Trabalho realizado para o curso de pós graduação em filosofia da Universidade Federal de Uberlândia sobre o livro Do mundo fechado ao universo infinito (Capítulos VII e VIII) de Alexandre Koyré.
2. Alexandre Koyré
Filósofo russo, família judaica, nascido em Tíflis em
1982, falecido em Paris em 1964, deixou sua terra
muito cedo e foi morar na França, seus estudos estão
ligados a história da religião, metafísica e filosofia da
ciência, grande pesquisador de Platão, Galileu Galilei
e Newton. Sua principal obra é “Do mundo fechado ao
universo infinito”, compilação de uma séria de
conferências realizadas em 1959, sobretudo sobre a
ascensão da ciência moderna e a mudança na
percepção científica do mundo no período de Nicolau
de Cusa e Giordano Bruno chegando até Isaac Newton,
é uma síntese de suas ideias e suas teorias.
3. O espaço absoluto, o tempo
absoluto e suas relações com Deus
Malebranche, Newton e Bentley
4. A concepção do
espaço como atributo
de Deus“A concepção do espaço como atributo de Deus, não é de maneira
nenhuma uma invenção aberrante, bizarra ou curiosa [...] muito
pelo contrário. Em muitos aspectos fundamentais, ela é
compartilhada por vários filósofos do seu tempo, precisamente
aqueles que se identificavam com a nova concepção científica do
mundo”. Pág. 138.
5. A infinitude do espaço
geométrico (relacionada a
Deus)“...eterno, imenso, necessário. É a imensidão do Ser Divino, n
medida em que infinitamente participável pela criatura corpórea,
na medida em que representativa de uma matéria imensa; é; em
uma palavra; a idéia inteligível de dois possíveis mundos. É o que o
vosso espírito contempla ao pensardes no infinito. É por meio
dessa extensão inteligível que conheceis o mundo visível”.
6. A visão de Malebranche
Malebranche não quer colocar a matéria em Deus como fez
Espinoza ou Henry More, para ele há duas extensões, duas ideias
de espaço, a “extensão inteligível”, eterna, situada em Deus,
infinita e necessária, e a “extensão material”, matéria composta
do mundo criado por Deus, logo, finita, temporal, teve começo e
poderia deixar de existir. As substâncias são diferentes, afirma o
autor, uma são do próprio Criador, as outras, de suas próprias
7. “É precisamente a confusão entre a extensão inteligível e a
extensão criada que induz algumas pessoas a afirmarem a
eternidade do mundo e a negar sua criação por Deus”. Pág.
139.
8. Matéria - espaço e extensão
"Há outra razão que leva os homens a acreditarem que a matéria seja
incriada; com efeito, quando pensam sobre a extensão não podem
deixar de olhá-la como um ser necessário. Pois concebem o mundo
como criado em espaços imensos, que esses espaços nunca tiveram
começo e que o próprio Deus não seja capaz de destruí-los. Assim,
confundindo a matéria com esses espaços, pois a matéria nada é senão
efetivamente espaço ou extensão, consideram a matéria como um ser
9. Atributos essenciais e
circunstâncias existenciais
Ao contrário de Descartes que nos induz a pensar que estamos autorizados a
afirmar sobre uma coisa aquilo que percebemos claramente pertencente à sua
ideia, o raciocínio que se atribui as qualidades de infinitude e eternidade à
extensão material era ilegítimo para Malebranche, pois devemos "julgar as coisas
por suas ideias; não devemos julgá-las de outra forma. Mas isso se refere a seus
atributos essenciais, e não às circunstâncias de sua existência. (...) Porque,
embora devais julgar a essência das coisas segundo as idéias que as
10. Newton - Cientista profissional
A concepção de espaço de Henry More foi adotada não só pelos
filósofos em maior ou menor medida, mas também por Newton que,
segundo Koyré, "...não é nem um metafísico profissional como o
primeiro [Henry More], nem um grande filósofo ou grande cientista,
como o segundo [Descartes]:ele é um cientista profissional, (...) se
interessava prioritariamente pela "ciência" e não pela "filosofia".
(141 - 142)
11. Filosofia como fundamentação
matemática da natureza
Newton se ocupa da filosofia "(...) apenas na medida em que necessita
dela para estabelecer os fundamentos de sua investigação
matemática da natureza, investigação intencionalmente empírica e
supostamente positiva." (p. 142)
12. Tempo Absoluto e Espaço
Absoluto - Filosofia Natural de
Newton"A física ou, mais exatamente, a filosofia natural de Newton, não pode
ser dissociada dos conceitos de tempo absoluto e espaço absoluto,
os mesmos conceitos pelos quais Henry More travou uma batalha
prolongada e resoluta contra Descartes."
13. Absoluto/Relativo,
Verdadeiro/Aparente/
Matemático/Vulgar"Até aqui só me pareceu ter que explicar os termos menos conhecidos,
mostrando em que sentido devem ser tomados na continuação deste livro.
Deixei portanto, de definir, como conhecidíssimos de todos, o tempo, o espaço, o
lugar e o movimento. Direi, contudo, apenas que o vulgo não concebe essas
quantidades senão pela relação com as coisas sensíveis. É daí que nascem
certos prejuízos, para cuja remoção convém distinguir as mesmas entre
absolutas e relativas, verdadeiras e aparentes, matemáticas e vulgares."
14. Inteligível x Sensível
O tempo e o espaço absolutos e matemáticos são opostos ao tempo
e espaço do senso comum. São inteligíveis em oposição aos
sensíveis, e portanto deve-se fazer a distinção das coisas em si
mesmas daquilo que não passa de suas medidas sensíveis
justamente para atender a necessidade da matéria filosófica que
nos exige essa abstração de nossos sentidos.
15. Tempo - Realidade
IndependenteO tempo então não é ligado ao movimento, mas antes uma realidade
independente de toda outra: "O tempo absoluto, verdadeiro e matemático
flui sempre igual por si mesmo e por sua natureza, sem relação com
qualquer coisa externa, chamando-se com outro nome 'duração'; o tempo
relativo, aparente e vulgar é certa medida sensível e externa de duração
por meio do movimento (seja exata, seja desigual), a qual se usa em vez do
tempo verdadeiro, como são a hora, o dia, o mês, o ano." (Newton -
16. Tempo - Realidade objetiva e
absoluta
"Em outras palavras, mais uma vez, o tempo não é, como Descartes
quer que creiamos, uma coisa subjetiva e distinta da duração, que ele,
Descartes, identifica com a medida de realidade do ser criado. Tempo
e duração são apenas dois nomes para a mesma entidade objetiva e
absoluta." Koyré p. 144.
17. Espaço Absoluto - Semelhante e
Imóvel"O espaço absoluto, por sua natureza, sem nenhuma relação com algo externo,
permanece sempre semelhante e imóvel; o relativo é certa medida ou dimensão móvel
desse espaço, a qual nossos sentidos definem por sua situação relativamente aos
corpos, e que a plebe emprega em vez do espaço imóvel, como é a dimensão do espaço
subterrâneo, aéreo ou celeste definida por sua situação relativamente à terra. Na figura e
na grandeza, o tempo absoluto e o relativo são a mesma coisa, mas não permanecem
sempre numericamente o mesmo. Assim, p. ex., se a terra se move, um espaço do nosso ar
que permanece sempre o mesmo relativamente, e com respeito à terra, ora será uma
parte do espaço absoluto no qual passa o ar, ora outra parte, e nesse sentido mudar-se-á
18. Lugar
"O lugar é uma parte do espaço que um corpo ocupa, e, com relação
ao espaço, é absoluto ou relativo. (...) por isso o lugar do todo é o
mesmo que a soma dos lugares das partes, sendo, por conseguinte,
interno e achando-se no corpo todo." (Newton - Princípios
Matemáticos - p. 14-15). Portanto, o Lugar é alguma coisa que está nos
corpos, e no qual, por sua vez, estão os corpos. (Koyré p. 145)
19. Movimento
O movimento é um processo em que os corpos mudam de lugar, não o
levando consigo, mas deixando-o para outros corpos, portanto
implica-se também a distinção entre movimento absoluto e relativo:
"O movimento absoluto é a translação de um corpo e um lugar
absoluto para outro absoluto, ao passo que o relativo é a translação
de um lugar relativo para outro relativo." (Newton - P.M. - p. 15)
20. Estrutura Interna do Espaço
Quanto a estrutura interna do espaço, Newton se aproxima da análise de
More: "Assim como a ordem das partes do tempo é imutável, também o é a
ordem das partes do espaço. Na hipótese de se moverem de seus lugares
essas partes, também se moveriam de si mesmas (como diríamos), pois os
tempos e os espaços são como os lugares de si mesmos e de todas as
coisas. Estas se localizam-se no tempo quanto à ordem da sucessão, e no
espaço quanto à ordem da situação. Da essência deles é serem lugares, e
é absurdo que os lugares primários se movam. (Newton - P.M. p.15-16)
21. Interdependência dos
movimentosPodemos notar em Newton, então, uma interdependência nos
movimentos absoluto e relativo ou uma indissociabilidade entre eles,
em que se observa que "o movimento absoluto é movimento com
referência ao espaço absoluto, e todos os movimentos relativos
implicam movimentos absolutos." (Koyré - p. 147)
22. Lugares Imóveis
"Uma propriedade vizinha da anterior é que, movendo-se o lugar, juntamente se move o
conteúdo, e, por isso, um corpo que se move de um lugar em movimento participa também do
movimento do seu lugar. Por conseguinte, e todos os movimentos oriundos dos lugares em
movimento são somente partes dos movimentos integrais e absolutos; e todo movimento
integral compõe-se do movimento do corpo a partir de seu primeiro lugar, e do movimento
deste lugar para fora de seu lugar, e assim por diante, até chegar ao lugar imóvel. Logo,
movimentos integrais e absolutos não podem definir-se senão pelos lugares imóveis, e por
isso, acima os referi a esses lugares, mas referi os movimentos relativos aos lugares móveis.
Ora, lugares imóveis não são senão aqueles que, por toda a infinidade, conservam as
posições mútuas, pelo que sempre permanecem imóveis, constituindo o espaço que chamo
23. Infinitude e eternidade
Infinidade, ou infinitude, é espacial e atemporal (eternidade): "Os
lugares absolutos conservam de eternidade a eternidade suas
posições no espaço absoluto, isto é, infinito e eterno, e é por
referência a esse espaço que o movimento de um corpo é definido
como absoluto." (Koyré - p. 147).
24. Dificuldade em se determinar o
movimento absoluto
O espaço é inacessível a nossos sentidos, pois percebemos antes as
coisas que estão no espaço, bem como seus movimentos em relação
às outras coisas (movimento relativo) e não seu movimento absoluto
em referência ao espaço. Somente podemos distinguir e determinar
os seus efeitos e suas causas - que são as forças imprimidas nos
corpos para lhes dar o movimento.
25. Força - Causa dos movimentos
"As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e os relativos se
distinguem entre si são causas impressas nos corpos para gerar o
movimento. O movimento verdadeiro não é gerado nem se muda
senão por forças impressas no próprio corpo movido; mas o
movimento relativo pode ser gerado e mudar-se sem forças
impressas nesse corpo." (Newton - P.M. p. 17)
26. Independência das forças no
absoluto
"Portanto, somente quando a determinação, por nós, das forças que
atuam sobre os corpos não se baseia na percepção da mudança das
relações recíprocas dos corpos em questão é que somos
verdadeiramente capazes de distinguir os movimentos absolutos dos
relativos, ou mesmo do repouso." (Koyré - p. 148).
27. Movimento Circular
Movimento circular é o único que pode nos oferecer essa
possibilidade de distinguir os movimentos absolutos dos relativos.
Isso porque: "Os efeitos pelos quais se distinguem uns dos outros os
movimentos absolutos e relativos são as forças de se afastar do eixo
do movimento circular. De fato, no movimento circular simplesmente
relativo não há tais forças; no verdadeiro, porém, e absoluto, existem
em maior ou menor grau conforme a quantidade do movimento."
28. O estouro da esfera
"A interpretação newtoniana do movimento circular como um
movimento "relativo" ao espaço absoluto, e, naturalmente, a própria
ideia do espaço absoluto, com suas implicações psicometafísicas (...)
é, com efeito, a consequência inevitável do 'estouro da esfera', da
'ruptura do círculo', da geometrização do espaço, da descoberta ou
afirmação da lei da inércia como a primeira e mais importante lei ou
axioma do movimento." (Koyré, p. 150)
29. Matéria x Espaço - Éter newtoniano
"...a distinção real entre espaço e matéria não implica necessariamente,
como vimos, a aceitação da existência de um vácuo real. (...) Quanto a
Newton, embora também ele acredite em um éter que enche pelo menos o
espaço de nosso 'mundo' (sistema solar), seu éter é tão-somente uma
substância muito tênue e elástica, uma espécie de gás extremamente
rarefeito, e que não enche completamente o espaço físico. Não se estende
ao infinito, como podemos perceber claramente pelo movimento dos
cometas. (Koyré - p. 152).
30. Espaços celestes são livres de
resistência
"...pois, embora sigam rotas oblíquas e às vezes contrárias às dos
planetas, movem-se com toda a liberdade para todas as direções, e
conservam seu movimento por muito tempo, mesmo quando este se
faz na rota contrária à dos planetas. Isso comprova também que os
espaços celestes são livres de resistência." (Newton in Koyré - p. 152)
31. Os espaços celestes são
destituídos de matéria
Pois uma matéria destituída de resistência, privada de vis inertiae, é
impensável. "Ademais, mesmo quando presente, o éter de Newton não
possui estrutura contínua. Compõe-se de partículas extremamente
pequenas, entre as quais, naturalmente, se estende o vácuo. Com
efeito, elasticidade implica vácuo." (Koyré - p. 152)
32. Matéria
A matéria possui uma estrutura essencialmente granular, compõe-se de
partículas pequenas e sólidas. As propriedades essenciais que Newton
lhe atribui são quase as mesmas listadas por More: extensão, dureza,
impenetrabilidade, mobilidade. Porém, Newton acrescenta a inércia, no
sentido preciso e novo da palavra. "Em uma curiosa combinação de
empirismo anticartesiano e racionalismo ontológico, Newton deseja
admitir como propriedades essenciais da matéria apenas aquelas que (a)
nos são dadas empiricamente, e (b) não podem nem aumentar nem
33. Qualidades universais dos corpos em
geralEssas qualidades não devem ser suscetíveis nem de aumento e nem de diminuição, assim
devem ser encontradas em todos os corpos ao alcance de nossa experiência, e,
consequentemente, devem ser consideradas qualidades universais de todos os corpos em
geral. "A extensão, a dureza, a impenetrabilidade, a mobilidade e inércia do todo resultam da
extensão, dureza, impenetrabilidade, mobilidade e inércia das partes, e daí concluímos que
as menores partículas de todos os corpos são também extensas, duras, impenetráveis,
móveis e dotadas de sua própria inércia. (...) todos os corpos são dotados de um princípio
gravitação mútua. (...) Não que eu afirme que a gravidade seja essencial aos corpos; pela vis
insita não entendo outra coisa senão sua inércia, que é imutável." (Newton in Koyré - p. 155)
Ou seja, os corpos são dotados de gravidade mas ela não é uma propriedade essencial deles.
34. Força de Atração
A força de atração é o efeito de alguma força extrínseca que age sobre o
corpo segundo uma regra fixa. "Assim, a atração de um corpo é função, ou
soma, das atrações de suas partículas (átomos), da mesma forma que sua
massa é a soma das massas dessas mesmas partículas. No entanto, a
atração não constitui uma 'propriedade essencial' do corpo, ou de suas
partículas. De fato, não é sequer uma propriedade acessória delas; não é
em nenhum sentido propriedade delas. É um efeito de alguma força
extrínseca que age sobre o corpo segundo uma regra fixa." (Koyré - p. 156)
35. Atração não é uma força real,
físicaNewton não era capaz de admitir que a matéria pudesse agir à distância, ou
que fosse animada por uma tendência espontânea. A comprovação empírica
do fato não podia prevalecer sobre a impossibilidade racional do processo.
"Não precisamos ter uma concepção clara da maneira pela qual certos
efeitos são produzidos a fim de podermos estudar os fenômenos e tratá-los
matematicamente. (...) Era perfeitamente suficiente supor apenas que essas
forças - fossem elas físicas ou metafísicas - atuassem segundo leis
matemáticas estritas (...) e tratar essas 'forças' como forças matemáticas, e
36. Richard Bentley
Sendo de formação clássica, não possuía muito conhecimento de
física, mas aceita com entusiasmo, a filosofia natural de Newton como
uma arma de refutação aos ateístas (materialistas/epicuristas).
37. Materialismo não explica a
estrutura ordenada do universo
"Bentley objeta apenas, como sempre tinha sido feito, que isso não
basta, e que os materialistas não podem explicar a estrutura
ordenada de nosso universo sem acrescentarem à matéria e ao
movimento alguma ação teleológica de uma causa não material: o
movimento aleatório e desordenado dos átomos não pode
transformar caos em um cosmos." (Koyré - p. 159 - 160)
38. Pensamento de Bentley
Aceita a concepção de universo de Giordano Bruno, um espaço infinito com um
número imenso de estrelas-sóis, sustentando que o número de estrelas é finito e
que elas estariam dispostas no espaço de modo a formar um firmamento. Caso não
possa ser isso, aceita também sua dispersão no vazio ilimitado. Necessita do
conceito de vazio para demonstrar a existência e a ação de forças não materiais e
não mecânicas no mundo. Para tanto, a teoria da atração universal de Newton lhe
serve como base. Para Bentley, nosso mundo compõe-se principalmente de
espaços vazios e procura demonstrar que a quantidade de matéria existente no
39. Dispersão no imenso vazio -
Ordenação do Mundo
Os espaços vazios são milhões de vezes maior do que os espaços ocupados pela matéria.
Isso tanto é válido para as massas das estrelas fixas quanto para cada partícula individual
dos átomos democritianos. Ora, "por conseguinte, qualquer que fosse sua disposição inicial
no espaço, os átomos democritianos logo estariam completamente dispersados e seriam
incapazes de formar mesmo os corpos mais simples, e muito menos, é claro, um sistema
engenhoso e bem ordenado como, por exemplo, nosso mundo solar. Felizmente, para a
existência deles - e para a nossa -, os átomos não são livres e independentes uns dos outros,
mas são mantidos juntos pela gravitação mútua." (Koyré - p. 162)
40. Refutação do ateísmo pela
gravitação mútua
"...gravitação mútua, ou atração espontânea, não pode ser nem
inerente e essencial à matéria, nem mesmo lhe ser jamais
acrescentada, a menos que imprimida e infundida nela por um poder
divino." (Bentley in Koyré - p.162)
41. Gravitação - Prova da existência de
Deus
A realidade indubitável desse poder de gravitação mútua "(...) seria
um novo e invencível argumento a favor da existência de Deus,
constituindo prova direta e positiva de que um espírito vivo imaterial
informa a matéria morta, age sobre ela e suporta o quadro do
mundo."(Bentley in Koyré - p. 163)
42. Crítica de Newton à Bentley
Esse tipo de raciocínio implica um mundo finito e que não há razão
para negar sua possível infinitude. Porém, mesmo no caso de um
mundo infinito, a simples e pura ação da gravidade não podia explicar
sua estrutura, e que escolha e finalidade apareciam claramente na
distribuição real dos corpos celestes no espaço, assim como na
harmonia mútua de suas massas, velocidades, etc.
43. Impossibilidade do Caos
"...Na suposição de um caos infinito, é verdadeiramente difícil determinar o que sucederia,
nesse caso imaginário, a partir de um princípio inato de gravidade. Mas, para chegarmos
mais depressa a uma conclusão, admitiremos por ora que a matéria difusa pudesse reunir-se
em um número infinito de grandes massas, a grandes distâncias umas das outras, como as
estrelas e planetas dessa parte visível do mundo. Mas então seria impossível que os
planetas, em virtude do princípio da gravitação ou do impulso de corpos ambientes,
adquirissem naturalmente essas revoluções circulares. É evidente que não existe nenhuma
diferença quanto a isso, seja o mundo finito, seja ele infinito; de modo que os mesmos
argumentos que utilizamos antes podem ser igualmente empregados nessa suposição.
(Bentley in Koyré - p. 166-167)
44. Ação consciente de Deus
"Pois a matéria não tem vida nem percepção, não tem consciência de sua
própria existência, não é capaz de felicidade, nem oferece sacrifício de
louvor e adoração ao Autor de sua existência. Resta, pois, que todos os
corpos foram criados tendo em vista espíritos inteligentes; e como a Terra
foi criada principalmente para a existência, o serviço e a contemplação
dos homens, por que não podem todos os outros planetas ter sido criados
para uso semelhantes, cada um deles para seus próprios habitantes,
dotados de vida e entendimento?" (Bentley in Koyré p. 167)
45. “Um mundo indefinidamente extenso e povoado, imerso em um
espaço infinito, um mundo governado pela sabedoria e movido pelo
poder de um Deus Todo-Poderoso e Onipresente, tal é, finalmente, o
universo do muito ortodoxo Richard Bentley, futuro bispo de
Worcester e deão do Trinity College. Assim é, também
indubitavelmente, o universo do muito herético Isaac Newton,
professor de matemática, membro da Royal Society e do mesmo
Trinity College.” (Koyré - p. 168).
47. A ligação entre Newton e
More por Joseph Raphson
Até 1702 não se tinha nenhuma citação ou publicação mostrando
alguma ligação entre Newton e More, professores de Cambrigde,
somente neste ano que Joseph Raphson faz um estudo minucioso
de tal ligação e decide incluir algumas notas relevantes desta
relação no apêndice da segunda edição do livro “Análise universal
das equações” mostrando o desenvolvimento do pensamento dos
48. Desenvolvimento da
concepção de espaço
“Assim, de todo o movimento (extenso e corpóreo), mesmo dos [únicos]
possíveis, segue-se necessariamente [a existência de] uma [entidade]
extensa imóvel e incorpórea, pois tudo o que se move na extensão deve
ser necessariamente mover-se através da extensão. A extensão do
movimento real demonstra a existência real dessa [entidade] extensa e
imóvel, pois de outra forma [o movimento] não pode ser nem expresso
49. Raphson é influenciado por
Spinoza mas não é
spinozista“[Raphson em suas investigações mostra] a distinção que More faz entre
a extensão infinita, imóvel e imaterial e a extensão material, móvel e,
portanto, finita é, segundo ele, a única maneira de se evitar a
identificação spinozista entre Deus e o mundo”. Pág. 170.
50. A rejeição da negação do
vazio“A existência do movimento implica, com efeito, não só a distinção entre
a extensão imóvel e imaterial e a extensão material, e assim a rejeição
da identificação cartesiana, como também a rejeição da negação
cartesiana do vazio: em um mundo completa e continuamente cheio de
matéria, o movimento retilíneo seria inteiramente impossível, e até
mesmo o movimento circular seria extremamente difícil. Assim a
existência real de espaços realmente vazios pode ser considerada
plenamente demonstrada”. Pág. 170.
51. Espaços vazios demonstrávei
Argumento 1:
“A massa universal de [corpos] móveis [ou do mundo] deve necessariamente
ser finita, porque, em virtude do vazio e da mobilidade, cada um dos seus
sistemas poderia ser comprimido em um espaço menor; a finitude do
conjunto desses sistemas, isto é, do mundo, segue-se daí necessariamente,
ainda que a mente humana nunca possa ser capaz de chegar a seu limite”.
Pág. 170.
52. Espaços vazios demonstrávei
Argumento 2:
“Todos os [seres] finitos que existem separadamente podem ser
compreendidos por um número. É possível que nenhuma mente criada seja
capaz de apreendê-lo. Não obstante, para seu Autor, que o enumerou, eles
serão em número finito ”. Pág. 171.
Ex: Se “a” for o mínimo daquilo que se possa existir, se “a” for multiplicado infinitamente
terminará por ser infinito, se o resultado fosse finito, “a” não seria o verdadeiro mínimo,
53. Espaços vazios demonstrávei
Argumento 3:
“[Para} apontar a falsidade da tese de Spinoza [...] forçar a matéria, na medida
em que ela expressa a essência, a expressar a essência do Ser Infinito e ser
um de seus atributos. Reconheço, entretanto, e possa demonstrá-lo, que tudo
aquilo que implica em si a infinitude absoluta pertence necessariamente ao
Ser absolutamente Infinito; é dessa maneira que estabelece a minha ideia do
Ser absolutamente Infinito, que envolve a necessidade suprema e absoluta”.
54. A extensão de Deus
“Raphson obviamente julga que Spinoza tinha toda razão em seguir o
princípio [cartesiano] de atribuir a Deus o que é essencialmente infinito
[...] mas estava errado em aceitar a identificação cartesiana entre
extensão e matéria. Com base na crítica de Descartes, feita por More,
Raphson crê ser capaz de fugir da conclusão de Spinoza, atribuindo a
Deus a extensão infinita, imaterial, e reduzindo, a matéria à condição de
criatura [matéria esta dotada de mobilidade e impenetrabilidade]”. Pág.
171.
55. O espaço na teoria de
Raphson“O espaço é definido como a entidade [qualquer que seja] extensa mais
interior que é a primeira por natureza e a derradeira a ser obtida por
divisão e separação contínua [...] isto é, a análise das ideias usadas
nessa definição nos conduzirá a importantes consequências, ou seja, à
afirmação da existência de um espaço real, realmente distinto da
matéria”. Pág. 172.
Ex: “Entre duas coisas separadas ou afastadas uma da outra há sempre uma distância
56. Análise sobre o espaço
“O espaço (ou extensão mais interior) é, por sua natureza, absolutamente
indivisível, não podendo ser concebido como dividido”. Pág. 173.
“O espaço é absolutamente, e por sua natureza, imóvel”. Pág. 173.
“O espaço é verdadeiramente infinito”. Pág. 173.
“O espaço é ato puro”. Pág. 173.
“O espaço tudo contém e tudo penetra”. Pág. 173.
57. Análise sobre o espaço
“O espaço não é penetrado por qualquer outra coisa; pois, sendo infinito e
indiviso, ele penetra tudo por sua essência mais íntima, e, por
conseguinte, não pode ser penetrado por qualquer coisa, nem pode ser
concebido como penetrado”. Pág. 173.
“O espaço é incorpóreo”. Pág. 174.
“O espaço é imutável”. Pág. 174.
58. Análise sobre o espaço
“O espaço é uno em si mesmo [e, portanto] é a mais simples entidade, não
é composto de nada e não é dividido por nada”. Pág. 174.
“O espaço é eterno [porque] o verdadeiro infinito não pode ser... em outras
palavras, o fato de não poder não ser é essencial ao verdadeiro infinito
[portanto] ele sempre existiu [...] o espaço é”. Pág. 174.
“O espaço é incompreensível para nós [justamente por ser infinito]”. Pág.
59. Análise sobre o espaço
“O espaço é supremamente perfeito em sua espécie”. Pág. 174.
“As coisas extensas, sem ele [o espaço], não podem nem existir nem ser
concebidas”. Pág. 174.
“O espaço é um atributo [a saber, a imensidade] da Causa Primeira”. Pág.
174.
“A extensão [ou espaço] é o melhor modo de exprimir essa onipresença
60. A Causa Primeira
“A causa primeira não pode nem dar alguma coisa que ela não possua
nem ser a causa de qualquer perfeição que ela não contenha (de uma
certa maneira) no mesmo grau, senão em grau maior; e, como não pode
haver nada in rerum natura (na realidade) exceto [coisas] extensas e
não extensas; e como demonstramos que extensão é perfeição,
existindo em toda parte, e é até mesmo infinita, necessária, eterna, etc.,
segue necessariamente que ela deva ser encontrada na Causa Primeira
das [coisas] extensas, sem a qual as [coisas] extensas não podem
61. A Causa Primeira
[continua...] “O que era conveniente demonstrar. Pois a razão verdadeira
e recíproca do oniforme, a infinitude verdadeira e real, consiste na mais
absoluta unidade, da mesma forma que, vice-versa, a razão suprema da
unidade culmina na infinitude e é por ela absorvida. Pois tudo quanto
expressa a infinitude real e a mais absoluta em seu gênero expressa
necessariamente a essência da Causa Primeira, a do Autor de tudo
quanto existe”. Pág. 174-175.
62. A Causa Primeira
[continua...] “O que era conveniente demonstrar. Pois a razão verdadeira
e recíproca do oniforme, a infinitude verdadeira e real, consiste na mais
absoluta unidade, da mesma forma que, vice-versa, a razão suprema da
unidade culmina na infinitude e é por ela absorvida. Pois tudo quanto
expressa a infinitude real e a mais absoluta em seu gênero expressa
necessariamente a essência da Causa Primeira, a do Autor de tudo
quanto existe”. Pág. 174-175.
63. “Ao identificar a infinitude como a suprema perfeição e, de
outra, ao transformar a e própria extensão em perfeição, ele
[Raphson] torna a atribuição de extensão a Deus inevitável,
tanto do ponto de vista lógico como do metafísico”. Pág. 175.
64. “Os filósofos ao removerem da Causa Primeira a extensão
imperfeita, divisível, material, no entanto abriram caminho
para o ateísmo [...] Assim procediam Hobbes e alguns outros:
como não encontravam em nenhuma parte do mundo esse Ser
Supremo infinito e eterno, sem extensão, julgavam que ele não
existisse”. Pág. 176.
65. A resposta de Raphson
“...tudo o que é positivo e substancial, e que se encontra na essência das
coisas como seu atributo primário e constitutivo, como a extensão na
matéria etc., deve necessariamente estar presente, real e
verdadeiramente, na Causa Primeira, e estar nela a um grau de
excelência infinita, da maneira mais perfeita em sua espécie, a
extensão infinita deve ser verdadeira e realmente, e não só
metaforicamente atribuída a Causa Primeira”. Pág. 176-177.
66. “Ela [A Causa Primeira] não dá nada que não possua (de
maneira mais perfeita) em si mesma”. Pág. 177.
67. Nossa extensão imita a de
Deus“...a extensão, como tal, mesmo a extensão material, grosseira, é uma
perfeição. O modo de sua realização nos corpos é, certamente,
extremamente defeituoso, exatamente como nosso pensamento
discursivo é um modo de reflexão extremamente defeituoso; mas da
mesma maneira que, apesar de seu caráter discursivo, nosso
pensamento é uma imitação da reflexividade de Deus, e uma
participação nela, assim também, apesar de sua divisibilidade e
mobilidade, nossa extensão corpórea é uma imitação [nunca idêntida]
68. A definição de infinito de
Raphson“Quando se trata da infinitude, ela não tem sentido. O infinito não é uma
coisa, uma esfera, curso centro está em toda parte e cujos limites não
se encontram em parte alguma. O infinito será alguma coisa cujo centro
também não está em parte alguma, uma coisa com relação à qual não se
pode fazer a pergunta “onde?”, uma vez que em relação a ela “em toda
parte” é o mesmo que “em parte alguma””. Pág. 179.
69. “No espaço homogêneo infinito, todos os “lugares” são
perfeitamente equivalentes e não podem ser distinguidos
uns dos outros. Todos eles tem a mesma posição com
referência ao todo”. Pág. 179.
70. “No espaço infinito há lugar para um mundo praticamente
indeterminado e indefinidamente grande”. Pág. 180.
71. Newton o maior dos filósofos
“Segundo Raphson [a busca do conhecimento se dá] pelo método criado
pelo maior dos filósofos, Newton, em seus Princípios, e que consiste no
estudo dos fenômenos da natureza por meio de experiências e da
mecânica racional, reduzindo-os a forças cuja ação – ainda que sua
natureza nos seja oculta – é óbvia e manifesta”. Pág. 182.
72. “No que nos concerne, as únicas portas que nos dão acesso
à verdadeira reflexão sobre o universo são a observação e a
experiência”. Pág. 181.
73. Bibliografia
KOYRÉ, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito. Tradução:
Donaldson M. Garschagen; 4ª edição – Rio de Janeiro: Forense
Universirária, 2006.