tenha se dedicado demais a cuidar de seu principal instrumento de profissão… V Onde assistir: Preferi não ver o filme por dois motivos: é de 1983 e eu acho que é mais difí- cil segurar o conceito todo em vídeo do que numa mídia escrita. Mas tem gente que jura que ele é ótimo! Disponível apenas para aluguel no Google Play e Apple TV. O CEMITÉRIO Oh, boy. Dependendo da sua idade você deve ter ouvido falar desse livro como O Cemitério Maldito. Ou de repente já ouviu a música dos Ramones, Pet Sematary, feita para a primeira adaptação cinematográfica. É o meu favorito, junto com A Coisa. Um dos livros mais sutis de King, mas também um dos que batem mais forte, dependendo da sua vivência. Louis Creed se muda para uma casa nova, na beira de uma estrada muito movimentada, com a esposa, suas duas crianças, Ellie e Gage, e seu gato, Church. Louis fica muito amigo de um senhor que mora do outro lado, Jud, e ele mostra à família um lugar bem peculiar atrás da casa deles: o Cemitério de Bichinhos. Basicamente um lugar onde as crianças locais enterram seus pets. Macabro, mas fofo. Só que aí você faz a matemática (estrada movimen- tada + gato + criança) e é lógico que vem tragédia por aí. O gato é atropelado e o pai fica com dó de contar para a filha. Jud simpatiza e diz para Louis enterrar o gato no Cemitério de Bichinhos. Ele faz isso e, na tarde seguinte, Church aparece de volta, do nada. O problema é que ele parece meio estranho, se comporta diferente e a menina sequer quer ficar perto dele. Então, meses depois, Gage, o garotinho fofo, é atropelado por um caminhão. E aí, meus amigos, o que é tentar trazer um filho dos mortos para quem já fez o mesmo por causa de um gato, não é mesmo? V Em Ordem Paranormal: A ideia de pessoas que voltam dos mortos não é nada original. O que faz diferença no livro é a expectativa de que isso vá acon- tecer, e a sutileza das alterações que isso provoca. Em um contexto mais amplo, investigar quem é que voltou dos mortos, os efeitos disso, e corrigir o problema é a grande pegada. É normal encontrar histórias em que as pessoas querem se livrar dos mortos-vivos, mas o que fazer se o familiar vivo não quiser que isso aconteça? V Onde assistir: O livro tem duas adaptações, uma de 1989 (a da música dos Ramones) e outra de 2019. Nunca vi nenhuma, porque a história já é perfeita demais como foi escrita. A dos anos 80 não consegui encontrar, mas se você quiser arriscar, a versão mais recente está disponível para aluguel na Amazon, Apple TV e na Microsoft. O ILUMINADO Aquele caso em que o filme, com o tempo, acaba se tornando mais famoso que o próprio livro. Os memes e as cenas enraizadas na cultura pop ajudam. Ter sido dirigido por Stanley Kubrick também. Jack Torrance (um pretendente a escritor e alcoólico em recuperação), a esposa e o filho, se mudam para o Overlook Hotel, onde ele assu- mirá o cargo de zelador no inverno, quando não há hóspedes e tudo fica coberto pela neve. O trabalho é bem simples, e por isso ele vai ter todo o tempo do mundo para escrever. Ah, sim. A vaga só existe porque o zelador anterior ficou louco misteriosamente, matou a própria família e se matou. Um mero detalhe. Aquestãoéque,paraasurpresadeninguém, o Overlook está infestado de fantasmas que ficam provocando o lado mais obscuro de Jack, com visões e tentações quase inescapá- veis. Quem paga o pato, claro, é a coitada da esposa e o filho, que por um acaso é sensitivo. V Em Ordem Paranormal: A história do Overlook por si só já é um prato cheio para qualquer investigação, mas o desafio de lidar com tudo o que acontece por lá e manter a sanidade é a cereja do bolo. Se o personagem tem um medo, um trauma ou um grande desejo, tenha certeza que o hotel vai tentar manipulá-lo para se voltar contra o próprio grupo. É o tipo de aventura que deve ser negociada com os jogadores de alguma forma, mas ter um amigo como inimigo costuma ser uma expe- riência inesquecível. V Onde assistir: O clás- sico de Kubrick está disponí- vel na HBO Max. Existe uma série de TV que contou com super- visão do próprio Stephen King (que nunca gostou muito da versão para o cinema), mas o final é tão tosco que eu nem me esforcei para procurar. Stephen King tem a prática de manter suas histórias quase sempre no mesmo lugar: a maior parte se passa em cidades localizadas no estado do Maine, não por acaso, seu estado natal. Castle Rock é a mais conhecida delas, mas Derry e Salem’s Lot também povoam a imaginação dos fãs. Para quem pretende criar suas próprias aventuras de Ordem Paranormal, há uma ótima lição a ser tirada daí. Por um lado, King escreve sobre o Maine porque conhece o Maine. É onde ele cresceu, estudou e viveu. Ele sabe como são as estradas, as lojas, as casas, o povo, o sotaque e, por conta disso, consegue passar para as páginas uma verossimilhança difícil de conseguir inventando tudo do nada. Por outro, as três cidades citadas no primeiro parágrafo não existem na vida real. São uma mistura de localidades que King visitou ou frequentou, moldadas para o tipo de história que escolheu contar. Por estarem inseridas num meio familiar, um entorno absolutamente crível, funcionam. Assim, você pode, por exemplo, ambientar sua história em Belém, se for paraense. Mas também pode criar Santa Inácia do Tronco Torto, uma cidade no interior do estado, com características peculiares, e nublar os limites do que é real e do que não é em sua campanha. TUDO ACONTECE NO MAINE 23 22
  • 14. TROCAS MACABRAS Num belo dia em Castle Rock, surge uma nova loja chamada Needful Things (algo como Coisas Necessá- rias, numa tradução rápida), cujo dono é um velhinho muito simpático chamado Leland. King tem algo com velhinhos simpáticos, embora nem todos se mante- nham assim até o fim da história. O grande diferencial do estabelecimento é que quem entra ali costuma encontrar em suas prateleiras o item que sempre sonhou ter, por mais estranha que a possibilidade possa parecer. Como é um cara muito legal, Leland costuma exigir como preço nada mais do que o que a pessoa tiver no bolso no momento… e um favor futuro. Uma brincadeira. Uma pegadinha contra algum outro morador da cidade. Coisas inofensivas. Lógico que, com o tempo, Leland acaba enre- dando Castle Rock inteira num sistema complexo de recompensa e vingança, que pisa no sobrena- tural mas diz muito também sobre como funciona a mesquinhez da alma humana. V Em Ordem Paranormal: O envolvimento dos jogadores pode acontecer em qualquer das etapas do plano do dono da Needful Things. Quanto mais avançado, falando no português claro, mais o pau tem chance de quebrar, colocando em risco a própria existência de Castle Rock (ou de qualquer outra cidade que o mestre queira usar). Indo mais longe, talvez essa Needful Things seja apenas UMA de várias abertas em outros lugares, ampliando ainda mais a investigação e o potencial de desgraça. V Onde assistir: Trocas Macabras tem um filme bem honesto, produzido em 1993. Tem até ator indicado ao Oscar no elenco (Ed Harris). Disponível no canal MGM, dentro do Amazon Prime. O NEVOEIRO Aqui, ao invés de um romance, temos uma novela (que nada mais é que um conto turbinado, não deixe os escritores confundirem você com explicações complicadas) e um filme de cair o queixo. A premissa nem é complicada. Depois de uma tempestade, a cidade de Bridgton é cercada por um nevoeiro super denso e misterioso. Há quem diga que a culpa é de experimentos numa base militar, mas ninguém tem certeza. O protago- nista, David Drayton, e seu filho ficam presos dentro de um supermercado, cercados pelo fenômeno. Quem tenta sair é atacado por monstros de proce- dência desconhecida. O confinamento no templo do consumo aflora a esquisitice de uma série de personagens. Entre eles a Senhora Carmody, uma fanática religiosa que acredita, obviamente, que o acontecido faz parte de uma profecia que decreta o fim do mundo e começa a recrutar seguidores. O fim do filme é diferente da versão literária, e é tão devastador que o próprio King já declarou achá-lo melhor que a sua ideia original. V Em Ordem Paranormal: O grande apelo da aventura é o isolamento do resto do mundo, de seus recursos, e uma possível busca pelo responsável pelo fenômeno. Claro, a coisa toda pode ter surgido a partir de um ritual feito fora da cidade (e aí o problema é sair do supermercado ileso), mas e se o culpado estiver ali dentro, junto com todo mundo? V Onde assistir: O Nevoeiro está disponível no Amazon Prime e HBO Max, e vale cada minuto. Existe uma série de 2017 que eu nunca assisti, mas pode ser vista na Netflix. HORROR, SIM! CUIDADO, TAMBÉM! Como estamos falando de obras literárias e cine- matográficas, principalmente antigas, é normal que se encontre imagens bem impressionantes. Em A Coisa há uma sequência que envolve a explosão de uma antiga fábrica enquanto crianças procuravam ovos de chocolate. A descrição, sem brin- cadeira, me assombra até hoje e é o exemplo que eu dou toda vez que preciso explicar o que é uma boa cena de terror. Mas RPG é um meio dinâmico, interativo e muito mais envolvente. É preciso ter cuidado na hora de transpor ideias para a mesa. Nunca passe por cima das emoções dos joga- dores e lembre-se sempre: os perso- nagens devem ser explorados, não quem os controla. Por mais que você, mestre, se empolgue com todo o material e as ideias mostradas aqui (e eu vou ficar muito feliz se isso acontecer), lembre-se sempre de dosar de forma inteligente os acon- tecimentos e de respeitar traumas declarados pelos jogadores. A ideia, claro, ainda é explorar o horror, mas a responsabilidade é um ingrediente essencial. VOCÊ QUER UM BALÃO? Por hoje é o que temos, mas a verdade é que há muito a ser explorado! Não só a obra de Stephen King é imensa (nem falamos de A Hora do Vampiro, sua releitura moderna de Drácula), como há muita coisa de outros autores que podem ser adaptadas ao contexto de Ordem Paranormal. Se você é Conselheiro da Dragão Brasil e gostou da ideia, dê um toque no nosso grupo exclusivo. Se não é, deixe um recado nas redes sociais. Quem sabe eu volto para mais uma rodada? Cheers! J.M. TREVISAN 25 24
  • 15. GOD OF WAR: RAGNARÖK Profecias, reinos, Profecias, reinos, novas raças novas raças e origens em e origens em Tormenta20! Tormenta20! Por Por Glauco Glauco Lessa Lessa e e Felipe Della Corte Felipe Della Corte
  • 16. 28 29 A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O Esta matéria é sobre um infame deus da guerra… e não estamos falando de ninguém de Arton! God of War Ragnarök foi lançado agora, no fim de 2022, e já é um sucesso entre a crítica e os fãs. As aventuras de Kratos e Atreus pelos Nove Reinos não são parecidas com uma campanha de RPG por acaso — aqui você vê como trazer o clima (frio!) do jogo para sua mesa! Depois de cinco anos sem dar novidades sobre a fran- quia, a desenvolvedora Santa Monica Studios lançou God of War em 2018. Conhecido como God of War 4 entre os fãs, o jogo marcou uma nova fase para a franquia e para Kratos. Agora, não só Kratos estava em uma outra região do mundo, como tinha recomeçado a vida e tido um novo filho. A jogabilidade saiu do bom e velho hack ‘n slash para o gênero de ação e aventura. Passamos a ver Kratos através de uma câmera por cima do ombro (famosíssima em Resident Evil 4, por exemplo), como em outros jogos mais recentes — e mergulhamos em um lado mais introspectivo, cansado e silencioso do espartano. Com o sucesso desse novo recomeço (que não foi um reboot, como muitos chegaram a cogitar), o surgimento de uma continuação não seria nada surpreendente. E aqui está. God of War Ragnarök segue os passos de seu jogo predecessor, com melhorias na jogabilidade, novos aliados e vilões e reviravoltas ainda mais acachapantes. Arton também é um mundo com muita intriga divina. Além de opções de regras para Tormenta20, vamos mer- gulhar na mitologia de God of War e entender como os deuses podem deixar sua mesa de RPG mais emocionante! Começando pelo fim Talvez mais famosa que as próprias divindades nórdicas seja a história que conta o seu fim. O Ragnarök é mais do que um mito — é uma profecia conhecida pelos próprios deuses, incapazes de mudar o próprio destino. Traduzido frequentemente como “destino final dos deuses” ou “crepús- culo dos deuses”, o evento começa com um longo inverno conhecido como Fimbulvetr (no jogo, Fimbulwinter), que logo dá sucessão a uma série de confrontos mortais entre os deuses, levando todos à morte. Um incêndio colossal dá lugar a um dilúvio, em que o mar afoga toda a terra. No fim, há um novo começo: um casal de humanos, Líf e Lifthrasir sobrevivem e repovoam Midgard. Na franquia God of War, o Ragnarök começa no fim do jogo de 2018 e se estende durante os acontecimentos do jogo deste ano. A característica mais marcante logo de cara são as mudanças climáticas do Fimbulwinter de cada um dos Nove Reinos. Kratos vê a si e seu filho envolvidos nessa profecia, e se você se lembra bem do jogo anterior, sabe porque! Profecias em jogo RPG é um jogo de narrativa compartilhada. Por isso, é muito difícil contar histórias sobre profecias — afinal, os jogadores têm poder para mudar o rumo da história. Ou o mestre teria que forçar a mão para a trama “voltar para os trilhos” (o que pode ser bem frustrante), ou os jogadores precisariam ter a possibilidade de alterar a profecia. Um truque eficiente para envolver uma profecia na sua mesa é inseri-la retroativamente. Os personagens dos jogadores não precisam saber que são personagens de uma profecia: depois de cinco ou seis sessões, podem descobrir que tudo o que fizeram e passaram até aquele momento já estava previsto. Os próximos passos da profecia são vagos ou misteriosos, conhecidos apenas pelos deuses (que estão atentos aos personagens) ou pelos vilões (que estão tirando proveito disso). Dessa forma, qualquer atitude dos personagens está inescapavelmente dentro da profecia, sem tolher ninguém da liberdade e da agência dentro do jogo. Outra maneira de lidar com isso é oferecer algum recurso que permita que os personagens driblem a profe- cia. Uma espada mágica que corta o fio do destino, um despertar mágico que concede o verdadeiro livre-arbítrio aos heróis… Seus jogadores se sentirão muito poderosos, mesmo que efetivamente só estejam jogando e agindo com seus personagens normalmente. Aviso: a matéria pode conter spoilers tanto do jogo atual quanto da versão de 2018! Estejam todos cientes! A opção menos popular é a de “voltar aos trilhos”, mencionada anteriormente. Muitas aventuras já seguem essa regra, mas colocar isso como parte da trama (em vez de ser apenas um acordo implícito da mesa) pode ser frus- trante para os jogadores. No entanto, talvez eles gostem dessa premissa, aceitando o desafio de tentar interpretar seus personagens dentro dessas limitações, abraçando seus destinos trágicos ou até, quem sabe, encontrando os meios para superá-los com as próprias mãos. Escatologia e sadismo Nem todas as profecias falam do fim do mundo, mas as mais famosas, sim. Mitos escatológicos (que têm a ver com o fim dos tempos, e não com as nojeiras que você está pensando!) existem em várias culturas da humanidade e são um prato cheio para uma semente de campanha na sua mesa. Uma coisa a se ter em mente é: a partir do momento em que uma profecia sobre o fim do mundo surgir na trama da sua campanha, tudo terá que girar em torno disso. Tramas importantes envolvendo NPCs ou até o passado dos personagens inevi- tavelmente cairão para um segundo plano, a não ser que sejam conectadas ao fim de tudo. Essa conexão pode ser direta, como algum NPC importante e querido envolvido na profecia, ou de forma indireta — afinal, sem um mundo para viver, do que adianta buscar vingança contra aquele vilão cruel? Histórias envolvendo o fim do mundo são mais reco- mendadas para campanhas em altíssimo nível. Isso se dá por duas razões principais: poder e apego ao mundo. Obviamente, é pouco pro- vável que personagens de nível 1 tenham condições de impedir uma profecia dessas, a não ser que a campanha os leve até o nível 20 para alcançar esse objetivo. Por outro lado, o fim do mundo só costuma ter peso para os jogadores se eles se importarem com o mundo em primeiro lugar, e isso só vem com o tempo. Por isso, o mais indicado é viver muitas aventuras com os heróis. Deixe que se envolvam com os NPCs, amem e odeiem outros personagens, encontrem um reino ou dois para chamar de lar, e aí sim, revele a terrível profecia que destruirá tudo isso. Agora, eles não só têm poder para evitar a tragédia, mas se importam de verdade com ela. Uma campanha desse tipo também dá maior liberdade criativa para a mesa. Está liberado chutar o balde! Itens mágicos capazes de matar deuses? Combates épicos que inundam continentes e destroem a lua? Não há limite! Seu grupo sempre quis confrontar Mestre Arsenal para uma guerra sem fim? Dois amantes do grupo querem duelar com Valkaria para ter o direito de casar? Nesse tipo de história, os personagens têm todas as condições para desafiar não só o destino como também os próprios deuses! Olha os deuses, mano! Outro ponto muito popular do Ragnarök é o confronto intenso e até as últimas con- sequências entre deuses, os seres mais poderosos do mundo. Em outras mitologias (e até cenários de RPG), deuses não costumam se enfrentar de forma di- reta, já que têm muito a perder — recorrem a esquemas, intrigas e mortais poderosos: os heróis! Arton é um bom exemplo disso. Das tramoias de Sszzaas à punição de Kallyadranoch, das profecias de Thyatis ao desaparecimento de Oceano… são muitos os Thor, o melhor Thor, o melhor guerreiro de Asgard guerreiro de Asgard
  • 17. 30 31 A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O casos em que deuses ganham ou perdem poder por razões misteriosas, indiretas ou distantes dos mortais. Entretanto, Arton também tem situações em que os deuses partem para um confronto aberto e direto, como a ascensão de Aharadak e a morte de Tauron e as derrotas de Glórienn e Ragnar pelas mãos de Thwor. Se você já está criando uma profecia sobre o fim do mundo na sua campanha e seus jogadores são poderosos o suficiente para impedi-la, considere envolver os deuses de forma direta, como convocar os personagens para lutar ao lado dos heróis contra deuses inimigos, e quem sabe algum personagem jogador não se torne um deus? Os Nove Reinos God of War: Ragnarök faz questão de nos apresentar o mundo que Kratos e Atreus vivem, bem como as pessoas que o habitam. Os dois jogos envolvem jorna- das por vários dos reinos que compõem o mundo nórdico do jogo. Cada Reino possui características bem particulares e podem ser grande fonte de inspiração para sua mesa. Todos os Reinos existem interconecta- dos pela Yggdrasil, a Árvore do Mundo. A árvore existe desde sempre, fora do espaço e do tempo, representando o caminho a ser cruzado para viajar de um Reino a outro. Alfheim, o Reino dos Elfos Não fosse palco de uma longa guerra entre elfos luminosos e elfos negros, este Reino possuiria ares tranquilos com suas florestas densas e volumosas. O motivo para o conflito é a Luz de Alfheim, dis- Svartalfheim, tudo que Svartalfheim, tudo que a luz toca é bonito a luz toca é bonito putada pelos dois grupos de maneira ferrenha. Os céus do Reino sempre estão azuis quando os luminosos estão sob controle da Luz, mas logo o firmamento é tingido de vermelho quando os elfos negros tomam controle. Apesar de elfos negros serem vistos como cruéis e malignos por natureza quando comparados aos elfos luminosos, as coisas não são assim tão simples. Há mais tons de cinza nesse conflito do que qualquer analogia fácil entre luz e trevas. Nova Raça: Elfo de Alfheim Duas raças ancestrais que dividem uma mesma origem, os elfos luminosos (Ljósálfar) são seres pálidos de pele quase translúcida e olhos brilhantes, enquanto e os elfos negros (Dökkalfar) têm a pele variando em tons de grafite e características insetóides Habilidades de Raça Destreza +2, Inteligência +1 (Ljósálfar); Força +2, Carisma +1 (Dökkalfar). Armamento das Sombras (Dökkalfar) Você pode gastar 1 PM para cobrir sua arma com energia das trevas. Sua pró- xima rolagem de dano com a arma nesta cena causa +1d6 pontos de dano de trevas. Armas Luminosas (Ljósálfar) Você pode gastar uma ação de movimento e 1 PM para criar uma arma que saiba usar feita de luz sólida. A arma dura até o fim da cena ou até você soltá-la, é considerada mágica e fornece +1 em testes de ataque. Filho da Luz (Ljósálfar) Você recebe +2 em Percepção, visão no escuro e imunidade às condições cego e ofuscado. Ser das Sombras (Dökkalfar) Você recebe visão no escuro, deslocamento de escalada 9m e redução de trevas 10. Voo Enquanto a maioria dos elfos escuros têm asas inse- tóides, os elfos luminosos conseguem voar usando a bênção da Luz. Você pode gastar 1 PM por rodada para voar com deslocamento de 12m. Asgard, o Reino dos Aesir Asgard é mais que um reino — é uma verdadeira fortaleza onde habitam os deuses Aesir, seus súditos e os mais valorosos guerreiros de todos os tempos. Forasteiros não sabem exatamente como é o lugar, já que Odin não permite o acesso a Asgard vindo de outros Reinos. Os sortudos que conseguiram pisar neste Reino sem alertar Odin conhecem a paisagem paradisíaca e idílica, com planícies praticamente inabitadas do lado de fora das grandes Muralhas de Asgard. Dos muros para dentro, o acesso é ainda mais restrito e vigiado por Heimdall, o Vigilante dos Aesir. Nova Origem: Súdito dos Aesir Você vive nos domínios dos Aesir, os grandes deuses, sempre dispo- nível para cumprir suas ordens e caprichos sem hesitar. Essa pro- ximidade com o divino faz com que sua saúde e boa sorte sejam quase inabaláveis, assim como sua fé. Brok e Sindri, mais Brok e Sindri, mais que amigos, irmãos que amigos, irmãos
  • 18. 32 33 A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O Itens Um acessório com a runa de um dos Aesir, que concede +1 em Fortitude, Reflexos ou Vontade (escolhido na criação de personagem). Benefícios Conhecimento, Diplomacia, Religião (perí- cias); Sortudo, Súplica aos Aesir (poderes). SÚPLICA AOS AESIR Quando faz um teste de perícia (exceto testes de ataque ou resistência), você pode gastar 1 PM para fazer uma rápida oração aos deuses e receber um bônus de +2 nesse teste. A cada quatro níveis, você pode gastar +1 PM para aumentar esse bônus em +1. Helheim, o Reino dos Mortos Este Reino congelante é a pós-vida para a maioria das pessoas — aquelas que tiveram uma morte honrada em cam- po de batalha. Vítimas de assassinato, doença ou velhice vêm parar aqui. É dito que o frio é tão castigador que é capaz de congelar almas. Criaturas cruéis torturam os mortos, que são obrigados a reviverem seus maiores arrependimentos em vida. Nova Origem: Retornado de Helheim De alguma forma você retornou do reino dos mortos, seja por conta de uma encantamento poderoso ou mero capricho dos Aesir. Seu corpo retornou de forma saudá- vel, mas sua mente retém as memórias do inferno gelado. Itens Um acessório ou arma simples ligada ao motivo de sua primeira morte. Enquanto você estiver empunhan- do ou vestindo o item, seus pontos de mana máximos aumentam em +1. Benefícios Intimidação, Sobrevivência, Vontade (pe- rícias); Mente Calejada, Presença Aterradora (poderes). MENTE CALEJADA Acostumado aos horrores que presenciou em He- lheim, você recebe +5 em testes de resistência contra efeitos de medo e é imune à condição apavorado. Efeitos que o deixariam apavorado, deixam abalado ao invés disso. Týr, o deus da guerra Týr, o deus da guerra que faz Kratos parecer que faz Kratos parecer um garoto um garoto Midgard, o Reino dos Humanos O nome deste Reino significa, literalmente, “terra do meio” e não poderia ser mais certeiro. Considerado um lugar no meio do caminho entre todos os outros reinos, Midgard é a terra dos humanos e dos animais. Apesar da baixa temperatura, possui terras cultiváveis, rios e mares fecundos. Os habitantes não têm contato direto com os deuses, oferecendo apenas sua devoção e fidelidade. Apesar disso, ao longo dos acontecimentos de God of War é possível ver que os deuses estão mais presentes em Midgard do que se esperaria. Nova Origem: Nativo de Midgard Você cresceu ao lado de grandes heróis e guerreiros, sendo preparado para o Ragnarok desde sua infância. Itens Uma arma simples ou marcial que saiba usar, um escudo leve (se souber usar escudos). Benefícios Atletismo, Luta, Pontaria, Sobrevivência (perícias); Em busca do Valhalla, Proficiência, um poder de combate a sua escolha (poderes). EM BUSCA DO VALHALLA Você vive apenas por uma morte gloriosa em combate, para que as valkírias reconheçam seu valor e carreguem sua alma imortal até os salões dos grandes guerreiros. Sempre que estiver lutando contra ameaças de ND maior que o seu nível, você recebe +2 em testes de ataque e rolagens de dano, mas sofre uma penalidade de –2 na Defesa e em testes de resistência. Jötunheim, o Reino dos Gigantes de Gelo Lar das montanhas mais altas de todos os Nove Reinos, este Reino não possui mais nativos, todos mortos em uma campanha genocida feita por Thor e seu Mjölnir. Nem todos os Jötnar (Jötunn no singular, outro nome para os gigantes de gelo) eram realmente grandes em tamanho. Muitos tinham o tamanho de um humano comum, outros possuíam cabeças de animais ou até eram animais por completo, como a própria Serpente do Mundo, Jörmungandr. Muspelheim, o Reino dos Gigantes de Fogo Um dos Reinos mais primordiais da mitologia nórdica, este lugar é tomado de lava e fumaça vulcânica, comple- tamente inabitável. Já foi habitada por gigantes, mas isso foi há muito tempo. Não se sabe o paradeiro de seu rei, Sutr — alguns su- põem que esteja dormindo apenas esperando o Ragnarök. É um dos reinos mais avessos à vida humana, então aventu- reiros devem estar bem preparados se quiserem desbravá-lo. Nova Raça: Jotunn As poderosas e ancestrais raças de gigantes nativas de Jötunheim e Muspelheim, antigamente abundante em Midgard, mas praticamente dizimada pelos Aesir por conta de seu medo e inveja. Apesar de sua alcunha, os jotnar variam muito e estatura, apresentando desde corpos enormes como montanhas até o tamanho de humanos comuns. Habilidades de Raça JOTUNN DE FOGO Força +2, Destreza +1, Sabedoria -1 JOTUNN DE GELO Força +2, Inteligência +1, Carisma -1 JOTUNN DE ROCHA Constituição +2, Força +1, Inteligência -1 Angrboda, uma das Angrboda, uma das últimas dos Gigantes últimas dos Gigantes
  • 19. 34 35 A D A P T A Ç Ã O A D A P T A Ç Ã O Svartalfheim, o Reino dos Anões Um Reino próspero, tranquilo, mas ao mesmo tempo apreensivo e temeroso da benevolência de seu patrono, Odin. Os anões são gênios da manufatura e da arquitetu- ra, e trabalham para o Pai-de-Todos em troca de proteção. Não possuem permissão para falar com ninguém que não seja Aesir ou de Asgard. As terras de Svartalfheim são mais férteis, o clima também é mais ameno e agradável. A genialidade anã também oferece mais comodidades, como maquinário e sistemas de fornecimento de água. As riquezas naturais são exploradas pelos artesãos anões e por Asgard — seu aço é tão superior que é conhecido como “aço de Svartalfheim” em outros Reinos. Nova Raça: Anão de Svartalfheim Os mais astutos e talentosos artesãos, alquimistas e cientis- tas dos Nove Reinos, responsá- veis por construir e aperfeiçoar as armas que os deuses irão brandir no dia do Ragnarok. Habilidades de Raça Inteligência +2, Constituição +1, Carisma -1 Caminhar entre os Reinos Você usa as fendas entre os reinos para se mover sem ser detectado. Você aprende e pode lançar a magia Salto Dimensional (atributo- -chave Inteligência), mas só pode lançá-la sobre si mesmo. Caso aprenda novamente essa magia, seu custo diminui em –1 PM. Pacifista Violência é sempre o último recurso para um anão. Você recebe +5 em Diplomacia e Furtividade e sempre fica abalado durante o primeiro turno de um combate. Tecelão do Improvável Você é capaz de usar materiais “impossíveis” como o canto dos pássaros, o aroma do orvalho ou o choro de uma criança , como maté- ria-prima para fabricar itens. Para você, o custo de fabricação de qualquer item mundano é um quinto do preço, ao invés de um terço. Vanaheim, o Reino dos Vanir Este reino tomado de selvas, criaturas perigosas e umidade já foi o lar dos deuses Vanir, inimi- gos derrotados dos Aesir. Poucas pessoas, além dos próprios Vanir, puderam pisar em Vanaheim nos últimos tempos, já que Odin também bloqueou a pas- sagem para o Reino. Em meio às ruínas erguidas aos deuses Vanir, os últi- mos poucos membros de uma resistência tramam planos para enfrentar os Aesir novamente, enquanto impedem que os deuses asgardianos invadam e tomem Vanaheim de forma definitiva. Nova Raça: Vanir Considerados divinos como os Aesir, os Vanir são uma raça escassa e desconfiada desde sua quase aniquilação e vivem escondidos dos Aesir, tramando sua vingança. Sua afinidade com as energias mágicas e com a magia antiga é um grande poder e uma grande maldição. Habilidades de Raça Sabedoria +2, Carisma +1, Constituição -1 Afinidade Mágica Você aprende e pode lançar três magias de 1º círculo, arcanas ou divinas, a sua escolha (atribu- to-chave Carisma). As magias são consideradas divinas para todos os efeitos e você pode aplicar aprimoramen- tos nessas magias como se fosse um Druida de mesmo nível que seu nível de personagem. Caso aprenda novamente essas magias, seu custo diminui em –1 PM. Bênção da Magia Ancestral Você pode lançar qualquer magia que conheça sobre outra criatura inteligente com que possa se comunicar. Ao invés de ser alvo dos efeitos normais da magia, essa criatura recebe a capacidade de lançar esta magia uma única vez até o fim da cena, com os mesmos efeitos mas sem custo em PM. Elusivo Você passou a vida escondendo sua origem e poderes para evadir seus perseguidores. Você recebe +2 em Enganação e Intuição. E vem mais! Acompanhe na Dicas de Mestre do mês que vem (DB 187) regras completas para uso de runas em Tormenta20, A Lenda de Ruff Ghanor e Ordem Paranormal. GLAUCO LESSA FELIPE DELLA CORTE Escolha três poderes da lista a seguir. Gigante Seu tamanho é Grande e você recebe 3 espaços de inventário por ponto de Força, ao invés de 2. Manipulação Elemental Você aprende e pode lançar Ex- plosão de chamas (fogo), Névoa (gelo) ou Transmutar objetos (rocha) (atributo-chave Força). Caso aprenda novamente essa magia, seu custo diminui em –1 PM. Percepção Paracronal Você tem visões sobre o futuro, vislumbrando eventos que não aconteceram ainda. Você aprende e pode lançar Augúrio, mas o tempo de execução da magia aumenta para 1 minuto. Resistência Superior Sua pele é um couro grosso feito de matéria elemental. Você recebe +2 na Defesa e redução 10 contra fogo (fogo), frio (gelo) ou ácido (rocha) Niflheim, o Reino da Névoa Provavelmente o menor dos Reinos, e ainda assim, um lugar traiçoeiro e perigoso. Uma vez lar de anões, agora este é um verdadeiro labirinto tomado por uma névoa espessa — a arquitetura anã é apenas um rastro do que já existiu antes. A névoa foi uma maldição lançada por Odin e drena lentamente a energia vital de qualquer um que ouse explorar o Reino. Não bastasse isso, Nilfheim está cheio de monstros. Nova Origem: Sobrevivente da Névoa. De alguma maneira você sobreviveu à maldição que destruiu seu reino e conseguiu sair do labirinto de monstros, mas essa experiência o marcou para sempre. Itens Lampião, mochila de aventureiro e capa pesada. Benefícios Atletismo, Furtividade e Sobrevivência (perí- cias); Atlético, Rastejador de Masmorras (poderes). RASTEJADOR DE MASMORRAS Você sabe se esgueirar em silêncio através dos am- bientes mais hostis para não atrair atenção indesejada. Você não sofre penalidade de -5 em Furtividade para para se esconder depois de se mover e sua penalidade de armadura não se aplica em testes de Furtividade. Kratos, em busca Kratos, em busca da aposentadoria da aposentadoria Atreus, em busca da Atreus, em busca da experiência completa experiência completa
  • 20.
  • 21. Imagine a cena: os personagens estão reunidos na taverna — bebendo cerveja, contando suas moedas, fazendo essas coisas que personagens jogadores fazem em tavernas. Subitamente um velhinho entra esbaforido pela porta e exclama: “Aventureiros! Eu preciso de aventureiros!”. Os personagens fazem algumas perguntas e descobrem que o ancião está mesmo com problemas. Parece perigoso demais, melhor não se envolver. O velhinho então diz que pode pagar! Mas o grupo já tem bastante dinheiro. O velhinho revela que o vilão por trás de tudo é um arqui-inimigo dos personagens! Eles concluem: “Esse cara está por aqui? Melhor fugir agora mesmo!”. Ou então: um jardineiro vê seu patrão, um hobbit com quem conviveu a vida toda, se preparando para uma jornada. Ele pergunta ao amigo onde pretende ir e o patrão responde: vai levar um anel amaldiçoado até um conselho de nobres, magos e guerreiros poderosos de todas as raças. O jardineiro dá um sorriso amarelo e se afasta lentamente. À noite, durante o jantar, ele comenta com os amigos como seu patrão endoidou de vez e que espera ter uma boa relação com os novos moradores da casa, que vão herdá-la depois de sua morte... Muitas vezes, a parte mais difícil de contar uma história não é desenvolvê-la, nem mesmo terminá-la. Muitas vezes, nem mesmo começá-la! Muitos mestres e autores iniciantes têm problemas com algo que acontece antes do início da história. Antes do primeiro diálogo ou do primeiro combate — sem isso, não haveria razão para diálogos, combates ou para a história em si. Estamos falando, é claro, de motivação. Rebelde sem causa Já tocamos neste assunto em outras Toolbox ao longo dos anos. Especialmente as colunas Fugindo do Épico (Dragão Brasil 126), Entendendo os Heróis (DB 140), Alerta Ver- melho (DB 157), Agora É Pessoal (DB 173) e Liberdade & Improviso (DB 177) abordam o tema. Contudo, acho que vale a pena focar na motivação dos protagonistas como um elemento separado, já que causa dor de cabeça a muita gente. E, sem essa motivação, quase nenhum dos outros truques que discutimos aqui serve para muita coisa... Caso ainda não tenha ficado claro, motivação é a razão pela qual os protagonistas se envolvem na trama. Partindo do modelo mais clássico de narrativas de aventura, nossa história começa no mundo normal (ou seja, na vida cotidiana), então ocorre um incidente que chama o protagonista à aventura. Motivação essencialmente é a ligação do protagonista com esse chamado, uma “desculpa” para que ele o atenda. De cara, já podemos fazer uma separação/classificação: a motivação pode ser interna (um desejo ou ambição do personagem) ou externa (algo que acontece com o perso- nagem). Existem histórias em que a motivação é puramente interna ou externa, e mais tarde vamos falar sobre elas. Mas é mais comum que seja um misto de ambas. Muitas vezes, o problema de motivação surge quando o autor (escritor/ mestre) apresenta uma motivação externa, presumindo que ela será também uma motivação interna, ou que pelo menos as duas vão convergir. Mas os jogadores não são motivados pelo fator externo, ou o público não se convence de que um protagonista seria motivado por ele. Vamos começar então pela “motivação mista”. Em RPG, não precisamos ir mais longe que a situação arquetípica do velhinho da taverna. O mestre apresenta uma motiva- ção externa: um NPC indefeso com problemas e a chance de ganhar algum ouro. Ele espera que as motivações internas dos personagens jogadores tenham algo a ver com altruísmo e ganância. Mas, sem perguntar aos pró- prios jogadores, não há como ter certeza. Na verdade, o mestre não está errado — a maior parte dos personagens de RPG são mesmo motivados por esses dois fatores. E, a menos que algo tenha sido dito especificamente em contrário na sessão zero ou antes do início da campanha, não há razão para pensar que esses personagens seriam tão diferentes da média. O pulo do gato está em avaliar e regular o quanto es- ses dois fatores estão sendo envolvidos. Se o velhinho está simplesmente preocupado com kobolds que existem numa caverna próxima, isso pode não ser suficiente para despertar o sentido de altruísmo dos aventureiros. Mas uma criança sequestrada, uma ameaça de morte ou mesmo um sacrifício para um deus profano podem fazer esse altruísmo aflorar. Da mesma forma, o pagamento deve justificar os riscos que os personagens vão correr. Em outras palavras, nenhuma motivação externa será universal e aplicável a todos os grupos sem adaptações. Conhecendo os personagens, você pode aumentar o heroísmo e o lucro envolvidos na missão. Isso tudo é bastante óbvio, mas já vamos falar mais sobre o que está por trás desses fatores. 38 39 T O O L B O X T O O L B O X MOTIVAÇÃO Afinal, Afinal, por que seus por que seus heróis fazem heróis fazem tudo isso? tudo isso?
  • 22. Em ficção (literatura, HQ ou qualquer outra mídia), po- demos simplesmente “obrigar” os personagens a aceitar a motivação externa. Mas então nos arriscamos a cair numa armadilha ainda pior: o público (que em geral não tem uma ligação tão forte com a história, principalmente no início) pode não “comprar” essa motivação. Pode questio- nar a decisão do protagonista. Em outras palavras, pode passar a história inteira perguntando por que Sam decidiu acompanhar Frodo — o que vai gerar uma camada extra de afastamento da obra. Os pontos de convergência de motivações externas e inter- nas para personagens de ficção são infinitos. Contudo, voltando a nossas generalizações, podemos dizer que personagens de ficção são motivados principalmente por relações pessoais (amigos, família, parceiros românticos) e por ambição. Ou seja, quando o fator externo toca em alguém querido ou proporciona a possibilidade de conquistar um sonho, a motivação é boa o bastante para convencer o público. Motivar CD 25 Mas podemos ir mais fundo. Afinal, se o truque fosse simplesmente “deixe o vilão mais malvado e aumente a re- compensa” ou “faça o vilão raptar o namorado da heroína e dê a ela um grande sonho”, esta seria uma coluna bem curta! Precisamos examinar o que é um personagem de RPG e de ficção. Personagens de RPG são essencialmente ferramentas com as quais os jogadores interagem com o cenário de jogo. Mais do que isso: são ferramentas que, salvo raras exceções, devem progredir. Mesmo que o sistema ou os jogadores não se importem com aumento de poder, os personagens adquirem maior capacidade de afetar o mundo ou aprender sobre ele à medida que o tempo de jogo passa. Isso, mais do que qualquer tabela de XP, ato vilanesco ou tesouro, vai nos dar a verdadeira motivação para o grupo embarcar na campanha. A verdadeira motivação para um personagem jogador em uma campanha de RPG é só uma: avanço. Pode ser XP, pode ser ouro, pode ser descoberta de mistérios. Quando concorda em jogar RPG, o jogador (a pessoa real) está implicitamente dizendo que quer avançar no jogo. Assim, sua motivação sempre será algo que faça esse avanço acontecer, mesmo que o jogador não saiba. Por isso o clichê do velhinho da taverna dá tão certo; ele toca em três formas básicas de avanço. Os personagens interagem com um NPC (história/ mistérios/interpretação), são pagos (equipamentos) e vão receber XP (níveis). Quando, durante a sessão zero ou a preparação da campanha, você pergunta aos jogadores o que motiva seus personagens, você está perguntando quais tipos de avanço interessam mais para eles. Sempre que desejar empurrá-los numa certa direção (digamos, para que aceitem uma missão), você deve oferecer uma chance de avançar nisso. Jogadores mais interpretativos em geral querem avançar no sentido de entender mais o mundo e ter mais ligações com NPCs. Jogadores mais combeiros muitas vezes querem chances de melhorar seus personagens. Por isso podemos generalizar tanto e dizer que todos os personagens de RPG têm como objetivo avançar. Mesmo jogos pouco focados em progressão de poder (digamos, o famoso Call of Cthulhu) têm alguma progressão. Em CoC, os personagens perdem Sanidade à medida que encontram criaturas profanas. Ou seja, existe uma progressão, ela ape- nas não diz respeito a poder, mas a degradação e loucura. Os jogadores de CoC também estão atrás de avanço — o avanço de seus personagens rumo ao inevitável. RPG, em termos gerais, presume um “endgame”, seja o 20° nível, seja Sanidade 0. Palestra motivacional E o que são protagonistas de ficção? Bem, essa é uma pergunta com infinitas respostas, mas para nossos propósitos, esses personagens são essencialmente ferramentas para o leitor fazer uma conexão emocional com a obra. Não importa se essa conexão emocional vai existir a partir dos sentimentos profundos do personagem, de seu visual, de seus diálogos engraçados ou de qualquer outra coisa. Como autores, o que queremos é envolver o público com a obra e para isso usamos os protagonistas. Quando dizemos que o público deve entender as mo- tivações dos protagonistas, o que estamos falando é que o autor deve estabelecer pontos de conexão emocional do personagem com o público, para que suas decisões façam sentido. Note que essas decisões não precisam fazer “sentido material”. Não importa que Sam fosse obviamente desprepara- do para uma jornada ao lado de Frodo e que, realisticamente, ele talvez só atrapalhasse. As decisões precisam fazer “sentido emocional”. O público precisa ver a relação de Sam e Frodo para que o jardineiro possa acompanhar seu patrão sem ser questionado. Se nós primeiro conhecemos a lealdade entre os dois e logo em seguida formos apresentados à primeira grande decisão de Frodo, a conclusão lógica do público é que Sam precisa ir junto. Cria-se uma relação emocional de causa e efeito. Qualquer outra coisa pareceria inverossímil. Mais uma vez, pode parecer que estamos discutindo algo óbvio: “faça seu protagonista ter ligação emocional com seu objetivo”. Contudo, assim como em RPG, podemos ir mais fundo. Para que essa ligação emocional exista (isto é, para que seu protagonista tenha uma motivação), você precisa abrir mão da maior parte do cinismo da história. Precisa fazer com que seus protagonistas sejam vulneráveis, frágeis. Precisa, acima de tudo, dar tempo para que eles mostrem ao público quem são — sem piadas, sem ação, sem ironia. Ao criar as condições para uma boa motivação, leve o personagem a sério. Mesmo que ele seja frio ou brincalhão, deixe claro para o público que existe algo por trás disso. Nosso maior aliado ao criar motivações para os protago- nistas é a estrutura linear de história. O personagem começa no mundo comum, sendo verdadeiro e tendo relações sinceras. Resista à tentação de tornar sua história excessivamente mo- vimentada ou surpreendente logo de início. A motivação só vai existir se o protagonista tiver tempo para respirar. Muitas franquias e obras famosas hoje em dia parecem ir pelo caminho oposto, mas na verdade estão fazendo exa- tamente isso. Filmes da Marvel (que eu adoro e não estou criticando) têm roteiros que são essencialmente metralhadoras de piadinhas e ação contínua. Todo esse papo de “deixe seu protagonista respirar” não parece se encaixar com essa estrutura. Contudo, como sempre as grandes franquias têm ferramentas de que a maior parte de nós não dispõe. Ao usar personagens conhecidos, o MCU essencialmente usa toda uma ligação emocional que já foi criada ao longo de anos. Da mesma forma, trailers, teasers e até entrevistas com os atores servem para estabelecer uma conexão prévia. O público já chega preparado, já possui um entendimento dos protagonistas e uma relação emocional com eles. Ninguém está previamente no hype para ver o tio do Homem-Ácaro sendo morto... Mas todos esperamos uma cena emotiva quando o mesmo está para acontecer com o Homem-Aranha. Foco, força & fé Certo, falamos de motivação para um personagem en- trar na história, mas existe uma armadilha muito mais sutil e perigosa, tanto em RPG quanto em ficção: os personagens precisam de motivações para permanecer na história. Uma vez que o(s) protagonista(s) esteja(m) envolvido(s) na história e o público tenha aceitado que sua participação faz todo sentido, você logo entra num terreno arriscado. Os aventureiros cumpriram a missão do velhinho da taverna, ok. 40 41 T O O L B O X T O O L B O X Thor Love & Thunder: Thor Love & Thunder: Sem tempo para respirar quando Sem tempo para respirar quando o vilão pode matar deuses o vilão pode matar deuses
  • 23. Mas eles descobriram que o problema, o que quer que seja, faz parte de uma situação muito mais grave, uma ameaça que pode destruir o mundo todo! Sam acompanhou Frodo até Valfenda, certo. Mas, no caminho, conhecemos vários perso- nagens interessantes, cujas relações podem ser mais atraentes do que a amizade de um jardineiro e seu patrão. Súbito, os aventureiros decidem que isso tudo está além de sua alçada. Ameaças globais dizem respeito a grandes heróis, então eles avisam um nobre, esperando que ele tome providências, e lavam as mãos. Ou o público de repente passa a questionar a intensidade da lealdade entre Frodo e Sam. O jardineiro já não tem mais nenhuma razão para ficar ao lado de seu patrão. Quase nenhuma história de aventura (ou de outros gêneros, como mistério e terror) resiste por muito tempo à exposição ao mundo mais amplo da história. No instante em que o público (jogadores ou leitores) começa a pensar nas outras opções que existem para lidar com o problema, a maior parte das motivações cai por terra. Nós estamos acostumados com um mundo em que existem instituições, autoridades e especialistas para nos ajudar em situações difíceis — ainda bem! Se somos assaltados, a reação saudável é fazer um BO, não investigar o caso sozinhos. Como autor ou mestre, parte de sua tarefa é limitar o acesso dos protagonistas ao mundo externo — ou, melhor ainda, distrair o público para que eles nem pensem no mundo externo como solução do problema. Tormenta20 apresenta, logo nas primeiras páginas do livro básico, uma opção para lidar com isso. O texto deixa claro que NPCs poderosos têm seus próprios problemas, ameaças tão ou mais graves acon- tecendo o tempo todo e, portanto, não podem resolver o que quer que os personagens jogadores estejam enfrentando. Mais do que isso, o texto informa que heróis (os típicos personagens de Tormenta20) por definição não procuram se esquivar de seus problemas nem lavar as mãos! Isso, se for levado a sério pelo grupo, coloca os jogadores na mentalidade certa: as ameaças estão contidas no microcosmo da campanha. As soluções estão presentes na jornada dos personagens. Resolver os problemas que o mestre coloca faz parte, de uma maneira ou de outra, do avanço dos personagens de RPG, como discutimos antes. Mas existem outras formas de fazer isso. Em Fim dos Tempos, optei por começar numa região isolada, com pro- blemas aparentemente isolados. Isso deixou claro ao grupo que não fazia sentido buscar soluções externas. Quando os Cães das Colinas foram a Valkaria no segundo arco, parte da primeira sessão envolveu a apresentação da capital do Reinado. Eles viram que, nessa cidade, várias ameaças estão acontecendo ao mesmo tempo. Mesmo que estejam lidando com vilões perigosos, eles souberam que precisam enfrentá-los sozinhos ou com a ajuda de seus próprios aliados, não delegar a situação a outros heróis. Em ficção isso é um pouco mais fácil. Você pode simplesmente omitir menções ao mundo exterior dos diálogos dos personagens e evitar mostrar o ambiente além do microcosmo dos protagonistas. Uma obra que faz isso com maestria é House. Se um paciente chega para ser diagnosticado pela equipe do Dr. House, ele será diagnosticado ali, ou vai morrer. Quase nunca há menção de outros médicos, muito menos de outros hospitais! Os diálogos rápidos e a sucessão de complicações logo nos fazem esquecer que isso é sequer uma possibilidade. No meio de um episódio, é raro que um espectador pense “Hmm, mas se eles não dispõem desse equipamento, por que não mandam o paciente para uma clínica especializada?”. Somos lembrados disso ocasionalmente por viradas de trama em que o estado do paciente se agrava ou ele tem pouco tempo de vida, mas em geral essas opções são simplesmente ignoradas. O caso de Frodo e Sam é ainda mais simples e elegante. O jardineiro se torna oficialmente parte da Sociedade do Anel, sem que ninguém sugira a sério que ele simplesmente volte para casa. No instante em que Sam é “marcado” como parte da Sociedade, o público deixa de questionar sua participação — se é que já questionou. Ou seja, os protagonistas são quase literalmente fechados num microcosmo. Se os personagens que se envolveram com o Um Anel em primeiro lugar fazem parte da “Sociedade do Anel”, só o espectador com mais má vontade do mundo vai esperar que o problema do Um Anel seja resolvido fora da Sociedade! Mas já vamos falar sobre má vontade. Antes pre- cisamos lidar com as motivações puramente externas ou internas. Fi-lo porque qui-lo A maneira mais fácil de manter a motivação para um protagonista estar na história é torná-la “pura”. Ou seja, só externa ou só interna. Dois filmes dos anos 80 vão servir para ilustrar isso. Duro de Matar é um ótimo exemplo de motivação 100% externa. John McClane quer se reencontrar com sua ex-esposa. Ele não quer combater uma quadrilha de assal- tantes internacionais, só se envolve com a trama porque está literalmente trancado no prédio em que ela ocorre. Uma vez que Holly esteja em risco, ok, ele tem também uma motivação interna para continuar, mas ainda assim demonstra de novo e de novo que gostaria de sair dessa situação. Ele pede ajuda da polícia, tenta fazer com que a lei interfira e só objeta quando fica claro que os policiais vão criar uma tragédia. Uma das razões pelas quais o filme é tão cativante é que John McClane se torna a voz do público. Ele ativamente traz à tona o absurdo que é resolver sozinho uma situação como essa e nos lembra de novo e de novo do mundo exterior. Numa coluna passada eu já fui contra o senso comum ao dizer que os ferimentos de McClane não importam narrati- vamente — são brutais em termos estéticos, mas não fazem parte da história além disso. O personagem nunca foi um “cara comum” em termos físicos. O que nos aproxima dele é o quanto ele é comum em termos emocionais! Diferente de Sam, McClane não demonstra lealdade ou moralidade extremamente elevadas. Por isso a identificação com ele é tão forte. Karate Kid, em contrapartida, é uma história de motivações 100% internas. A primeira cena do filme mostra Daniel Larusso “brincando de karatê”, chutando a porta do condomínio para onde está se mudando. Ao longo de todo o filme, ele tem a opção de sair da situação — desistir da garota, arranjar outro hobby, não participar do campeonato... Mesmo quando é perseguido pelos bullies, Daniel tem agência. Ele escolheu estar naquela situação e mais tarde escolhe não sair. Enquanto nos identificamos com John McClane porque ele é “um cara comum”, a identificação com Daniel vem do lado oposto: ele continua com seu objetivo/obsessão apesar do mundo externo tentando constantemente demovê-lo. É fácil ver como isso se conecta com o assunto anterior, não? No primeiro caso, a opção de sair da história por causa do mundo exterior é retirada pelo próprio mundo exterior, por mais que o protagonista tente. No segundo, é retirada pelo protagonista, por mais que o mundo exterior tente. Nos anos 90, era comum que mestres de RPG começassem sua preparação perguntando “o que os personagens querem”. Isso era uma tentativa de trazer à tona motivações 100% internas. Um personagem que desejasse ser campeão da arena receberia a opção de lutar na arena e caberia ao jogador tomar a iniciativa. O mundo exterior (o mestre) não fazia questão de empurrá-lo para isso. Mas muitas vezes acontecia o oposto: o jogador dizia que o personagem não 42 43 T O O L B O X T O O L B O X House: House: Dr. House dá conta Dr. House dá conta de tudo sozinho de tudo sozinho Brooklin 99: Brooklin 99: Sempre há uma boa desculpa Sempre há uma boa desculpa para citar Duro de Matar para citar Duro de Matar
  • 24. queria nada, ou queria apenas sobreviver. Isso sinalizava um jogador que esperava uma motivação 100% externa, dada pelo mestre. Tendo a opção, seu personagem não iria participar da campanha! Hoje em dia, na maior parte dos casos o padrão parece ser personagens com um misto de motivações. Isso não coloca o peso em apenas uma das partes... o que vai nos levar ao próximo tópico. Desmotivado Nem mesmo o mestre mais experiente, nem mesmo o autor mais habilidoso são capazes de vencer um desafio específico: a má vontade do público. Nenhuma história resiste a um escrutínio impiedoso questionando todas as motivações dos personagens. Sam é leal a Frodo e entendemos essa lealdade, ok. Ele é considerado parte da Sociedade do Anel, ok. Mas se um leitor/espectador simplesmente resolver passar o tempo inteiro questionando por que Sam não aproveita a situação para pedir um aumento, ou tentar se tornar jardineiro de Galladriel, ou roubar itens élficos de Elrond, ou fizer qualquer uma de uma lista infinita de ações “práticas”/cínicas, vai conseguir destruir a história... para si mesmo. Da mesma forma, um jogador que passar a campanha inteira questionando como aventureiros independentes podem lidar com grandes questões globais vai conseguir estragar a própria diversão. Mas então fica o questionamento: por que esse pessoal consome essas obras? Por que entra nessas campanhas? Toda história depende de uma mínima boa vontade do público em ao menos tentar aceitar suas “verdades”. Esta coluna falou quase só do trabalho e da responsabilidade de escritores e mestres, mas vamos tirar um tempo para falar de nossa responsabilidade como leitores e jogadores. Em RPG é fácil definir esses parâmetros, ainda que seja também fácil achar pessoas que estejam dispostas a quebrá-los. Na minha opinião, o primeiro passo para ser um bom colega de jogo é justamente “jogar o jogo”. Ou seja, aceitar missões razoáveis, interessar-se pela trama, não interagir de forma hostil com todos os NPCs, participar do grupo... Isso não significa ler a mente do mestre ou apenas concordar com tudo. Mas o pedido do velhinho da taverna claramente é um chamado à aventura. Se você fizer questão de interpretar um personagem ranzinza nessa hora, pode reclamar, mas simplesmente ignorar o pedido é má vontade pura. Da mesma forma, você pode fazer com que seu personagem fique o tempo todo implicando com outro personagem por ser um mago (com o aval do outro jogador, claro). Mas se recusar a participar do grupo porque há um mago entre os colegas não faz sentido. Em outras palavras, você deve ter motivação para jogar RPG. E essa motivação deve informar a motivação de seu personagem. Não está motivado para isso? Sem problemas, você é livre para não participar dessa campanha e fazer qualquer outra coisa. Mas apontar pretensos “furos” e minar a motivação dos outros é algo puramente destrutivo. Como leitores, nossa tarefa é um pouco mais sutil. Na minha opinião, devemos estar cientes de onde estamos entrando e escolher se queremos ou não consumir essa história. Numa história clássica de aventura, precisamos aceitar vínculos idealizados de lealdade, mesmo que isso não faça sentido objetivo. Uma história desse tipo nunca vai resistir a um exame puramente cínico. O mesmo vale com sitcoms nas quais os personagens são motivados por mal-entendidos ou problemas fúteis, obras de terror nas quais os personagens são motivados por medo ou obras românticas nas quais os personagens são motivados pela busca incansável do parceiro “perfeito”. Os personagens estão rejeitando o mundo externo. O autor também está. A obra como um todo está rejeitando o mundo externo e apresentando as motivações possíveis dentro de seu contexto. Apenas um leitor/espectador decidido a não gostar da obra fica constantemente trazendo o mundo externo para esse contexto. Isso não só é garantia de frustração como é absurdo. Não podemos impor motivações do mundo real ao mundo dessas obras... Porque, no universo dessas obras, essas motivações não existem. Seria como questionar por que Frodo não usa uma AK-47 para enfrentar os Espectros do Anel! Tmj Motivações dos protagonistas fazem parte de um acordo tácito entre autor e leitor — ou de um acordo explícito entre jo- gadores e mestre. Uma história na qual o protagonista se envolve sem motivação nenhuma se torna vazia, fraca, oca... Por mais interessante que seja superficialmente, sempre vai faltar algo. Por outro lado, nenhuma motivação será suficiente para responder a todas as perguntas que podem existir sobre o en- volvimento dos personagens. Para abordar todas as questões do mundo real, precisaríamos de um cenário tão complexo quanto o próprio mundo real! No fim das contas, motivar protagonistas é o mesmo que motivar o público: dar a eles a oportunidade de se ligar à história. Depois disso, a decisão de se motivar ou não é de cada um. LEONEL CALDELA 44 T O O L B O X