3. O património que versa sobre as tradições orais do
Norte de Portugal e Galiza,que abarca também toda a
cultura imaterial a que essa tradição oral se refere e
da qual, é sustentáculo, como modo de o dizer,
transmitir e ensinar, é fruto de cruzamentos culturais
cujas origens ultrapassam o espaço ibérico. Mas se
na sua origem e construção no tempo recebeu
influências múltiplas, também ele não se restringiu a
este espaço geográfico, partindo nos porões dos
navios para terras longínquas, alimentando sonhos e
imaginários daqueles que procuraram novas terras
4. Se a relação histórica entre Portugal e o Brasil é bem
conhecida, tendo deixado a mesma manifestações culturais
que revelam as influências mútuas entre os dois países,
menos conhecida é a relação com a cultura galega, berço
originário de todas elas. Desde os inícios do relacionamento
entre o Brasil e a Europa a presença galega faz-se evidente,
embora muitas vezes confundida com a portuguesa, por
serem, na realidade, dois ramos de uma mesma cultura. Esta
identidade cultural observa-se em numerosas manifestações
culturais, das quais apenas queremos apresentar algumas
que por desconhecidas podem ser mais esclarecedoras
5. 1- AS PESSOAS
2.- A LÍNGUA
3.- A LITERATURA ORAL
4.- A RELIGIÃO
5.- A MÚSICA E A DANÇA
6.- AS FESTIVIDADES
7.- ACTIVIDADES PRODUTIVAS
AUTORES
6. AS PESSOAS
Caramuru
(Jorge Rodrigues)
O herói lendário da fundação da Bahia Diego Álvares Correia
nasceu na cidade galega da Corunha. Em 1510 embarcou
caminho do novo mundo, apesar dos marinhos galegos não
contarem com a autorização dos reis de Castela, para comerciar
com o chamado pau-brasil. Na baía de Salvador o seu barco
naufragou sendo ele o único sobrevivente. Diego Álvares
conseguiu ser aceitado polos indígenas, os tupinambás,
chegando a casar com a filha do cacique Taparica, a bela
Paraguasu.
Da importante colónia galega no Brasil surgiram personalidades
tão importantes como a escritora Nélida Pinhom, cujas obras
estão hoje traduzidas para as principais línguas do mundo.
7. A MULLER SERRANA
A Muller Serrana
(Alvaro Campelo)
Incluída nas lendas mais influentes do imaginário medieval, a
temática da mulher serrana, próxima do selvagem ou
indomável, ocupou também no mundo dos emigrantes um
lugar importante. Estes emigrantes deixaram nas terras do
Brasil narrativas onde esta mulher serrana aparece. Umas
vezes no Sertão outras apropriada pelo imaginário
amazónico, esse mundo lendário herdado da península
permanece na tradição oral popular brasileira.
8. A IMIGRAÇÃO
(Andityas Soares de Moura)
A partir de meados do séc. XIX, a imigração galega para o
Brasil foi enorme. Assim, o termo "galego" muitas vezes
assumiu o significado de "estrangeiro" em terras brasileiras.
Como os galegos que vinham para o Brasil normalmente
trabalhavam em ofícios humildes, logo o vocábulo "galego“
passou a ter um significado negativo, como o provam os bons
dicionários da língua no Brasil, tais como o Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa e o Dicionário Aurélio da
Língua Portuguesa.
9. A LÍNGUA
Vocabulário
(Jorge Rodrigues)
Nas variantes regionais da língua portuguesa do Brasil
encontramos numerosos vocábulos comuns na língua da Galiza:
onte, antonte, tamém, virge, luitar, enxuito, escuitar, chiculate,
auga, orfo, hominho, açucre, despois, ferruge, tresantonte, fruita,
ordes, saluço, pelingrino, arco-da-velha, coresma, corenta, coma
(= como, conjunção comparativa), ca (= que, conjunção
comparativa), num ("não", na Galiza nom). Formas verbais como
vinhesse (viesse), dixe (disse) . Tudo isto indica uma antiga
identidade linguística que supõe relacionamentos muito antigos.
10. LINGUISTAS
(Jorge Rodrigues)
A identidade linguística acima citada é o motivo de linguistas
brasileiros, portugueses e galegos partilharem a sua pertença às
mesmas organizações linguísticas: professores brasileiros como
Leodegário A. de Azevedo Filho ou Gladstone Chaves de Melo
foram nomeados membros de honra da Associa çom Galega da
Língua. Do Conselho Científico da revista galega Agália, Revista
de Ciências Sociais e Humanidades, publicada pela Associa
çom Galega da Língua, fazem parte professores brasileiros
como Reynaldo Valinho, Leodegário A. de Azevedo Filho, Gilda
da Conceição Santos, Júlio Barreto Rocha, Márcio Ricardo
Coelho Muniz, Raul Antelo ou Yara Frateschi Vieira.
11. GÍRIAS GREMIAIS
(Jorge Rodrigues)
A emigração galega ao Brasil não se limitou à importante colónia
da Bahia, tendo a sua presença notáveis consequências
culturais tanto no Brasil como na Galiza. Um exemplo desta
afirmação encontramo-lo na gíria gremial dos telheiros galegos,
uma fala secreta que estes operários utilizavam nas suas
comunicações internas, e na qual registamos termos de origem
brasileira como carapinas 'carpinteiro', caiporas, ou fosquete
'ánus' (termo de calão). Numerosos membros deste grémio de
telheiros galegos emigraram a Santos, onde exerceram a sua
profissão e ensinaram a sua gíria a operários brasileiros que
trabalhavam com eles
13. O ROMANCE
(Alvaro Campelo)
O "Romance", tradição oral com fortes tradições em vários
países Europeus, encontra no Noroeste Português uma dos
seus locais privilegiados de expressão e de conservação. É
nesta região onde ainda encontramos hoje contadores e
cantores do romance popular. As grandes recolhas do
romance, feitas desde o século XIX e ainda hoje objecto de
intenso estudo comparativo, foram realizadas nesta região.
Tendo-se espalhado por outras regiões, como a Madeira, ele
seguiu também para o Brasil.
14. A IMPROVISAÇÃO
(Andityas Soares de Moura)
Para além da nítida influência do romanceiro popular galaico-português na
cultura popular brasileira, especialmente no Nordeste, onde o repente, o
canto de improvisação e os desafios são muito comuns até os dias de hoje,
conformando um gênero riquíssimo que se costuma chamar de "literatura de
cordel", uma vez que os pequenos volumes que recolhem tais cantigas são
vendidos em feiras no Nordeste, que os disponibilizam pendurados em
cordas, é de se notar que o cancioneiro medieval galaico-português d'amigo,
d'amor e d'escárnio e mal-dizer sempre constituiu matéria privilegiada para
grandes escritores brasileiros
16. SINCRETISMO
(Jorge Rodrigues)
Um dos apectos mais característicos da religião do Brasil é o
sincretismo, nomeadamente a identificação dos santos católicos
com os deuses das religiões africanas. Curiosamente também
na Galiza e em Portugal se produziu o mesmo fenómeno,
embora, tendo acontecido há muitos séculos, se tenha perdido a
sua consciência: os deuses e deusas da primitiva religião dos
galaicos, de origem indo-europeia foram substituídos por santos
e santas da religião católica imposta pelos romanos. Contudo,
ainda hoje é possível identificar estes santos com os deuses
antigos, baseando-nos nas características dos primeiros.
17. TOQUES À MORTO
(Andityas Soares de Moura)
Tal como no interior do Brasil, especialmente nas cidades
históricas de Minas Gerais, quando alguém morre na Galiza
rural os sinos das igrejas anunciam o fúnebre acontecimento
com uma espécie de toque lento, bastante característico
18. A SANTA COMPAÑA
(Andityas Soares de Moura)
A arraigada crença galega na Santa Compaña, espécie de
procissão fantasmagórica anunciadora da morte próxima,
trasladou-se ao Brasil, uma vez que é comum ouvir relatos
de pessoas da zona rural a respeito de reuniões de
fantasmas ou espíritos malignos, especialmente durante a
época da Quaresma
20. INSTRUMENTOS MUSICAIS
(Alvaro Campelo)
Também a música e a dança foram levadas pelos colonos
para as terras de além-mar. Alguns estudiosos brasileiros
procuram nas terras do Norte de Portugal os sons de bombos
e tambores que outros quiseram imediatamente filiar nas
tradições africanas. Se os tambores e os bombos são
instrumentos preponderantes nas músicas do Norte de
Portugal e da Galiza, eles estão desde sempre presentes nas
músicas tradicionais e nos encontros populares do Brasil.
21. CANÇÕES TRADICIONAIS
Muitas canções tradicionais do Nordeste do Brasil são
idénticas a cantigas tradicionais do Norte de Portugal e da
Galiza, como é o caso do "Alecrim" e da "Peneira", cantadas
por Luiz Gonzaga e das que existem versões ancestrais
recolhidas por etnógrafos em aldeias perto do Rio Minho.
22. ACTIVIDADES PRODUTIVAS
O Boi
(Alvaro Campelo)
Se nas tradições do Barroso o "Boi do Povo" ocupa lugar central na
economia local e nas relações de reciprocidade intra e estra
comunitárias, Ele também está presente em muitas das festividades do
Brasil sob várias designações. Desde o Boi-Bumbá no Norte do Brasil,
passando pelo Bumba-Meu-Boi, em Goiana, o que assistimos é o
aproveitamento de tradições locais com as trazidas pelos colonos
portugueses, onde pelas festa do Espírito santo ou nas de S. Tiago, dois
mundos se confrontam, numa luta que fala de antagonismos a lembrar a
sempre presente luta entre cristãos e muçulmanos, tão importante no
teatro popular português com origens carolíngias, sendo que uma das
mais significativas, em Portugal, se celebra no lugar das Neves, em
Viana do Castelo
23. A CULINÁRIA
(Andityas Soares de Moura)
Na culinária, as semelhanças entre Brasil e Galiza são enormes.
Os populares "zonchos" aludidos por Rosalía de Castro em seu
1º cantar (Cf. DE CASTRO, Rosalía. Cantares gallegos. Edición
de Ricardo Carballo Calero. Madrid: Ediciones Cátedra. Letras
Hispánicas vol. 16, 10ª edición, 1998.) são muito semelhantes
aos "pinhões" no Brasil. Ambos são espécies de castanhas
cozidas com pele. Já a "torrexa" galega, pedaço de pão
embebido em ovos e leite (ou vinho), frito e depois açucarado,
comida também refenciada por Rosalía em seu cantar inicial,
encontra simile perfeito nas "rabanadas" brasileiras, comuns no
Estado de Minas Gerais.
24. AUTORES
- Jorge Rodrigues, do IES Pedra da Auga, Ponteareas,
Galiza
- Alvaro Campelo, do Centro de Antropologia Aplicada do
Porto, Portugal
- Andityas Soares de Moura Costa Matos, da FEAD-Minas,
Brasil
25. REFERÊNCIAS
htt LIMA, Cláudia Maria de Assis Rocha. História junina. Recife
- SOUTO MAIOR, Mário e VALENTE Waldemar. Antologia pernambucana
de folclore. Recife, Ed. Massangana / FUNDAJ, 1988
- SILVA, Leny de Amorim. "O ciclo junino e seus santos". Em Antologia
pernambucana de folclore, p.151.
- BONALD NETO, Olympio. "Bacamarteiros". Em Antologia
pernambucana de folclore, p.215.
- SILVA, Leonardo Dantas. O cancioneiro do ciclo junino. Folclore 251.
Recife, FUNDAJ, junho de 1998
- PHAELANTE. Renato. Baião 50 anos de estrada. Folclore 233 . Recife,
FUNDAJ, julho de 1996
p://www.opatrimonio.org/es/patrimonio.asp?ver=brasil