O documento discute os impactos ambientais e sociais causados pelos cemitérios, como a contaminação de lençóis freáticos durante o processo de decomposição dos corpos e a reprodução das desigualdades sociais. Defende que os cemitérios merecem políticas públicas específicas para enfrentar esses problemas de forma sustentável, considerando aspectos como localização, operação e fiscalização.
1. IV Encontro Nacional da Anppas
4,5 e 6 de junho de 2008
Brasília - DF – Brasil
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São os Cemitérios a melhor solução para a Destinação
dos Mortos?
Anna Sylvia Pires (PUC - PR)
Graduada em Arquitetura e Urbanismo na PUC-PR
Especialista em Cidades, Meio Ambiente e Políticas Públicas pela UFPR
e Mestranda em Gestão Urbana pela PUC-PR
annaspires@yahoo.com.br
Carlos Mello Garcias (PUC - PR)
Engenheiro Civil, Doutor em Engenharia Civil (Planejamento em Engenharia Urbana) pela
Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, 1992. Docente do curso de Engenharia
Ambiental e do PPGTU- Mestrado em Gestão Urbana- PUCPR
carlos.garcias@pucpr.br
Resumo
Os cemitérios podem constituir fonte potencialmente poluidora do meio ambiente por meio do
produto da coliqüação dentro do sistema urbano. Porém, a problemática envolvendo cemitérios
vai muito além do que a maioria das pessoas consegue mensurar. Não são apenas os altos
custos de um enterro, ou a falta de espaço físico, principalmente nos cemitérios municipais, mas
a questão do lixo produzido dentro destes empreendimentos, ou o acúmulo de água deixado nos
vasos de plantas, o extravasamento dos líquidos coliquativos... Com isto buscou-se atentar à
importância da mudança nas formas de tratar estes empreendimentos, seja na legislação, Planos
Diretores, operação ou ainda fiscalização destas atividades.
Mas o que fazer diante da morte?
Há de se pensar no enfrentamento dos mais diversos impactos que estes empreendimentos,
espaços públicos, (... ou privados?) nos causam. Principais para uns e não para outros, seriam os
impactos ambientais, podendo ser camuflados diante de tantos outros causados, como por
exemplo os impactos legais, sociais ( carentes e indigentes ), físicos ( falta de espaço ),
imobiliário ( especulação, desvalorização); impactos de vizinhança ( implantação); comercial (
concorrência entre as funerárias); violência ( espaço de crimes e roubos), saúde pública (
disseminação de doenças). Poderiam-se discutir, incansavelmente, diversos aspectos de
influência dos cemitérios nas cidades. Ou das cidades?
Será que os cemitérios não mereceriam uma política pública específica, uma equipe
multidisciplinar que pudesse levantar, avaliar, diagnosticar, planejar e propor alternativas para o
enfrentamento destes diversos impactos do seu uso e para a busca de uma sustentabilidade
ambiental?
Palavras-chave
cemitérios, impactos, políticas públicas
2. 1. INTRODUÇÃO
Para Silva (2006), os cemitérios sempre tiveram a finalidade de alocar corpos, pelo fato destes
serem monumentos à memória daqueles que morreram e que os vivos fazem questão de
perpetuar ao longo do tempo.Es te tipo de construção adquiriu a condição de inviolabilidade no
que tange a pesquisa científica nos seus diferentes aspectos. Ainda, segundo Silva (2006), o
agravamento é dado, pois muitos aspectos relevantes são ignorados, a começar pelos terrenos
destinados para a construção de cemitérios, normalmente aqueles de menor valor econômico, dos
quais, em geral, as características geológicas, geotécnicas e hidrogeológicas não são
devidamente avaliadas.
As necrópoles, em muito, podem se assemelhar com um aterro sanitário, segundo Roberta Maas
dos Santos (2007), visto que em ambos são enterrados materiais orgânicos e inorgânicos, com
um agravante para os cemitérios: a matéria orgânica ali enterrada tem a possibilidade de carregar
consigo bactérias que foram, provavelmente, a causa da morte do indivíduo, podendo colocar em
risco o meio ambiente e a saúde pública.
Ainda podemos afirmar que as diferenças sociais também são explícitas nestes
empreendimentos, onde os que pouco têm, estão enterrados nas áreas degradadas destes
espaços, próximos a fundos de vale, nos recuos, em alguns casos diretamente na terra
(inumação), sem lápide. Há a reprodução da desigualdade também na morte, e neste contexto,
pode-se arriscar a inserção dos cemitérios como uma das mazelas urbanas, assim como a favela,
por exemplo.
Estas mazelas podem ser entendidas, segundo Antônio Ozaí da Silva (2004), como a realidade
que nos cerca, a qual expressa a barbárie e está prenhe de fatores que apontam para o risco da
regressão. O mundo globalizado impele as pessoas em direção ao xenofobismo1, à intolerância
diante do outro, à idéia de que há uma inevitabilidade histórica, ao consumismo e ao
individualismo desenfreado. Naturalizam-se as mazelas e misérias da condição humana, em
nome de um determinismo amparado num viés tecnicista e nas necessidades da concorrência
internacional, isto é, da predominância do mercado.
Nestes espaços, onde deveria frutificar a reflexão crítica mais parecem “cemitérios de vivos”. Os
problemas sociais que afligem enormes parcelas da humanidade, excluídas da mais elementar
cidadania, parecem inevitáveis.
1 Xenofobia é o medo natural (fobia, aversão) que o ser humano normalmente tem ao que é diferente (para este indivíduo).
Xenofobia é, também, um distúrbio psiquiátrico ao medo excessivo e descontrolado ao desconhecido ou diferente.
Xenofobia é, ainda, usado, em um sentido amplo (amplamente usado mas muito debatido) referindo-se a qualquer forma de
preconceito, racial, grupal (de grupos minoritários) ou cultural. Apesar de amplamente aceito, este significado gera confusões,
associando xenofobia a preconceitos, levando a crer que qualquer preconceito é uma fobia.
3. 2. CEMITÉRIOS E ALGUNS DOS SEUS IMPACTOS
Segundo o Prof. Dr. Alberto Pacheco e o Pesquisador Bolívar A. Matos (2005), “os cemitérios
podem ser fonte geradora de impactos ambientais. Assim, sendo, a localização e operações
inadequadas de necrópoles em meios urbanos podem provocar a contaminação de mananciais
hídricos por microrganismos que proliferam no processo de decomposição dos corpos. Se o
aqüífero freático for contaminado na área interna do cemitério, esta contaminação poderá fluir
para regiões próximas, aumentando o risco de saúde nas pessoas que venham a utilizar desta
água captada através de poços rasos”.
Estudiosos vêm provando que a “morte também polui”, e que nossos cemitérios podem armazenar
elementos de alto risco pela inumação, tumulação e cremação, se não forem bem concebidos e
gerenciados. A principal preocupação é com a contaminação do aqüífero freático.
Hoje, alguns dos cemitérios encontram-se próximos a fundos de vale, com recuos irregulares,
problemas ambientais no que diz respeito ao produto da coliqüação (necrochorume), além da falta
de espaço físico para novos sepultamentos.
Os mais atingidos são sem dúvida as pessoas com menor poder aquisitivo, as que não
conseguem, em vida, adquirir terrenos em cemitérios, devido o alto custo, os quais acabam sendo
enterrados de emergência em valas rasas e espaços desestruturados, pelo menor custo pelas
Prefeituras. Normalmente, estas valas estão localizadas nas áreas posteriores dos cemitérios,
próximas às divisas, as quais, na grande maioria, estão ao lado dos fundos de vales.
A cada dia se reduz a capacidade dos cemitérios, principalmente os municipais, de suportar os
óbitos.
Uma das possíveis soluções discutidas por estudiosos poderia ser a cremação. Porém, deve-se
levar em conta, é claro, principalmente os casos dos indigentes e/ou pessoas não identificadas
e/ou que necessitem de posterior exumação, o problema legal, num possível processo de
investigação ou identificação, não se tendo como fazer essa exumação.
Entre outros aspectos, os impactos ambientais, principalmente, sugerem a necessidade de um
estudo mais aprofundado visando buscar soluções eficientes e imediatas para o caso dos
cemitérios, inseridos no contexto de mazela urbana, dentro dos municípios, devendo ser incluídos
na pauta emergencial da gestão, para a implementação de políticas específicas ao enfrentamento
dessa problemática, pouco priorizada na atualidade.
Os cemitérios constituem equipamentos urbanos de fundamental importância no sistema urbano.
A administração dos cemitérios e a preservação dos serviços funerários podem ser executados
diretamente pela Prefeitura Municipal ou outorgados a entidades de caráter assistencial ou
filantrópico.
4. Urge que o poder público discipline a criação dos cemitérios e os serviços funerários, através de
legislação apropriada. Começa-se na implantação de um cemitério, onde a primeira preocupação
deve ser em relação ao terreno, pois a inclinação (declividade), ventos e tipo de solo são
essenciais para o funcionamento menos nocivo ao meio ambiente (PACHECO, 2002). Os riscos,
além de ambientais, causados pelo processo de decomposição dos cadáveres são, também, de
saúde pública. A contaminação das águas do aqüífero freático e superficial é uma preocupação,
pois deixa mais exposta a população mais carente, através dos poços rasos e nascentes, gerando
ampliação de demanda em outras políticas e serviços públicos, como por exemplo, os de saúde.
No processo de decomposição do cadáver os microorganismos proliferam-se e, nos períodos de
chuva, podem contaminar o lençol freático. As doenças que podem ser transmitidas são: tétano,
gangrena gasoso, tóxi infecção alimentar, tuberculose, febre tifóide, febre paratifóide, desinteria
bacilar e o vírus da hepatite tipo “A” (PACHECO, 2002). Além das doenças transmitidas pela
água, há um grande potencial na proliferação do Aedes Aegypti, que transmite dengue e febre
amarela, pela conservação de água nos vasos, de escorpiões, habitantes de lugares escuros
úmidos e abrigados, e, também, de baratas.
Outro problema causado pela inumação é o gerado pelos maus odores da decomposição. O
cheiro putrefático pode durar de uma a quatro semanas.
Temos que considerar, além dos já citados, também os fatores psicológicos, sensação de medo,
insegurança, misticismo, sufocamento e opressão, principalmente em cemitérios convencionais,
com menos verde e arquitetura tumular.
O lixo proveniente das necrópoles, como restos de roupas dos cadáveres, resto de caixões, flores
e outros, são na maioria dos casos, colocados nos lixos comuns, a céu aberto, tornando-se
elementos de contaminação para as pessoas que vão visitar seus mortos.(PACHECO, 2005).
Próteses,marca passos, vão para o aterro comum, sendo elementos com alto índice de poluição
pelo acionamento pela energia nuclear.
3. PLANEJAMENTO MUNICIPAL
Cada município é dotado de diferenças naturais e por isto deve-se levar em conta suas
particularidades na hora de se estabelecer diretrizes de ação. Por outro lado, não basta dispor de
uma legislação completa e perfeitamente adequada à realidade municipal se não houver uma
fiscalização que garanta sua aplicação, com vistas aos objetivos a que se propõe.
“Planejar é decidir o que fazer, e em que ordem de prioridade, tomando-se em consideração as
necessidades e os recursos disponíveis” (DPU/SURBAM,1988).
O planejamento visa estabelecer a organização das tarefas da prefeitura, a partir de metas pré-
estabelecidas, ou seja, aquelas que normalmente, subsidiam a elaboração de planos de governo.
O Plano de Governo é o caminho para concretizar, no período de um mandato governamental ou
5. em período menor, as decisões-chave sobre os problemas municipais, devendo-se inserir neste,
os cemitérios.
Para um bom planejamento das ações da prefeitura, seja em que área for,as metas estabelecidas
nos Planos de Governo devem estar refletidas no orçamento e nestas metas acredita-se que as
necrópoles merecem seu espaço pela complexidade de sua problemática, envolvendo várias
áreas da gestão pública.
4. IMPLANTAÇÃO DE UM CEMITÉRIO
Para amenizar os impactos causados pelos cemitérios, fez-se necessária a criação de leis,
decretos específicos, os quais condicionam este tipo de empreendimento, à realização do EIA
RIMA. Para que este relatório seja fornecido, é feito o estudo prévio de viabilidade, identificando
as condições do local, tipo de solo, localização e profundidade do lençol freático. Além disso, a
obra deve ser feita verificando outros fatores de importância que o terreno em questão necessite,
para a implantação de um cemitério.
Para o licenciamento, o empreendimento passa pela licença prévia, licença de instalação e, por
último, a licença de operação.
Após a concessão do licenciamento, deve-se fazer a implantação dos sistemas ou equipamentos
de amenização de impactos mais apropriados a cada situação, sejam estes os filtros biológicos
(por muitos, não considerado eficaz), poços de monitoramento das águas, malhas de drenagem
superficial, mecanismo de conversão das águas, coletores seletivos de lixo, construção das
carneiras de forma adequada e demais procedimentos que possam ser considerados essenciais a
cada empreendimento, de acordo com suas particularidades.
Essencialmente, segundo o geólogo Luciano Lara, deve-se fazer um estudo geológico-geotécnico
e de observação. Com isto, têm-se informações topográficas, litológicas, geológicas e estruturais,
solos agrícolas, hidrogeológicos, drenagem superficial, capacidade de infiltração, corrosibilidade,
qualidade do solo, classificação dos solos para fins de engenharia, recursos de engenharia,
resistência à compressão simples, qualidade da rocha, estabilidade de taludes, dificuldades de
escavação, adequação para instalações subterrâneas, adequação dos recursos, adequação para
disposição de rejeitos, adequação para construções pesadas, enfim, carta de adequabilidade do
terreno para áreas destinadas à implantação de cemitérios.
Em Curitiba, para os cemitérios já instalados, é feito um monitoramento da qualidade das águas
subterrâneas através de poços de monitoramento perfurados pela Secretaria Municipal de Meio
Ambiente (SMMA). A análise é feita pela UFPR e considerada a Resolução SEMA 01904.
5. CEMITÉRIO X POLÍTICAS PÚBLICAS
Políticas públicas compreendem as decisões de governo em diversas áreas que influenciam a
vida de um conjunto de cidadãos. São os atos que o governo faz ou deixa de fazer e os efeitos
6. que tais ações ou a ausência destas, provocam na sociedade.
É importante explicitar que política pública envolve mais que uma decisão política e requer
diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas.
São ações públicas assumidas pelos governos, instituições públicas estatais, com ou sem
participação da sociedade, que concretizam direitos humanos coletivos ou direitos sociais
garantidos em lei. Não se pode falar em política pública fora da relação entre estado e sociedade.
Ela compreende tudo o que o Estado faz ou deixa de fazer: o investimento, os segmentos
beneficiados ou excluídos pelos serviços. Nessa compreensão, as políticas públicas podem
oportunizar a melhoria da qualidade de vida da população redistribuindo renda, ou pode privilegiar
setores dominantes da sociedade, aumentando, ainda mais, a concentração da renda e a
desigualdade social.
As políticas públicas no Brasil, até hoje, não conseguiram beneficiar a todos em igualdade de
condições. Por explicitarem o conflito de interesses e o privilegiamento de alguns, continua
aumentando a desigualdade e o número dos que empobrecem e ficam mais miseráveis. Assim, as
atuais políticas não são de fato públicas, porque privilegiam alguns setores, geralmente voltados
ao mercado, os quais recebem os grandes investimentos. Para os pobres, que representam a
grande massa populacional, acabam sobrando as migalhas, distribuídas nas chamadas políticas
sociais compensatórias. São portanto, políticas anti-sociais pois, as políticas públicas, deveriam
contribuir para melhorar a qualidade de vida para toda a população (universalização de direitos).
6. CONCLUSÃO
Este trabalho teve por objetivo fazer uma análise crítica de como tem sido tratadas as necrópoles
dentro das cidades, a partir de seus diferentes aspectos, em busca de um despertar para o
enfrentamento da questão, onde este equipamento “cemitério”, compõe o conjunto de recursos
necessários ao encaminhamento sustentável das requisições sócio-ambientais, devendo ser
tratado para além de mitos e subjetividades, como uma questão política e técnica da gestão
urbana nas cidades.
Entendendo as cidades enquanto espaços urbanos naturais e antrópicos, que se constituem de
serviços urbanos básicos através do desenvolvimento socioeconômico, instrumentalizados por
aspectos institucionais e legais, deve-se considerar de forma particularizada e situada,
equipamentos e suas atividades, como neste caso específico, os cemitérios, por meio da gestão
de políticas públicas, utilizando-se do planejamento urbano e regional como instrumento
institucional e legal para o desenvolvimento sustentável.
A principal preocupação dos técnicos nas área ambientais é, sem dúvida, neste caso dos
cemitérios, a contaminação do aqüífero freático, de onde provém a água, elemento de vida,
contrapondo com a morte - nossos cemitérios - que armazenam elementos de alto risco pela
inumação, tumulação e cremação.
7. Descreveram-se algumas questões, sanitárias, ambientais e técnicas (topográfica, geológica,
geotécnica, hidrológica) demonstrando a importância do sistema urbano, inclusive na escolha de
um terreno apropriado para implantação do cemitério ou adaptação e regularização dos já
existentes.
A problemática é atual no que diz respeito às atitudes tomadas, neste sentido, pelos municípios,
estado e federação, na revisão e complemento das leis, principalmente, em fazer cumprir estas
leis.
Têm-se, então, os cemitérios como: museu, história, cultura; como problema estético urbanístico,
colocado na maioria das vezes à margem das cidades; como problema social, espaço para
aqueles que o podem pagar ou, para os demais, espaço de empréstimo de um pedaço de terra,
literalmente, por três anos, quando, então, seus restos serão retirados e “amontoados” numa vala
comum, para livrar seu espaço. Problema econômico e comercial, pela exploração das funerárias
e administradoras de cemitérios, falta de respeito e oportunismo no assédio às famílias, frente à
imediata ação que tem que tomar para enterrar seus familiares.
Em Curitiba, este problema vem tentando ser resolvido pela Central de Luto, credenciando
funerárias e estipulando ordem de atendimento. Enfim, parece-nos que os órgãos competentes
vêm tentando ajustar e sanar estes referidos problemas, porém nota-se que muito tem a ser feito.
O cemitério deve integrar-se à cidade. O município tem de conservá-lo e torná-lo acessível para,
então, a população, respeitá-lo e usá-lo. A falta de segurança nestes espaços, o índice de
criminalidade, roubo de objetos valiosos é ainda comum, pelos poucos freqüentadores destes.
Outro problema é a falta de espaço “público” nos cemitérios já existentes, sendo a população
carente a que mais precisa deste. Há explícita elitização dos espaços nos cemitérios mais
centrais, com a concentração das populações pobres nos equipamentos periféricos, tal qual
acontece via especulação imobiliária das habitações para os vivos. Uma solução poderia ser a
criação de um crematório municipal, na cidade de Curitiba. Ainda tem-se a problemática da
legislação de Ocupação e Uso do Solo que restringe estas atividades a algumas áreas da cidade,
quase não tendo mais terrenos compatíveis a este uso.
Está se dando início a um trabalho que seguirá gerações. Algumas atitudes a serem tomadas
requerem conscientização da população, e a cremação, por exemplo, que pode ser uma destas, é
pouco aceita pelos mais antigos e religiosos.
A criação de políticas públicas específicas, assim como uma secretaria própria, poderia agilizar
muito este trabalho. Túmulos abandonados, ou não utilizados, famílias com mais terrenos do que
precisariam, falta de manutenção e responsabilização por estes espaços, são alguns dos nossos
problemas.
O pouco discutido tema “Cemitérios” poderia, com tantos instrumentos de planejamento, ser mais
seria e sistematicamente abordado nas cidades.
8. Poderia-se, inclusive, articular o tratamento à questão nestes instrumentos, pois alguns problemas
já estão abordados na Constituição Federal de 1988, depois no Estatuto da Cidade e Plano
Diretor de alguns municípios. Então, por fim e mais especificamente, poderiam ser tratados na Lei
Orgânica do município, e no Plano Plurianual.
Tudo o que vem após a Constituição está de alguma forma nela previsto, em seus artigos, de
forma abrangente e genérica, que a cada regulamentação complementar chega a um tratamento
mais específico, até atingir, no caso da gestão urbana, o Plano Diretor, elaborado pelos
municípios.
Com isto deveria-se ter um planejamento estratégico e orgânico para ações mais eficientes,
eficazes e efetivas, pois os municípios, mesmo com tantos “engessamentos”, ainda conseguem
não fazer valer, a sério, as legislações e regras vigentes.
Fala-se, desde a Constituição Federal de 1988, que todos tem direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, mas pouco se tem feito para garantir este direito aos indivíduos.
Aliás, como garantir um ambiente ecologicamente equilibrado se, ainda, temos cemitérios
instalados em áreas de proteção ambiental, ou em fundos de vale, ou ainda com tecnologias
defasadas para impedir a contaminação do aqüífero freático pelo necrochorume, ou lixos
tumulares, destinados ao lixo comum?
Para se melhorar a qualidade de vida da população e fazer valer algumas das garantias previstas
em lei, é necessário que se mobilize a sociedade como um todo para se cobrar dos governantes,
ações em todas as áreas e atividades das cidades que estejam interferindo nesta qualidade,
começando pela qualidade do ensino, pelo trabalho de educação ambiental e conscientização da
população, no caso dos cemitérios, dos problemas que a cidade enfrenta com cada ser humano
que morre. Urge discutir ações conjuntas, com participação popular, de estratégias que poderiam
amenizar estes impactos, trabalhando também, as representações da população, que vê estes
empreendimentos como “áreas degradadas”, tétricas, perigosas, “estranhas”, assustadoras, ou
pior, nem as enxergam. Talvez se chegue à conclusão que os crematórios são a melhor maneira
de se enfrentar estes impactos e riscos, mas como dizer a um crente convicto, cuja igreja não
apóia esta atitude, ou uma senhora que vai visitar seu marido no cemitério todos os dias, que é
esta a melhor solução? É realmente um trabalho de conscientização e reeducação que deve ter
participação e envolvimento da população e que levará, sem dúvida, gerações, para se efetivar.
Por que não, dentre tantos instrumentos genéricos de tratar os espaços das cidades, construir-se
uma política pública específica para os Cemitérios e/ou destinação de resíduos? A mesma
população que precisa de ações e garantias enquanto viva, também a necessita depois da morte.
A questão do acúmulo de conhecimento, envolvendo a comunidade de pesquisadores é um
desafio nas políticas públicas. No caso específico dos cemitérios, o tratamento intersetorial da
questão, em seus aspectos sociais, políticos, culturais, ambientais, econômicos, por meio dos
9. diversos atores políticos, permitiria uma maior compreensão e precisão dos seus problemas
enquanto espaço das cidades e não nas cidades.
Sabendo-se da importância de tratar este tema como uma política setorial, interdisciplinar, com
bases sistematizadas e contínuas, a qualidade e efetividade dos seus conhecimentos levaria a
avanços e à maturidade próprios à área, tirando-a da generalidade do Estado e governo.
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