A entrevista discute as mudanças no Brasil e na Europa nos últimos 40 anos. O entrevistado acredita que o Brasil avançou ao reconhecer o racismo e implementar cotas raciais, mas ainda precisa lidar com desigualdades. A crise na Europa mostra que o desenvolvimento não é garantido e que modelos alternativos são necessários. Países emergentes como o Brasil podem ensinar lições sobre democracia participativa e economias solidárias.
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ENTREVISTA REVISTA ISTOÉ
Boaventura de Sousa Santos
O senhor foi citado diversas vezes por ministros do Supremo Tribunal Federal durante
o julgamento da política de cotas e se manifestou favorável à adoção do sistema. Por
que é importante para o Brasil tomar essa medida?
BSS: O racismo é um fator de exclusão mais prevalecente do que se pode imaginar e
assume formas diferentes ( insidiosas, violentas) em diferentes países e contextos.
Não se pode lutar contra o racismo sem reconhecer que ele existe e fazer desse
reconhecimento um motivo de políticas públicas. Foi isso o que sucedeu no Brasil na
última década. Trata-se de um avanço histórico tanto no plano social como político.
Sinto-me feliz por ter participado nele.
O senhor viveu no Brasil e em uma favela. Como a desigualdade resultado da
segregação por cor é um fator limitante ao desenvolvimento do País?
BSS: O racismo vê a a hierarquia social não como uma causa de exclusão mas como o
resultado natural da inferioridade das pessoas de cor. Estas ficam à partida
impedidas de aceder às condições e oportunidades que lhes permitiriam contribuir
para o desenvolvimento do país. Uma perda injusta para elas e irreparável para o
país.
De quando o senhor viveu no País, para agora, quais foram as mudanças que mais o
impressionaram?
BSS: Estamos a falar de um periodo de mais de quarenta anos em que o país mudou
muito e para melhor. Mudou da ditadura para a democracia. Mudou do domínio
político e social de oligarquias herdeiras, em última instância, do colonialismo para
uma sociedade política mais aberta e democratizada de que a força dos movimentos
sociais e o surgimento do PT são as manifestações mais visíveis. Mudou de uma
sociedade de extrema desigualdade social para uma sociedade ainda muito desigual
mas com uma crescente classe média, pujante sobretudo na última década, mas cuja
base de sustentação é problemática. Mudou de um país atado ao mito da
democracia racial para um país consciente da necessidade de assumir a injustiça
histórica face às populações afro-descendentes e indígenas. Mudou de um país
divorciado da América Latina para uma potência regional, por agora pouco
consciente do subimperialismo que pode protagonizar e das consequências nefastas
que isso pode ter nas relações com os vizinhos. Mudou de um país subserviente dos
EUA, tanto no plano global como no plano regional, para um país com voz própria e
com capacidade para a fazer ouvir.
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De forma oposta, há situações que o senhor acreditava que o Brasil reverteria com
facilidade e que, contrariamente, até hoje se mantém?
BSS: Sim. O sistema político continua inviezado a favor das velhas e rejuvenescidas
oligarquias. Basta ver o poder da bancada ruralista e seus satélites. O Estado não foi
reformado para poder acolher o seu novo protagonismo e a sua base social mais
ampla. A falta de valores republicanos e de sentido de Estado tornou a corrução
endémica. As condições estruturais que produzem a desigualdade continuam
intactas e até se agravaram com o novo extrativismo e a consequente reprimarização
da economia ( o boom dos recursos naturais cujo ciclo é sempre limitado). A extra-
institucionalidade tradicional dos poderosos ( acesso livre a privilégios sempre que
os direitosnão bastam, impunidade, justiça privada, violência no campo) passou a
ter de se confrontar com a extra-institucionalidade dos despossuidos e do crime
organizado (as novissimas guerras civis urbanas).
Crise na Europa. Crise nos Estados Unidos. O colapso dos chamados países
desenvolvidos representa uma cisão com o modelo de desenvolvimento atual?
BSS: Não. As diferentes versões do capitalismo global desde o século XIX, pelo
menos, têm sido modelos de desenvolvimento para umas regiões do mundo e,
simultaneamente, de subdesenvolvimento para outras regiões do mundo. Foi assim
que, em periodos diferentes, os países africanos, latinoamericanos e a India foram
activamente subdesenvolvidos . Só por via de inculcação ideológica é que este
processo histórico foi considerado como um trânsito linear do subdesenvolvimento
para desenvolvimento aberto a todos os países, por todos atingível mais cedo ou
mais tarde e com as mesmas características para todos. A crise dos chamados países
desenvolvidos da Europa do sul mostra com cruel nitidez que também é possível o
transito inverso do desenvolvimento para o subdesenvolvimento.
É o fim do neoliberalismo? Em caso afirmativo, que tipo de estruturação econômica
devemos ter a partir de agora?
BSS: É difícil saber se estamos no fim do neoliberalismo dado que, até agora, os
mecanismos que lhe são próprios ( o domínio do capital financeiro sobre o capital
produtivo), que foram os grandes factores da crise atual, são os mesmos que estão a
“resolvê-la”. Mas é evidente que algumas mudanças são visíveis: o descrédito
intelectual do neoliberalismo que hoje se alimenta sobretudo da rotina incrustada
nas instituições, nacionais e internacionais; a passagem da globalização capitalista
global, passe o pleonasmo, para globalizações regionais; um acumulo histórico de
desobediências ao receituario do neoliberalismo que deram certo; os projetos de
criação de bancos de desenvolvimento alternativos ao Banco Mundial atualmente
em discussão entre os BRICS.
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No caso europeu, há risco para o euro e para as zonas de livre trânsito e comércio
atreladas à moeda?
BSS: A Europa do euro pode vir a ser uma das mudanças a acrescentar às que referi
atrás se neste bloco regional globalmente forte a união monetária for
complementada com as uniões fiscal e económica e se tudo isto for feito por via do
reforço dos processos democráticos de nível europeu. Mas por agora há apenas
pequenos passos, sempre hesitantes, sempre dependentes da aprovação da
Alemanha e com total opacidade para os cidadãos europeus. É assim possível que
esses passos sejam demasiado pequenos ou surjam demasiado tarde para poder
salvar o euro na sua atual configuração. Não é prudente excluir a hipótese do
colapso do euro e esta eventualidade deveria levar os políticos europeus a pensar e a
agir de modo diferente.
Qual lição histórica deve ser tirada desta crise?
BSS: A lição principal é esta: quem tem poder vê-se a um espelho que o impede de
imaginar-se sem poder. Durante décadas e contra o pensamento de tantos que,
como eu, faziam pesquisa no que então se chamava Terceiro Mundo, a Europa oficial
considerou que as receitas do neoliberalismo aplicadas pelos instituições financeiras
multilaterais (Banco Mundial e FMI) eram corretas e contribuiam para o
desenvolvimento dos países que as tinham de suportar fossem eles o Brasil, o
México, a Argentina, a Tanzania, a Indonésia ou a Tailandia. De repente, no
seguimento da crise de 2008, as receitas passam a ser aplicadas à própria Europa, e
esta fica armadilhada na sua própria ideologia, incapaz de imaginar que as políticas
socialmente destrutivas, eticamente repugnantes e económicamente irracionais
(porque só favorecem o capital financeiro) são o resultado “natural” das receitas
neoliberais e que só a desobediência a elas pode evitar o desastre, tal como
aconteceu em muitos países do Sul global.
O que esperar de 2013?
BSS: Os sociólogos só são bons a prever o passado. Em todo caso, arrisco. A reposta à
sua pergunta depende da região do mundo em que estiver e da classe social a que
pertencer. Os ricos e os super-ricos (estes, em qualquer parte do mundo) têm razões
para esperar um ano bom já que até agora não foi possível pôr um travão às fontes
mais abundantes (algumas escandalosas ou até criminosas) da sua riqueza: capital
financeiro desregulado, especulação financeira sobre os produtos alimentares e os
recursos naturais, paraísos fiscais, corrupção endémica, governos democráticos que
executam impunemente políticas opostas às que constam dos seus programas
eleitorais, administração da justiça ineficiente e, em alguns países, corrupta). Nos
países com recursos naturais abundantes o boom abrandará mas a luta social pela
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distribuição mais justa das rendas extractivistas talvez se intensifique (atenção a
Angola e Moçambique e à maldição da abundância). O eventual desaparecimento de
Hugo Chavez da cena política latinoamericana terá mais impacto do que se pensa.
Na Europa, os países do sul vão continuar a empobrecer e é impossível prever o nível
de catástrofe a que dirão finalmente: basta! e a desobediência à ortodoxia
depradadora do capital financeiro se iniciará.
Em países profundamente atingidos pela crise, como a Grécia, grupos nacionalistas
(como o Aurora Dourada) têm ganhado espaço. A crise econômica é um ambiente
propício para o crescimento desses grupos?
BSS: Há diferenças substantivas entre as várias famílias políticas nacionalistas, o
conceito de nacionalismo não é unívoco e o nacionalismo na Europa tem pouco a ver
com o nacionalismo na India ou em outros países do sul global. O Partido Comunista
Português é soberanista (hostil à integração europeia) e nesse sentido é nacionalista
sem, no entanto, deixar de perder a sua fé internacionalista. O grupo que refere
corresponde ao nacionalismo de extrema direita e, sem dúvida, grupos desse tipo
tendem a prosperar em periodos de crise, tal como aconteceu na República de
Weimar. Mas também têm crescido na Holanda que não está em crise. Mas não se
pense que estes grupos se alimentam apenas do ressentimento social. Na Grécia, por
exemplo, o grupo Aurora Dourada presta ajuda social aos cidadãos abruptamente
empobrecidos pela crise.
O desenvolvimento global sempre foi pautado e inspirado pelos modelos dos países
desenvolvidos. Para os países emergentes, como o Brasil, essa crise aponta para a
necessidade de se pensar caminhos próprios para buscar o desenvolvimento?
BSS: Sem dúvida e é isso que está a suceder. A Presidenta Dilma esteve
recentemente na Europa a ensinar aos europeus o que deviam fazer para sair da
crise, o que seria impensável há poucos anos atrás. Claro que o colonialismo
endémico das elites políticas europeias as impede de aprender esta lição mas o fato
de a terem ouvido sem exclamar “Porque no te callas!”, como Rei de Espanha disse
ao Hugo Chavez, já é importante. Mas não podemos exagerar a novidade dos
“caminhos próprios” atualmente em curso. Eles têm muito em comum com os
caminhos velhos (por exemplo, no plano ambiental) e a sua novidade reside
sobretudo na capacidade para usarem margens de manobra e oportunidades que
estavam dormentes ou subutilizadas. E não o fizeram por mérito próprio mas porque
para tal foram pressionados pelo forte protagonismo dos movimentos sociais de há
alguns anos atrás.
Na divisão Norte x Sul do globo, sempre houve uma relação de força na qual o Sul
seguia o que o Norte fazia. Para o senhor, os polos de influência podem se inverter?
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BSS: É especulativo responder, qualquer que seja o sentido da resposta. O que
podemos dizer é que essa relação de força está a mudar e que essa mudança tem
expressão própria na emergência dos IBSA ( India, Brasil e Africa do Sul) e, mais
vincadamente, dos BRICS ( os anteriores mais a China e a Rússia). É talvez uma
intervenção tão política quanto económica e o seu objetivo é importante: reformar o
sistema internacional, tanto financeiro como comercial, e eventualmente substituir
o dolar nas transações globais. Mas é difícil saber se é sustentável. Os IBSA têm
democracia mas falta-lhes dimensão. Os BRICS têm dimensão mas sofrem do peso
autoritário e de divergências geo-estratégicas. Por exemplo , a prazo a
sustentabilidade dos BRICS depende da criação do “seu” banco de desenvolvimento
(alternativo ao Banco Mundial) mas a Rússia tem prioridades na Eurásia que talvez
dificultem essa criação.
O Norte pode aprender com o Sul? Em caso afirmativo, o senhor pode citar exemplos?
BSS: Neste momento estou a dirigir um grande projeto financiado pelo European
Research Council que procura responder a essa pergunta (www.alice.ces.uc.pt). A
minha hipótese é que tal aprendizagem é dificil devido ao preconceito colonialista
que, como disse acima, ainda hoje domina a mentalidade europeia dominante
(“Poderemos aprender com os que nos são inferiores e que nós descobrimos?”).
Mas penso que a prazo talvez seja possível. Entre muitos exemplos. Novas formas de
democracia participativa de que o orçamento participativo e os conselhos populares
nas diferentes áreas sociais são bons exemplos. O novo constitucionalismo
latinoamericano, um constitucionalismo transformador gerado a partir das lutas
sociais de que as novas Constituições da Bolívia e do Equador são expressão
eloquente e que a Europa precisa urgentemente de conhecer. As economias sociais
solidárias florescentes em muitos países do Sul global e que no Brasil chegam a ter
diginidade de departamento governamental. Novas gerações de direitos humanos,
como os direitos da natureza e o direito à água e à terra. A discussão sobre o
socialismo do século XXI que, quaisquer que sejam as suas dificuldades e armadilhas,
é possível na América Latina mas não na Europa.
Há um embate atual em Portugal, Espanha e Grécia entre o que deseja a população e
as medidas econômicas do governo, inclusive com episódios de uso de força para
barrar manifestações. De que lado o senhor está e por quê?
BSS: Estou do lado dos que resistem, indignados, às políticas de austeridade
(reajustamento estrutural e “condicionalidades” que o Sul global bem conhece) que
destroem a economia, o emprego, a proteção social, o futuro de jovens altamente
qualificados, que confiscam salários e pensões (que não são dinheiro do Estado), que
resgatam bancos fraudulentos com quantias astronómicas mas carecem de qualquer
sensibilidade para resgatar famílias repentinamente empobrecidas ou jovens
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forçados a abandonar os estudos, que visam destruir o sistema público de saúde
para o entregar ao capital privado, que privatizam as empresas estatais ao jeito do
que no Brasil ficou conhecido por “privataria tucana”. E tudo isto sem que se
vislumbre outra luz ao fundo do túnel senão a luz de um trem desgovernado
avançando em nossa direção.
Esse embate entre povo e poder indica a falta de representatividade dos partidos
políticos?
BSS: Sem dúvida. Nos países intervencionados pela troika ( FMI, Banco Central
Europeu e Comissão Europeia) podemos dizer que a democracia está suspensa pois
os governos nacionais estão estritamente tutelados por agências e politicas
transnacionais que não foram sufragadas por eleições. Trata-se de um novo Estado
de exceção que ocorre sob aparente normalidade constitucional e cujo alvo não são
perigosos terroristas mas o cidadão comum que sempre obecedeu à lei e lutou pelo
bem-estar da sua familia. Em Portugal, a direita estilo tea party norteamericana que
está no poder aproveita a crise para impor medidas que sempre quis impor mas não
conseguiu por via eleitoral. No fundo, nunca nos perdoou a Revolução dos Cravos de
25 de Abril de 1974.
Para os próximos anos, devemos ter novos modelos de democracia?
BSS: Estamos num momento de bifurcação que tanto pode evoluir para novas
formas de democracia mais intensa e de escala europeia como para novas formas de
autoritarismo, de sociedades politicamente democráticas mas socialmente fascistas
que regulam a longa história de subordinação da Europa periférica do sudoeste, do
sudeste e do leste à Europa central.
Recentemente o senhor propôs, em uma artigo, a questão se Portugal seria um
negócio ou uma democracia. Para o senhor, quando os Estados nacionais tornaram-se
negócios em vez de democracias?
BSS: A teoria democrática liberal original assenta na ideia da existência de dois
mercados, o mercado dos valores que têm preço e se compram e vendem (a
economia) e o mercado dos valores que não têm preço porque são convicções
ideológicas (a política). O neoliberalismo tem vindo a tentar a fusão dos dois
mercados sob a égide do mercado económico, de tal modo que hoje, em política,
tudo ou quase tudo se compra e se vende. Este é o caldo de cultura política que
transforma a corrução em sistema normal de governo e os Estados nacionais, em
gestores do capitalismo global e balcões de negócios. Empresas financeiras
colossais, herdeiras das companhias magestáticas do colonialismo histórico,
governam este sistema. É o caso da Goldman Sachs cujos quadros ou ex-quadros
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estão presentes nos governos da Grécia, Itália, Portugal, Alemanha, na Comissão
Europeia, no Banco Central Europeu e no Banco de Inglaterra.
O senhor defendeu, por vezes, que a austeridade econômica imposta pela troika não é
a única saída para o momento ruim que hoje vive a Europa. Pode exemplificar algumas
outras soluções?
BSS: Como o Sul global bem sabe, as políticas de austeridade, quando decididas
pelos credores, só podem conduzir a mais austeridade e,no fundo, ao colapso
económico. No caso da Europa do euro, a alternativa consiste em mutualizar a dívida
soberana (os eurobonds) no pressuposto de que não há dívida grega, portuguesa ou
espanhola, mas sim dívida europeia que se financia bem nos mercados
internacionais; auditar as dívidas nacionais com objetivo de eliminar as dívidas
odiosas resultantes de pura especulação contra a solvência do país; alterar o
mandato do Banco Central Europeu que atualmente é um mecanismo de
enriquecimento indevido dos bancos privados à custa dos Estados e, portanto, dos
cidadãos; reduzir o pagamento dos juros às possibilidades da economia, tal como se
fez com a dívida alemã no final da segunda guerra mundial; manter o Estado social (
o modelo social europeu) como principal prioridade que condicione todas as outras;
reformar a União Europeia no sentido de eliminar o seu défice democrático, criando
novos níveis de democratização e conferindo mais poder ao Parlamento Europeu;
criar uma agência de notação financeira europeia.
Atualmente, o discurso dominante preconiza que um país só se desenvolverá caso
apresente um bom crescimento econômico, e o exemplo mais citado sempre é o da
China. O senhor concorda com essa visão de que desenvolvimento e crescimento
econômico são sinônimos?
BSS: De modo nenhum. Mesmo as teorias mais convencionais do desenvolvimento
sempre distinguiram entre crescimento e desenvolvimento porque este último tem
a ver, no mínimo, com a capacidade (humana, técnica, infraestrutural, intelectual)
do país no seu todo gerar riqueza de modo sustentável. O crescimento de Angola,
assente na renda petrolífera, não impede que tenha um dos mais baixos índices de
desenvolvimento humano, uma das mais altas taxas de moralidade infantil e tenha
mais de 60% da população vivendo abaixo da linha de pobreza. Com os limites
ecológicos que o crescimento capitalista vai enfrentar neste século, é imperioso
refundar a ideia de crescimento que nos trouxe até aqui.
Grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas, podem ajudar o País a crescer,
como se tem apostado no Brasil?
BSS: Fazem inchar o país momentaneamente, o que é diferente de crescer de forma
sustentável e humanamente justa.
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A Alemanha assumiu um papel preponderante na Europa pós-crise, ganhando grande
poder de influência sobre as decisões políticas dos países em crise. O senhor vê riscos
nessa relação?
BSS: O papel preponderante vem detrás, dos tratados europeus que aprofundaram a
integração económica. Ao longo dos últimos cem anos a Alemanha contribuiu para a
destruição da Europa por duas vezes através de guerra. Irá contribuir mais uma vez,
agora sem guerra (convencional)? O trauma da segunda guerra foi decisivo para o
projeto de integração europeia. Esse trauma está menos presente na atual elite
política e a primeira-ministra Angela Merkel visita os paises do sul da europa como
quem visita protectorados. Só o aprofundamento democrático pode salvar a Europa
de uma nova catástrofe.
Para o senhor, o que define a prosperidade de um país?
BSS: A democracia sem fim, no espaço público mas também na família, na fábrica,
na rua, na escola, nas políticas sociais, na comunidade, nas relações interétnicas, nas
relações internacionais. A democracia sem fim é um princípio que, como o nome
indica, não tem fim.
2011 foi um ano marcado pelos movimentos de ocupação, os Occupy. Por que esses
movimentos arrefeceram em 2012?
BSS: Enquanto as causas destes movimentos não desaparecerem eles terão sempre
dois cursos, o de superfície e o subterrâneo. O arrefecimento de que fala pode ser
apenas o efeito do domínio do curso subterrâneo num certo momento, que nos EUA
coincidiu com a concentração de esforços na eleição da Obama. Na Europa do sul,
sobretudo na Grécia e na Espanha, não houve arrefecimento, antes pelo contrário.
O senhor conhece bem o Brasil e por diversas vezes esteve no País. Em sua opinião,
qual o papel do governo brasileiro na atual conjuntura internacional?
BSS: É um papel complexo. O seu lado mais luminoso consiste em promover o
diálogo Sul-Sul de um jeito que o Norte não pode deixar de o ter em atenção e em
conferir à América Latina uma dignidade internacional que antes não tinha. O seu
lado menos positivo consiste num deslumbramento ante o extractivismo e a
fronteira agrícola que varre tudo o que se lhe opõe e que levou a uma posição
cúmplice com o pior do capitalismo global na recente cimeira da ONU sobre a
mudança climática ( a Rio+ 20).
Fala-se muito sobre o Brasil, mas há expectativas boas de crescimento futuro para
outros países da América Latina, como o Peru. O senhor acredita que sairão boas
surpresas da região até o fim da década? Em caso afirmativo, quais países acredita
serem promessas e por quê?
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BSS: O boom de extrativismo talvez abrande mas mesmo assim ele pode ser um
agente do divorcio entre crescimento e desenvolvimento de que falei antes. No fim
do boom os países podem estar mais pobres (pela ausência dos recursos),
devastados no plano ambiental e social (com as deslocações maciças das populações
sobretudo indígenas e afro-descendentes) e sem capacidade de dar sustentabilidade
às medidas compensatórias (tipo bolsa família) que criaram uma classe média que
pode emprobrecer de novo e repentinamente. A primeira década do século XXI foi a
época luminosa de democracias progressistas em vários países latinoiamericanos
com suas promessas exaltantes. Temo que a segunda década seja a década das
desilusões.
O senhor pensa que o Novo Acordo Ortográfico pode trazer algum benefício concreto
para a integração entre os países de Língua Portuguesa?
BSS: Não. Sempre fui contra o novo acordo que,de facto, é um novo desacordo. Sou
adepto da diversidade e sigo Saramago: o português são várias línguas em
português.