O documento discute os desafios da educação de jovens, adultos e idosos no Brasil. Aborda a evolução histórica da alfabetização e educação de adultos no país desde a década de 1940, com campanhas de alfabetização e programas como o MOBRAL. Também analisa diferentes concepções de alfabetização e letramento e a importância de se levar em conta as especificidades de se educar adultos.
1. 1
ALFABETIZAR SEM INFANTILIZAR: UM DESAFIO
PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS
Mônica de Ávila Todaro - SME1
Maria Aparecida Ferreira de Lima - BMI2
Entendendo que a questão da educação de jovens e adultos (EJA) assume a
perspectiva de inclusão em sociedades democráticas e que esta inclusão se dá pela
conquista de direitos, este texto apresenta uma reflexão acerca da alfabetização de
jovens, adultos e idosos, numa perspectiva histórica e crítica, visando buscar as
concepções contemporâneas de alfabetização e letramento. A experiência que será
relatada tenta responder à problemática “Como tem sido a prática do professor da
Educação de Jovens e Adultos acostumado a alfabetizar crianças? Será que os
professores da EJA estão realmente preparados para atuar com a alfabetização de
jovens, adultos e idosos? Como o professor da EJA valoriza o saber cotidiano do seu
aluno?”. Para organizar o relato, partiu-se de uma experiência localizada na rede pública
municipal de ensino de uma cidade do interior do Estado de São Paulo, com
aproximadamente 100.000 habitantes e um atendimento de quase 880 alunos de EJA, de
1ª à 8ª séries. Alunos com idade superior a 50 anos e outros com mais de 60 anos,
portanto adultos maduros e idosos, têm representado uma presença crescente nessas
classes.
No campo da educação, o direito e o exercício democrático têm sido temas
amplamente discutidos. Para Jará (2007) “educação significa desenvolver a capacidade
de aprender, de pensar de maneira crítica e autônoma, e não para repetir o que os outros
dizem.” Especificamente na educação de jovens e adultos, a história não só registra os
movimentos de negação e de exclusão que atingem esses sujeitos, mas também aqueles
que foram produzidos a partir de um direito conspurcado muito antes, durante a
infância, negada a milhões de brasileiros como tempo escolar e como tempo de ser
criança (Paiva, J., 2006). Florêncio Varela (2004) considera que "não se pode dissociar
a problemática da alfabetização de adultos da questão da pobreza e exclusão social”.
No Brasil, os debates sobre o analfabetismo ganharam impulso a partir dos anos
40, quando Lourenço Filho e Clementi Mariani passaram a participar de discussões para
a formulação do projeto principal da Unesco de educação para a América Latina,
organizado no pós-guerra. Tratava-se de um movimento dos países membros, que
deveria redefinir o conceito de analfabeto, ampliando o sentido do termo para além do
letramento. Das discussões oriundas dessa relação, o Brasil organizou a Campanha de
Alfabetização, em 1947, cujo projeto deveria articular diferentes setores da sociedade
civil na irradiação do programa, formulado para atingir três mil pessoas em todo o país
(Iokoi, 2001).
Ainda na década de 40 aparecem as políticas pedagógicas para nortear a
educação e entre elas o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e
Adultos – CEAA em que a preocupação era com o material didático para adultos. Neste
período também se destaca o Primeiro Congresso Nacional de Educação de Adultos em
1947 e o Seminário Interamericano de Educação de Adultos em 1949.
1
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) – Chefe da Seção de
Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação (SME) de Itatiba - SP
2
Mestranda em Educação pela Universidade São Francisco – Itatiba – SP – Bibliotecária responsável pela
Biblioteca Municipal de Itatiba (BMI) - SP
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Sergio Haddad e Maria Clara Di Pierro (2000) chamam de “período de luzes” da
educação de adultos o intervalo que vai de 1959, depois da realização do II Congresso
de Educação de Adultos, a 1964, quando se deu o Golpe Militar. Os movimentos
importantes do período, segundo os autores, foram: Movimento de Educação de Base,
Movimento de Cultura Popular do Recife, os Centros Populares de Cultura da União
Nacional de Estudantes (UNE), a Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”,
e o Programa Nacional de Alfabetização, mais conhecido como Plano Nacional de
Alfabetização, do Ministério de Educação e Cultura, que contou com a participação de
Paulo Freire (apud CARVALHO, 2009).
Percebe-se que até 1970, a educação sistematizada para adultos restringiu-se aos
programas de alfabetização, originários de movimentos populares, como as
comunidades eclesiais de base da Igreja Católica e sindicatos de trabalhadores. Nesta
mesma época, o governo militar, que era contrário a esses movimentos, criou o
Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL, que não atingiu resultados
significativos e conseqüentemente não se manteve (Werebe, 1994). Neste período de
ditadura militar, a alfabetização é entendida como um processo de aquisição de uma
técnica de decodificação oral-escrita.
A possibilidade de cursos especialmente voltados à educação de adultos só
surgiu a partir de 1971, com a implementação legal do Ensino Supletivo (Giubilei,
1993). Apesar do ensino supletivo, em sua origem, ter tido o objetivo de ensinar à
população adulta, o programa acabou atingindo também os jovens e idosos, que
ansiavam por uma oportunidade de concluir o ensino formal.
Em 1985 o MOBRAL foi extinto. Com a ascensão da pedagogia crítica, a
Constituição de 1988 estabelece ações para a erradicação do analfabetismo, tais como, a
implantação do ensino regular para jovens e adultos (EJA), enquanto modalidade de
ensino obrigatória, cujo currículo a ser seguido é o da Base Nacional Comum.
A partir do início dos anos 1990, as proposições escolares para os adultos
voltaram com dimensão e conteúdos renovados e estão presentes nas discussões de
diferentes segmentos e setores da sociedade, inspirados na articulação entre a Educação
Básica, Ensino Fundamental e a Educação Profissional de nível básico.
No início de seu breve governo (1990-1992), Collor anunciou um Plano
Nacional de Alfabetização e Cidadania que, em linhas gerais, consistia em distribuir
recursos para projetos elaborados pelas universidades, destinados à alfabetização de
crianças e adultos ou à formação de alfabetizadores. O governo não interferia nas ações
e nem supervisionava tais projetos (Carvalho, 2009).
De 1996 a 2002, durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, foi
criado o Programa Alfabetização Solidária, resultado de uma articulação entre governo
federal, universidades públicas e particulares, empresas privadas, pessoas físicas e
administrações municipais. Com o fim do governo FHC, o Programa deixou de ser
oficial, mas permaneceu em funcionamento, passando a ser gerido por uma associação
denominada Comunitas, cuja presidência foi assumida por Ruth Cardoso.
As propostas do governo Lula (2003-2010) para a educação de jovens e adultos
estão reunidas na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECAD), encarregada de estimular, orientar e coordenar programas, como: Brasil
Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Mesmo diante deste cenário, o índice de analfabetos em todo território nacional
ainda é alarmante. Segundo publicação realizada pelo IBGE (2008) dentre os cem
municípios com maior número de analfabetos, estão 24 capitais. A cidade de São Paulo
apresenta o mais expressivo contingente de habitantes que não sabem ler e escrever –
383 mil. A maior concentração de analfabetos, em todo o país, está na população de 60
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anos ou mais; dessas pessoas, 32,2% não possuem instrução ou possuem menos de um
ano de estudo. Na cidade de São Paulo os analfabetos desta coorte etária totalizam
127.010 idosos.
No entendimento de Roberto Silva (2007), “na construção de novos
conhecimentos vislumbramos a possibilidade da transformação da realidade e na
mediação deste conhecimento cultivamos a utopia de tornar as pessoas melhores do que
nós mesmos”.
Concepções de alfabetização e letramento
Alfabetização e letramento são termos que se mesclam na visão de muitos
estudiosos. Para Colelo (2006) alfabetização e letramento são processos paralelos,
todavia se complementam, pois o ato de alfabetizar deve incluir o letramento na sua
dinâmica. Neste sentido a autora defende que “durante muito tempo a alfabetização foi
entendida como mera sistematização do B + A = BA”, isto é, como a aquisição de um
código fundado na relação entre fonemas e grafemas. Em uma sociedade constituída em
grande parte por analfabetos, marcada por reduzidas práticas de leitura e escrita, a
simples consciência fonológica que permitia aos sujeitos associar sons e letras para
produzir/interpretar palavras (ou frases curtas) parecia ser suficiente para diferenciar o
alfabetizado do analfabeto.
No entendimento de Soares (2003), alfabetizar é a ação de ensinar/aprender a ler
e a escrever” e o conceito de letramento está ligado ao desenvolvimento de
comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas
sociais. Ainda nessa perspectiva, Soares (2000) destaca que alfabetização e letramento
se somam. Ou melhor, a alfabetização é um componente do letramento. A autora
considera que é um risco o que se vinha fazendo, ou se vem fazendo, repetindo-se que
alfabetização não é apenas ensinar a ler e a escrever, desmerecendo assim, de certa
forma, a importância de ensinar a ler e a escrever. É verdade que esta é uma maneira de
reconhecer que não basta saber ler e escrever, mas, ao mesmo tempo, pode levar
também a perder-se a especificidade do processo de aprender a ler e a escrever,
entendido como aquisição do sistema de codificação de fonemas e decodificação de
grafemas, apropriação do sistema alfabético e ortográfico da língua, aquisição que é
necessária, mais que isso, é imprescindível para a entrada no mundo da escrita. Um
processo complexo, difícil de ensinar e difícil de aprender, por isso é importante que
seja considerado em sua especificidade. Mas isso não quer dizer que os dois processos,
alfabetização e letramento, sejam processos distintos; na verdade, não se distinguem,
deve-se alfabetizar letrando.
Kleiman (2005-2010, p.21) destaca que “letramento abrange o processo de
desenvolvimento e o uso dos sistemas da escrita nas sociedades, ou seja, o
desenvolvimento histórico da escrita refletindo outras mudanças sociais e tecnológicas,
como a alfabetização universal, a democratização do ensino, o acesso a fontes
aparentemente ilimitadas de papel e o surgimento da internet”. Salienta ainda que as
palavras letramento e alfabetização estão associadas, pois há várias maneiras de ver e
entender a relação entre letramento e alfabetização, em parte porque o conceito de
alfabetização é complexo e tem muitos significados. “A alfabetização é uma prática. E
assim, como toda prática que é especifica a uma instituição, envolve diversos saberes
(por exemplo, quem ensina conhece o sistema alfabético e suas regras de uso), diversos
tipos de participantes (alunos e professores) e, também, os elementos materiais que
permitem concretizar essa prática em sala de aula, como quadro-de-giz, ilustrações,
livros didáticos, e quaisquer outros recursos pedagógicos” (Kleiman, p. 12, 13).
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Em seus estudos, Ferreiro (1999) e colaboradores formularam a teoria da
psicogênese da língua escrita que demonstra que o processo de aprendizagem não é
dirigido pelo processo de ensino. “A aprendizagem da leitura, entendida como
questionamento a respeito da natureza, função e valor desse objeto cultural que é a
escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insuspeitados
caminhos. Que além dos métodos, dos manuais, dos recursos didáticos, existe um
sujeito que busca a aquisição de conhecimento, que se propõem problemas e trata de
solucioná-los seguindo sua própria metodologia”.
Discutir a problemática da aprendizagem da pessoa adulta é uma das
necessidades básicas da educação do século XXI, para que, cada vez mais, nossa
sociedade conquiste a compreensão de valores como: democracia, justiça, igualdade
entre os sexos, crescimento econômico e social. A alfabetização é um dos fatores
primordiais para implementar a possibilidade de solucionar os problemas educacionais
da sociedade atual, garantindo um processo contínuo de aprendizagem para toda a vida.
Para Soares (2003) “via de regra, o adulto é visto e se vê como alguém que
‘perdeu tempo’, que não aprendeu no momento propício e que se encontra com a
‘cabeça dura’ para se envolver em novos processos de formação. Essas características
tornam o processo mais complexo e requerem um ‘olhar diferenciado’ para esse
público, exigindo propostas pedagógicas adequadas e metodologias apropriadas para a
educação de adultos.”
A educação pode ajudar a amenizar a pobreza e a desigualdade, melhorar os
níveis de saúde e bem estar social e dar base para o crescimento econômico, objetivos
que todo país deseja alcançar. Ela pode proporcionar uma via de acesso a novos
conhecimentos, dando oportunidade às pessoas que não foram alfabetizadas na infância
e, assim, proporcionando uma formação para que todos sejam capazes de se desenvolver
em sociedade. Para Romão (2001, p.13) “a educação não tem significado nem
finalidades em si mesma. O processo educacional busca seu conteúdo e suas finalidades
no projeto de sociedade que se quer conservar ou que se quer construir”.
Gadotti (2005) enfatiza que “educação, independentemente da idade, é um
direito social e humano. Muitos jovens e adultos de hoje viram esse direito negado na
chamada “idade própria” e negar uma nova oportunidade a eles é negar-lhes pela
segunda vez o direito à educação. O analfabetismo de jovens e adultos é uma
deformação social inaceitável, produzida pela desigualdade econômica, social e
cultural”.
Os estudos acerca da alfabetização de jovens, adultos e idosos no Brasil têm em
Paulo Freire a inspiração para o enfrentamento das questões que se apresentam quando
da busca de soluções adequadas para minimizar o índice nacional de analfabetismo.
Os chamados “processos de letramento” têm seus fundamentos centrados na
inclusão social. Nesse sentido, o sujeito da ação educativa deve ser considerado como
portador de um conhecimento complexo, resultado da cultura e de sua experiência de
vida adquirida no decorrer de sua trajetória, em relação ao espaço e tempo históricos.
Segundo Alberto Melo (2007), a “educação para adultos não é igual para os jovens, pois
uma pessoa adulta tem menos possibilidade de tempo, sobretudo por compromissos de
trabalho. O adulto tem uma maneira diferente de encarar a aprendizagem, faz uma
seleção imediata do que sabe que consegue e sabe que vai apreender ao invés de uma
criança que não tem essa percepção”.
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Relato de experiência
Uma das motivações que originou este texto foi a observação do emprego das
metodologias escolares no ensino de adultos maduros e idosos que não puderam ser
escolarizados pelo sistema regular. Constatou-se uma inadequação da organização dos
espaços escolares, do uso do tempo e dos materiais didáticos que infantilizam os
aprendentes. Além disso, os preconceitos dos educadores em relação a esses alunos são
uma constante que precisa ser analisada e levada em consideração quando da proposição
de alternativas metodológicas.
Sabe-se que cada vez mais a sociedade exige conhecimentos e informações e,
nas palavras de Prestes (2005, p.15), “a ausência de escolaridade significa negar ao ser
humano o direito dele se relacionar com o mundo e com a natureza, dando utilidade e
sentido ao seu próprio processo de existência.”
Este relato não busca encontrar “culpados”, mesmo porque se sabe que a
formação dos professores alfabetizadores em cursos de Pedagogia, via de regra, não
prevê, em sua organização curricular, disciplina que trate do tema da alfabetização na
EJA. Tal fato pode se tornar um obstáculo quando da relação entre educadores e
educandos adultos ou idosos, uma vez que o sentido do magistério se dá, apenas, na
interlocução com crianças.
Obviamente existem os professores que são muito bem preparados para educar
jovens e adultos, no entanto, observa-se educadores que agem de maneira inadequada
por não ter preparo específico para atender a esse público. Há formas diferenciadas de
se trabalhar com turmas de EJA e sabe-se que poucos cursos de Pedagogia oferecem
formação específica para esse fim. Pinheiro (2009, p.5) aponta que no processo de
alfabetização de pessoas jovens e adultas o saber experiencial do alfabetizador é
primordial, uma vez que atende a uma clientela diferenciada no sistema de ensino,
muitas vezes detentora de conhecimentos profissionais.
Professores, quase sempre formados para alfabetizar crianças, acabam optando,
no âmbito dos sistemas de ensino, por complementar sua carga horária nas classes de
jovens e adultos e recebendo dos gestores pouco ou nenhum apoio para o exercício
dessa prática pedagógica específica. Na visão de Torres (2009, p. 16) “é impossível se
ter uma boa educação de jovens e adultos se não tivermos professores e professoras
especializadas em processos de ensino aprendizagem de jovens e adultos em um
processo cognitivo, sociológico da educação de jovens e adultos. As pessoas que estão
formadas para trabalhar com meninos e meninas podem ter a melhor disposição pessoal,
porém não têm especialidade”.
Também educadores populares, plenos de verdades sob o prestígio da educação
popular, descrevem concepções pautadas em um tempo, em uma realidade social cujo
movimento se altera, necessariamente, por ser histórico, sem que as enunciações ou
mesmo as práticas o acompanhem (Paiva, J., 2006).
É sabido que adultos maduros e idosos possuem valores consolidados
(religiosos, morais, éticos), experiências de vida e formas de manifestação verbal e
simbólica particulares, muitas vezes desconsideradas ou desconhecidas pelos
professores.
A construção de uma sociedade letrada pressupõe a definição de estratégias que
contemplem não somente a educação de crianças, mas também a Educação de Jovens e
Adultos (EJA). A EJA é uma modalidade de ensino que exige o reconhecimento da
responsabilidade do Estado para com a qualidade no ensino e no atendimento às pessoas
que buscam alfabetizar-se. Nesta perspectiva, é fundamental discutir o que tem sido
oferecido pelas escolas em termos de metodologias, utilização de material didático,
6. 6
formação inicial e continuada de professores para atuar junto a essa demanda. Para
Santiago (2007) “nem sempre as iniciativas de formação continuada correspondem a
programas, tampouco respondem às necessidades geradas no cotidiano da escola ou às
inovações do campo conhecimento”. No mesmo sentido, parece necessário
compreender a importância de se tratar de questões que permeiam os discursos e o
cotidiano escolar, de modo que a sua problematização façam os professores refletirem e
saltarem do “possível” para o ideal.
A observação
Esta observação baseou-se em apontamentos referentes ao acompanhamento
pedagógico de 18 classes de EJA, de 1ª a 4ª séries, de uma rede municipal de ensino
localizada numa cidade do interior paulista, com aproximadamente 100.000 habitantes.
Essa rede oferece a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em dez escolas,
sendo que oito delas estão localizadas na zona urbana e duas na zona rural. As turmas
observadas distribuem-se em dois turnos: vespertino e noturno.
As questões norteadoras desse processo de observação relacionam-se com as
reflexões teóricas dos autores anteriormente citados e tratam dos temas alfabetização e
letramento na educação de jovens e adultos.
O objetivo deste trabalho é que as perguntas que fundamentam essa observação
possam, de algum modo, contribuir para que todos envolvidos com a EJA desenvolvam
um novo olhar para essa modalidade. As questões abaixo descritas foram utilizadas para
guiar o trabalho de gestão do Setor de EJA ao longo do ano de 2009, de maneira a
oferecer subsídios para aprimorar essa modalidade de ensino no município.
As questões que nortearam a observação foram:
1. Como tem sido a prática do professor da EJA acostumado a alfabetizar crianças?
2. Será que os professores da EJA estão realmente preparados para atuar com a
alfabetização de jovens, adultos e idosos?
3. Como o professor da EJA valoriza o saber cotidiano do seu aluno?
Percebemos que, na prática educativa, os professores observados assumem
algumas atitudes:
• Alfabetizam com atividades encontradas em livros didáticos do 1º ao 5º anos e,
portanto, direcionados ao público infantil que tem entre 6 e 10 anos de idade;
• Oferecem aos alunos literatura infantil, como por exemplo, “Três porquinhos”;
• Concentram as atividades docentes e discentes apenas na oralidade, sem registro
escrito;
• Justificam a ausência de avanço dos alunos a partir de discursos que
menosprezam e diminuem a capacidade dos alunos e que revelam crenças como
“burro velho não aprende”;
• Planejam um número elevado de passeios com os alunos;
• Organizam a sala de aula sempre com carteiras enfileiradas;
• Concentram o tempo das aulas entre Língua Portuguesa e Matemática, negando
as demais disciplinas.
Nos encontros dos cursos de formação continuada desses professores são
freqüentes indagações que refletem crenças e atitudes discriminatórias, as quais não
condizem com o enfrentamento adequado dos desafios encontrados em uma sala de aula
na qual se encontram pessoas de diferentes idades, gêneros, origem e histórias de vida.
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Isso parece revelar que os próprios professores não compreendem a dimensão específica
da EJA enquanto espaço de inclusão social.
Apesar dos desafios apresentados acima, avanços podem ser percebidos quando
do acompanhamento das classes de alfabetização. Destaca-se o trabalho de alguns
professores que:
• Alfabetizam utilizando atividades do livro didático “Viver, aprender” da Ação
educativa (2002) e da Global Editora (2004), produzido especificamente para a
educação de Jovens e Adultos;
• Oferecem aos alunos textos da coleção “Literatura para todos”, apresentando e
garantindo a diversidade de gêneros, como: romances, contos, poemas, crônicas
e peças teatrais que foram selecionados a partir de um concurso que premiou as
melhores obras para neoleitores;
• Praticam a oralidade como meio de valorizar as experiências trazidas pelos
alunos, as problematizam e registram, como escribas, o que foi conversado;
• Saem com os alunos para atividades externas previamente planejadas e com
roteiros pedagógicos;
• Organizam a sala de aula com agrupamentos produtivos, garantindo a presença
de alunos que estão em diferentes níveis de escrita;
• Ministram aulas em que todas as disciplinas dialogam, garantindo, por meio de
projetos, o caráter interdisciplinar do ensino.
Considerações finais
Mais do que alfabetização, o direito constitucional de ensino fundamental para
todos sintetizou o mínimo que a sociedade deve garantir: o direito de aprender a ler e a
escrever com autonomia. Isso significa ter domínio suficiente para, em processo de
aprendizado continuado, se manter em condições de acompanhar a velocidade e a
complexidade do mundo contemporâneo, que exige aprender continuadamente, por toda
a vida, ante os avanços do conhecimento e a permanente criação de códigos, linguagens,
símbolos e de sua recriação diária. E exige, para isso, não só o domínio da linguagem
escrita, mas também competência como leitor e escritor de seu próprio texto, de sua
história, de sua passagem pelo mundo. Exige, ainda, reinventar os modos de sobreviver,
transformando o mundo (Paiva, J., 2006).
Ser professor alfabetizador de jovens, adultos e idosos, com o pressuposto do
letramento, é ir além do ensinar. É conhecer cada estudante, aproximar os saberes
escolares das experiências que cada um traz para a sala de aula, e, desse modo,
compartilhar ideias, tarefas, objetivos e significados. É, no nosso entendimento,
perceber-se como gestor do trabalho pedagógico.
Tem-se claro que a reflexão proposta por este texto não termina aqui, pois o
desafio de alfabetizar jovens, adultos e idosos sem infantilizá-los é um aspecto
importante a ser considerado quando da formação inicial e continuada de professores da
Educação de Jovens e Adultos (EJA) que buscam, na educação, saídas para a
transformação da sociedade.
Como reflexão final deste relato de experiência, emprestamos os pensamentos
de Fávero (1999) e colaboradores. Para os autores, o educador que tem interesse em
trabalhar na formação de jovens e adultos precisa não só conhecer os conteúdos que
perpassam a realidade, mas também compreender as estratégias utilizadas em sua
construção. Só assim o professor estará aberto para entender como esses processos,
construídos fora da escola, interferem na forma de aprender. Para nós, alfabetização e
letramento são ações complementares (na educação de jovens, adultos e idosos) que
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estão diretamente ligadas à formação e atuação de pessoas (profissionais) interessadas
(comprometidas) em promover na escola a equidade (igualdade de oportunidades) com
qualidade (ensino eficiente e efetiva aprendizagem).
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