O documento discute as críticas à centralização do planejamento da operação do Sistema Interligado Nacional pelo ONS. Aponta que embora a interligação dos subsistemas traga benefícios, algumas questões precisam ser exploradas como perdas de energia, incentivos a investimentos regionais e custos diferenciados de déficits. Defende uma reflexão sobre novas alternativas operacionais que possam melhorar o planejamento aplicado ao sistema.
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Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo – FEC – Unicamp.
Departamento de Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais.
Disciplina: IC477-A - Tópicos sobre Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais IV.
Professores: Alberto Luiz Francato e Paulo Barbosa.
Alunos: Jim Silva Naturesa (RA 990709) e Oswaldo Buzolin Júnior (RA 882032).
Título: Críticas à Centralização do Planejamento da Operação Adotada no Sistema Interligado
Nacional – SIN
Palavras-chaves: ONS (Operador Nacional do Sistema), planejamento da operação dos sistemas
hidrotérmico, planejamento da expansão dos sistemas de energia.
1 – Introdução
A matriz energética brasileira, diferentemente da matriz energética mundial que queima
combustíveis fósseis para gerar eletricidade, é fortemente baseada na hidroeletricidade. O potencial
hidroelétrico brasileiro é da ordem de 390 GW. Desse potencial, já foram instalados 25% que
alagaram 34.000 Km2 de terras e desalojaram 200.000 famílias ribeirinhas.
A crise financeira na década de 90 levou o governo brasileiro a acelerar o processo de
privatização das empresas de serviços públicos. O investimento no setor elétrico nos anos 80 passou
para apenas 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto); enquanto nos anos 60 e 70, esse valor era de 2%.
No começo da década de 90, o Brasil tinha 62 empresas operando no setor, sendo que o governo
federal possuía 59% da capacidade de geração. Havia 23 empresas privadas de distribuição, quase
todas interligadas a rede nacional de transmissão de energia elétrica de 1,5 milhão de quilômetros
(BAER & McDONALD, 1987).
2 – Preço da energia elétrica e investimentos
O país novamente está passando por uma crise energética, com a possibilidade de
racionamento de energia elétrica. A falta de uma política energética séria é o principal motivo para a
atual situação. A criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – responsável pela elaboração de
projetos de médio e longo prazo, não evitou o problema: atrasos nas construções de novas
hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e gasodutos. Somado a falta de planejamento temos a
baixa quantidade de chuvas nesse começo de ano – devido ao efeito El Niña, a falta de gás que
acarretaram em uma alta significativa no preço da tarifa de energia elétrica e no Preço de Liquidação
das Diferenças (PLD) (NATURESA, 2008). O PLD é o máximo preço praticado no mercado livre de
energia elétrica. A Tabela 1 apresenta a média ponderada semanal do PLD para os anos 2005, 2006,
2007 e 2008. Descontando-se o início do ano de 2008, percebe-se a tendência de alta dos preços para
o mercado livre (GOULART, 2008a).
Tabela 1 – Média ponderada semanal do Preço da Liquidação das Diferenças (PLD)
Ano Semana Valor (R$)
2005 01/01 a 07/01 18,33
2006 07/01 a 13/01 16,92
2007 06/01 a 12/01 26,49
2008 12/01 a 18/01 569,59
2008 16/08 a 22/08 79,16
Fonte: GOULART (2008a) apud CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e Delta Energia.
De acordo com GOULART (2008b), com base nas estimativas da agência de riscos Moody’s e
da Tendências Consultoria, os preços da energia elétrica subiram mais de 300 % nos últimos anos. No
mercado cativo (residencial), por exemplo, a alta foi de 324 % entre os anos de 1995 a 2007. Ainda
segundo o estudo, até 2012, a estreita relação entre a demanda e oferta de energia será responsável
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pela elevação dos preços. A falta de usinas hidrelétricas e as novas termelétricas são os responsáveis
por essa situação. Os Encargos de Serviço do Sistema (ESS), repassados aos consumidores, atingiram
R$ 24 milhões no ano passado, devido a ligação das usinas termelétricas; neste ano o ESS já atingiu
R$ 1,5 bilhão. A Tendências Consultoria estima uma alta nos preços de energia de 10 % para os
próximos dois anos, resultado dos índices de inflação, maior despacho das usinas termelétricas,
aumento dos preços dos combustíveis e desvalorização do real. Além disso, a capacidade de geração
de energia entre 2008 e 2012 é de térmicas, pressionando ainda mais o preço da energia elétrica.
3 - Planejamento da operação do sistema
A operação do Sistema Brasileiro de Geração de Energia Elétrica é feita pelo Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O ONS opera o chamado Sistema Interligado Nacional (SIN). O
SIN é responsável por aproximadamente 97% da energia elétrica produzida no país. Para tal fim, o
ONS processa e analisa uma cadeia de modelos para tomar decisões em diversas etapas da operação,
tanto a médio e longo prazo, em nível de planejamento, como em tempo real, para despacho elétrico.
O planejamento da operação é feito mensalmente com suporte de dois modelos matemáticos, o
Modelo NEWAVE e o DECOMP. O primeiro decide mensalmente, para um horizonte de cinco anos,
o quanto de energia deve ser produzido pelo sistema hidroelétrico e o quanto deve ser produzido pelo
sistema térmico; a somatória da parcela hídrica com a térmica deve atender à demanda prevista no
período. O objetivo básico da operação é minimizar o uso de usinas térmicas, devido o seu elevado
custo de produção (BARROS, 2007; LOPES. 2007).
O NEWAVE é um modelo de otimização, emprega a Programação Dinâmica Dual Estocástica
(PDDE) para obter as variáveis de decisão: geração hidro e termo e intercâmbio de energia entre os
sub-sistemas. O modelo opera o sistema brasileiro considerando que ele é composto somente por
quatro (4) grandes “sub-sistemas equivalentes”: Norte, Nordeste, Sudeste/Centro-Oeste e Sul. Cada
sub-sistema é formado por um grande reservatório de energia, com volume equivalente à somatória da
energia armazenada em cada região - o método dos sub-sistemas equivalentes é adotado para
viabilizar o emprego da técnica PDDE. Os resultados do modelo NEWAVE servem como dados de
entrada para o modelo DECOMP, que desagrega os sub-sistemas equivalentes em usinas
individualizadas. Isto é, o DECOMP decide o quanto será produzido por cada usina de geração do
sistema brasileiro a partir das variáveis de decisão produzidas pelo NEWAVE.
A PDDE divide um determinado problema em estágios e a solução consiste em encontrar a
melhor decisão em cada estágio. Essa decisão está baseada no prévio conhecimento de todas as
possibilidades futuras, sendo que a solução ótima em um determinado estágio é a que minimiza seu
custo mais o custo futuro – custo total de todos os estágios seguintes até o horizonte final do estudo.
Portanto, o conceito de custo futuro é fundamental da PDDE. Como o Sistema de Geração de Energia
Elétrica é de grande porte, a PDDE agrega os reservatórios das usinas dos diversos subsistemas em
reservatórios equivalentes – conforme explicado no parágrafo anterior, a fim de diminuir o número de
variáveis do problema e consequentemente facilitar na sua solução (NASCENTES, 2002).
A principal característica operacional do sistema de produção de energia elétrica no Brasil hoje
é aproveitar seu potencial hídrico, minimizando o uso das termoelétricas. Mas, apenas o uso das
hidroelétricas aumenta o risco de não atendimento da demanda futura - risco de déficit, uma vez que
esse tipo de fonte está sujeita a um componente aleatório, a precipitação. Logo, o objetivo geral da
operação é gerar energia com as hidroelétricas até um limite de segurança, complementando, quando
necessário, a geração com as termoelétricas (BARROS, 2007; LOPES, 2007).
O sucesso da operação do sistema elétrico brasileiro está diretamente relacionado ao sucesso
da previsão hidrológica. Se os reservatórios forem utilizados no período seco e se encherem no
período úmido subseqüente, executa-se uma operação perfeita, de baixo custo e com garantia do
atendimento da demanda futura. Se for previsto um período de estiagem, preservam-se os
reservatórios, utilizando-se mais as termoelétricas - com custos de produção maiores, mas
assegurando o atendimento da demanda futura (BARROS, 2007; LOPES, 2007).
Resumindo, as principais questões a serem examinadas no processo de operação são: Como
atender a demanda de energia de modo a minimizar custos e garantir o atendimento da demanda
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futura para um sistema majoritariamente hidroelétrico? De que forma incorporar a previsão
hidrológica no processo de decisão? De que forma operar otimamente um sistema de reservatórios
complexo como o brasileiro, uma vez que essa fonte de energia é a mais barata e a que menos impacta
negativamente o meio ambiente? Agregar e analisar um número tão grande de variáveis estocásticas
para a tomada de decisão torna o problema operacional hidrotérmico complexo.
4 – Conclusões e discussões
O intercâmbio entre os subsistemas é uma estratégia interessante para o atendimento à
demanda; pois algumas regiões têm capacidade instalada superior à demanda regional e assim podem
suprir outras regiões em situações desfavoráveis. Por exemplo, destacam-se os subsistemas Sul e
Sudeste/Centro-oeste que apresentam regimes hidrológicos complementares; logo alguns vertimentos
desnecessários poderiam se tornar energia, minimizando a complementação térmica.
A interligação dos sistemas tem um efeito sinérgico, pois sua capacidade combinada é superior
à soma das capacidades individuais. Além disso, sistemas interligados melhoram a confiabilidade no
fornecimento de energia, pois proporcionam um aumento na reserva de energia (principalmente em
casos de emergência – blecautes parciais) e favorecem a instalação de unidades maiores e mais
econômicas.
Mas alguns pontos ainda precisam ser explorados, tais como:
- As perdas de energia no intercâmbio entre os subsistemas - uma vez que as linhas de
transmissão são longas;
- A complementação ao suprimento de energia de uma região pode desestimular iniciativas de
investimentos na geração de energia na região, seja por meio da construção de novas usinas ou por
outras tecnologias de geração (energia eólica na região nordeste);
- Os custos de eventuais déficits no suprimento de energia poderiam ter valores diferenciados
por regiões, podendo um eventual déficit localizado representar custo menor que despachos de
termoelétricos com custos operacionais elevados.
Avaliar novas alternativas operacionais ao SIN é algo de interesse nacional. Uma reflexão
sobre os benefícios da operação interligada pode gerar novos subsídios operacionais ou quebrar
paradigmas que venham a colaborar com as regras de planejamento aplicadas ao sistema. Esse é um
tema para um trabalho futuro.
5 - Referências
BAER,W. & McDONALD. “Retorno ao Passado? A Privatização de Empresas de serviços públicos no Brasil:
O Caso do Setor de Energia Elétrica”. Planejamento de Políticas Públicas, N. 16. Dezembro de 1987.
BARROS, M. T. L. (Coordenador). Sistema de Suporte ao Planejamento do Sistema Hidrotérmico Brasileiro:
Modelos SISOPT2 e SolverSIN - Relatório de Atividades de Pesquisa. Período de 02/2006 a 08/2007. 2007.
GOULART, J. “Número de consumidores livre fica estável”. Valor Econômico. 26 de agosto de 2008a.
____________. “Energia mantém tendência de alta”. Valor Econômico. 26 de agosto de 2008b.
LOPES, J. E. G. 2007. Modelo de Planejamento da Operação de Sistemas Hidrotérmicos de Produção de
Energia Elétrica. Tese de Doutorado. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. 2007.
NASCENTES, J. C. M. Influência do Custo do Déficit de Energia nos Preços Spot de Energia Elétrica no
Brasil. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp. 2002.
NATURESA,J. S.; MARIOTONI,C. A.; MENEZES, T. V.; PERRONE,F. P. D. e LEPETITGALAND,K. K.
Respostas para crise de energia elétrica: Eficiência Energética, Uso racional de energia e Fontes Renováveis.
Agrener 2008.