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Conselhos e receitas pra tirar safadeza de cabra frouxo
Alves Grapiúna
Muitas formas, muitas rimas
Num cordel bem misturado
Receita de muito mestre
Você lê, sai informado
De quadrão a decassílabo
Na métrica vai aprumado
Tem rima em sextilha
Septilha e oitavado
Obra de sete pés
E martelo agalopado
Desafio em caretilha
Cada qual um bom bocado
Quatro linhas e duas rimas
Iniciam nosso programa
Principia como comédia
E no fim tem-se um drama
Comecemos sem demora
Essa estória interessante
De um cabrinha safado
Na frente muito calado
Mas por trás bem falanfante
Se dizia muito valente
Valentinho e valentão
Também não era pra menos:
Era casado com um canhão
Valente no pensamento
Matava, as tripas comia
Mas uma braveza tão fraca
Que de barata corria
Na casa ele era o chefe
Digo: chefe dos serviçais
E tomava muita bronca
De até não poder mais
A cozinha era com ele
Galinha, macarronada...
O canhão só resmungava
Esse traste faz é nada!
Dava pena a todos nós
Um cristão tratado assim
Até os burros invejava
Livres, comendo capim
Aconteceu, isso sei
Estória certa, historona...
Chegou perto a liberdade
Mas foi embora, a fujona
Agora posso até mesmo
Me livrar dessa aflição
De viver amofinado
Chegou a libertação
Correndo desembestado
Vou cair nesse mundão!
Eis que sucedeu:
Um sucesso de repente
Sonhou e aconteceu
Agora que vou ser gente!
E não é fogo de palha:
Comprou bilhete, roupa nova
Se mandou pra Surabaya
Encontrou la uma menina
Formada em veterinária
Sabendo cuidar de bicho,
Com gente não se atrapalha!
Isso foi muito pra trás
Mas demorou um tempão
Enrabichado ele tava
Deixava de ser bundão
E de quebra ainda ganhava
Um tratamento de cão
E assim eu vou montando
Um enredo interessante
Baseado no que vi
Ouvi de gente importante
Que esse dito cabrinha
Agora tava galante
Pra surpresa minha um dia
Encontrei esmorecido
Todo desanimado
Perguntei o que era feito
Ele disse: meu amigo
Comigo não tem mais jeito
Me alisto para a guerra
Ou dou um tiro no meu peito!
Eu disse: homem, o que é isso!
Não se desespere assim
Todo mal que há no mundo
Um dia encontra seu fim
Ele disse: o meu não
Minha matéria é ruim
De fato, é pior ainda
Não sei quem me fez assim:
Na frente sou como Abel
Por trás sou mesmo Caim
Calma lá, eu disse a ele
Tudo nesse mundo tem jeito
Não porque tu és frouxo
Que não seja um bom sujeito
Mesmo que frouxidão
Não é seu pior defeito
Defeito é ser mentiroso
Falafão e atrevido
Querendo ser um bom pai
Sem se ser um bom marido
Comece por corrigir
Esse seu jeito incorrigido
Ele disse: me ajude
Porque não sei que fazer
Eu disse: agora que tu vai ver
Um homem lhe dar conselho
Comece por se negar
A ficar que nem um coelho
Com a orelhas abaixadas
Esperando entrar no relho
E um dia de cada mês
Passe a noite num puteiro
1
Ele disse: isso não posso
Porque caio logo no laço
De manhã quando eu chegar
Minha mulher me faz bagaço
Me dá uma surra de peia
E depois me mete o braço
É no braço, é no tapa, é no relho, é na vara
É na vara, é no relho, é no tapa, é no braço
É na praia, é no dique, é na roça, é no paço
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É deitado, é em pé, de joelho, é no chão
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É Quadrão, é Quadrinha, é Quadrilha, é Quadrado
É Quadrado, é Quadrilha, é Quadrinha, é Quadrão
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Já de saída
Quem manda é mulher
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La eu nasci
La eu cresci
De pequeno sabia
E querer eu queria
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Que nasceu na Bahia
Ah, meu amigo
Assim que não pode ser
Você correndo perigo
De amofinado viver
Todo assim alquebrado
Sempre vai prejudicado
Num triste desfalecer
Eu tenho um bom conselho
Vale a pena ser seguido
Pra transformar bicho frouxo
Num homem forte e sabido
Siga logo minha receita
E veja o que aproveita
Se afaste do perigo!
Logo de manhãzinha
Você terá que comer
Um prato de rapadura
Pra você não padecer
Leite de jumenta preta
Tomado na própria teta
Dois copos tem que beber
Se imponha, não se vergue.
Meu amigo gutemberg
Que vivia amofinado
E com cara de vexado
Acordava todo dia
Com fastio, sem apetite
Pra mulher nem ambrósia
Foi seguir o meu conselho
Deixou de entrar no relho
Em casa já da palpite
Meu amigo gutemberg
Que era muito acanhado
Agora que ta danado
Não vai mais ao pe da pia
A cabeça ele já ergue
Não esmorece nem chia
Deixou de ser abobado
Já não fica mais calado
Não treme nem se apavora
Quando vê a caipora.
Pra todo cabra amofinado
Cabra frouxo que nem tu
Ouça la o gutemberg
Que parecia papa-angu
Seguiu esse meu conselho
Nunca mais entrou no relho
Tem apetite de urubu
Aqui vai a lição
Que tenho pra te dar
Não faça muitas intrigas
No lugar aonde chegar
Deixe de ser falastrão
E metido a valentão
Assim tu vais melhorar!
Não brigue nem se atreva
A fazer malcriação
Seja educado e bondoso
Seja amigo, seja irmão
Não haverá quem lhe ferre
E da guarda Gê-ene-erre
Não toma mais safanão
Não seja tão impulsivo
Nem por demais atrevido
Não brinque com os baianos
Povo forte, destemido
E você vai se acertar
Nunca mais vai apanhar
Vira até um bom marido
Compre algum dicionário
Aprenda a falar bonito
Discipline sua voz
Que parece a dum cabrito
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Dá certo, tenho dito!
Assim termina o cordel
Pra você ficar sabendo
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E por ai vou descendo
Dou rasteira e dou pernada
O cabra fica gemendo
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Conselhos e receitas pra tirar safadeza de cabra frouxo
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Conselhos e receitas pra tirar safadeza de cabra frouxo

  • 1. Conselhos e receitas pra tirar safadeza de cabra frouxo Alves Grapiúna Muitas formas, muitas rimas Num cordel bem misturado Receita de muito mestre Você lê, sai informado De quadrão a decassílabo Na métrica vai aprumado Tem rima em sextilha Septilha e oitavado Obra de sete pés E martelo agalopado Desafio em caretilha Cada qual um bom bocado Quatro linhas e duas rimas Iniciam nosso programa Principia como comédia E no fim tem-se um drama Comecemos sem demora Essa estória interessante De um cabrinha safado Na frente muito calado Mas por trás bem falanfante Se dizia muito valente Valentinho e valentão Também não era pra menos: Era casado com um canhão Valente no pensamento Matava, as tripas comia Mas uma braveza tão fraca Que de barata corria Na casa ele era o chefe Digo: chefe dos serviçais E tomava muita bronca De até não poder mais A cozinha era com ele Galinha, macarronada... O canhão só resmungava Esse traste faz é nada! Dava pena a todos nós Um cristão tratado assim Até os burros invejava Livres, comendo capim Aconteceu, isso sei Estória certa, historona... Chegou perto a liberdade Mas foi embora, a fujona Agora posso até mesmo Me livrar dessa aflição De viver amofinado Chegou a libertação Correndo desembestado Vou cair nesse mundão! Eis que sucedeu: Um sucesso de repente Sonhou e aconteceu Agora que vou ser gente! E não é fogo de palha: Comprou bilhete, roupa nova Se mandou pra Surabaya Encontrou la uma menina Formada em veterinária Sabendo cuidar de bicho, Com gente não se atrapalha! Isso foi muito pra trás Mas demorou um tempão Enrabichado ele tava Deixava de ser bundão E de quebra ainda ganhava Um tratamento de cão E assim eu vou montando Um enredo interessante Baseado no que vi Ouvi de gente importante Que esse dito cabrinha Agora tava galante Pra surpresa minha um dia Encontrei esmorecido Todo desanimado Perguntei o que era feito Ele disse: meu amigo Comigo não tem mais jeito Me alisto para a guerra Ou dou um tiro no meu peito! Eu disse: homem, o que é isso! Não se desespere assim Todo mal que há no mundo Um dia encontra seu fim Ele disse: o meu não Minha matéria é ruim De fato, é pior ainda Não sei quem me fez assim: Na frente sou como Abel Por trás sou mesmo Caim Calma lá, eu disse a ele Tudo nesse mundo tem jeito Não porque tu és frouxo Que não seja um bom sujeito Mesmo que frouxidão Não é seu pior defeito Defeito é ser mentiroso Falafão e atrevido Querendo ser um bom pai Sem se ser um bom marido Comece por corrigir Esse seu jeito incorrigido Ele disse: me ajude Porque não sei que fazer Eu disse: agora que tu vai ver Um homem lhe dar conselho Comece por se negar A ficar que nem um coelho Com a orelhas abaixadas Esperando entrar no relho E um dia de cada mês Passe a noite num puteiro 1
  • 2. Ele disse: isso não posso Porque caio logo no laço De manhã quando eu chegar Minha mulher me faz bagaço Me dá uma surra de peia E depois me mete o braço É no braço, é no tapa, é no relho, é na vara É na vara, é no relho, é no tapa, é no braço É na praia, é no dique, é na roça, é no paço É no paço, é na roça, é no dique, é na praia É deitado, é em pé, de joelho, é no chão É no chão, de joelho, é em pé, é deitado É Quadrão, é Quadrinha, é Quadrilha, é Quadrado É Quadrado, é Quadrilha, é Quadrinha, é Quadrão Pois na Paraíba Já de saída Quem manda é mulher O que que tu quer? La eu nasci La eu cresci De pequeno sabia E querer eu queria A sorte de ti Que nasceu na Bahia Ah, meu amigo Assim que não pode ser Você correndo perigo De amofinado viver Todo assim alquebrado Sempre vai prejudicado Num triste desfalecer Eu tenho um bom conselho Vale a pena ser seguido Pra transformar bicho frouxo Num homem forte e sabido Siga logo minha receita E veja o que aproveita Se afaste do perigo! Logo de manhãzinha Você terá que comer Um prato de rapadura Pra você não padecer Leite de jumenta preta Tomado na própria teta Dois copos tem que beber Se imponha, não se vergue. Meu amigo gutemberg Que vivia amofinado E com cara de vexado Acordava todo dia Com fastio, sem apetite Pra mulher nem ambrósia Foi seguir o meu conselho Deixou de entrar no relho Em casa já da palpite Meu amigo gutemberg Que era muito acanhado Agora que ta danado Não vai mais ao pe da pia A cabeça ele já ergue Não esmorece nem chia Deixou de ser abobado Já não fica mais calado Não treme nem se apavora Quando vê a caipora. Pra todo cabra amofinado Cabra frouxo que nem tu Ouça la o gutemberg Que parecia papa-angu Seguiu esse meu conselho Nunca mais entrou no relho Tem apetite de urubu Aqui vai a lição Que tenho pra te dar Não faça muitas intrigas No lugar aonde chegar Deixe de ser falastrão E metido a valentão Assim tu vais melhorar! Não brigue nem se atreva A fazer malcriação Seja educado e bondoso Seja amigo, seja irmão Não haverá quem lhe ferre E da guarda Gê-ene-erre Não toma mais safanão Não seja tão impulsivo Nem por demais atrevido Não brinque com os baianos Povo forte, destemido E você vai se acertar Nunca mais vai apanhar Vira até um bom marido Compre algum dicionário Aprenda a falar bonito Discipline sua voz Que parece a dum cabrito Leia também a tabuada Aprenda raiz quadrada Dá certo, tenho dito! Assim termina o cordel Pra você ficar sabendo Só bato pela cintura E por ai vou descendo Dou rasteira e dou pernada O cabra fica gemendo E de mexer com baiano Vai logo se arrependendo! Conselhos e receitas pra tirar safadeza de cabra frouxo 2