A palavra ‘humanidade’ deriva do latim’ humanitas’ e ‘humanitatis’, que significa cultura, civilização, natureza humana, carácter, sentimento, bondade, benevolência, cortesia e compaixão. Trata-se de uma palavra que exprime uma série de qualidades nobres, que residem profundamente no coração do ser humano.
Mas, esta palavra, significa também um conjunto de seres humanos, sendo ‘humanos’, relativo ao homem, que por sua vez é derivado de ‘homo’, relacionado como ‘humus’, terra. Quando vamos à raiz das coisas, acabamos por perceber que a Humanidade é simultaneamente um conjunto de qualidades e seres da terra. Isto sugere, que no sentido lato, todos os seres da terra podem ser considerados Humanidade. Todas as espécies, incluindo a Homo sapiens. Na verdade, não estaríamos cá sem o papel das outras espécies, tanto no que concerne a nível evolutivo, como ecológico. Não conseguiríamos existir e viver sem o contributo delas. Mas a palavra ‘terra’ também significa chão, solo, território, região de origem, nação, ou o próprio planeta Terra. Neste contexto, a Humanidade pode também ser considerada toda a Terra - a nossa grande Mãe. Há um traço de familiaridade cósmica.
COMO PLANEJAR AS CIDADES PARA ENFRENTAR EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS.pdf
Resgatar a Humanidade, Alcide Gonçalves e Jorge Moreira, O Instalador, março 2019
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Resgatar a Humanidade
Texto e Fotos_Alcide Gonçalves [Arquiteta paisagista] e Jorge Moreira [Ambientalista e Investigador]
Se um dia a humanidade for capaz de aproveitar novamente a energia do fogo,
se a humanidade for capaz de capturar novamente a energia do amor,
então, pela segunda vez na história do mundo, teremos descoberto o fogo
Teilhard de Chardin
No dia em que o homem compreender que é filho da Natureza,
irmão dos bichos, da terra, dos pássaros do céu e dos peixes do mar,
nesse dia compreenderá a própria insignificância.
Será mais humano, mais simples e solidário.
Pablo Picasso
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AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
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AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
Todas as espécies, incluindo a Homo sapiens. Na verdade, não
estaríamos cá sem o papel das outras espécies, tanto no que
concerne a nível evolutivo, como ecológico. Não conseguiría-
mos existir e viver sem o contributo delas. Faz sentido! Mas a
palavra ‘terra’ também significa chão, solo, território, região de
origem, nação, ou o próprio planeta Terra. Neste contexto, a
Humanidade pode também ser considerada toda a Terra - a
nossa grande Mãe. Há um traço de familiaridade cósmica.
Quando olhamos a Terra do espaço, estamos a observar,
não só o lar da Humanidade, como a própria Humanidade e
as suas mais nobres qualidades. Defender a Humanidade é,
assim, defender a Terra e todos os seres que nela habitam. É
ter princípios baseados numa ética abrangente que inclua as
qualidades patentes na humanidade: bondade e compaixão
para com todos os seres da Terra. É defender rios, montanhas,
florestas e outros lares dos seres da Terra. A Humanidade está
no florescimento das qualidades que suportam a vida na Terra.
A biodiversidade e a diminuição da vida
selvagem
A biodiversidade não é só a diversidade de espécies que
existem numa determinada área, região ou até no Planeta
inteiro. Ela envolve três níveis organizacionais que a com-
põem: a) diversidade genética - soma de toda a informação
genética contida nos genes dos organismos; b) diversidade
de espécies - conjunto de indivíduos com as mesmas carac-
terísticas genéticas e linhagem evolutiva, que possam gerar
descendentes férteis em condições normais; e c) diversidade
ecológica - universo dinâmico formado por comunidades de
seres vivos, mais o meio inorgânico que interage com a vida
e os processos que suportam os ecossistemas, que no seu
conjunto, formam uma unidade funcional. Como seres huma-
nos encontramo-nos incluídos nesta definição complexa da
biodiversidade. Temos o nosso património genético particular,
que determina as nossas características biológicas, mas esse
património é fruto de uma evolução filogenética e, portanto,
todas as espécies, incluindo a Homo sapiens, partilham um
ancestral comum. De igual modo, fazemos parte de muitos
dos ecossistemas terrestres e interagimos praticamente com
todos eles. Contudo, essa interação nem sempre é positiva.
Na verdade arrasamos com uma quantidade colossal deles
só para promover algumas atividades humanas, muitas delas
desnecessárias ou com outras alternativas mais sustentáveis
e saudáveis. Recentemente, os cientistas das Universidades
de Sydney e Queensland, conjuntamente com a Academia
Chinesa da Agricultura, realizaram uma metanálise a relatórios
anteriormente publicados, e chegaram a uma conclusão no
mínimo, catastrófica.
Os investigadores relembram que os insetos são a base
estrutural do funcionamento de quase todos os ciclos de
todos os ecossistemas no nosso planeta. Os dados são
preocupantes - as populações de insetos estão em declínio
Antes da última Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Alterações Climáticas (COP24), que decorreu em dezembro
passado, em Katowice, na Polónia, foi divulgado em Incheon,
Coreia do Sul, um documento de 400 páginas realizado por
centenas de investigadores que, resumidamente, dizia que só
tínhamos 12 anos para salvar o planeta ou, melhor dizendo,
para salvar a Humanidade.
O documento tem como base 6000 estudos e alerta para
cenários catastróficos evidentes, que uma eventual ultrapassa-
gem do limite de 1,5o
Celsius de temperatura média, já a partir
de 2030, caso não haja uma redução maciça das emissões de
gases de efeito estufa.
Um documento anterior de especialistas, publicado na revista
científica Nature, em 2017, batizado de Missão 2020 e liderado
pela diplomata Christiana Figueres, ex-secretária-executiva da
Convenção do Clima das Nações Unidas, dava só 3 anos, a
partir dessa data, para resolvermos o problema climático. 2020
era a data crítica para o futuro do clima.
Se as emissões continuassem a subir além dessa data, os
objetivos do Acordo de Paris (COP21) tornar-se-iam inalcan-
çáveis. Precisamente na última cimeira pelo clima, a COP24, o
Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, susten-
tado pelos diversos estudos científicos publicados, fez um apelo
dramático: perder esta oportunidade poria em causa a nossa
última oportunidade para deter as alterações climáticas. Não só
seria imoral, como suicida. (...) É uma questão de vida ou morte.
Mas, mesmo com todas estas advertências e cenários, pouco
mais se avançou nessa cimeira do que um conjunto de regras
para aplicar no terreno relativamente às decisões alcançadas
em Paris. A um ano de 2020 e a uma década de 2030, con-
tinuamos reféns de nós próprios na resolução dos problemas
que colocam o nosso futuro e de muitas outras espécies em ris-
co, e só estamos a falar relativamente às alterações climáticas.
Não podemos esquecer que outros temas, como a diminuição
dramática da fauna e flora a nível mundial, causará também um
enorme impacto para a Humanidade. Precisamos de resgatar a
nossa humanidade para salvarmos a Humanidade.
O que é a Humanidade?
A palavra ‘humanidade’ deriva do latim’ humanitas’ e ‘hu-
manitatis’, que significa cultura, civilização, natureza humana,
carácter, sentimento, bondade, benevolência, cortesia e
compaixão. Trata-se de uma palavra que exprime uma série de
qualidades nobres, que residem profundamente no coração do
ser humano.
Mas, esta palavra, significa também um conjunto de seres
humanos, sendo ‘humanos’, relativo ao homem, que por sua
vez é derivado de ‘homo’, relacionado como ‘humus’, terra.
Curioso! Quando vamos à raiz das coisas, acabamos por
perceber que a Humanidade é simultaneamente um conjunto
de qualidades e seres da terra. Isto sugere, que no sentido lato,
todos os seres da terra podem ser considerados Humanidade.
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acentuado um pouco por todo o mundo. A perda ronda 2,5%
ao ano, sendo as razões bem conhecidas: agroquímicos,
monoculturas, proliferação de exóticas invasoras, excesso
de área urbanizada, poluição e as alterações climáticas. Um
dos cientistas envolvidos na metanálise, Don Sands, chama
a atenção que a vida dos seres humanos pode sofrer “um
impacto incomensurável” se os insetos desaparecerem. Em
causa está toda a cadeia trófica, cuja a base da alimentação
é consituida pelo insetos, assim como aquelas espécies que
dependem deles para a polinização. O desaparecimento dos
insetos está a causar um impacto em toda a vida. Cerca de
80% das plantas selvagens usam insetos para difundirem as
suas sementes e necessitam dos nutrientes processados no
solo, onde os insetos têm também um papel fundamental.
Muitos répteis e anfíbios estão a sofrer as consequências
desta perda e cerca de 60% dos pássaros utilizam-nos na
sua aliementação. Esta é uma das razões para a diminuição
drástica das suas populações.
Nas últimas três décadas, o número de aves nas zonas rurais
dos países da União Europeia teve um decréscimo de 55%. Em
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Portugal, temos poucos dados concretos, contudo, a SPEA
alerta para a diminuição das populações da rola-brava e do
picanço barreteiro, que só numa década, entre 2004 e 2014,
registou-se um decréscimo respetivamente de 54% e 65%.
No caso das espécies cinegéticas, como a rola-brava, para
além dos fatores atrás descritos, acrescenta-se a caça, como
elemento perturbador. Mas a hecatombe não se fica por aqui.
Segundo um estudo realizado por uma equipa de cientistas das
Universidades de Aarhus, na Dinamarca, e de Gotemburgo, na
Suécia, publicado na revista PNAS - Proceedings of the National
Academy of Sciences of the United States of America, a perda
nos mamíferos até 2070 levará cerca de cinco milhões de anos
a recuperar. E nem as espécies carismáticas, que possuem
geralmente um estatuto especial de conservação, resistem.
Segundo um estudo do Instituto de Ciência Weizmann de Israel
e do Instituto de Tecnologia da Califórnia dos Estados Unidos,
os seres humanos representam 0,01% dos seres vivos mas
mataram 83% dos mamíferos. A sexta extinção em massa é
uma infeliz realidade e com ela parte da nossa (H)humanidade
também se desvanece.
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Como podemos parar este cenário de
destruição da vida na Terra?
Muita reflexão já foi feita, mas talvez não com a profundidade
devida. É verdade que precisamos de políticas verdadeiramente
sustentáveis, uma espécie de ecologia económica que salvasse o
planeta. Exemplos disso nascem quase todos os dias: a Alemanha
vai fechar as dezenas de centrais a carvão e nucleres, a União Eu-
ropeia declara o fim da venda de plásticos de uso único, um pouco
por todo o lado se verifica a abertura exponencial de mercados
biológicos e a granel.
Contudo, não chega ter boas intenções para reduzir o consumo,
as emissões, a poluição ou a destruição da Natureza. Precisamos
de rever as forças antropogênicas que estão por detrás de tama-
nha (auto)destruição. Precisamos de olhar bem para dentro nós
para percebermos onde se encontra a nossa humanidade, de
re-descobrir que somos o Planeta e que só estaremos bem se
tudo e todos estiverem em harmonia. É um trabalho que a Ecologia
Profunda intitula de Auto-Realização - uma consciência desperta,
que ultrapassa as barreiras redutoras do ego, para se tornar cada
vez mais consciente do todo, ou como disse Krishnamurti, de uma
mente em que o eu está totalmente ausente. Este filósofo fala-nos
também do Auto-Conhecimento, e não há Auto-Realização sem
Auto-Conhecimento.
Sri Ramana Maharshi (1879-1950), filósofo Hindu e um dos
maiores representantes da sabedoria milenar da Índia do século
XX, diz-nos que a Auto-Realização é o maior serviço que podemos
prestar ao mundo.
Encontramos esta mesma ideia nas várias culturas e antigas
tradições espirituais.
Se mergulharmos no pensamento grego, à entrada do Oráculo
de Delfos, esse lugar sagrado, morada há 2500 anos de sacerdo-
tes e sacerdotisas, cuja função era a de ligar os Deuses e a Huma-
nidade, a frase aí inscrita, é semelhante em significado filosófico ao
ensinamento de Sri Ramana Maharshi: Conhece-te a ti mesmo.
Na filosofia taoísta, voltamos a encontrar esta mesma ideia,
como máxima a alcançar para compreendermos o universo (ou o
mundo) através da descoberta em nós do nosso Sol, Lua, estrelas,
os nossos rios, vales e montanhas, em tudo semelhante aos
elementos da Natureza e seus processos. Somos o microcosmos
do macrocosmos e como tal temos todas essas representações
gravadas nas nossas células.
Mas não precisaremos de ser ou nos tornar zen, yogis (yogini
fem.), faquir ou monge, professar o taoísmo, o budismo, ou qual-
quer outra religião, porque encontramos em todas as grandes
sabedorias, crenças, culturas ancestrais ou expressões artísticas
este legado, e esta ideia nuclear assentes numa única fonte: a
Natureza.
Por isso, resgatar a Humanidade é resgatar a Natureza, o am-
biente habitável em nós, o qual cada um terá que ser húmus – solo
(terra) e fertilizante, em simultâneo.
Leonardo Boff, numa linguagem mais científica refere o seguinte:
a existência de Gaia e a nossa própria vida estão ligadas inegavel-
mente ao fato de pertencermos a um sol de luminosidade média,
a 150 milhões de km de distância da Terra, situado na periferia de
uma galáxia espiral média. O tipo de biosfera existente bem como
a estruturação biológica observada nos ecossistemas só podem
desenvolver-se sob determinadas exigências. Concretamente isto
significa que, nós, seja como Terra, seja como pessoas humanas,
embora situados num canto irrisório de nosso sistema galáctico e
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Opinião
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universal, temos a ver com o todo. O todo conspirou para que nós
existíssemos e tivéssemos chegado até aqui (in ‘Saber Cuidar -
Ética do humano - compaixão pela terra’, pp.75).
Este seria, segundo o autor, o quinto grande ato da estruturação
do teatro cósmico, do qual somos co-autores, pelo que só pode-
remos entender o ser humano-Terra, se o conectarmos com todo
esse processo universal.
Os japoneses, na delicada e maravilhosa arte do arranjo floral
(ikebana), para que o principiante ou o praticante possa atingir a
mestria nesta arte tem que alcançar o requisito principal das dez
virtudes - a união com o “coração da flor” e o “coração universal”.
Segundo esta tradição artística, é neste escutar (sentir) que se
desenvolve uma corrente eterna de amor, que brota do coração
da flor para o coração humano, flui para o coração universal e
transborda de volta. Herrygel, G. explica que para o japonês a vida
é uma unidade ininterrupta, proveniente de uma raíz comum.
É nesta dimensão metafísica ou espiritual, que o ser humano
necessita procurar a solução para responder à pergunta “como
podemos parar a destruição da vida na Terra?”.
Ao dizê-lo, estamos a ser totalmente pragmáticos e não estamos
a usar de falso moralismo e, caso se duvide, poderemos tentar
responder a outra questão com todo o pragmatismo científico
que caracteriza o discurso moderno das sociedades ocidentais
e industrializadas: onde nos têm levado os acordos das cimeiras
mundiais, directivas europeias, campanhas de sensibilização
pro ambiente? Certamente que a resposta não é desprovida de
resultados mas a cada passo verificamos que em vez de reduzir-
mos e.g. as emissões de carbono para os valores mínimos (não
os ótimos!), alcançarmos as metas para a reciclagem, travarmos o
consumo, entre muitas outros objectivos do desenvolvimento sus-
tentável, continuamos a assistir à extinção de espécies, à poluição
dos oceanos, ao decréscimo de efectivos nos ecossistemas e à
delapidação de forma global das condições da vida.
Seria muito fácil elencar uma série de medidas de protecção e
salvaguarda para a vida selvagem, para preservar o planeta, o que
quer que seja o nosso foco, aliás o que por si só não é original,
nem resolve. As próprias leis, directivas-quadro, regulamentos, etc,
também contemplam ações positivas para que possamos levar a
cabo muitos objectivos pretendidos na defesa ambiental, contudo
não surte os efeitos esperados e.g. quanto à determinação de
comportamentos ambientais do indivíduo!
Parece já não nos resta grande espaço para ludibriar as nossas
ações pois elas espelham-nos. Isto empurra-nos cada vez mais
para a necessidade de nos Auto-realizarmos como nos refere o
Mestre Sri Ramana Maharshi. Ele explica que Realização não é
aquisição de nada novo nem é uma nova faculdade. É só a remo-
ção de toda a camuflagem e que tudo o que é necessário para
realizar o Eu (Self) é simplesmente sossegar a mente. Sossegar a
mente é parar com o consumismo e a exploração. É fazer com que
as qualidades patentes na nossa humanidade possam despertar
numa nova Humanidade.
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