Este documento resume uma apresentação sobre unidades de ensino estruturado para alunos com autismo. Discute vários modelos de intervenção e a experiência de trabalhar com sete alunos. Descreve os desafios de entender as necessidades únicas de cada aluno e ajudá-los a se comunicar e interagir.
Autismo unidade de ensino estruturado... um serviço não um lugar
1. Síntese da comunicação apresentada no encontro organizado pela
Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo
Equipa de Acompanhamento às Escolas
Unidade de Ensino Estruturado
…um serviço não um lugar!
16 de Junho de 2010
Joaquim Colôa
Primeiro dia numa nova escola:
“250 vozes imprevisíveis e todos esses braços e todas essas
pernas…”
Gunila Gerland
Neste encontro, de boas práticas, a Direcção Regional de Educação de Lisboa e Vale do Tejo convidou-nos para a
partilharmos nossa prática… pouco sabemos sobre ela, muito menos se é uma boa prática… Sabemos que é a nossa
prática!
Sim. Sabemos hoje, mais sobre o espectro do autismo do que sabíamos há uns anos atrás, mas a verdade é que esta é
uma problemática sobre a qual ainda se equacionam muitas interrogações. Afastados estamos nós dos anos 60, quando
Eric Schopler discordou da tese de Bettelheim que centrava nos pais a responsabilidade e “culpa” pelo nascimento de uma
criança com uma problemática do espectro do autismo.
Sabemos que em 1972 é criada na Carolina do Norte a divisão TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related
Communication Handicapped Children) que, para além de investigação, é responsável por disseminar, por todo o mundo,
um programa de intervenção conhecido pelo mesmo nome.
Sabemos que em Portugal a primeira sala data de 1996, implementada pela equipa de tratamento do autismo do professor
Luís Borges, do Hospital Pediátrico de Coimbra. Sabemos que, desde então, muitas salas foram abrindo por todo o país…
Sabemos que, actualmente, ao abrigo das orientações específicas do Ministério da Educação muitos, mas mesmo muitos,
agrupamentos de escolas se perfilam para abrirem unidades de ensino estruturado e serem agrupamento de referência
para a intervenção nesta área e, porque não, intervirem por referência ao modelo de intervenção TEACCH. Lembramo-nos
que um destes dias nos falaram de outros modelos, de outros programas, há muitos!... Podemos dar alguns exemplos:
• Intervenções de cariz eminentemente comportamentalista – o foco da intervenção é colocado em teorias
desenvolvimentistas e em competências de desenvolvimento. Exemplo: análise e mudança de comportamentos
(ABA);
• Intervenções de cariz eminentemente desenvolvimental – o foco é colocado nas interacções e no desenvolvimento
social e emocional. Exemplo: intervenção no desenvolvimento de interacções (RDI):
• Intervenções de cariz eminentemente terapêutico – o foco é colocado na comunicação, desenvolvimento social e
desenvolvimento sensório motor. Exemplo: Sistema de comunicação baseado na troca de imagens (PECS), treino
de integração auditiva (AIT);
• Intervenções de tipo misto – incorporam estratégias comportamentais e desenvolvimentais. Podem incluir
aspectos sensoriais; o foco da intervenção é intervir de modo a controlar as características do espectro do
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2. Síntese da comunicação apresentada no encontro organizado pela
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autismo. Exemplo: Treatment and Education of Autistic and related Communication Handicapped Children
(TEACCH);
• Intervenções centradas na família – o foco da intervenção são as famílias as quais se pretende que desenvolvam
competências para poderem intervir com os seus filhos. Exemplo: Programa Hanen
• Outro tipo de intervenções – musicoterapia, dramoterapia, dietas alimentares… e há mais acreditem!
Não sabemos se tentamos (re)conhecer todas as possibilidades de intervenção… No entanto, a unidade de ensino
estruturado do agrupamento de escolas Padre Bartolomeu de Gusmão, em Lisboa, abre uma dessas unidades de ensino
estruturado no ano lectivo de 2007/2009 na escola do 1º Ciclo c/ JI Engenheiro Ressano Garcia; neste momento
frequentam-na 7 alunos (dos 6 aos 12 anos). Pensamos saber que o que esperam de nós é que sejamos um serviço de
apoio a uma problemática muito específica e não um lugar onde estejam 7 alunos numa unidade de ensino estruturado.
Acreditamos que esta unidade é um meio e não um fim… que há outros espaços, para interagir, para comunicar, para
comer, para… para… Pensamos que numa unidade de ensino estruturado se deve estruturar os aspectos de ensino tendo
em conta os aspectos de aprendizagem dos alunos com que interagimos, como em todas as escolas, como em todas as
salas, como em todas as unidades!
Certo. Dirão que o modelo de referência obriga a algumas dinâmicas… nós pensamos saber isso mas… com o tempo
fomos aprendendo que os alunos podem, aos poucos, funcionar sem cartões, sim aqueles cartões sempre
omnipresentes… e podem elaborar a mudança, e podem aceder ao jogo simbólico, e podem rir e olhar, e podem interagir e
comunicar e podem e podem!... Temos consciência e não esquecemos que ainda sabemos muito pouco do que é o
espectro do autismo… de entre muitas definições partilhamos uma que pensamos ser correcta para se constituir como
rótulo: No espectro do autismo mais ou menos todas as áreas do desenvolvimento estão afectadas. Assim, podemos
partilhar que a síndroma do espectro do autismo é uma problemática que afecta a generalidade do desenvolvimento,
denotando-se, geralmente, antes dos 3 anos de idade e é caracterizada por um funcionamento mais problemático,
sobretudo no que respeita às interacções sociais, comunicação verbal e não verbal e comportamentos. Tanta coisa que
não sabemos…Tanta coisa que temos para vos dizer! Sobretudo falar do Lucas, do Ricardo, do José, do Mário, do Ruben
e do Sebastião… SERÁ QUE TEMOS TEMPO?? Vamos tentar, tentar contar-vos como têm sido os nossos três anos de
comunicação, de relação, de interacção!
Ainda estão em nós guardados ou talvez não, os primeiros sons que ressoavam naquele espaço que era só nosso,
pensávamos nós, como quem era senhor de um território mas começava a querer conquistar outros. Temos nas memórias
menos teóricas, os primeiros olhos que nos enlearam, as primeiras mãos que nos transportaram a senti(dos) só então
adivinhados. Guardamos sem dúvida as entoações das primeiras palavras que queríamos que fossem nossas sem
sabermos muito bem porquê. Depois, fomos andando como quem já não se importa com as coisas que quis, porque já as
tem! Só nos incomodando as dúvidas, quando encontramos no nosso dia a dia outros olhos que também querem... outro
corpo que também nos chama... um sorriso que nos ilude e que nós sabemos que mais tarde ou mais cedo vamos acabar
por desiludir. Na quase certeza de que essa foi uma outra ilusão que construímos, com os anos. Sabemos que existem
alertas constantes que se fixam e interactuam, demonstrando preferências subtis pelos movimentos que (re)criam a
relação. E todas as teorias são poucos ou demais, quando todos os anos temos connosco padrões iguais de
comportamento que nos vinculam, nos parecem querer conquistar ou talvez não! Nem sempre compreendemos as
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“fantasias” que já foram nossas e que só o (re)conhecimento dos outros, das coisas torna pertinentes os movimentos de
procura. E nós tentamos ser contingentes ao outro, porque já só nos avassalam, novamente, as dúvidas quando nos
parece que não existem os movimentos de procura, aquela ou esta vontade de em nós integrarmos o outro ou
possivelmente a vontade do outro nele nos integrar. E lá tentamos partir na criação constante do jogo das trocas mútuas
que, por vezes, parecem menos mútuas e nas quais é, sobretudo, necessário acreditar. Estar alerta para o mais leve
indício do diálogo das coisas, na busca constante da resposta contingente à iniciativa e por vezes, na criação contínua
dessa possível iniciativa. E os significados que tínhamos construído passam permanentemente a significantes que nos
exigem a promessa da procura dos significados. Deste modo, vamos tentando perceber de que forma podemos, com
algumas crianças, ir construindo a estruturação que se impõe por algo externo mas que sabemos que tem muito de interno.
Como aceder àquela “torre de silêncio” que nos parece pedir exageradamente o poder das sensações? Como podemos
nós fazer parte destes mundos, dos quais só vagamente podemos encontrar referências nas nossas memórias mais
esquecidas. E devagar, procuramos a ausência-presença porque sabemos que é possível mudar a ausência-ausência que,
por vezes, nos angustia, negando a presença-presença porque adivinhamos o quanto é angustiante para o outro.
Acreditamos poder criar, no jogo habitual das interacções, os pontos inabituais que nos façam convergentes os olhares e
os sorrisos; sabendo que este é o caminho na “diferença da normalidade” mas interrogando-nos constantemente quando
nos movimentamos na “normalidade da diferença”.
Se nos permitem acabamos, ou melhor, fazemos uma pausa neste encontro que a Direcção Regional de Educação de
Lisboa e Vale do Tejo nos proporcionou, transcrevendo um poema de Almada Negreiros…
MÃE
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para
escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro encarnado!
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede!
Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da
nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu
viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa
casa. Como a mesa. Eu também quero Ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
Bem-hajam
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