SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  5
Télécharger pour lire hors ligne
Crítica: Ceticismo moderno                                                     Página 1 de 5



   criticanarede.com · ISSN 1749-8457
   http://criticanarede.com/ceticismo.html

 2 de Abril de 2011 · Epistemologia



 Ceticismo moderno
 Richard Popkin
 Tradução de Jaimir Conte


 O ceticismo moderno surgiu no séc. XVI com o
 renascimento do conhecimento e do interesse pelo antigo
 ceticismo pirrônico grego, que surge nos escritos de Sexto
 Empírico, e do ceticismo Acadêmico, apresentado em De
 Academica, de Cícero. O termo “cético” não foi usado na
 Idade Média e foi inicialmente apenas transliterado do
 grego. As obras de Sexto Empírico foram publicadas em
 latim em 1562 e 1569, e em grego em 1621. As edições do texto de Cícero apareceram no
 séc. XVI. A nova publicação destas obras aconteceu numa época em que uma questão
 fundamental a respeito do conhecimento religioso fora levantada pela Reforma e Contra-
 Reforma — como distinguir o verdadeiro conhecimento religioso de perspectivas falsas ou
 duvidosas? Erasmo negou que isto se poderia fazer, e aconselhou seguir os céticos,
 suspendendo o juízo e aceitando as opiniões da Igreja Católica sobre as questões em
 disputa. O tradutor de Sexto, Gentian Hervet, um padre católico, disse que as opiniões dos
 pirrônicos constituíam a resposta perfeita e completa ao calvinismo. Se nada pode ser
 conhecido, então o calvinismo não pode ser conhecido. Os contra-reformistas usaram os
 argumentos céticos para construir uma “máquina de guerra” contra os seus oponentes
 protestantes, e os protestantes procuraram mostrar que os católicos destruiriam as suas
 próprias opiniões devido aos mesmos desafios céticos.
         A mais importante apresentação do ceticismo na época foi a de Montaigne, que
 surgiu em Apologia de Raimond Sebond. Montaigne estudara os argumentos de Sexto e
 Cícero e fora influenciado por eles. Reuniu-os no seu longo e divagante ensaio e
 modernizou-os, adaptando-os às preocupações do séc. XVI. Também os apresentou numa
 linguagem vernácula (o francês), que forneceu o vocabulário para as modernas discussões
 sobre o problema do conhecimento.
         Os desafios lançados por Montaigne aos indícios favoráveis a qualquer alegação de
 conhecimento, à adequação de todo o pretenso critério de conhecimento e à possibilidade
 de um padrão ético universal levantou dificuldades a todas as perspectivas que então
 estavam sendo apresentadas. A obra de Montaigne tornou-se um sucesso de vendas em
 França e na tradução inglesa. Juntamente com dúvidas crescentes sobre a tradição
 intelectual predominante, o trabalho de Montaigne estabeleceu um ceticismo geral, não



http://criticanarede.com/ceticismo.html                                          02/04/2011
Crítica: Ceticismo moderno                                                       Página 2 de 5



 apenas contra a escolástica ou o naturalismo renascentista, mas também contra a
 possibilidade de existir qualquer sistema de idéias que não pudesse ser posto em dúvida. O
 discípulo de Montaigne, o padre Pierre Charron, apresentou o ceticismo de uma forma
 didática que foi muito amplamente lida.
       Os filósofos do início do séc. XVII tentaram formular respostas ao novo ceticismo, de
 modo a fundamentar teorias filosóficas modernas que pudessem justificar a nova ciência.
 Bacon, Mersenne, Gassendi, Descartes e Pascal, entre outros, tentaram lidar com a
 ameaça cética que dominava completamente o mundo intelectual.
       Mersenne e Gassendi formularam, de maneiras diferentes, um ceticismo mitigado ou
 construtivo, fazendo grandes concessões ao desafio cético, embora ainda afirmassem que
 alguma espécie de conhecimento limitado era possível e útil. Mersenne, num diálogo com
 um cético, que retoma argumentos de Sexto, disse que embora não possamos responder os
 desafios fundamentais dos céticos, isso não importa porque na realidade temos maneiras
 de lidar com as questões. Podemos prever, a partir de uma situação empírica, o que se
 seguirá, embora não conheçamos as verdadeiras causas dos eventos. Podemos ter dúvidas
 se algum conhecimento metafísico é possível, ao mesmo tempo que desenvolvemos uma
 ciência que relaciona aparências com aparências.
       Gassendi levou isto adiante no que denominou via media entre o ceticismo e o
 dogmatismo. Desenvolveu uma teoria atômica epicurista hipotética relacionando as
 aparências entre si. Esta forneceria uma sombra da verdade, ao invés da própria Verdade.
       Descartes não queria contentar-se com esta certeza limitada. Procurava verdades
 que nenhum cético pudesse desafiar. Para descobri-las, começou por adotar um método de
 dúvida cética, rejeitando todas as crenças que poderiam, sob qualquer condição
 imaginável, ser falsas ou duvidosas. Rejeitou prontamente as crenças baseadas nos
 sentidos porque estes às vezes nos enganam. Rejeitou as crenças sobre a realidade física
 porque o que consideramos ser tal realidade pode fazer apenas parte de um sonho.
 Rejeitou as crenças baseadas no raciocínio porque podemos ser sistematicamente
 enganados por uma força demoníaca.
       Neste ponto, Descartes parece ter criado um ceticismo maior que o de Montaigne.
 Mas Descartes passou a perguntar se podemos duvidar ou rejeitar a crença na nossa
 própria existência. Aqui descobrimos que toda tentativa de o fazer é imediatamente
 anulada pela nossa consciência de que, nós mesmos, estamos duvidando. Assim, a
 primeira verdade que Descartes alegou que não poderia ser colocada em dúvida foi “penso,
 logo existo” (o cogito). A partir desta verdade alguém poderia extrair o critério de que tudo
 o que concebemos clara e distintamente é verdadeiro. Usando este critério, estabelecemos
 que Deus existe, que é todo-poderoso, o criador de tudo o que existe, e que, porque é
 perfeito, não nos pode enganar. Portanto, tudo o que Deus nos faz acreditar clara e
 distintamente tem de ser verdadeiro. Assim, a nova filosofia de Descartes visa refutar o
 novo ceticismo.



http://criticanarede.com/ceticismo.html                                            02/04/2011
Crítica: Ceticismo moderno                                                        Página 3 de 5



       O sistema de Descartes tornou-se o alvo principal dos céticos modernos. Foi
 criticado por Gassendi, Hobbes e Mersenne por se basear em dogmas injustificados e
 injustificáveis. Por que não poderia um Deus todo-poderoso enganar-nos? Como sabemos
 que não existe uma verdade para Deus ou para os anjos que é diferente da que somos
 forçados a aceitar como verdadeira? Por que tem de ser verdadeiro na realidade, e não
 apenas nas nossas mentes, o que concebemos clara e distintamente? Como sabemos que
 toda a nossa imagem subjetiva do mundo, por mais certeza que tenhamos, não é apenas
 uma ilusão nossa? Descartes respondeu que levar estas perguntas a sério era fechar a
 porta à razão. Mas este argumento da catástrofe não respondia realmente aos desafios
 céticos.
       Na    geração    seguinte   apareceram   análises   muitíssimo   céticas   das   partes
 questionáveis da filosofia de Descartes. Pierre-Daniel Huet procurou mostrar que todas as
 idéias de Descartes, incluindo o cogito, estavam abertas à dúvida. Simon Foucher dirigiu
 um ataque similar contra Malebranche, assim que a filosofia deste foi publicada. Foucher
 também combateu a tentativa de Leibniz de fundar um sistema dogmático. O ceticismo do
 séc. XVII culminou nos escritos de Pierre Bayle, especialmente no Dicionário Histórico e
 Crítico (1697-1702). Bayle combinou todos os tipos de dúvidas para arruinar tanto a
 filosofia antiga como a moderna. Levantou devastadores desafios céticos ao cartesianismo,
 ao novo racionalismo de Leibniz, e a toda e qualquer tentativa do gênero. Os argumentos
 do Dicionário de Bayle, especialmente nos artigos sobre o cético grego Pirro de Élis e
 sobre Zenão de Eléia, levantaram problemas centrais à geração seguinte de filósofos.
       Locke propôs uma maneira de evitar o ceticismo ao admitir que poderíamos não ter
 qualquer real conhecimento além da intuição e da demonstração, mas que ninguém era
 tão louco que duvidasse que o fogo é quente, que as rochas são sólidas, etc. A experiência
 anularia o ceticismo. O crítico de Locke, o bispo Stillingfleet, tentou mostrar que o seu
 empirismo acabaria no ceticismo. Berkeley, que recebera na sua educação os argumentos
 de Bayle, viu que estes se poderiam voltar contra a filosofia de Locke. Bayle já tinha
 mostrado que a distinção entre qualidades primárias e secundárias era indefensável. Se as
 secundárias são subjetivas e existem apenas na mente, as primárias também são. Berkeley
 insistiu sobre este ponto para levar a perspectiva de Locke ao ceticismo total. Alegou ter
 encontrado uma resposta ao ceticismo ao insistir que a aparência é a realidade, tudo o que
 é percepcionado é real.
       Hume, um leitor dedicado de Bayle, desenvolveu um ceticismo mais abrangente.
 Nada podemos conhecer além das impressões e idéias. O nosso conhecimento causal, tudo
 o que nos leva para lá da nossa experiência imediata, não se baseia em qualquer princípio
 racional ou justificável, mas apenas numa tendência psicológica natural e inalterável para
 ter a expectativa de que as experiências futuras se assemelhem às que tivemos no passado.
 Qualquer tentativa para defender as nossas crenças inevitáveis em causas, no mundo
 exterior, ou num eu real constitutivo em nós, conduz ao absurdo e à contradição. Assim,



http://criticanarede.com/ceticismo.html                                             02/04/2011
Crítica: Ceticismo moderno                                                                                       Página 4 de 5



 somos conduzidos por qualquer investigação das nossas crenças a um ceticismo total, mas
 a natureza não nos deixa aí; não podemos deixar de acreditar. Assim, conclui Hume, é
 devido a uma fé animal que nos mantemos vivos e é ela que acalma as nossas irresistíveis
 dúvidas céticas.
         O ceticismo de Hume foi recebido por dois tipos de respostas, que têm
 desempenhado importantes papéis nas teorias do conhecimento contemporâneas: a teoria
 realista do senso comum, de Thomas Reid, e a teoria crítica de Immanuel Kant. Reid, um
 contemporâneo de Hume, insistiu que embora não possamos responder aos problemas
 céticos formulados, ninguém realmente tem dúvidas sobre a existência de causas, do
 mundo externo ou interno. O nosso senso comum leva-nos a visões positivas sobre estes
 aspectos aspectos, e quando o senso comum entra em conflito com a filosofia, temos de
 rejeitar as conclusões filosóficas. Hume manifestou concordância com Reid, mas não
 considerou esta posição uma resposta ao ceticismo. Na opinião de Hume, esta crença
 forçada é um fato psicológico da vida, mas não um argumento anticético.
         Kant afirmou que Hume o despertou de seu sono dogmático e o fez ver quão incertas
 são as nossas alegações de conhecimento. Mas insistiu que Hume tinha feito a pergunta
 errada. Temos conhecimento inquestionável que nos diz algo sobre toda a experiência
 possível, como, por exemplo, que toda a experiência será temporal e espacial. Como é tal
 conhecimento possível, se não podemos ir além do nosso mundo da experiência? Kant
 insistiu que a experiência é a combinação do modo como a projetamos e do seu conteúdo.
 Há formas de todas as percepções possíveis, e estas são categorias por meio das quais
 fazemos juízos sobre todas as experiências possíveis. Se estas correspondem a um mundo
 além da experiência, não podemos saber, mas podemos analisar o que podemos estar
 seguros quanto à experiência possível. Portanto, podemos ter algum tipo de
 conhecimento, mas nenhum conhecimento das coisas-em-si.
         Kant propôs a sua filosofia crítica como uma maneira de resolver os problemas
 céticos internos à filosofia moderna. Foi imediatamente acusado de ser apenas um cético
 muitíssimo sofisticado, uma vez que também acaba por negar a nossa capacidade de ter
 conhecimento necessário do mundo. A filosofia alemã da primeira metade do século
 seguinte consistiu em tentativas para evitar ou superar o ceticismo implícito na análise de
 Kant das condições do conhecimento.

 Richard Popkin
 Retirado de Jonathan Dancy e Ernest Sosa (org.) A Companion to Epistemology (Oxford: Blackwell, 1997, pp. 719-721).


 Bibliografia
      • Bayle, P.: Historical and Critical Dictionary, Selections, trad. R. H. Popkin
         (Indianapolis: Hackett, 1991).




http://criticanarede.com/ceticismo.html                                                                                02/04/2011
Crítica: Ceticismo moderno                                                                      Página 5 de 5



      • Charron, P.: Toutes les Oeuvres de Pierre Charron, dernière edition (Paris: J.
         Villery, 1635).
      • Descartes, R.: The Philosophical Writings of Des¬cartes, orgs. J. Cottingham, R.
         Stoothoff e D. Murdoch, 2 vols. (Cambridge: Cambridge Uni¬versity Press, 1975).
      • Gassendi, P.: The Selected Works of Pierre Gassendi, trad. e org. C. Brush (Nova
         Iorque: Johnson Reprint, 1972).
      • Huet, P.-D.: Traité Philosophique de la Faiblesse de l'Esprit Humain (Amsterdam,
         1723).
      • Hume, D.: A Treatise of Human Nature (1739-40), org. L.A. Selby-Bigge, ed. revista
         de P.H. Nidditch (Oxford: Oxford University Press, 1978).
      • Hume, D.: Dialogues Concerning Natural Religion (1779), org. R.H. Popkin
         (Indianapolis: Hackett, 1988).
      • Mersenne, M.: La Verité des Sciences entre les Sceptiques ou Pyrrhoniens (Paris: T.
         Du Bray, 1625).
      • Montaigne, M. de: “Apology for Raimond Sebond,” in The Complete Works of
         Montaigne trad. D. Frame (Stanford: Stanford Uni¬versity Press, 1958).
      • Pascal, B.: Selections, trad. R.H. Popkin (Nova Iorque: MacMillan, 1989).
      • Sextus Empiricus: Adversus Mathematicos . . . graece nunquam latine... org. G.
         Hervet (Paris: Martin Juvenem, 1569).
      • Sextus Empiricus: Outlines of Pyrrhonism e Adversus Mathematicos, 4 vols.
         (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1917-55).

 Copyright © 1997–2010 criticanarede.com · ISSN 1749-8457
 Não reproduza sem citar a fonte · Termos de utilização: http://criticanarede.com/termos.html




http://criticanarede.com/ceticismo.html                                                           02/04/2011

Contenu connexe

Tendances

Módulo IV - Inquisição e Ciência
Módulo IV - Inquisição e CiênciaMódulo IV - Inquisição e Ciência
Módulo IV - Inquisição e CiênciaBernardo Motta
 
Gabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-ciencia
Gabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-cienciaGabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-ciencia
Gabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-cienciaLucas Primani
 
Bergson 1608 ensaio sobre a relação do corpo
Bergson 1608 ensaio sobre a relação do corpoBergson 1608 ensaio sobre a relação do corpo
Bergson 1608 ensaio sobre a relação do corpoDany Pereira
 
Bergson. O cérebroe o pensamento
Bergson. O cérebroe o pensamentoBergson. O cérebroe o pensamento
Bergson. O cérebroe o pensamentodaniellncruz
 
Jaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismo
Jaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismoJaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismo
Jaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismoJaimir Conte
 
Ryle mito-descartes-2
Ryle mito-descartes-2Ryle mito-descartes-2
Ryle mito-descartes-2daniellncruz
 
H. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o Véu
H. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o VéuH. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o Véu
H. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o Véuuniversalismo-7
 
Descartes Trab. grupo I
Descartes Trab. grupo IDescartes Trab. grupo I
Descartes Trab. grupo Imluisavalente
 
O sistemas de ideias matheus kielek
O sistemas de ideias   matheus kielekO sistemas de ideias   matheus kielek
O sistemas de ideias matheus kielekMatheus Kielek
 
Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)
Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)
Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)Jerbialdo
 
Bachelard a formaçao do espirito cientifico
Bachelard   a formaçao do espirito cientificoBachelard   a formaçao do espirito cientifico
Bachelard a formaçao do espirito cientificoIngrid Schwyzer
 
O Universo Autoconsciente - palestra sobre o livro
O Universo Autoconsciente - palestra sobre o livroO Universo Autoconsciente - palestra sobre o livro
O Universo Autoconsciente - palestra sobre o livroJulio Machado
 
Bachelard, g. a formação do espírito científico
Bachelard, g. a formação do espírito científicoBachelard, g. a formação do espírito científico
Bachelard, g. a formação do espírito científicoMarcio da Mota Silva
 
3ano 2bi filosofia_ex-2
3ano 2bi filosofia_ex-23ano 2bi filosofia_ex-2
3ano 2bi filosofia_ex-2takahico
 
3ano 2bi filosofia_matéria
3ano 2bi filosofia_matéria3ano 2bi filosofia_matéria
3ano 2bi filosofia_matériatakahico
 

Tendances (20)

Módulo IV - Inquisição e Ciência
Módulo IV - Inquisição e CiênciaMódulo IV - Inquisição e Ciência
Módulo IV - Inquisição e Ciência
 
Fluzz pilulas 41
Fluzz pilulas 41Fluzz pilulas 41
Fluzz pilulas 41
 
Gabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-ciencia
Gabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-cienciaGabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-ciencia
Gabriel delanne-o-espiritismo-perante-a-ciencia
 
Bergson 1608 ensaio sobre a relação do corpo
Bergson 1608 ensaio sobre a relação do corpoBergson 1608 ensaio sobre a relação do corpo
Bergson 1608 ensaio sobre a relação do corpo
 
Bergson. O cérebroe o pensamento
Bergson. O cérebroe o pensamentoBergson. O cérebroe o pensamento
Bergson. O cérebroe o pensamento
 
Jaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismo
Jaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismoJaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismo
Jaimir Conte - A oposição de Berkeley ao ceticismo
 
Ryle mito-descartes-2
Ryle mito-descartes-2Ryle mito-descartes-2
Ryle mito-descartes-2
 
H. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o Véu
H. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o VéuH. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o Véu
H. P. Blavatsky - Ísis sem Véu - Ante o Véu
 
Power point 1 o projeto de descartes
Power point  1   o projeto de descartesPower point  1   o projeto de descartes
Power point 1 o projeto de descartes
 
Descartes Trab. grupo I
Descartes Trab. grupo IDescartes Trab. grupo I
Descartes Trab. grupo I
 
O sistemas de ideias matheus kielek
O sistemas de ideias   matheus kielekO sistemas de ideias   matheus kielek
O sistemas de ideias matheus kielek
 
Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)
Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)
Nietzsche e Ativismo Científico (Rogério de Souza Teza)
 
Amit goswami -_universo_autoco
Amit goswami -_universo_autocoAmit goswami -_universo_autoco
Amit goswami -_universo_autoco
 
Fisica quantica e espiritualidade pdf
Fisica quantica e espiritualidade pdfFisica quantica e espiritualidade pdf
Fisica quantica e espiritualidade pdf
 
Bachelard a formaçao do espirito cientifico
Bachelard   a formaçao do espirito cientificoBachelard   a formaçao do espirito cientifico
Bachelard a formaçao do espirito cientifico
 
O Universo Autoconsciente - palestra sobre o livro
O Universo Autoconsciente - palestra sobre o livroO Universo Autoconsciente - palestra sobre o livro
O Universo Autoconsciente - palestra sobre o livro
 
Bachelard, g. a formação do espírito científico
Bachelard, g. a formação do espírito científicoBachelard, g. a formação do espírito científico
Bachelard, g. a formação do espírito científico
 
O projeto de descartes – versão 2
O projeto de descartes – versão 2O projeto de descartes – versão 2
O projeto de descartes – versão 2
 
3ano 2bi filosofia_ex-2
3ano 2bi filosofia_ex-23ano 2bi filosofia_ex-2
3ano 2bi filosofia_ex-2
 
3ano 2bi filosofia_matéria
3ano 2bi filosofia_matéria3ano 2bi filosofia_matéria
3ano 2bi filosofia_matéria
 

Similaire à Richard Popkin - O ceticismo moderno

Trabalho de filosofia leonardo 21 mp
Trabalho de filosofia leonardo 21 mpTrabalho de filosofia leonardo 21 mp
Trabalho de filosofia leonardo 21 mpalemisturini
 
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserlianaNascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserlianaÉrika Renata
 
5. Metafísica na Modernidade I.pptx
5. Metafísica na Modernidade I.pptx5. Metafísica na Modernidade I.pptx
5. Metafísica na Modernidade I.pptxTarabai
 
7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientifico
7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientifico7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientifico
7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientificojorge2_santos
 
BACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_Científico
BACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_CientíficoBACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_Científico
BACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_CientíficoGoiamerico Felicio
 
Racionalismo alessandra 21 mp
Racionalismo alessandra 21 mpRacionalismo alessandra 21 mp
Racionalismo alessandra 21 mpalemisturini
 
Racionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tp
Racionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tpRacionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tp
Racionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tpalemisturini
 
Trabalho de Filosofia
Trabalho de Filosofia Trabalho de Filosofia
Trabalho de Filosofia Laguat
 
Considerações sobre o positivismo
Considerações sobre o positivismoConsiderações sobre o positivismo
Considerações sobre o positivismoWalner Mamede
 
O circulo-de-viena-e-o-empirismo-logico
O circulo-de-viena-e-o-empirismo-logicoO circulo-de-viena-e-o-empirismo-logico
O circulo-de-viena-e-o-empirismo-logicoFrederico Garcia Brito
 
Apostila do 1º ano 3º e 4º bimestre
Apostila do 1º ano   3º e 4º bimestreApostila do 1º ano   3º e 4º bimestre
Apostila do 1º ano 3º e 4º bimestreDuzg
 
Unamuno miguel de_verdade_e_vida
Unamuno miguel de_verdade_e_vidaUnamuno miguel de_verdade_e_vida
Unamuno miguel de_verdade_e_vidaJanuário Esteves
 
Adorno atualidade da filosofia 1966 [doc]
Adorno   atualidade da filosofia 1966 [doc]Adorno   atualidade da filosofia 1966 [doc]
Adorno atualidade da filosofia 1966 [doc]Aline Trigo
 
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo   ernesto bozzanoAnimismo ou espiritismo   ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo ernesto bozzanoHelio Cruz
 
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo   ernesto bozzanoAnimismo ou espiritismo   ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo ernesto bozzanoana61hartmann
 

Similaire à Richard Popkin - O ceticismo moderno (20)

Epistemologia
EpistemologiaEpistemologia
Epistemologia
 
Trabalho de filosofia leonardo 21 mp
Trabalho de filosofia leonardo 21 mpTrabalho de filosofia leonardo 21 mp
Trabalho de filosofia leonardo 21 mp
 
Racionalismo - Descartes
Racionalismo - Descartes  Racionalismo - Descartes
Racionalismo - Descartes
 
2º ano atividade
2º ano   atividade2º ano   atividade
2º ano atividade
 
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserlianaNascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
Nascimento, c.l. a centralidade da epoché na fenomenologia husserliana
 
5. Metafísica na Modernidade I.pptx
5. Metafísica na Modernidade I.pptx5. Metafísica na Modernidade I.pptx
5. Metafísica na Modernidade I.pptx
 
Russel cap 12
Russel cap 12Russel cap 12
Russel cap 12
 
7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientifico
7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientifico7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientifico
7182651 bachelard-gaston-a-formacao-do-espirito-cientifico
 
BACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_Científico
BACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_CientíficoBACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_Científico
BACHELARD,_Gaston._A_Formação_do_Espírito_Científico
 
Racionalismo alessandra 21 mp
Racionalismo alessandra 21 mpRacionalismo alessandra 21 mp
Racionalismo alessandra 21 mp
 
Racionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tp
Racionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tpRacionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tp
Racionalismo, empirismo e iluminismo vanessa 25 tp
 
Trabalho de Filosofia
Trabalho de Filosofia Trabalho de Filosofia
Trabalho de Filosofia
 
Considerações sobre o positivismo
Considerações sobre o positivismoConsiderações sobre o positivismo
Considerações sobre o positivismo
 
O circulo-de-viena-e-o-empirismo-logico
O circulo-de-viena-e-o-empirismo-logicoO circulo-de-viena-e-o-empirismo-logico
O circulo-de-viena-e-o-empirismo-logico
 
Apostila do 1º ano 3º e 4º bimestre
Apostila do 1º ano   3º e 4º bimestreApostila do 1º ano   3º e 4º bimestre
Apostila do 1º ano 3º e 4º bimestre
 
O problema da verdade
O problema da verdade O problema da verdade
O problema da verdade
 
Unamuno miguel de_verdade_e_vida
Unamuno miguel de_verdade_e_vidaUnamuno miguel de_verdade_e_vida
Unamuno miguel de_verdade_e_vida
 
Adorno atualidade da filosofia 1966 [doc]
Adorno   atualidade da filosofia 1966 [doc]Adorno   atualidade da filosofia 1966 [doc]
Adorno atualidade da filosofia 1966 [doc]
 
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo   ernesto bozzanoAnimismo ou espiritismo   ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
 
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo   ernesto bozzanoAnimismo ou espiritismo   ernesto bozzano
Animismo ou espiritismo ernesto bozzano
 

Plus de Jaimir Conte

P. F. Strawson - Liberdade e ressentimento
P. F. Strawson - Liberdade e ressentimentoP. F. Strawson - Liberdade e ressentimento
P. F. Strawson - Liberdade e ressentimentoJaimir Conte
 
Richard popkin berkeley e o pirronismo
Richard popkin   berkeley e o pirronismoRichard popkin   berkeley e o pirronismo
Richard popkin berkeley e o pirronismoJaimir Conte
 
Sexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills Patrick
Sexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills PatrickSexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills Patrick
Sexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills PatrickJaimir Conte
 
Berkeley, de J. O. Urmson
Berkeley, de J. O. UrmsonBerkeley, de J. O. Urmson
Berkeley, de J. O. UrmsonJaimir Conte
 
Dissertação sobre as paixões, de David Hume
Dissertação sobre as paixões, de David HumeDissertação sobre as paixões, de David Hume
Dissertação sobre as paixões, de David HumeJaimir Conte
 
A moral antiga e a moral moderna, de Victor Brochard
A moral antiga e a moral moderna, de Victor BrochardA moral antiga e a moral moderna, de Victor Brochard
A moral antiga e a moral moderna, de Victor BrochardJaimir Conte
 
René Descartes, de John Cottingham
René Descartes, de John CottinghamRené Descartes, de John Cottingham
René Descartes, de John CottinghamJaimir Conte
 
Diálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise Pascal
Diálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise PascalDiálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise Pascal
Diálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise PascalJaimir Conte
 
Berkeley e a tradição platônica, de Costica Bradatan
Berkeley e a tradição platônica, de Costica BradatanBerkeley e a tradição platônica, de Costica Bradatan
Berkeley e a tradição platônica, de Costica BradatanJaimir Conte
 
Narrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica Bradatan
Narrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica BradatanNarrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica Bradatan
Narrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica BradatanJaimir Conte
 
Michael Ayers - George Berkeley
Michael Ayers - George BerkeleyMichael Ayers - George Berkeley
Michael Ayers - George BerkeleyJaimir Conte
 
Charlotte Stough - Sexto Empírico
Charlotte Stough - Sexto EmpíricoCharlotte Stough - Sexto Empírico
Charlotte Stough - Sexto EmpíricoJaimir Conte
 

Plus de Jaimir Conte (12)

P. F. Strawson - Liberdade e ressentimento
P. F. Strawson - Liberdade e ressentimentoP. F. Strawson - Liberdade e ressentimento
P. F. Strawson - Liberdade e ressentimento
 
Richard popkin berkeley e o pirronismo
Richard popkin   berkeley e o pirronismoRichard popkin   berkeley e o pirronismo
Richard popkin berkeley e o pirronismo
 
Sexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills Patrick
Sexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills PatrickSexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills Patrick
Sexto Empírico e o ceticismo grego, de Mary Mills Patrick
 
Berkeley, de J. O. Urmson
Berkeley, de J. O. UrmsonBerkeley, de J. O. Urmson
Berkeley, de J. O. Urmson
 
Dissertação sobre as paixões, de David Hume
Dissertação sobre as paixões, de David HumeDissertação sobre as paixões, de David Hume
Dissertação sobre as paixões, de David Hume
 
A moral antiga e a moral moderna, de Victor Brochard
A moral antiga e a moral moderna, de Victor BrochardA moral antiga e a moral moderna, de Victor Brochard
A moral antiga e a moral moderna, de Victor Brochard
 
René Descartes, de John Cottingham
René Descartes, de John CottinghamRené Descartes, de John Cottingham
René Descartes, de John Cottingham
 
Diálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise Pascal
Diálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise PascalDiálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise Pascal
Diálogo com de Saci: sobre Epicteto e Montaigne, de Blaise Pascal
 
Berkeley e a tradição platônica, de Costica Bradatan
Berkeley e a tradição platônica, de Costica BradatanBerkeley e a tradição platônica, de Costica Bradatan
Berkeley e a tradição platônica, de Costica Bradatan
 
Narrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica Bradatan
Narrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica BradatanNarrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica Bradatan
Narrativa como Imitatio Dei em Miguel de Unamuno, de Costica Bradatan
 
Michael Ayers - George Berkeley
Michael Ayers - George BerkeleyMichael Ayers - George Berkeley
Michael Ayers - George Berkeley
 
Charlotte Stough - Sexto Empírico
Charlotte Stough - Sexto EmpíricoCharlotte Stough - Sexto Empírico
Charlotte Stough - Sexto Empírico
 

Richard Popkin - O ceticismo moderno

  • 1. Crítica: Ceticismo moderno Página 1 de 5 criticanarede.com · ISSN 1749-8457 http://criticanarede.com/ceticismo.html 2 de Abril de 2011 · Epistemologia Ceticismo moderno Richard Popkin Tradução de Jaimir Conte O ceticismo moderno surgiu no séc. XVI com o renascimento do conhecimento e do interesse pelo antigo ceticismo pirrônico grego, que surge nos escritos de Sexto Empírico, e do ceticismo Acadêmico, apresentado em De Academica, de Cícero. O termo “cético” não foi usado na Idade Média e foi inicialmente apenas transliterado do grego. As obras de Sexto Empírico foram publicadas em latim em 1562 e 1569, e em grego em 1621. As edições do texto de Cícero apareceram no séc. XVI. A nova publicação destas obras aconteceu numa época em que uma questão fundamental a respeito do conhecimento religioso fora levantada pela Reforma e Contra- Reforma — como distinguir o verdadeiro conhecimento religioso de perspectivas falsas ou duvidosas? Erasmo negou que isto se poderia fazer, e aconselhou seguir os céticos, suspendendo o juízo e aceitando as opiniões da Igreja Católica sobre as questões em disputa. O tradutor de Sexto, Gentian Hervet, um padre católico, disse que as opiniões dos pirrônicos constituíam a resposta perfeita e completa ao calvinismo. Se nada pode ser conhecido, então o calvinismo não pode ser conhecido. Os contra-reformistas usaram os argumentos céticos para construir uma “máquina de guerra” contra os seus oponentes protestantes, e os protestantes procuraram mostrar que os católicos destruiriam as suas próprias opiniões devido aos mesmos desafios céticos. A mais importante apresentação do ceticismo na época foi a de Montaigne, que surgiu em Apologia de Raimond Sebond. Montaigne estudara os argumentos de Sexto e Cícero e fora influenciado por eles. Reuniu-os no seu longo e divagante ensaio e modernizou-os, adaptando-os às preocupações do séc. XVI. Também os apresentou numa linguagem vernácula (o francês), que forneceu o vocabulário para as modernas discussões sobre o problema do conhecimento. Os desafios lançados por Montaigne aos indícios favoráveis a qualquer alegação de conhecimento, à adequação de todo o pretenso critério de conhecimento e à possibilidade de um padrão ético universal levantou dificuldades a todas as perspectivas que então estavam sendo apresentadas. A obra de Montaigne tornou-se um sucesso de vendas em França e na tradução inglesa. Juntamente com dúvidas crescentes sobre a tradição intelectual predominante, o trabalho de Montaigne estabeleceu um ceticismo geral, não http://criticanarede.com/ceticismo.html 02/04/2011
  • 2. Crítica: Ceticismo moderno Página 2 de 5 apenas contra a escolástica ou o naturalismo renascentista, mas também contra a possibilidade de existir qualquer sistema de idéias que não pudesse ser posto em dúvida. O discípulo de Montaigne, o padre Pierre Charron, apresentou o ceticismo de uma forma didática que foi muito amplamente lida. Os filósofos do início do séc. XVII tentaram formular respostas ao novo ceticismo, de modo a fundamentar teorias filosóficas modernas que pudessem justificar a nova ciência. Bacon, Mersenne, Gassendi, Descartes e Pascal, entre outros, tentaram lidar com a ameaça cética que dominava completamente o mundo intelectual. Mersenne e Gassendi formularam, de maneiras diferentes, um ceticismo mitigado ou construtivo, fazendo grandes concessões ao desafio cético, embora ainda afirmassem que alguma espécie de conhecimento limitado era possível e útil. Mersenne, num diálogo com um cético, que retoma argumentos de Sexto, disse que embora não possamos responder os desafios fundamentais dos céticos, isso não importa porque na realidade temos maneiras de lidar com as questões. Podemos prever, a partir de uma situação empírica, o que se seguirá, embora não conheçamos as verdadeiras causas dos eventos. Podemos ter dúvidas se algum conhecimento metafísico é possível, ao mesmo tempo que desenvolvemos uma ciência que relaciona aparências com aparências. Gassendi levou isto adiante no que denominou via media entre o ceticismo e o dogmatismo. Desenvolveu uma teoria atômica epicurista hipotética relacionando as aparências entre si. Esta forneceria uma sombra da verdade, ao invés da própria Verdade. Descartes não queria contentar-se com esta certeza limitada. Procurava verdades que nenhum cético pudesse desafiar. Para descobri-las, começou por adotar um método de dúvida cética, rejeitando todas as crenças que poderiam, sob qualquer condição imaginável, ser falsas ou duvidosas. Rejeitou prontamente as crenças baseadas nos sentidos porque estes às vezes nos enganam. Rejeitou as crenças sobre a realidade física porque o que consideramos ser tal realidade pode fazer apenas parte de um sonho. Rejeitou as crenças baseadas no raciocínio porque podemos ser sistematicamente enganados por uma força demoníaca. Neste ponto, Descartes parece ter criado um ceticismo maior que o de Montaigne. Mas Descartes passou a perguntar se podemos duvidar ou rejeitar a crença na nossa própria existência. Aqui descobrimos que toda tentativa de o fazer é imediatamente anulada pela nossa consciência de que, nós mesmos, estamos duvidando. Assim, a primeira verdade que Descartes alegou que não poderia ser colocada em dúvida foi “penso, logo existo” (o cogito). A partir desta verdade alguém poderia extrair o critério de que tudo o que concebemos clara e distintamente é verdadeiro. Usando este critério, estabelecemos que Deus existe, que é todo-poderoso, o criador de tudo o que existe, e que, porque é perfeito, não nos pode enganar. Portanto, tudo o que Deus nos faz acreditar clara e distintamente tem de ser verdadeiro. Assim, a nova filosofia de Descartes visa refutar o novo ceticismo. http://criticanarede.com/ceticismo.html 02/04/2011
  • 3. Crítica: Ceticismo moderno Página 3 de 5 O sistema de Descartes tornou-se o alvo principal dos céticos modernos. Foi criticado por Gassendi, Hobbes e Mersenne por se basear em dogmas injustificados e injustificáveis. Por que não poderia um Deus todo-poderoso enganar-nos? Como sabemos que não existe uma verdade para Deus ou para os anjos que é diferente da que somos forçados a aceitar como verdadeira? Por que tem de ser verdadeiro na realidade, e não apenas nas nossas mentes, o que concebemos clara e distintamente? Como sabemos que toda a nossa imagem subjetiva do mundo, por mais certeza que tenhamos, não é apenas uma ilusão nossa? Descartes respondeu que levar estas perguntas a sério era fechar a porta à razão. Mas este argumento da catástrofe não respondia realmente aos desafios céticos. Na geração seguinte apareceram análises muitíssimo céticas das partes questionáveis da filosofia de Descartes. Pierre-Daniel Huet procurou mostrar que todas as idéias de Descartes, incluindo o cogito, estavam abertas à dúvida. Simon Foucher dirigiu um ataque similar contra Malebranche, assim que a filosofia deste foi publicada. Foucher também combateu a tentativa de Leibniz de fundar um sistema dogmático. O ceticismo do séc. XVII culminou nos escritos de Pierre Bayle, especialmente no Dicionário Histórico e Crítico (1697-1702). Bayle combinou todos os tipos de dúvidas para arruinar tanto a filosofia antiga como a moderna. Levantou devastadores desafios céticos ao cartesianismo, ao novo racionalismo de Leibniz, e a toda e qualquer tentativa do gênero. Os argumentos do Dicionário de Bayle, especialmente nos artigos sobre o cético grego Pirro de Élis e sobre Zenão de Eléia, levantaram problemas centrais à geração seguinte de filósofos. Locke propôs uma maneira de evitar o ceticismo ao admitir que poderíamos não ter qualquer real conhecimento além da intuição e da demonstração, mas que ninguém era tão louco que duvidasse que o fogo é quente, que as rochas são sólidas, etc. A experiência anularia o ceticismo. O crítico de Locke, o bispo Stillingfleet, tentou mostrar que o seu empirismo acabaria no ceticismo. Berkeley, que recebera na sua educação os argumentos de Bayle, viu que estes se poderiam voltar contra a filosofia de Locke. Bayle já tinha mostrado que a distinção entre qualidades primárias e secundárias era indefensável. Se as secundárias são subjetivas e existem apenas na mente, as primárias também são. Berkeley insistiu sobre este ponto para levar a perspectiva de Locke ao ceticismo total. Alegou ter encontrado uma resposta ao ceticismo ao insistir que a aparência é a realidade, tudo o que é percepcionado é real. Hume, um leitor dedicado de Bayle, desenvolveu um ceticismo mais abrangente. Nada podemos conhecer além das impressões e idéias. O nosso conhecimento causal, tudo o que nos leva para lá da nossa experiência imediata, não se baseia em qualquer princípio racional ou justificável, mas apenas numa tendência psicológica natural e inalterável para ter a expectativa de que as experiências futuras se assemelhem às que tivemos no passado. Qualquer tentativa para defender as nossas crenças inevitáveis em causas, no mundo exterior, ou num eu real constitutivo em nós, conduz ao absurdo e à contradição. Assim, http://criticanarede.com/ceticismo.html 02/04/2011
  • 4. Crítica: Ceticismo moderno Página 4 de 5 somos conduzidos por qualquer investigação das nossas crenças a um ceticismo total, mas a natureza não nos deixa aí; não podemos deixar de acreditar. Assim, conclui Hume, é devido a uma fé animal que nos mantemos vivos e é ela que acalma as nossas irresistíveis dúvidas céticas. O ceticismo de Hume foi recebido por dois tipos de respostas, que têm desempenhado importantes papéis nas teorias do conhecimento contemporâneas: a teoria realista do senso comum, de Thomas Reid, e a teoria crítica de Immanuel Kant. Reid, um contemporâneo de Hume, insistiu que embora não possamos responder aos problemas céticos formulados, ninguém realmente tem dúvidas sobre a existência de causas, do mundo externo ou interno. O nosso senso comum leva-nos a visões positivas sobre estes aspectos aspectos, e quando o senso comum entra em conflito com a filosofia, temos de rejeitar as conclusões filosóficas. Hume manifestou concordância com Reid, mas não considerou esta posição uma resposta ao ceticismo. Na opinião de Hume, esta crença forçada é um fato psicológico da vida, mas não um argumento anticético. Kant afirmou que Hume o despertou de seu sono dogmático e o fez ver quão incertas são as nossas alegações de conhecimento. Mas insistiu que Hume tinha feito a pergunta errada. Temos conhecimento inquestionável que nos diz algo sobre toda a experiência possível, como, por exemplo, que toda a experiência será temporal e espacial. Como é tal conhecimento possível, se não podemos ir além do nosso mundo da experiência? Kant insistiu que a experiência é a combinação do modo como a projetamos e do seu conteúdo. Há formas de todas as percepções possíveis, e estas são categorias por meio das quais fazemos juízos sobre todas as experiências possíveis. Se estas correspondem a um mundo além da experiência, não podemos saber, mas podemos analisar o que podemos estar seguros quanto à experiência possível. Portanto, podemos ter algum tipo de conhecimento, mas nenhum conhecimento das coisas-em-si. Kant propôs a sua filosofia crítica como uma maneira de resolver os problemas céticos internos à filosofia moderna. Foi imediatamente acusado de ser apenas um cético muitíssimo sofisticado, uma vez que também acaba por negar a nossa capacidade de ter conhecimento necessário do mundo. A filosofia alemã da primeira metade do século seguinte consistiu em tentativas para evitar ou superar o ceticismo implícito na análise de Kant das condições do conhecimento. Richard Popkin Retirado de Jonathan Dancy e Ernest Sosa (org.) A Companion to Epistemology (Oxford: Blackwell, 1997, pp. 719-721). Bibliografia • Bayle, P.: Historical and Critical Dictionary, Selections, trad. R. H. Popkin (Indianapolis: Hackett, 1991). http://criticanarede.com/ceticismo.html 02/04/2011
  • 5. Crítica: Ceticismo moderno Página 5 de 5 • Charron, P.: Toutes les Oeuvres de Pierre Charron, dernière edition (Paris: J. Villery, 1635). • Descartes, R.: The Philosophical Writings of Des¬cartes, orgs. J. Cottingham, R. Stoothoff e D. Murdoch, 2 vols. (Cambridge: Cambridge Uni¬versity Press, 1975). • Gassendi, P.: The Selected Works of Pierre Gassendi, trad. e org. C. Brush (Nova Iorque: Johnson Reprint, 1972). • Huet, P.-D.: Traité Philosophique de la Faiblesse de l'Esprit Humain (Amsterdam, 1723). • Hume, D.: A Treatise of Human Nature (1739-40), org. L.A. Selby-Bigge, ed. revista de P.H. Nidditch (Oxford: Oxford University Press, 1978). • Hume, D.: Dialogues Concerning Natural Religion (1779), org. R.H. Popkin (Indianapolis: Hackett, 1988). • Mersenne, M.: La Verité des Sciences entre les Sceptiques ou Pyrrhoniens (Paris: T. Du Bray, 1625). • Montaigne, M. de: “Apology for Raimond Sebond,” in The Complete Works of Montaigne trad. D. Frame (Stanford: Stanford Uni¬versity Press, 1958). • Pascal, B.: Selections, trad. R.H. Popkin (Nova Iorque: MacMillan, 1989). • Sextus Empiricus: Adversus Mathematicos . . . graece nunquam latine... org. G. Hervet (Paris: Martin Juvenem, 1569). • Sextus Empiricus: Outlines of Pyrrhonism e Adversus Mathematicos, 4 vols. (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1917-55). Copyright © 1997–2010 criticanarede.com · ISSN 1749-8457 Não reproduza sem citar a fonte · Termos de utilização: http://criticanarede.com/termos.html http://criticanarede.com/ceticismo.html 02/04/2011