Recomposiçao em matematica 1 ano 2024 - ESTUDANTE 1ª série.pdf
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1. As opções de Moscovo na Crimeia
O referendo na Crimeia pode levar a duas saídas. A
primeira, a anexação do território pela Rússia,
parecerá evidente na continuidade das últimas
iniciativas de Vladimir Putin. No entanto, uma
segunda opção não deve ser afastada: Moscovo
poderá protelar e acabar por recusar a anexação,
não só pelos elevados custos económicos e políticos,
mas como plataforma para recuperar a influência
na Ucrânia. É "o grande jogo" que se trava na
fronteira entre a Rússia e a NATO.
"Ganhar a Crimeia e perder a Ucrânia" seria uma
vitória de Pirro, a maior punição para a Rússia e
para os seus desígnios estratégicos. Ao contrário,
recuperar a influência em Kiev — e o Kremlin tem
trunfos a jogar — garante-lhe o controlo estratégico
da Crimeia.
Putin cometeu graves erros de cálculo em Kiev que
lhe valeram uma humilhação. Mas a sua capacidade
de manobra não deve ser subestimada.
Sem Ucrânia não existe a União Euro-asiática que
ele tem em mira para elevar a potência da Rússia. A
aventura na Crimeia não apenas uniu os ucranianos
contra Moscovo como assustou o Cazaquistão, o
outro país indispensável para a União. O Presidente
Nursultan Nazarbaiev defendeu a integridade
territorial da Ucrânia e repudiou os argumentos de
Putin: o Cazaquistão tem 17 milhões de "russos
étnicos" e não aceitará interferências em seu nome.
Putin suscitou também uma enérgica reacção dos
vizinhos europeus, da Polónia aos bálticos, o que
significa potenciar a acção da NATO no Leste
europeu.
A invasão da Crimeia — alertou a analista russa
Lilia Chevtsova — põe em causa "a ordem mundial
pós-Guerra Fria; é "um precedente que autoriza o
Kremlin a uma intervenção directa nos assuntos de
um Estado soberano"; implica uma "doutrina que
ameaça a estabilidade de todo o espaço pós-
soviético"; abriria caminho a uma tentativa de
controlo sobre o Sul e o Leste da Ucrânia; o alvo
seguinte poderia ser a Moldávia.
2. Tal como não se deve dar como adquirida a
anexação da Crimeia, é prudente não excluir a
hipótese, mesmo improvável, de Moscovo
desestabilizar a Ucrânia Oriental para criar um
pretexto de intervenção com consequências
catastróficas.
Há um factor imponderável: Putin poderá ter ficado
refém de si mesmo. A operação na Crimeia
desencadeou uma vaga de "fervor imperial" na
Rússia, reforçando a "paranóia do cerco", reportava
ontem o Financial Times.
"Os homens fazem a história, mas não sabem a
história que fazem."
O peso da geografia
Ignora-se o que vai na cabeça de Vladimir Putin.
Angela Merkel disse que ele parece "descolado da
realidade" e "vive noutro mundo".
Esse "outro mundo" é o da velha geopolítica, o da
luta pelo espaço e pelo poder. Para o Kremlin,
este não é um conflito sobre legalidade
internacional. "O comportamento de Putin é
motivado pelas mesmas considerações geopolíticas
que infuenciam todas as grandes potências,
incluindo os Estados Unidos", escreve o analista
americano John Mearsheimer.
O jornalista e investigador americano Robert
Kaplan publicou em 2012 um livro útil: The
Revenge of Geography (A vingança da geografia). É
um ensaio sobre geopolítica. Publicou agora um
artigo sobre a Crimeia.
Escreve: "Putin está de momento numa posição
forte na Ucrânia simplesmente porque a Ucrânia é
mais importante para ele do que para os Estados
Unidos e até para a Europa. Importa-lhe muito
mais por causa da geografia. A Ucrânia, por todas
as razões conhecidas, é central para o destino da
Rússia europeia, para a história e identidade da
Rússia e, particularmente, para o acesso da Rússia
ao Mediterrâneo, via mar Negro."
"Também por causa da geografia, os Estados
bálticos, a Polónia e a Moldávia se sentem
ameaçados." São contíguos à Rússia e à Ucrânia,
sem barreiras naturais para os proteger. Do mesmo
3. modo, "as agressões de Putin decorrem da
insegurança geográfica" russa. "Um governante
visionário diria que só uma sociedade civil pode, em
última análise, salvar a Rússia. Mas o quadro
geográfico russo é o contexto que torna
compreensível Putin." Acontece é que, tendo pouca
cenoura, Putin usa um grande pau.
Merkel pode considerar que os quadros mentais de
Putin pertencem aos séculos XIX ou XX e que a
agressão na Crimeia apenas apressa o declínio da
Rússia. Isso não resolve a "paranóia do cerco".
A "finlandização"
É significativo que veteranos da geopolítica, como
Zbigniew Brzezinski ou Henry Kissinger, tenham
mudado de opinião na questão ucraniana.
Brzezinski teorizou, em 1998 (The Grand
Chessboard), a necessidade de afastar a Ucrânia da
Rússia e de a integrar na órbita euro-atlântica:
"Sem Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império na
Eurásia." Enquanto império será agressivo e não se
democratizará. Na altura, Kissinger pensava
sensivelmente o mesmo.
Em Fevereiro, Brzezinski propôs a "finlandização"
da Ucrânia — o estatuto de rigorosa neutralidade da
Finlândia durante a Guerra Fria. Há dias, Kissinger
defendeu o direito da Ucrânia a escolher as suas
"associações económicas e políticas", mas jamais
integrada na NATO. Os EUA devem dar garantias
de segurança a Moscovo. Ele já defendera esta
posição há anos, quando a Administração Bush e
parte da Europa tentaram alargar a NATO à
Ucrânia e à Geórgia — um erro fatal.
Há uma grande discussão entre "estrategos"
americanos. E também na Europa. Washington não
deveria ter-se entusiasmado com o derrube de
Ianukovich, deveria ter pressionado o respeito do
acordo de 21 de Fevereiro, dando garantias à
Rússia, escreve o analista Ian Bremmer.
"Washington tem um profundo interesse em
resolver o conflito mantendo a Ucrânia como um
Estado-tampão democrático entre a Rússia e a
NATO" (Mearsheimer).
Um analista alemão, Jan Techau, faz a autocrítica
europeia. A UE não percebeu que estava no meio de
um jogo geopolítico. Tomou as palavras de Putin
4. como propaganda barata. "Mas, para o Presidente
russo, a luta na Ucrânia não é uma aventura
imperialista, mas uma luta pela sobrevivência
contra o mortal inimigo ocidental." Ou oito ou
oitenta.
E agora?
Está em curso uma escalada em que todos se
arriscam a perder — russos, europeus, americanos
e, sobretudo, os ucranianos.
Putin quer mais do que a neutralidade da Ucrânia.
Quer que ela continue a ser um Estado fraco e
caótico que possa manipular. Estão a Europa e os
EUA dispostos a pagar a salvação de uma economia
em queda livre?
A ocupação da Crimeia reforçou o apelo ucraniano
ao Ocidente e Moscovo arrisca-se a ver um governo
anti-russo em Kiev. É o que pode "forçar a mão" a
Putin.
E, muito pior do que as sanções, a sua táctica
agressiva pode trazer-lhe outro efeito perverso a
médio prazo: forçar a Europa a mudar a sua política
energética, o que deixaria a Rússia "a pão e água".