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LUIZ HENRICH
HISTÓRIA DE 50 METROS
e outras histórias crônicas
1ª Edição
Ebook – Livro Digital
São Paulo
Luiz Henrique Ferreira Cunha
2015
© 2015, Luiz Henrich
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida sem prévia autorização
do autor.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Henrich, Luiz
História de 50 metros e outras histórias crônicas / Luiz Henrich. -- 1. ed. --
Carapicuiba, SP : Luiz Henrique Ferreira Cunha, 2015.
ISBN 978-85-918947-1-0
1. Contos brasileiros 2. Crônicas brasileiras
3. Ficção brasileira I. Título.
CDD-869.3
-869.8
15-06657
Índices para catálogo sistemático:
1. Contos : Literatura brasileira 869.3
2. Crônicas : Literatura brasileira 869.8
3. Ficção : Literatura brasileira 869.3
Capa: Noemi Ferreira Cunha
Internet: luizhenrich.wordpress.com
Prefácio do autor
Este é um livro de mitologia. São histórias inventadas para explicar ou tentar entender a vida. Muitos
acreditam que criar mitos é algo sublime e fantástico, ou que os gregos, egípcios ou romanos eram
melhores do que nós somos hoje. Eles inventavam histórias. Nós também. Essas histórias eram
transmitidas através do tempo e do espaço. Essa aqui será também, você passará, o livro ficará. Eu
passarei também, mas as palavras transcenderão tempos, espaços e subjetividades. Serão recontadas
por quem leu. Serão repetidas e modificadas por quem não leu. Se sobreviverem a milhares de anos,
talvez sejam objeto de estudo, objeto de crença ou... ou não. Eu não sei. Você também não sabe.
Este livro é uma provocação. Um desafio à leitura literária, escrita para ser texto mesmo, não cinema.
Escrevo por acreditar em nossa Literatura. Acreditar no que nossos autores. Desconfiar também. É
possível haver genialidade por aqui. Os seriados americanos não podem ser tudo em nossa vida.
Somos todos mitólogos. Inventemos nossas histórias, escrevamos, encenemos e acreditemos.
Convido você à leitura. Nessa obra há textos que foram sendo escritos ao longo de sete anos. Uma
leitura subjetiva e fantástica de diferentes momentos da vida. Sinta-se provocado a entender e transver
as palavras. Afinal, a palavra é maior que o homem e a poesia é maior do que a palavra.
Boa leitura!
Como os narradores aceitam não existir
ou serem confundidos com os autores?
Livros só existem se lidos. Por isso,
dedico a quem leu, antes que fosse papel.
Sumário
Leia se puder, se não der, esqueça .......................................................................................................8
Cap. 1 ou Leia se puder....................................................................................................................9
Cap. 2 ou Autor desiste do texto ....................................................................................................10
Cap. 3 ou Pra não saber quem eu sou.............................................................................................11
Cap. 4 ou Bilhete............................................................................................................................13
Cap. 5 ou Se toca, Raul ..................................................................................................................14
Cap. 6 ou Para quem anda enquanto escreve mensagens...............................................................16
Cap. 7 ou Libertem-me! .................................................................................................................18
Cap.8 ou A música que pausou ......................................................................................................20
Cap. 9 ou Se sou sua loucura..........................................................................................................21
Cap.10 ou Final ..............................................................................................................................22
Cap.11 ou Prólogo..........................................................................................................................24
História de 50m – O copo, a água, a árvore.......................................................................................25
Antes...............................................................................................................................................26
Antes do primeiro metro.............................................................................................................27
Três metros .................................................................................................................................30
Cinco metros...............................................................................................................................31
Sete metros..................................................................................................................................32
O copo ............................................................................................................................................34
Dez metros..................................................................................................................................35
Doze metros................................................................................................................................36
Dezessete metros ........................................................................................................................38
Dezenove metros ........................................................................................................................39
A água.............................................................................................................................................42
Vinte e três metros......................................................................................................................43
Vinte e seis metros......................................................................................................................45
Vinte e oito metros......................................................................................................................47
Trinta metros...............................................................................................................................48
Trinta e dois metros ....................................................................................................................50
Trinta e quatro metros.................................................................................................................51
A árvore..........................................................................................................................................52
Trinta e cinco metros ..................................................................................................................53
Trinta e sete metros.....................................................................................................................54
Quarenta metros..........................................................................................................................56
Cinquenta metros........................................................................................................................57
Parte Crônica......................................................................................................................................58
Animal............................................................................................................................................59
3ª Guerra Mundial no mundo de quem?.........................................................................................60
Há pedra, há água, há rio................................................................................................................62
Queria ser nuvem, pairar ................................................................................................................65
Sem.................................................................................................................................................67
Isso não é uma história, são só palavras.........................................................................................68
110 anos..........................................................................................................................................69
Leia se puder, se não der, esqueça
Cap. 1 ou Leia se puder
No papel, a palavra ganha os olhos. Os seus olhos: de você que lê. As letras ganham teu pensamento,
porque isso não é só borrão no papel, isso ganha voz na sua mente. E assim, num texto como esse,
nascem personagens. Pessoas que não existem além dos limites do que se imprime. Joãos, Josés,
Marias, Mários, tantos nomes quantos você puder imaginar e relacionar com alguém que você
conhece.
O grande desafio de um autor é criar alguém que não se pareça com a maioria das pessoas. Essa
tarefa seria fácil se a gente considerasse que cada ser humano é um universo. Mas fujamos dessa
mentira, as pessoas são iguais. Iguais porque querem ou por falta criatividade. A maioria segue o
roteiro básico de acordar, estudar/trabalhar, conviver e dormir. De tempos em tempos resolvem
mudar o corte de cabelo ou o modo de vestir, mas a ideia sempre vem de um ou dois e se espalha
para todo o resto.
A personagem dessa história não existe, nem quer existir. Seria uma séria ofensa compará-la com
qualquer ser humano que você conheça. Aliás, pare de encaixar seus amigos nos arquétipos de
humanidade que você encontra por aí em histórias escritas e telenovelas. Aliás, essa personagem
não quer ser seu amigo. Quer apenas ser personagem e estar num mundo diferente do seu, de você
que lê. Não quer ter o corte de cabelo que a maioria tem ou usar roupas que a maioria usa. Tudo se
compra, não se inventa ou cria. Consumimos. No mundo das personagens pode não existir compras
e a roupa pode ser a mesma por décadas, séculos, para sempre (tipo o Chaves, do Bolaños).
Como se sabe, o que ela pensa e faz depende dos caracteres sobre a página. Então, por enquanto,
ela não existe inteira na sua mente. Ou você já ousou imaginá-la?! Não faça isso. Farei sem sua
ajuda, apenas leia o que virá:
*(continua)
Cap. 2 ou Autor desiste do texto
Se num domingo ou segunda-feira, pouco importa. Mas há sempre um dia em que marcamos o
calendário e lembramos exatamente os segundos, os minutos, as horas, o dia, o clima... Foi num dia
desses. Na estação de trem, em meio a inúmeros passageiros que vêm e vão por infinitos motivos, um
papel que estava no chão, de repente, com o vento, subiu até o teto em meio a poeira. Papel branco
com inscrições em tinta azul, sobrevoou muitas pessoas até pousar: um bilhete.
“Não nos veremos mais”: as palavras escritas ali. A descrição perfeita dos encontros entre os
humanos urbanos, de grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Tóquio, Nova Iorque.
Todos os dias vemos pessoas pela última vez e as personagens narram suas próprias histórias.
Naquela manhã ou tarde, aquela frase fez pensar. Talvez mudassem as relações entre os humanos
considerarem isso. Viveríamos de despedidas em despedidas. Os encontros seriam desencontros
entre milhares de personagens que escrevem ou vivem suas próprias histórias. Tentaríamos recolher
o máximo de histórias, sorrisos, lembranças, angústias de quem não veríamos mais. Ou simplesmente
contemplaríamos a solidão de ser só mais um rosto esquecido. A maioria das pessoas não se lembra
da gente. Aliás, se você tiver 1 milhão de amigos no facebook, ainda existem bilhões de humanos que
nunca saberão que você existiu.
O bilhete. É sobre o medo de sermos esquecidos. Há quem se preocupe em mostrar-se ao mundo,
passando horas elaborando fotos, textos, ilustrações para aparecer diante dos olhos, das telas;
tentando estar na memória. Não queremos ser esquecidos, mesmo que os cristãos acreditem que não
precisamos ser lembrados aqui, mas ser conhecidos do outro lado, além dessa vida.
A personagem decidiu não ser lembrada. Não autorizou sua descrição física ou psicológica, decidiu
ser narrador onisciente. Quis assumir a autoria dessa história, o autor permitiu.
Agora, o controle é meu, tomei a pena, a caneta, o teclado – pense como quiser – serei o narrador que
te fará esquecer essa história:
- Não nos veremos mais?
*(continua)
Cap. 3 ou Pra não saber quem eu sou
Ser esquecido em meio aos bilhões de humanos não é tarefa difícil. A maioria das pessoas são em-si-
mesmadas. Todos estão ocupados em ser protagonistas de uma história de sucesso, aventura, amor
verdadeiro, desilusão plena ou comédia pura. Aceitam figurantes e coadjuvantes sem problemas.
Observo daqui, da estação, da rua ou do hipermercado. As pessoas, cada uma a sua maneira, tentam
se destacar. Fones de ouvido cada vez maiores; roupas coloridas demais ou em tons de preto, curtas
ou longas demais; cabelos soltos demais ou presos demais; celulares grandes demais ou ipods
pequenos demais; algumas falam alto demais, outras baixo demais e nos deixam curiosos.
Mas a grande massa tenta ser discreta. Cabelos cortados, bem presos ou bem soltos. Roupas em tons
comportados, cortes “sociais”. Usam aparelhos discretos. Falam num tom de voz que não incomoda
a ninguém.
Queria ser assim, parece normal, comum. Talvez seja o melhor jeito de ser esquecido por você e por
todo mundo. Mas sou personagem condenada a viver num papel guardado ou numa tela nunca
acessada. Criação de um texto longo, não lido. Serei esquecido.
Não querer ser lembrado é o melhor jeito de estar nessa vida. Eu estarei aqui por mais tempo do que
o autor. Serei nas páginas. Estarei em paz. Os humanos não têm paz? Só se viverem para ser
esquecidos...
Que bom seria estar leve o suficiente para fazer o bem e o mal sem a culpa de ser lembrado. O bem
te dá a responsabilidade de ser sempre bom e não poder errar para não decepcionar a quem te lembra
como bom. O mal te isola nos muros do preconceito, não querem mais confiar em você porque te
lembram como mau.
Como não serei lido, poderei ser (eu mesmo) sem culpa. Como não serei lembrado posso parar diante
das grandes aglomerações de pessoas e ser gentil ou grosseiro. Não tenho necessidade de fazer o bem.
Se conseguir escapar da moral do autor posso fazer o mal. Talvez não consiga, ele escreve para
amigos e conhecidos, jamais será um clássico. Posso contar uma história de alguém que passa por
mim e dizer ser ele o mau.
Transformar-me num herói por fazer o bem, parece clichê. Como os humanos que são repetidos e
iguais, as personagens – tenho que admitir – quase sempre são lugar-comum. Mas tenho a missão de
ser diferente. Não ter uma descrição física já foi um começo, mas a essa altura já estão me
descrevendo psicologicamente.
Espero não estar a me comparar com o autor ou outro qualquer que você conheça ou reconheça por
sua prolixidade. Está aí, o que sabe de mim é que sou prolixo, preciso de muitas palavras para existir
no papel. E se você chegou aqui, já tenho voz para você. Se me leu até aqui, devo agradecer, a maioria
dos humanos não passariam a segunda página. Agora, deixe-me falar mais sobre aquele bilhete:
- Não nos veremos mais?
*(continua)
Cap. 4 ou Bilhete
Ainda se lembra do bilhete? Naquele dia, o trem atrasou e fez o maior encontro de pessoas que seriam
esquecidas que eu já vi. Resolvi copiar e entregar a boa notícia a todos quantos pudesse encontrar.
“Não nos veremos mais” foi espalhado entre as pessoas. Esperei por uma comoção geral ou um
vandalismo histórico. Incrivelmente nada acontecia. Resolvi acrescentar um olhar profundo em quem
aceitasse o recado escrito. Quis fazer revolução: senti vontade de acrescentar flores, abraços, sorrisos,
cantar uma música, puxar uma dança. Mas não conseguia a menor reação de qualquer pessoa. Eu
mesmo, fazia sem acreditar, esperava dos outros a reação a ser lembrada. A minha vontade de sorrir
e cantar não chegava às extremidades do meu corpo.
Se um outro narrador contasse o que aconteceu, talvez te convencesse que eu estava determinado ou
mesmo que sorria. Narradores te convencem a aceitar a superficialidade das personagens. Mas eu
estava ali espalhando aqueles bilhetes porque o autor quis. Eu não queria, não acreditava, apenas fazia
a cena. Você deve me entender, a gente faz muita coisa do roteiro, sem pensar ou sentir nada e todo
mundo fala bem da gente. Se as personagens contassem suas próprias histórias e fossem menos
ambiciosas que os narradores que se dizem oniscientes, seríamos surpreendidos com cenas sem graça.
Se a gente conhecesse mais das pessoas do que as redes sociais informam, ficaríamos surpresos com
as vidas vazias ou falsas conquistas.
Sou personagem difícil, chata. Tédio demais para um leitor pré-adolescente. Nem o autor consegue
me ler mais de uma vez. Não sei contar histórias, só descrevo o que vejo e o que sinto diante do que
acontece na cabeça do autor, que está no mundo real – fora do papel. Se é para ser esquecido, este é
o caminho.
Não ser carismático o suficiente para virar estampa de camiseta parece me condenar ao esquecimento
pleno. Continuarei assim, então, como narrador onisciente de minha própria história. Desafiando você
a uma leitura diferente das narrativas piegas e comuns.
Não falar de mim talvez me ajude a não ser lembrado. Não ter nome, te impede de lembrar de mim
ou contar sobre. Essa história é só para quem lê. Se for bom em resolver mistérios, talvez consiga ao
menos uma descrição psicológica. Sou assim:
- Não nos veremos mais?
*(continua)
Cap. 5 ou Se toca, Raul
De andar pelas ruas e espaços coletivos sem ser lembrado, percebi que ser personagem não é melhor
do que ser narrador. O narrador conta e é esquecido. As personagens são contadas e poucas são
lembradas.
São bilhões de humanos, mas são bem mais de bilhões de personagens. A começar das mentiras
colocadas na internet todos os dias como se fossem verdades. Pessoas criam personagens todos os
dias, não só no papel, mas em atores que são todos. Intérpretes de si mesmos, serão esquecidos.
Somente autênticos seres humanos são lembrados: aqueles que resolvem ser, sem imitar ou adequar.
São lembrados porque viveram como se fossem ser esquecidos. São lembranças fora dos álbuns de
fotos sempre fechados. Vivos na lembrança, esses acabam sendo imitados.
Então, talvez seja lembrado por querer ser esquecido. Ou não.
Sou a personagem que decidiu ser narrador. Narradores em livros ocupam a maior parte do papel. As
vezes deixam, nós, as personagens, falar. Muitas vezes, falam por nós, inclusive. O problema é que
eu não sei narrar histórias. Não sou contador de histórias. Aposto, entretanto, que até o final dessas
páginas estarei bem melhor que agora. Vou exercer o poder de narrador e manipular o que as
personagens dizem. Vou contar as histórias que ouvi estranhos contarem. Não sei se são verdadeiras,
mas farei as personagens falarem por si.
Quando entreguei o bilhete para aquele sujeito e tentei fixar os olhos nele, ouvi uma frase inesperada:
- Qualquer filósofo grego sem internet discordaria disso! Bilhetinho babaca... isso não é tão óbvio!
- Se não quiser, eu jogo fora pro senhor.
- Claro que não! Vou guardar essa bosta pra embrulhar meu chiclete.
- Ta bom. Já que Não nos veremos mais... – e ensaiei um sorriso que não saiu.
- Quem é que sabe? Amanhã to aqui, no mesmo horário... – olhou pro chão discordando - Putz!
Ridículo isso...
Sujeito estranho, cheio de si. Parecia me expulsar de seu mundo de filósofos gregos e chicletes.
Dentes estragados, mas jaqueta de couro. Olhos com aparentes cataratas, mas sapatos similares aos
mais caros – provavelmente produto pirata. Com certeza imita Raul Seixas. Já disse que os humanos
são assim, imitadores, pouco criativos.
Características físicas registradas, não é preciso acrescentar muito mais. Tipo Raul. Não se trata de
preconceito meu, sou narrador-personagem que fala de tipos humanos que não existem como eu e,
por isso mesmo, estão por toda parte. Como teria preconceito se não existo? Mais ainda, o narrador
fala com base em conceitos bem definidos, somos oniscientes. – Acho que cedi a tentação de ser
onisciente... o papel aceita minhas previsões, predições e pretensões. – Recolherei histórias e contarei
com o poder que me concedi: saber o que pensam e sentem as pessoas. Assim:
- Não nos veremos mais?
*(continua)
Cap. 6 ou Para quem anda enquanto escreve mensagens
Recolher histórias em meio a pessoas é tarefa fácil. A verdade é que todos nós queremos acreditar na
ilusão de que alguém se importa com o que a gente vive. Mas a nossa verdade, o que de fato acontece
com a gente, fica sempre em segredo. Por mais que a gente conte a muitas pessoas, não conseguimos
dividir. Parece que em cada ser há espaço para apenas uma vida.
Só se pode viver uma experiência sob uma única perspectiva. Jamais se sabe se o que achamos sentir
pelo outro é o que de fato ele sente. Mas quando a gente lê, compartilha ao menos ideias dizíveis e
pensamentos ilustráveis.
Espere aí. O que tanto as pessoas sorriem sozinhas enquanto andam? De longe parecem olhar o chão
e achar graça. Mas quando chegamos perto, percebemos o que as entretêm. É o mesmo aparelho que
te distrai. Sim, aparelhos eletrônicos, basicamente telefones celulares. O que tanto leem? Sorrisos de
felicidade ou de perplexidade. Fico a imaginar as notícias que recebem. Não serão somente notícias
boas. Traições, fofocas, funerais, encontros e desencontros, piadas sem graça que nos fazem rir.
Olhem bem, observem aquela que vem até a catraca olhando o aparelho. Parece que vai errar o
caminho ou trombar em alguém. Mas incrivelmente ela passa sem ser surpreendida por nada. Andar
lendo desenvolve o sexto sentido. E ela passa por aqui lendo e sorrindo. Imagino o conteúdo de suas
conversas.
- Jura? Não falou com você?
- Juro, amiga! Que bafo...
- Nossa, então ele deve estar com ela de novo!
- É! Q caxorro!
- kkkkk
E trocam mensagens de textos, trocam ch por x. Mas não há erros. Erro é não fazer amigos por isso.
Importante é ser entendido.
E voltamos à estaca zero. Será que somos entendidos?
Observo aquela que acaba de passar por nós, que ultrapassou a catraca (em sentido literal mesmo) e
continuou seu trajeto lendo e sorrindo. Agora, obrigada a parar diante do sinal vermelho para
pedestres, olha para frente. Talvez tenha percebido que o aparelho lhe roubara a paisagem.
Os olhos presos ao celular nos roubam vozes ao redor, paisagens, pessoas que não vimos há tempos.
Mas não devemos julgar quem perde paisagens tão cinzas, pessoas tão repetidas e vozes que revelam
almas vazias. Então, pergunta aí:
- Não nos veremos mais?
*(continua)
Cap. 7 ou Libertem-me!
Trabalho de narrador é assim, falamos mais do que as personagens. Essas páginas são minhas. O autor
cedeu e me deixou falar. Mas como não sei contar histórias. Comento o que vejo. Isso é contar: falar
do que vejo?
Do bilhete que li, saí sendo outro. De personagem do autor, passei a narrador. Já que Não nos veremos
mais, prometo ser breve hoje.
Quero ser esquecido, escrevo aqui para não ser lembrado. As ideias talvez ecoam em você ainda hoje.
Mas eu não existo para você; não sabe como sou, quem sou ou de onde eu vim. Não confunda autor
com narrador ou personagem. Posso te dizer quem sou para desconstruir o autor. Não sou como ele,
mas infelizmente é na mente dele que estou preso. Posso estar na sua também, só precisa me deixar
ser livre aí, me construir ou desconstruir. Me faça ser alto, ser calvo, personagem mulher.
Tire os olhos do papel e me enxergue nas pessoas que estão perto de você. Misture as características
físicas e adicione a minha psicologia e minha prolixidade. Quero viver fora dessa história impressa.
Quero te descrever o mundo que você vive e não vê. Quero que use as minhas palavras, meus olhos,
minha mente. Eu não quero ser esquecido, isso é neurose do autor. Eu posso estar vivo além dele,
estar entre os humanos, circulando nas estações, avenidas e aglomerações a observar você e ele.
Como os narradores aceitam não existir ou serem confundidos com os autores?...
Agora entendo a Sofia Amundsen. Mas não sou personagem que precisa de travessão ou aspas, esse
texto é meu, já imprimi várias páginas com palavras que são minhas. E se você me criou, agora estou
no seu modo de ver o mundo e as pessoas.
Talvez a principal diferença entre eu e a Sofia, de Gaarder, é que ela teve o mérito de nascer na
Noruega e ser criação de um bom autor. Sou personagem condenada ao esquecimento, criada por
autor medíocre, que nunca publicou os textos que escreveu – desde os 17 anos... Se ferrei! Putz!, ele
nem sabe usar pronome oblíquo e mistura escrita e fala. Emergente!
Olha aquele ali. Homem sisudo. Deve ter conseguido vaga na Federal pelo SISU. Autêntico humano-
urbano-modelo. Usa terno e parece bem-sucedido. Qualquer narrador contaria a história dele
enumerando as conquistas. Meritocracia pura.
Brasileiro emergente. Valoroso. Esforçado. Na infância, ficava na rua, não tinha méritos para
frequentar clubes ou parques distantes. Na adolescência, experimentou drogas na rua da própria casa,
não tinha méritos para... Deixa pra lá. Cresceu, formou-se. Seus filhos terão mérito. Na verdade, não
é sobre esse sujeito que queria falar. Ele decidiu incorporar os valores do opressor dele mesmo...
Sabe? Mas acho que ele mesmo não será opressor.
Eu preciso olhar para quem está fora do papel, só assim entendo o que se passa aqui dentro, por trás
dessas palavras impressas. Se você insiste em me ler, talvez precise de mim para se entender por
dentro também. Não por méritos, escolha mesmo. Quem sabe?
- Não nos veremos mais?
*(continua?)
Cap.8 ou A música que pausou
Ouça, é aquela música do Oswaldo Montenegro: Eu conheço o medo de ir embora não saber o que
fazer com a mão... Lembra se puder, se não der, esqueça. De algum jeito vai passar.
O sol já nasceu na estrada nova e mesmo que eu impeça, ele vai brilhar... Será que é o trem que
passou ou passou quem fica na estação?...
Estive pensando sobre estar vivo em sua mente. Sempre soube que seria esquecido. Já estou mais
conformado. Ouço essa música e sinto calma. O sol nasce, poucos o percebem. Imagina eu aqui, em
pé, plantado na estação. Não sendo astro, nem flor, menos humano, não mais personagem – narrador
– esquecimento parece natural.
Como um condenado, deixarei seus pensamentos para flutuar à deriva num blog de internet ou as
páginas fechadas de um livro. Faltarão traças para corroer as angústias que não passaram para a
superfície daqui. Resta muito pouco. Se eu for numa história curta, ao menos o que não serei há de
me conformar. Não ser é vantagem por aqui, no papel. Isso alonga os horizontes.
O autor está decidido a me encerrar em dois capítulos. Estariam os humanos sujeitos a um autor
assim, que imagina um grande final em apenas mais dois capítulos. Quantos capítulos ainda restam a
você?
- Não nos veremos mais? ... se não der, esqueça.
*(continua?)
Cap. 9 ou Se sou sua loucura
Estou a pensar nos loucos. Os loucos de verdade, não aqueles movidos por drogas pesadas ou os que
se fingem por falta de açoite materno. Estou a falar dos loucos que andam nus pela cidade.
Despenteados, sujos, imundos, que gritam profecias ou um xingamento qualquer: esses loucos. Esses
que ninguém observa, verdadeiros invisíveis que repelem quem se aproxima sem perceber. A nudez
de qualquer um chamaria a atenção (por beleza ou feiura), mas a nudez desses loucos provoca...
indiferença. Não provoca nada. Como isso seria possível?
Você já observou um louco desses? Talvez ele passou e nem se deu conta. Talvez ele esteja vestido
e com o cabelo cortado, passou por alguma transformação, viveu um milagre, algo sobrenatural.
O que mais nos devia provocar é o fato de que eles não abdicaram de sua humanidade. São humanos
que andam, apesar de parecerem mais com zumbis. Engraçado, muitas pessoas gostam de seriados
com zumbis e coisas do tipo, mas não se dão conta de que eles estão por perto. E o que seria pior:
será que podemos nos ver nessa condição?
O que nos impede de enlouquecer? O que nos mantém sãos? Por que a gente não enlouquece? Se a
gente conseguisse entender o que tornou essas pessoas loucas, talvez nos preveníssemos. Obviamente
há inúmeras patologias que levam a loucura assim. Muitos são doentes de alma e corpo. Deficiências
as mais diversas. O que é mais interessante é que muitas dessas doenças estão na psique, na alma –
na mente. Apesar de sintomas no corpo, estão na mente.
Ter o controle da nossa mente já me parece algo incrível, uma vez que ela pode se mostrar tão
indomável. Então, se você consegue ler esse texto é porque tem o mínimo controle de suas faculdades
mentais. Isso te coloca diante dos loucos. Talvez um passo à frente. Ou talvez um passo atrás. Será
que eles não enxergam mais do que nossos olhos podem ver? As visões e alucinações não seriam a
porta para um mundo mais real?
Há quem diga que nossos olhos não enxergam a realidade de fato. O fato é que você pode ler, ele não.
A sua frente está esta tela ou este papel:
- Não nos veremos mais?
*(continua)
Cap.10 ou Final
Alumbra
Deslumbra
Assombra
Desassombra
Assopra
Avoa
Balança
Lança
Cansa
Afeta
Vibra
Alerta
Desperta
Altiva
Cultiva
Anuveia
Desnuveia
Desliza
Desliga
Quase
Enudece
Emudece
Desemudece
Grita
Agita
Cala
Espanta
Encanta
Despede
Pede
Não nos veremos mais...
Cap.11 ou Prólogo
Uma personagem sem descrição física. Paradoxo. Ao mesmo tempo todomundo e ninguém.
Nunca mais nos veremos ou nunca nos vimos. Roubei a frase do autor! Basta trocar as palavras que
o itálico dele não aparece. Nunca mais nos veremos. Nunca mais nos veremos! É isso! Agora, não
falará nada mais!
Então, nunca nos veremos, porque também não sei quem é você. Até o autor desconhece o leitor real.
Nessa história você é cúmplice do meu anonimato, do meu esquecimento. Estamos no mesmo barco.
Jamais me lembrarei de você, quem lê e quem é escrito não existe. Somos todos virtuais. Estamos
todos na cabeça do autor.
Muito provavelmente, nunca existimos. Aliás, estou aqui impresso. Já você... só existe se leu até aqui.
Chega. Muitas palavras para poucos leitores! DEFINITIVAMENTE:
Não nos veremos mais.
História de 50m – O copo, a água, a árvore
Parte 1- Antes
Antes do primeiro metro
Uma história que comece do nada. Como alguém que anda pela rua e começa a pensar. O espaço é
de 50m. Passos no vazio do tempo, nunca no espaço.
Se o copo não está suado é porque não faz muito tempo que está aqui. Não passou a noite aqui. Não
posso ficar parado diante dele. Estou só de passagem. Tudo bem. Um gole.
- Aff! Que é isso! – cuspi.
Tl@lv£¬ £$s£ *&liqu¨$#uído §£jj@ @llu¢innóg£no...*
lol, você tem que me entender. Não é normal. O mundo me parece um lugar estranho. É como se
alguém invadisse e quebrasse minha ordem interior. /o . Parece que a vida não é tão simples. Se nem
tudo é lógico, então preciso me reconstruir. Preciso parar um pouco, concorda?
Estou aqui, no caminho de sempre. Todos os dias passo pelo mesmo lugar. Mas, hoje existe um algo
diferente. Apenas tenho que atravessar essa avenida e chegar... onde mesmo?! Pode vir comigo? Fica
do outro lado, vai ser rápido, são só 50 metros.
Sei. Às vezes a gente fica assim, conflitante. Em conflito com a gente mesmo. E tem sempre alguém
que fala pra gente parar de besteira. Mas, diante de coisas inexplicáveis só podemos ter duas atitudes:
confrontá-las com a Realidade ou simplesmente ignorá-las. Não quero discutir se há certo ou errado.
Mas penso: como seria o mundo se vivêssemos sem mentir; se quiséssemos o bem coletivo;
desculpássemos e soubéssemos sabiamente consentir? Planeta Mundo Tão Imundo. Discordamos,
destoamos, desafinamos e desafiamos. Lutamos contra nós, pensando estarmos sós. Sem pensar que
a natureza é um todo orquestrado. Somos parte, não tudo.
Faço sempre o mesmo caminho. Já disse. Aprecio cada imagem que vejo, cada som que ouço, cada
brisa que sinto. Às vezes me sinto especial por isso, mas logo me esqueço e tento ouvir um som
inédito. Na verdade, ruído. A paisagem urbana parece hostil na maioria das vezes e isso também é
arte. As pessoas se integram à paisagem como células a um organismo. E a cidade se expande como
uma avalanche de cimento e ferro.
Entendo. A vida: experiência única em cada um que por aqui anda. Intransferível. Mas para viver é
preciso apreciar. Apreciar a vida enquanto fenômeno, espetáculo. A poesia que invade e inunda a
terra. Beleza. Sons. Paisagens indescritíveis. Verde. Cinza. Água. Seca. A Natureza, a natureza, a arte
maior que resiste à cidade. Entende? Então, vamos.
Um metro
Sei que aqui já foi Mata Atlântica. Por isso a importância da escola. Se a professora de geografia não
me falasse, nunca iria imaginar. Talvez pensasse que as árvores é que são plantadas, não as casas.
Ora essa! Seria uma pérola para o ENEM: “As árvores são plantadas, as casas, não.” Absurdo. As
árvores nasceram antes das casas, e não foi nenhum engenheiro, ou arquiteto, ou mestre-de-obras que
as projetaram. As casas, sim, foram plantadas. Alguém as plantou no lugar das árvores, é preciso,
inclusive registrar essa planta na prefeitura... Tudo é estranho nesse mundo urbano.
A natureza está no lugar certo. Aquela árvore está no lugar certo. Já o copo com água... Em casa há
lugares para copos com água. Atrás de árvore parece não haver. Não que alguém aqui seja
do Greenpeace ou panteísta, apenas uma constatação de um observador atento.
E foi justamente a água naquele copo, atrás da árvore.
- Mas onde é atrás da árvore?
Ora, não questionemos o estabelecido. Estava lá. Pense como quiser. Se bebível porque estava tão
cristalina, o mal era ou estava no gosto. Para olhar estava ótima. Assim é. Num primeiro golpe de
vista parece mesmo um copo d’água cristalina. Mas, como já disse, o problema é o gosto não mineral.
Alguém colocou aquele copo. Haveria uma crença? Não sei. Talvez seja água da chuva. Se sei bem,
não o é. Não custa pensar. Aliás, pensar é que é a causa. Quem colocou aquele bendito copo atrás da
árvore, fez isso para que um tolo ficasse a se perguntar. Veja a maldade do homem.
Não pense que não gosto de pensar. Contrário a isso. Vivo porque penso. Só não penso que é bom
pensar em um copo com água atrás de uma árvore... Melhor já dizer que não tenho certeza se é água.
Tudo que é líquido e transparente é água?
Preciso pensar uma história que aquiete minha cisma. Afinal, sabemos as histórias de tudo o que
vemos. Não sei você. Eu, sim. A história daquele copo com líquido: simples acontecimento. Uma
distração que virou novela. Não sei bem se isso será uma novela. Vou pensando aqui, e meu
pensamento se deitando sobre o papel, em palavras.
Como se você lesse minha imaginação. Imagina só.
Três metros
Seria um pouco inviável escrever um livro andando pela rua. A urbanização desautoriza esse tipo de
comportamento. Certamente seria atropelado, esbarraria em alguém ou cairia em um bueiro. Na
melhor das hipóteses, iria me atrasar. Para viver por aqui, é preciso saber andar em cima da hora, ser
equilibrista. Então, vou só pensar. O escritor que escreva, você que leia. Apenas pensando comigo.
Afinal, não é possível escrever na velocidade do pensamento. Nem andar despreocupado nas ruas
carregadas de carros.
O que se diria só com o pensamento, em fluxos descontínuos?
Veja o dia nascer antes de morrer. Espere para ver viver um ser. Deixe de olhar e passe a ver. Não
busque rimas onde você só precisa ler. Mais do que ler, é traduzir ao modo de vida. A rima está nonde
não precisas. Espere o sol se pôr. Acredite e viva o Amor. Se cansares da vida, pare – e viva! Cante!
A Realidade é punk, pede paciência a quem não tem; pede calma à aflita alma; não está pensando no
futuro, este que não existe e que rouba a vida que temos hoje e que é presente. Recebemos a vida e
não retribuímos com calma. Bastaria um “C” à alma.
Pensamentos surgem de repente. Quando nos falta um gravador, a poesia surge em segundos. Mas se
vai. Quantos poemas você já perdeu por não ter um papel ou um gravador para falar? O vento leva.
Por isso chamamos essas pessoas de “avoadas”. Pensamos, criamos livros inteiros, de repente,
tossimos e esquecemos tudo. Aqui não perderei um poema sequer. O escritor pode pausar meu
pensamento e retomar depois de dias, meses, anos. Quando a gente é palavra escrita, o vento não leva.
Mas, calma. Venha.
Cinco metros
Em meio aos ruídos da cidade, silencio para aceitar que algo me fez pensar. Penso em fazer-me feito;
princípios, valores e conceitos, então, mergulhar em mim. Alguns esclarecimentos são necessários.
Não determinamos, tampouco escolhemos. Às vezes pensamos, muitas vezes erramos. Prefiro o
silêncio para assimilar ao barulho para simplesmente esquecer. No silêncio nos conhecemos, ainda
que pouco. O barulho nos esconde em nós mesmos.
Neste momento, a presença da ausência de lógica aparente, fez-me sentir. Enquanto ando, percebo
que o tempo interior internaliza o sofrer. Ou se filosofa ou simplesmente se vive. Agora estou
pensando, mas não consigo entender. Mas sempre soube que o importante é o que há em cada
experiência. Quero entender porque palavras não encontrei. Sinto-me fora.
Sempre por aqui passei, mas não sei. O que aconteceu... não sei mais. Os poetas mentiam, mas
acreditei, e incrivelmente vivencio a loucura que vejo nas obras que aprecio. Real, ou não. Possível,
ou não. Estou vivendo o que você vai ler, para quem sabe um dia entender que certas palavras
significam simplesmente: viver.
Incrível a imagem que vi. Um copo atrás de uma árvore! É muito inquietante para mim. Não sei se
seria capaz de inventar uma história convincente para explicar isso. Só preciso me convencer. Pensar
qualquer coisa para me aquietar. Só isso. Caminhando e inventando, pensando e andando...
perguntando: ainda está aí?
Sete metros
Enquanto não há respostas, se bem que não elaborei nenhuma pergunta, andando, tento ouvir o
silêncio. É preciso tempo para refletir, assimilar e se perguntar. Então, aqui está: a primeira pergunta
e a primeira resposta é da gente para gente mesmo.
Para conversar com a gente mesmo é preciso silêncio. Me silenciei. De repente. Neste momento,
pergunto. Se respostas, também recebo perguntas. Minha dúvida é confrontada com minha verdade,
e ela com minha vaidade.
Assim, noto minha imperfeição, mas me encho de esperanças. Sim, é no silenciar do mundo a volta
que percebo amor de forma acalentadora. Aprendo a paciência e sobre o tempo, e então, exerço minha
liberdade de falar e de calar.
Depois dessa introspecção, a ansiedade, de súbito, me assalta. Percebo que não sou como outrora, a
uns metros atrás. Agora tenho a pergunta. No entanto, transformo-a em afirmação, declaração. De
forma sutil e verdadeira falarei sobre aquela água.
Expectativa. Não sei... talvez seja preciso ainda perguntar. Se espero respostas, também perguntas.
Importante registrar o que se passa e a inspiração que a incerteza traz.
Assim, vejo que posso organizar em três ideias: o copo, a água e a árvore. Não sei se lembrarei disso
nos próximos passos, mas já é uma ideia. Quando a gente só pensa, as coisas passam muito rápido na
nossa cabeça.
Sou meu cérebro. Penso. Por que penso, foi me dado um corpo – pensamento – que só – funciona –
com meu espírito... Então sou meu espírito. Na verdade, não somos tão simples assim, o corpo dói.
Agora, por que a gente vive com medo de pôr tudo a perder? Sim, medo de um momento que possa
desmascarar nossas faces. Seria, não sei, “a prudência egoísta que nada arrisca”?... Ou seria só o medo
de ser quem realmente não somos? Existe um alguém desconhecido em nós, que provoca reações
diversas. Ou é o que na verdade somos? Somos quem somos ou somos quem temos medo de ser?
Não ousamos ser o que não somos porque sonhamos ser quem fingimos ser. Na verdade, somos tudo
isso. É o que nos faz ser e não ser. Toda essa crise de identidade é o que somos. Somos o que nos
priva e nos autoriza. A liberdade e a prisão em nós. Uma ideia infinita em um corpo finito. Tipos em
ternos, por dentro eternos, em uma efêmera passagem por um mundo. Essa crise é. Ego, Superego,
ide!
Fiquei pensando e quase nem saí do lugar. Ainda tenho que seguir em frente. A vida externa continua
frenética. Sigamos.
Parte 2- O copo
Dez metros
A origem do copo. História simples. Uma senhora – ou senhor – que viajava pelo tempo o pôs ali.
Dizem que agora está no futuro. O mais intrigante é que não usa máquina do tempo. Sua história é
um mito, e quem sabe se esse livro poderá ser classificado como mitologia daqui quinhentos anos.
Que tal: “O mito das árvores urbanas e dos copos campestres”... não. Voltemos. Contarei de forma
simples, sutil, sem ser enfadonho.
Quando era adolescente, escrevia. Sem simpatia. Olhava sempre para o horizonte como se não fosse
daqui. Estaticamente, como ipê sem flores que a gente vê sozinho num pasto quando viaja por uma
rodovia no meio do nada. Assim, incapaz de inspirar um poeta a escrever um poema qualquer. Mesmo
assim, viajante, sonhava com seu nome em poesias.
As palavras que manchariam suas folhas, muitas vezes, foram lançadas ao vento. Nas primeiras letras
via-se melancolia, amor pela vida e ódio que mais era raiva de si que do mundo. Por cautela, vergonha,
medo e esperança nunca revelava suas palavras e também sentimentos. Sentimentos esses que nutria
secretamente. Escrevia como quem dialogava com o futuro. Em momentos em se encontrava com
quem gostava, não havia palavra; o som do vento sussurrava o que sentia em forma de poesia aos
ouvidos distraídos de um poeta. Coisas assim:
Dê
Flores amarelas
Se amar ela
Dê
Poesia.
Os sentimentos sufocavam. Na tentativa de se livrar deles, escrevia. Queria transformar seus
sentimentos em palavras. Assim o fez. Esperava expressar tudo através do papel...
Certo dia, enquanto escrevia, sentiu os pés molhados. Minutos depois submergiu. Incrivelmente foi
parar no mar. Assim, do nada.
Doze metros
Verde. Devo atravessar a rua agora, deve ter uns bons metros. Vou atravessar bem devagar para contar
a história sem precisar suprimir qualquer poesia. Entendamos a história do copo:
E assim, como agora piso na faixa de pedestres, de repente nossa heroína ou herói – não se sabe –, se
viu em um imenso mar desconhecido. Afundou. Temendo as fortes ondas, passou a lutar inutilmente.
Bastaram alguns poucos minutos para que se cansasse. Nesse turbilhão no desconhecido se
desesperou e se entregou ao desespero. Incrivelmente não se afogou.
As horas passavam e o desespero não resolveu nada. Em certo momento tentou desistir, mas pensou
em tudo o que viveria se resistisse. Fechou os olhos e via a quem amava. Sabia que teria que enfrentar
o mar. Mas para que lado nadar? Como tudo aquilo aconteceu?!
Ainda, nada fazia sentido. Tempestades e tormentas quase submergiram (-lhe) por diversas vezes.
Em solidão se viu, e em um mundo completamente desconhecido, pedia forças para prosseguir. Tudo
era assustador, só tentou escrever e... onde tinha ido parar?!
Num piscar de olhos percebeu que algo se aproximava, algum animal-marinho-desconhecido. Sim,
era um cavalo. Não um cavalo marinho, um cavalo cavalo – o som dessa palavra quando repetido
muitas vezes soa estranho – mas naquele momento foi música que acalentou. Cavalo! Cavalo! Aquele
seria seu companheiro. Surreal, mas não estava delirando, pois o cavalo não só ouvia como também
respondia. Nele encontrou respostas e perguntas. Nem sempre satisfatórias, mas de qualquer forma...
Então, afundaram-se nas profundezas daquele mar desconhecido. A viagem foi assustadora. Parecia
ver a História de trás para frente. E, para sua surpresa, estava no passado. Mais precisamente, em mil
novecentos e... não sei em que ano exatamente, mas ela se viu quando criança. Como se revivesse,
como espectador, o próprio passado: amigos, brincadeiras-de-crianças, acidentes e embaraços...
No auge de sua descoberta maríntima sentiu um empurrão. Quando abriu os olhos estava em sua
cama. Só um sonho...
Quando foi até a janela, só pôde ver a imensidão do mar. Estava de volta ao presente, mas o mundo
já não era o mesmo. Suas folhas estavam molhadas, todo o quarto havia mesmo sido inundado. Água
por toda a parte.
A ausência momentânea de reinspiração fez seu companheiro, o cavalo cavalo, ir. Por tempo ficou
ali, à janela, vendo a distância que percorrera no infinito horizonte; quase nada. Naquela noite sonhou
enquanto escrevia:
Sons sustenidos
Sono que ouço ao longe
Avidamente em meu encalço
Sono mio!
Delírios em sonhos
Lembrança externa
Se é primavera, e ela exala
Viver contigo entre quimeras...
Dezessete metros
Acho melhor correr. O farol fechou faz alguns segundos. A vida exterior a nós continua sendo regida
pelo tempo. Estão buzinando. Mas continuo a contar:
Essa história tem a ver com o copo, mas não diz nada sobre a árvore. A água, ainda não sabemos de
onde veio. Tenho mais alguns metros à frente e vou aproveitá-los para resolver a cisma com a água e
a árvore. Continuarei a história enquanto percorremos os próximos metros. Estou gostando de ser
mitologista.
Parei. Aqui, em frente a árvore a avenida é larga. Calculei 50 metros. São cinco ou seis faixas para
os carros em cada lado e um canteiro entre elas. Típica avenida de uma grande cidade. A direita está
a ponte que já teve o maior vão livre das Américas. Puro metal. Contraste total com a natureza
resistente representada pela árvore e a água. Ponte é coisa humana, como o copo. As formas não
negam. O que é natural é assimétrico, irregular, torto. Os homens, no ímpeto de corrigir a criação
divina, criam objetos e pontes com formas regulares, simétricas. Reta é imperfeição pura. Anátema.
Farol novamente fechado. Pensei demais. Temos mais tempo para divagar. Percebeu como
aceleramos uns metros e paramos em outro, por isso capítulos curtos e outros longos. Então,
continuemos dali.
Dezenove metros
No outro dia, acordou com a decisão de lançar-se novamente ao mar. Dessa vez, como alguém que
busca algo mais para si, não como fuga. Começou a escrever em um papel úmido que estava no chão.
Subitamente, as águas frias arrebataram ao mar, o frio era terrível, mas logo estava bem. As ondas
estavam altas e lançavam às alturas, permitindo ver o que estava atrás do horizonte. Anoitece, seu
companheiro reaparece, mas agora traz consigo a pessoa com quem sonhara à noite.
Surpresa. Já não refém da angústia, passou a transbordar palavras e sentimentos que tentara escrever.
Suas palavras exalavam o perfume que aquece o espírito. Docemente, soprou ao vento palavras que
encontraram ouvidos atentos, em um canto silencioso disse, em poesia ao seu amor:
Às vezes perco palavras.
O vento leva.
Não poderá lê-las,
mas foram as mais belas.
Que você precise delas.
Uma vez.
Só.
Tão perto, tão longe.
Olhos, tristeza, alma: choram.
Lágrimas de Realidade.
Já que sem-ti-momentos tais me acometem,
direi aquilo que logo esquecerás.
Por você...? Por mim.
Só preciso lhe dizer o que teme saber.
O tempo me fez sofrer.
Fez-me ver meu sonho dissoluto,
em absoluto, você me perder.
Não desespero, mas espero.
Por tempo.
Só
Lindas palavras.
Mas nessa conversa, ninguém estava presente, na verdade, estavam futuro. Sim, o cavalo viajara mais
uma vez, e trouxera um passado que ninguém vivenciou. Depois dessa experiência, ficou para o
futuro. Neste tempo, atemporal, mesmo com os temporais, enquanto conversava, estava sempre com
o cavalo. Podia estar no futuro por alguns instantes, e de forma muito intensa. Passou a acreditar
como nunca em um final feliz. Agora via sentido em tudo aquilo, se sentiu bem para encontrar a quem
amava, finalmente, no presente. Voltou ao seu quarto e em um pedaço de papel sujo escrevia:
Nessa hora é
Essa melhora que
Por vezes está
A me acompanhar
O segredo está
No poder falar
Sem por tudo a
Perder-se de si
Na manhã seguinte, foi se arrumar para o grande encontro. Sua busca havia chegado ao fim. Tudo
fora Verdade. Mas, enquanto repassava o texto que diria, olhou de relance para o espelho e viu alguém
maior. Era a Realidade, aquela que faria sofrer. A desilusão fora tanta que, na mesma hora, tudo foi
submerso. Dessa vez, sem água, apenas uma atmosfera conflitante, onde partículas de oxigênio se
multiplicavam rapidamente e o excesso de ar puro sufocava.
Triste e sem motivo, foi procurar o seu amigo. Mas, para sua surpresa, agora tudo era real. Descobriu
que seu cavalo era feito de palavras. O mar era dentro de si. E quem amava, um papel. Então, a
Realidade lançou em sua face o primeiro objeto que encontrou na mesa em que escrevia, um copo
esquecido, típica bagunça de um adolescente. O copo estava ali há uns dias e já fazia parte da
decoração.
Parece uma grande incoerência um copo não se quebrar assim, sendo arremessado... A Verdade
surpreendeu a Realidade: o vidro lançado ao mar não se quebrou, nem tampouco feriu, mas se encheu.
Sim, o copo resistiu às inundações, permaneceu na mesa. Quando tocou em seu rosto, foi abraçado.
Vejamos melhor a cena. Copo em direção ao rosto. O toque. As mãos sobre o copo. Um abraço. O
copo se enche com água do mar e passa a ser a única lembrança real de tudo o que aconteceu só no
papel. Viajante que leva consigo um copo onde guarda água de um mar que nunca existiu. O objeto
tornou-se sagrado.
– Que lição essa história toda. Entendi: a pessoa era o próprio mar, aí o copo foi lançado nela, que é
a água desse mar, por isso não quebrou... Muito bom! Viagem, hein...
A cisma com o copo foi resolvida, acredito. Mítico: o viajante viajou em si mesmo, o copo é a sagrada
lembrança de um passado. Devo continuar a passos largos a história nos metros que ainda restam.
Não, caminharemos como quem faz o caminho, no sapatinho, como um desbravador que conquista a
si a cada metro que avança. Avante!
“Água”
Vinte e três metros
Acabo de sair da enorme sombra da árvore. Deixo-a, por hora. E é como a vida se apresenta. Saibamos
que a muitos nos renunciamos quando a um escolhemos. Penso a densidade uma escolha que pode
mudar nossa relação com o que é infinito.
E pode ser que ao acaso seja. Ou, caso seja marcado, nada impede ser adiado para o inesperado. E o
que o mundo tem a ver com isso? O que o copo atrás da árvore tem a ver com isso? Onde é atrás da
árvore?...
Há de haver situações, pressões diversas daqueles que assistem à vida, que não participam da própria.
Esqueçamos.
A água devia ser o assunto agora, para tentar organizar a desordem de pensamentos. Ela nos lembra
o infinito, é símbolo da vida e da existência em si. O planeta é coberto por água. Os oceanos conotam
o mistério de viver, de existir. Então, o encontro entre as pessoas acontece em meio a esse mar.
Compreendo a imprevisibilidade da vida. A vida enquanto um roteiro de um espetáculo pessoal.
Quando duas peças se encontram, não são somente duas personagens. Cada persona traz consigo, em
seu roteiro pessoal, outras personas que são protagonistas de si, e assim se seguindo, como se as
relações fossem o sal que está no mar, entre infinitas gotas que somos.
Em meio a essa coletividade singular, o encontro acontece. Não a fuga de duas personas para um
espetáculo improvisado. Eis que se assistem, se aplaudem, contracenam e, quando acontece um
silêncio, como num clarão, se veem na essência, além do espetáculo. Nesse momento cantam, se
encantam.
Outras personas param para ver um beijo que parece não acontecer. E no fim do clarão, como num
lusco-fusco de amor em névoa, sentem que luzes indiretas são acesas e duas peças de outrora se
tornam uma. Muitas personas são integradas ou intrigadas e contracenam por um tempo; enfim, duas
personas se veem sós.
– Belíssima alegoria para o casamento. Bem melhor que a da mosca que fica presa no saco de lixo.
Ela entra achando que vai se divertir, alguém amarra o lixo e ela fica presa para sempre ali... HAHA!..
Ei! Não me olha assim! Só você fica querendo ver beleza e perfume em tudo! Continua, vai... mas
volta para a história.
E então, mais uma vez sempre pode ser tudo o que não foi; aquilo que será. Como dizer sem poder
você não entender? Quis dizer que te disse tudo. Um instante... sim! Já disse. Não diga que não. Sei
que pareço confuso. Tento também desabafar, entende?
Os analistas de plantão entendem essas palavras tão desconexas num primeiro momento. O fato é
que, como todas as pessoas, meus pensamentos são completamente influenciados por meus
sentimentos. Só que, para sentimentos dificilmente existem palavras ou imagens, são somente
sensações. Sinto que alguém errou, está errando, coração parando, um parou.
... ...
Não sei como... mas parou. Tentou-se evitar. A ideia sufoca. De pensar que... Insensível-me! Olhos,
sorrisos, expressões. Choro, sem-risos, depressões. Direi. Não que tudo acabe. Deixe-me. É
importante saber que, há tempos, penso em escrever para alguém me ler. São palavras. São flores.
Sonetos, versos, desamores. Mas só penso. E continuo.
O grande desafio é viver fora de mim. Perco-me em pensamentos enquanto a vida passa. Cada
paisagem me inspira a olhar para dentro de mim. Tudo no tempo e no espaço da vida. Esse espetáculo
pessoal e coletivo. É preciso entender tudo isso. Quem analisa o tempo todo corre o risco de ser
analisado sem perceber. Esse é o erro. Se já era ridículo, ficou ainda mais patético. Um dilema, uma
ideia fixa? Aquela bendita água!... Não é tão simples assim, devo confessar. A história do copo foi
simples, mas descobrir onde é atrás da árvore, não será? De novo, perdido. Devo falar da água.
Voltemos.
Vinte e seis metros
Que horas são? Se quer saber, acabo de me livrar desse maldito relógio de pulso. Não queira controlar
essa história pelo tempo. É uma história de espaço. 50m. Estou a caminhar e a filosofar. Não, filosofar
é muita pretensão. Isso aqui é poesia. Despretensiosa. Num espaço atemporal.
Livre-se dele! Esse tempo que te arrasta pelo braço atrapalhando sua leitura. Esse relógio de pulso.
Prende no pulso as horas que marcam o dia. Que nos prendem na rotina. Relógio de pulso a prova
d’água. Você preso ao tempo até debaixo d’água. Antes de chegar ao fim do dia, em sinal de protesto,
quebremos o relógio para que, então, o pulso pulse sem horário para pulsar. Deixe que as horas
passem. No pulso ou fora do pulso. Não que se deva viver de impulso, mas para usarmos o tempo,
não o tempo nos usar. Sugiro que faça isso agora.
Enquanto ando, cada passo me é uma ousadia no vazio do espaço disputado por milhares. A cidade.
Um organismo vivo composto por uma porção de células predestinadas a uma vida que não reflete,
sem brilho. Penso retornar àquela água, me tornar totalmente alucinado. Mas devo percorrer esse
espaço para chegar ao fim dessa história. Afinal, ainda nos incomoda muito saber quem a pôs. Andei
apenas 26m e alguns parágrafos em páginas de livro. Mas esqueçamos também, aqui, a ideia de
controlar essa história por meio da Matemática ou dos espaços que ela ocupa no papel. Ler nunca é
perda de tempo.
Tente ler isso em voz alta:
Tempo, quanto tempo muito tempo sem tempo a gente perde? Cadê o tempo? Não se vê. Sempre está.
Deixe star! Rápido passa. Agora passou. O tempo foi, é, será: ontem, hoje, amanhã. Vida para viver,
acordar e agradecer pelo que foi, o que é. O que será tem seu tempo. Senhor do Tempo não se atrasa.
Esperar, descansar. Viver é tudo que é impreciso. Estar pronto para o que será.
Pensamentos que nos assaltam enquanto andamos não são tão friamente calculados. Aqui estamos,
sem ação, a voz calada. O tempo... não, ainda não era hora. Lembre-se do que disse a você outrora.
Cenas da vida nunca se repetem. Nós, protagonistas ou coadjuvantes, uma escolha, escolha uma.
Vivência ( ) sentidos vividos ( ) existência ( ) dores ( ) amores ( ) ausência ( ) sobrevivência
( ) viver ( ) ser ( ) presença ( ).
Opa! farol de pedestres fechado; devo respeitar. Enquanto espero este sinal de civilidade vou
contando a história do líquido transparente que chamei de água. Como o farol logo vai abrir, vou
contá-la nos metros seguintes. Respire... Inspire... Inspirado cante. Permita-se ser cantante. Por favor,
não atire!
Vinte e oito metros
Se chegou até aqui, ama palavras. Livros não são só histórias. Não sejamos escravos da ação. Arte
com palavras é colorir com letras. E essa página deixa de ser preto no branco a cada olhar seu.
Transcendamos às sagas, colemos palavras nos objetos do nosso dia. Cumprimentemos um
desconhecido com um “Não nos veremos mais!”.
Impossível, sim, andar entre gentes e ficar sem pensar. Imagino histórias para cada rosto triste,
perplexo, sem brilho, oleoso. Sorrisos encantam e confortam, mas nem sempre inquietam como
expressões adversas e diversas que a face imprime. Elas revelam fragmentos do que há na alma.
Imaginar histórias e ser surpreendido pela realidade de um empurrão ou buzinas é comum. Quem
nunca.
Nunca. Sempre. Tanto quanto enquanto. Foi para ser poético. Porque quando a gente anda pensando
(literal ou figurativamente), às vezes, se perde nas palavras. Essas palavras que abriram este parágrafo
fazem-me lembrar de que há um hiato entre o que nunca mais vai voltar e aquilo que desde hoje será
para sempre – até o final de nós.
Já contei a história do copo. Talvez a “água” sejam as lágrimas daquele rosto. Parecia alucinógeno.
Será que tomar as lágrimas de alguém importa a tristeza ou a alegria de quem chorou? Antes: o
sofrimento sai junto com as lágrimas?
Não se pode negar que o choro alivia, mas será que contém, na “água” que sai, sentimentos líquidos?
Taí, uma boa tese. Mas acho difícil reunir tantas lágrimas a ponto de encher o copo.
Lágrimas são salgadas como o oceano, símbolo do infinito. Então, choramos mistérios. De nossos
olhos escorre o infinito. Cada gota carrega algo de dentro para fora de nós. Chorar é exportar.
Os olhos são a parte externa de nosso cérebro. Nosso cérebro é o centro nervoso do corpo. Dali saem
as ordens para todos os movimentos. Há quem defenda que é lá que moram os pensamentos. Não se
tem certeza disso, mas o fato é que o choro sai por lá, pelos olhos. Bebi líquido cerebral? Que louco
tudo isso.
Trinta metros
Voltemos ao copo. Sabemos que a viajante apaixonada trouxe o objeto do passado. Aliás, impossível
trazer do presente ou do futuro. O líquido, então, era, nada mais, nada menos do que lágrimas. Eita
pega! Bebi lágrimas de um desconhecido. Será que é por isso que estou tendo tantas iluminações e
ideias. Seria, agora, capaz de sentir a dor que ele sentiu.
A literatura fará você sentir bem. Qual não seria o passado daquele ou daquela que chorou? O que te
faz chorar? O que são lágrimas? Momento de profunda emoção na leitura. Ligue uma música ao
fundo. Calmamente, retome a leitura. Esperarei...
...
...
...
...
**
Angústias são da vida. Ou será a própria vida, a própria angústia? Viver tem dessas coisas. A
viajante usou o copo para trazer lágrimas de um passado para um presente. Não precisaria disso. Há
tantas mágoas de lágrimas evaporadas há anos que são carregadas dentro da gente. Talvez fez isso
para eu traduzir a cena como alegoria da vida. Não admite serem suas aquelas lágrimas. Diz que
coletou de alguém.
O copo era futuro, porque antes – quando não existiam cidades e vida urbana – não se armazenava
nenhum líquido além do que caberia na palma das mãos. Quase sempre o que se guardava esvaía-se
entre os dedos. Não havia espaço para a ansiedade. Só mesmo alguém futuro seria capaz de sofrer
pelo que haveria de acontecer.
Quem chorou escrevia entre lágrimas. Foi levado ao futuro sem perceber. Pôde escrever. Os
sons da escrita em teclas – e mesmo da caneta no papel – acalentavam o intervalo entre os soluços. E
tentava responder a si mesmo o porquê de tantas lágrimas.
Por mais que exagerasse no uso de palavras e enumerasse milhões de causas, no fim, “existir” parecia
motivo suficiente. Ficou entre os escritos uma carta que o mar, leva sempre consigo. Esta carta não
estava atrás da árvore, mas é como se estivesse.
E se pudéssemos tomar as lágrimas e ler as angústias de todos os homens?
Trinta e dois metros
A carta estava rasgada, mas poderíamos ler o parágrafo grifado e preservado em meio as manchas no
papel. Era uma carta sobre outra carta. A primeira temos um parágrafo aqui, já a outra, nunca leremos.
Desapareceu em meio a crosta de papel, tinta e lágrimas. Era a própria viajante quem escrevera. Eu
já desconfiava. Sentia-se condenada a viver em um corpo de uma vida que não lhe era confortável.
“Há um tempo, escrevi uma carta a mim. Era adolescente, tinha pouca idade e muita imaginação.
Naquela época, já divagava sobre coisas e coisas. Pensava. Queria dialogar com o futuro, como
naquela história. O tempo passou e não tenho tantas saudades do que fui. Li os conselhos que me
dei. Como eu tinha medo do futuro que me parecia tão incerto... Ontem ouvi algo que me fez lembrar
essa história toda. O homem dizia que quando plantamos, a última coisa que vemos é o fruto. Não se
pode queimar as etapas que são naturais. Quando escrevi, naquela época, plantei e só hoje vejo que
toda insegurança era a desconfiança de quem enterra uma semente. Aliás, que desespero enterrá-la
e não ver mais nada. Olhava para a terra e parecia que nada sairia dali.”
Imagino que este trecho foi escrito enquanto as lágrimas eram colhidas. O restante do papel carregava
manchas. Não posso acreditar que alguém chore assim. Mas essa história é sobre inventar. Inventei e
está aqui escrito. Não é para acreditar. Importante mesmo é a gente pensar se tudo isso aqui se deve
as lágrimas de um estranho.
Bebi o choro de alguém que não se encontrava na vida ou com a vida. Engoli a angústia de alguém.
Como seria possível isso? Parece que só temos espaço para sofrer um ser, nunca vários. Não queremos
o sofrimento de ninguém, mas e se pudéssemos, dividiríamos o nosso?
Trinta e quatro metros
Agora devo avançar até o meio da avenida. Quantos metros percorremos? Passamos pelo
canteiro e não percebi?
– Canteiro não seria no canto? Como chamar o espaço entre duas avenidas?...
Não deveria usar interrogações. Quem lê uma história, lê em busca de respostas. Tentemos ser mais
afirmativos. Falar de certezas atrai pessoas.
Fé. Os homens buscam aquietar-se diante do inexplicável, acreditando firmemente em declarações e
frases feitas. Acredite, só eu sei onde é atrás da árvore.
A árvore
Trinta e cinco metros
Penso comigo. Quantas vezes já passei pelo mesmo lugar e nunca me ocorreram histórias como essas.
Sempre via a árvore. Sempre vi copos com líquidos. Entretanto, como a junção de tudo isso, de uma
forma quase incoerente, me fez mergulhar em mim também?
E ainda me falta entender onde é o lugar que sempre me pareceu evidente, mas que agora me perturba.
Atrás da árvore! Ora, não sei onde é atrás da árvore! Não venha me dizer, “depende do seu ponto de
vista”, isso não desvendaria nada, continuaria sem saber. Na verdade, você também não sabe...
– Você mentiu.
Até ontem pensei que só eu percebia essa árvore. Todos passam por ela com tanta pressa, nem a
notam. Não raro, pergunto a alguém se já percebera a beleza contrastante de folhas que mostram o
sentido do vento e um ar que mal podemos respirar; ninguém nota.
Ninguém vê o vento. Ignoram a árvore. Há um semáforo que rouba a atenção à natureza. Mas, alguém
não só percebeu, como abandonou um copo atrás. Atrás?
Trinta e sete metros
A imagem é incrível. Quando observo a árvore, enquanto me distancio, tenho a impressão de que a
cidade cresceu a sua volta. Ela está em cima de uma colina que, ao que tudo indica, protege sua raiz.
Isolada da natureza. Subsiste entre um estacionamento de um hipermercado e uma avenida
hipermovimentada. E, sozinha, representa o que já foi floresta.
É inevitável não me ver ali. A máxima é, “o homem não é uma ilha”. Mas parece que, o homem,
enquanto essência de verdade e beleza sempre será uma ilha. Os homens passaram a investir cada vez
menos no espírito e passam a investir de forma exponencial em “coisas”.
Quando um homem investe no seu espírito, vai se tornando uma ilha em relação ao mundo; vai se
tornando a árvore solitária onde um dia foi floresta. Poderíamos dizer que essa ilha, esses raros
humanos formam um grande arquipélago diante do infinito. Assim são vistas todas as pessoas que
cuidam do espírito e entenderam o essencial da humanidade. Só poderíamos enxergá-las se
estivéssemos além do infinito.
Olhando do satélite aquela árvore parece até estar perto de outras – também isoladas no meio da
cidade – demonstrando até certo arborizo urbano. Mas naquele instante em que me vi diante dela,
parecia sozinha.
Estava – tão ingênua – em sua tentativa de lembrar a alguém que tudo já fora floresta. Fez-me pensar
tudo isso. Enquanto saio de sua sombra e sigo em frente, mostro-lhe minhas costas, numa
demonstração de superioridade.
Aposto que ela já presenciou inúmeras vezes essa cena. Homens, de tempos, épocas e índoles
diferentes viraram, deram as costas a quem permaneceu no mesmo lugar até que todos estes
morressem.
Ser árvore. Ficar. Causar encanto e espanto, servir para descanso. Mas copos sobre suas raízes, não
posso crer ter sido comum ao longo de todos esses anos. Se ao menos soubesse onde é sua frente,
encerraria essas divagações aqui. Nem a árvore sabe onde fica suas costas.
Depois de tantos anos no mesmo lugar, enfim, ela é palavra e viverá ainda mais. Estamos convidados
a, ironicamente, eternizar a imagem poética de uma árvore no meio da cidade neste papel feito de
árvores mortas.
– Bravíssimo!
Quarenta metros
Meus passos curtos devem irritar quem me observa. Mas quem lê percebe que já percorri um longo
caminho. Cinco metros no asfalto ou cimento da cidade parece um espaço curto para tantos
pensamentos. No entanto, se estivéssemos a mergulhar já seria possível se afogar. As palavras são
cilindros de oxigênio para mergulharmos em nós mesmos. Espero que não tenha se cansado: andei
pouco, mergulhamos muito. Sobrevivemos.
Será que em outros tempos aquela viajante e aquele de quem gostava se encontraram aqui? Antes de
toda a cidade ser erguida, teriam eles desfrutado da sombra daquela mesma árvore. Talvez a sombra
fosse menor, ou já tivesse esse tamanho há muito tempo. O que eu sei sobre árvores... nada! O
estranho mesmo é a gente estar num mundo que já foi de outros. Nossas ruas, nossas casas, nossas
árvores já serviram a outras pessoas em tempos passados. Até sentar-se num banco de ônibus ganha
outro sentido quando pensamos assim.
As árvores passam pelos homens e não os homens pelas árvores. Quando usamos o tempo ao invés
do espaço, há essa inversão. Mas essa história é sobre espaço, cinquenta metros. Aliás, será possível
não relacionar o espaço ao tempo?
O espaço de um berço não cabe o homem que deixou de ser criança com o tempo. Os homens deixam
o berço e ganham o mundo. As árvores permanecem em aparentes berços. Subterrâneas, enganam
nossos olhos. Muitas são maiores de raízes e podem ser cortadas onde for, permanecerão vivas
subversivamente.
As árvores, os homens e a terra. O que é superficial é vencido pelo tempo, ainda que percorra longos
espaços. A que tem raízes profundas limita seu espaço e se alastra perpassando o tempo. A terra é o
sumo dos dois, síntese da vida que é matéria. Aquela que é aberta para receber os homens quando
morrem, abre para trazer a vida árvores. Ali o que era vivo se decompõe e a vida se recompõe.
Cinquenta metros
Por um instante, sinto vontade de voltar atrás. Desistir da travessia dessa avenida. Ignorar o
semáforo. Sentar embaixo dessa árvore e ouvir suas histórias. É como se a gente devesse ter harmonia
total com a natureza. Cada marca naquele ser, galho caído, folhas perdidas na calçada e o som que o
vento a faz produzir, parece me contar algo que não posso entender sendo assim como eu sou. E eu
me achando sensível porque a percebia. Ver e perceber não parece suficiente.
Quem viajou no tempo foi árvore. Sua história de amor era subterrânea. Suas raízes encontravam-se
com as raízes de seu amor e produziam frutos. Sua história tornou-se triste porque foi condenada à
solidão de estar numa cidade. Não podemos resolver isso nem com palavras.
Jamais conseguiríamos replantar sua família. Talvez o tronco, os galhos, enfim, a madeira de seu
amor é o móvel onde o escritor apoia suas teclas. Como podem achar os homens que suas histórias
de amor é que são tristes.
A avalanche de concreto dizimou a floresta. As casas plantadas desfizeram famílias inteiras.
O tempo passou e o orvalho se transformou em lágrimas. Pudera deixar de ser árvore e sair dali,
correndo e se lançar no primeiro rio – se não fosse poluído – e deixar-se levar até o oceano que é
infinito.
As enchentes na cidade parecem atender a um pedido desesperado desses seres que não querem mais
ser sós. Ignorados por todos, no máximo, recebem cordas que servem de balanço que ferem e
imprimem novas marcas.
Nunca tinha pensado em árvores assim. Todo livro já foi árvore. Bibliotecas são jardins. Histórias de
amor e poetas são consequências dessa natureza. Não nasci na Mata Atlântica, sou da cidade, aprendi
que a beleza vem da simetria, do ângulo reto. Preciso reaprender a olhar e a ser.
– Já ouviu falar em ebook? Chegamos.
Parte Crônica
Animal
Sem que o animal tivesse tempo para reagir, avançou e torceu o pescoço do bicho e não largou até
sentir vazios os pulmões. Ao lado, chorou sobre o corpo de sua criança morta por uma fera. Haviam
sinais de luta, as mãos da pequena estavam machucadas, com muito sangue.
Num instante de lucidez, percebera que havia uma faca na porta de um dos quartos. Sorriu em meio
ao desespero, entendeu que o filho lutou pela vida, se armou, foi bravo. Levantou-se e foi em direção
a porta. Quando abaixou para pegar o objeto, seus olhos seguiram os rastros de sangue quarto
adentro... Um par de botas enormes. Seguido por calças pretas e uma jaqueta escura. O cadáver
também tinha os cabelos mal cortados e as unhas enormes.
Lembrou-se dos momentos em que o garoto e o bicho brincavam e sorriam. Sim, o animal sorria. Há
na natureza uma pureza que perdemos com o tempo. Parece que a vida civilizada, moderna, ou como
quiser chamar, nos rouba a alegria. Os bichos sempre nos lembram que a vida é pra viver, não só pra
ganhar.
Entendeu.
A garota havia sido vítima de outro bicho. Um homem. E ele matara um inocente. O pobre animal
havia lutado para salvar sua criança, por isso estava também coberto de sangue. E ele, também um
homem, feriu um ser sem que este pudesse se defender. Compreendeu ali que ser humano não era
motivo de orgulho. Decidiu que devia morrer e fazer justiça, diminuir a humanidade. Com a mesma
faca, cortou-se, esvaziando, enfim, seu corpo. Com os olhos prestes a fechar para sempre, viu sua
criança abrir os olhos...
3ª Guerra Mundial no mundo de quem?
Chegou como quem venceu a terceira guerra mundial (letra minúscula). Mas não há vencedores em
uma guerra. São todos Caim. Mas como elegeu a violência como estilo de vida, sentia-se plenamente
satisfeito. Sempre dizia para si mesmo que sua defesa era legítima. Perdeu as contas de quantos corpos
(como gostava de se referir àqueles que não eram seus)...
Naquele programa de tv, que dá pena, anunciam a morte de Abel e as investigações que apontam
Caim como principal suspeito.
- Põe na tela! Pode por, meu filho! Vamo, Vamo, que a gente tem que voltar no caso da mulher que
arrancou os polegares do marido! Sem polegar, quero ver o safado usar smartphone pra falar com
ex... Vamo lá! Reportagem na tela: (narração)
"A história de Caim e Abel todo mundo já conhece, a gente mostrou com exclusividade aqui, logo
depois da reintegração de posse do Jardim do Éden. Mas resolveram reabrir as investigações, uma
vez que, crimes semelhantes continuam acontecendo." (corte para o apresentador)
- A gente vai agora ouvir a psicóloga forense Dra. Harmanda. Ela coordenou uma reconstituição do
crime e traçou o perfil psicológico de um Caim em potencial...
Harmanda começa sua análise: "Um irmão mata o outro irmão. Parece corriqueiro por aqui. Mas nem
sempre foi assim. Nossos estudos apontam para Caim, como precursor de um comportamento humano
letal. O caso mais recente é o do traficante Kim. Ele foi morto pela polícia. Todos o reputavam por
Caim, mas nossa grande surpresa foi descobrir seu verdadeiro nome: Abel. Caim, então, foi aquele
que o feriu. Em nossa reconstituição da cena ficou evidente que Kim, o Abel, fazia benesses à
comunidade e era querido por todos. O atirador, que disse se sentir 'vencedor nessa batalha' já foi
visto diversas vezes oferecendo péssimo serviço aos moradores daquele lugar. Ser Abel ou ser Caim
é uma escolha do indivíduo. Tem Caim dos dois lados. Sabemos que o que Estado oferece ao povo é
por vezes aviltante. Mas o Estado não existe, as pessoas existem, elas preferem eliminar quem faz o
que tem que ser feito a oferecer benesses a outrem. Toda guerra começa com o sentimento de um
Caim..."
(o apresentador interrompe)
- Olha só esses homens aí, cada um de um lado da guerra. A nossa guerra urbana de cada dia! Só não
entendi o porquê de teoria, reconstituição de Caim, Abel! Corta pras mãos sem os polegares! Agora
bota a cara da mulher que fez isso! Já, já a gente volta... Polegares, polegares, onde estão? Aqui
estão...
Há pedra, há água, há rio
Silêncio. Tranque a porta. Desligue a música. É necessário silêncio. Seria importante fechar os olhos.
Mas se todos fecharem os olhos, terei que falar. Prefiro escrever. Então, olhem apenas para este texto.
Nada atrapalhe essa lei-tura.
Há muito tempo atrás, foi que aconteceu. Era no tempo em que a humanidade não conhecia a
ideia de propriedade, não existiam cercas proibindo a passagem. A terra era de todos. Os frutos
abundavam e as águas eram bebíveis. Toda sexta-feira era santa. Animais e homens pareciam ter
aquela aura superior, capazes de ouvir e entender um ao outro, em silêncio.
Era num tempo em que não se escrevia. As palavras eram cravadas na alma. Assinavam com o
olhar. Reverenciando o silêncio, que sempre dava vazão aos cantos dos pássaros. Esses seres voantes
viam tudo de cima e pareciam selar o que se acordava sob o chão.
Sol de dia era vitamina para tudo e todos. Lua de noite era sonho, a indagação sobre o infinito
onde ela estava pendurada. Homens e mulheres viviam. Só isso. O que poderia dar errado?
**
Era manhã, como hoje foi manhã. A umidade que envolvia parte da terra e dos homens, escondeu
uma lágrima no rosto de alguém. Este ser havia sentido o que não sabia expressar, não existiam
palavras para descrever - até hoje não saberia expressar. Talvez você entenda o que sentiu, quando
souber o que ele fez. Saiu errante, no sentido oposto ao de todos os outros.
Andou dias, procurou algo por toda a parte, mas não encontrou. Então, não fazia sentido. A
primeira angústia aconteceu, ele a nomeou assim. Estava incomodado pelo simples fato de existir.
Procurou ouvir o canto dos pássaros, mas não havia mais silêncio dentro de si. Já não podia acreditar.
Comia por comer, bebia por beber, andava por andar. Amava? Quem? Estava sozinho agora.
Não se reconhecia como mais um animal. Os animais passaram a representar perigo. Pareciam
ameaças. E num encontro com um cervo, sem que pensasse muito, desferiu golpes com o galho que
levava sempre em uma das mãos: matou. Esse encontro mortal foi chorado por todos, o silêncio
propagara a notícia em toda a terra. Matar um cervo aliviou sua angústia. Mas o alívio logo passaria.
Com as mãos sujas com sangue prosseguiu sem saber para onde. Perdeu-se totalmente. Não
lembrava mais como era antes. Os outros não mais lhe interessava.
Completou, sem que soubesse, uma volta ao mundo de então. Só percebeu quando avistou os
outros homens. Eles continuavam a viver. Comiam para viver, bebiam para viver, andavam para
viver. A vida parecia acender uma brasa no peito deles. Quis viver também. Mas não podia mais, o
sangue daquele animal secou desde o seu rosto até os pés, qualquer luz que se acendesse em seu peito
revelaria aos outros que foi um assassino. Pois os olhos dos homens viam, mesmo quando fechados.
Decidiu morrer. Seria melhor morrer. Buscou no horizonte a pedra mais alta. Agora sabia para
onde marcharia. Não seria mais errante. Tinha um destino - palavra que este inventou. E foi.
**
Enquanto subia, olhava para o chão. Via cada partícula de vida se mover. A água que escorria
entre as árvores, parecia murmurar-lhe algo. Não entendia. Prosseguia. Serpentes o surpreendiam,
teve de correr algumas vezes, sem entender bem o porquê. Ia em direção ao cume de suas angústias,
parecia estar prestes a encontrar enfim seu lugar no mundo. Quando finalmente chegou ao topo da
pedra do ponto-mais-alto-da-própria-angústia, como nomeou no caminho, olhou para todos os lados.
Deveria escolher o lugar onde deixaria de existir. Sentou-se pela última vez. Ao seu lado, na pedra,
surgia água por uma pequena fresta. Passou a observá-la. Era constante, jamais se interrompia aquele
vazamento insistente.
Deitou então seu rosto ali, fez suas lágrimas misturarem-se com aquela água. Levantou a cabeça
e mirou o caminho daquelas águas. Ao longe, via o rio. Mas não podia acreditar que toda aquela
imensidão de águas brotaria daquela pedra, da fenda minúscula de onde a água insistia em nascer. Se
fosse verdade, suas lágrimas haviam de fazer chorar toda a terra porque seriam parte do grande rio.
Talvez salgassem o mar.
Partilhara com o mundo uma parte do que sentiu e não pode nomear. Não a angústia que era sua.
Mas aquilo que sentiu e não podia nomear. Angústia era sintoma. Era isso!
Neste instante, percebeu. Aquela água poderia limpá-lo do sangue animal que havia secado em
seu corpo. Mas, certamente, espalharia esse sangue rio abaixo. Era necessário escolher. Nasceu a
dúvida. E espalhou-se por todos os lugares onde o rio corria, subiu pelas raízes das plantas, os homens
banharam-se nela.
Fez-se escuridão. O caminho para a pedra tornou-se inóspito. Ninguém ousaria subí-la. O silêncio
que comunicava a paz entre os homens deu lugar às canções. Algumas fazem lembrar de como tudo
era antes. Outras tantas, revelam que o mundo jamais voltará a ser como foi. Até os pássaros hoje
cantam por cantar, presos por quem apreciava seu voo e se encantava com seu testemunho da vida
dos homens.
Depois disso, só uma sexta-feira é santa. Àquela em que o caminho para a pedra foi reaberto. Lá,
a água continua a jorrar limpa e todos os homens podem deixar as lágrimas e as mazelas de uma vida
de dúvidas e angústias. Poucos sobem até lá. O caminho é estreito, terrivelmente belo. Não é fácil.
Ah, e muitos não acreditam, pois a dúvida está por toda parte: no leito dos rios, nas raízes das plantas
e nos homens, que ao se banharem, sem saber, inundaram-se nela...
Luiz Henrique, sexta-santa 2014
Queria ser nuvem, pairar
Newton, um nome estrangeiro que lhe rendeu boas provocações. Desde muito cedo, aprendeu que o
"w" um dia entraria para o alfabeto do Português. Não sabia que isso demoraria tanto. Seu nome
parecia clandestino. Por isso, em sua imaginação ele fazia parte deste clã: o clã-destino. O nome de
um homem é como ele é apresentado ao mundo. Ele sabia disso.
Nascido em uma cidade tão pobre e desarranjada, se sentia estrangeiro. Ainda criança, ganhou
um apelido: Nito. Não se importou durante muitos anos com este chamamento vulgar. Aliás, sentia-
se parte daquilo tudo, se livrara do "w". Corria pelas ruas, arranjava confusão com crianças da outra
rua... Se perguntassem seu nome, dizia sempre: "Nito, por quê?!". Ninguém revidava.
Dizem que a educação deve vir de casa. O pai de Nito era pedagogo e pensava assim. Sua mãe
era livre, não trabalhava, mas jamais ficava desocupada - educava seu filho, ensinando desde a
convivência familiar à social. O garoto cresceu assim, recebendo a educação de que tanto se fala.
Logo, descobriu que caráter e educação são coisas diferentes. Sabia se comportar, calar e não
responder. Mas isso nunca significou bondade ou maldade para ele; era só educação.
Nito cresceu, adolesceu e quis ser Newton. Decidiu entender e aceitar a si. Apresentava-se como
Newton, sorria quando escreviam "Nilton", corrigia docemente contando sobre Isaac Newton e sobre
o "w" que não existia no alfabeto do Português. Ria de quase tudo. Já havia entendido que o presente
viraria memória, que o que se torna memorável modifica o caráter.
A vida, então, a cada dia, se tornava uma ânsia pelo imprevisível e pelo inesperado. Nito entendia,
- desculpe, - Newton entendia que não seria possível forjar o caráter de um ser completamente exposto
ao acaso. Suas decisões refletiam a educação que recebeu, no entanto, sempre ficava muito evidente
que ele era livre para mudar suas memórias no futuro. Negar princípios. Questioná-los, ao menos.
Quando algo o surpreendia, pensava, antes de tudo, em como se lembraria daquilo no futuro. Um
jeito interessante de viver.
Se nosso caráter é fruto da nossa memória, investigar a memória genética e histórica seria
libertador. Recuperar a memória de seus antepassados parecia um caminho acertado. Então,
percebera seu grande defeito de caráter, não tinha genealogia. Sua árvore genealógica era a
mesma feita no jardim de infância, acabava nos avós; era tudo o que sabia. Não há documentos, seus
avós foram escravos, imigrantes, índios, desconhecidos. O imprevisível se tornara o imemorável. Não
sabendo de onde viera, entendeu que em seu corpo podia correr o sangue do herói ou do bandido;
sangue azul ou "selvagem"... enfim, parecia livre para ser.
Mas seu nome era Newton, não Nito. Nome saxônico. Homem latino-americano. Sangue
imemorável. Brasileiro. Percebeu-se ao mesmo tempo singular e plural. Como as nuvens. Nuvens são
sempre únicas, têm aparências incrivelmente diferentes, mesmo sendo iguais. Entendeu. Somos como
as nuvens, que pairam no ar. Umas se dissipam. Outras tornam-se densas. Algumas se agrupam e
chovem. O vento leva. O tempo leva. São tantas, que não são inesquecíveis. Todos se lembram das
grandes chuvas e não das nuvens. A memória não é sobre os homens, mas sobre o que chovem, suas
ações.
Queria ser nuvem, pairar. Viver uma existência fugaz. Poder olhar tudo de cima, contemplar as
paisagens e passar pela terra chovendo onde há secura. Se o caráter se faz com memórias, se não é
possível prever o que será memória amanhã, a liberdade consiste em escolher ser efêmero. Já que,
para muitos, não há genealogia. A identidade de Newton foi formada do vapor de chuvas passadas
que molharam muitos e misturou-se ao sangue e ao suor de quem já foi nuvem.
Sem
Sem que pudéssemos escolher. Sem que fosse possível evitar. Sem que, ao menos, completasse a
sintaxe básica, a ordem direta... A vida passou sob suas retinas. Era o instante. Por um fragmento de
tempo, viveu o presente. O que havia sido e o que sempre quis ser pareciam estar, agora, separados
por uma fenda. Uma enorme fenda no meio de uma floresta que jamais existiu.
Como as peças de um jogo sendo guardadas após o término da partida, percebera a inutilidade da
vida. Pudera. Todos os conselhos foram esvaziados. As palavras bonitas, só palavras bonitas. Que é
a vida? - perguntava-se insistentemente.
O desespero de se viver o presente está na angústia de não saber o que esperar. A vida imprevisível.
Tudo muda de repente. "Não mais que de repente?" E, o que lera, o que buscara, parecia agora estar
próximo. Todos procuramos o sentido-palavra. Quem inventou a palavra?
Sem que pudéssemos perceber, tudo isso passava pela cabeça daquele maldito ser. Odiávamos desde
seu nome. Não compreendíamos. Nem queríamos. Arrastamos seu corpo para o meio da avenida.
Sem que pudesse se defender. Sem uma condenação de juiz ou delegado. Sem que a vítima o
reconhecesse. Sem.
Isso não é uma história, são só palavras
1808 foi ontem. Pouco mais de 200 anos se passaram. Éramos um país de analfabetos. Há
pesquisadores que apontam, sem medo: 99% não viam nas letras nada além de curvas e traços.
Hoje, difícil seria para você, que lê, repensar sua relação com as palavras. Propor a si mesmo enxergar
apenas os traços e contornos de cada letra.
Palavras são histórias. Transcendem a tinta, a tela e o traço. O que eu escrever, farei você enxergar.
Posso guiar teus olhos para ver além do que é tangível ou palpável.
Dizia isto, pois estava perto de seu fim; e ele insistia que o narrador não era o autor. O texto era o
autorretrato de um autorretrato, nada parecido com a história de Doran Gray. Aliás, cinza era sua cor
preferida.
Olhava os girassóis e tentava descolorir a imagem em seu pensamento. É possível descolorir girassóis
no pensamento? (Ei, pare de tentar! Assim você confirma a tese dita: o escritor guia os olhos do leitor
para além de uma tela de computador).
As asas de um avião eram postas no chão para que ao deitar-se entre elas fosse lembrado como um
anjo pós-moderno.
Com palavras as colagens são mais perfeitas do que com ilustrações vazias de subjetividade. Ou seria
possível ilustrar um silêncio que penetra à alma pelo centro do peito como um fio de cabelo tênue e
tão firme que fura sem ser visto - como uma agulha flexível? Há uma palavra para isso: angústia.
Entende?
De pensar que existem pessoas neste mundo imenso que pensam que no Brasil andamos nus, na
companhia da fauna local. Mal sabem que estamos nos empenhando em destruir florestas, assistir
seriados em inglês, consumindo traduções de “literaturas de massa” e muito fastfood...
Evoluímos muito em 200 anos. Até criei um texto surrealista.
Luiz Henrique, Carapicuíba-SP
110 anos
E se... As alternativas são armadilhas que te prendem ao passado. E essa história começa assim.
Era domingo, como toda semana, de todo mês, de todo ano. Mas sempre levava a sensação de que
podia ser diferente. Ora, diferente... Impossível alterar a ordem cósmica.
Mas encontros inesperados sempre acontecem. Inesperados para nós. Óbvios para o universo.
Enquanto planeja-se uma ação, outros são impelidos a agir. Porque, então, estariam sempre na mesma
condução, mesmo em horários diferentes? Tudo bem que poucos trabalham aos domingos, mas não
parecia lógico.
Os dois nasceram no mesmo dia 11 de abril de 1904. Os olhos, pretos, como estivessem dilatados.
Um andar parecido, ele dificuldades com a perna esquerda, ela, com o joelho direito aos cacos. Mas
isso só percebi depois do quinto desencontro entre os dois.
Ela subia com dificuldades no coletivo, fazendo o operador esperar por quase 4 minutos. Quatro
paradas à frente, ele subia e demorava outros 4 minutos. Ninguém reclamava. Afinal, era domingo.
Aos domingos, tudo fica mais demorado.
Ela descia primeiro. Jamais trocaria olhares com outro passageiro, muito menos comigo, o cobrador,
pois os olhos dela fitavam, com uma fé inabalável, o próximo degrau. Ele fingia ser indiferente a tudo
e a todos; aprendera que homem tem de ser sisudo, sério, e até mau, se preciso for.
Seus pais se conheceram na maternidade, no dia em que seus filhos vieram ao mundo. Um mundo
que, até então, não amanhecera em guerra.
Tantos anos depois, pareciam estar condenados à vida, porquanto ignoravam o destino que lhes fora
imposto. E se o encontro acontecesse, enfim, morreriam?!
Tenho vinte anos de profissão. Minha profissão é uma poesia. Cobro a dor. A dor do cidadão que
paga caro para não ter que caminhar muito. A dor dos desencontros e de encontros que vejo todos os
dias, sem que essas pessoas percebam. Às vezes parece que eu sou invisível. Depois que inventaram
esse cartão bom aí, tem gente que acha que não precisam mais de mim. De vez em quando, alguma
pessoa senta aqui e puxa uma conversa. Mas o que eu gosto mesmo é de observar e ouvir histórias.
Agradecimentos
Esse livro só foi possível graças a um financiamento coletivo na plataforma catarse.me. Foram mais
de 90 apoiadores que acreditaram e contribuíram para que este livro fosse impresso. Sou muito grato
a cada uma dessas pessoas que, de maneira muito singela, ajudaram para que esta realidade fosse
possível.
Agradecimentos especiais,
À família que acreditou o tempo todo: Karina, esposa amada, Mizael, pai, Lourdes, mãe e às irmãs,
Adriana e Noemi. Aos amigos que me apoiaram desde o início: Noemi Ferrer, Adriana Ferrer,
Vanessa Oliveira, Leandro Ortunes, Michele Ortunes, Ernane Fernandes, Ellion Montino, Gustavo
Fernandes, Heidy Mota.
Aos nossos primeiros apoiadores no catarse.me, que acreditaram prontamente no projeto e
contribuíram: Karina Cunha, Camila Maria Ferreira Benedito, Renato Jorge Felismino, Samuel Chen,
Mizael Ciriaco Cunha, Márcio Cruz!
Os apoios ao projeto tornaram o sonho possível. Nosso agradecimento aos apoiadores: Vagner Nunes
Ferreira, Ernane da Silva Fernandes, Joaquim Oliveira, Juliana Rosa Lima, Heloísa de Souza,
Vanessa Oliveira, Valdeci Alves Montino, Cleonice Eliamara R. Teixeira, Andressa de Sá Alves,
Maria Nice Ferreira, Alexandre Torrezan Masserotto, Junior Cesar de Almeida, Márcio Estevão
Rebeca Tostes, Edilma Candiani, Gabriel Rocha Lopes Gaspar, Fabiano Soares, Jefferson Carlos de
Oliveira Ferreira, Katia Souza, Priscila Maitan, Dashiell C. Isquedo, Alessandro Elias, Fátima
Aparecida de Souza Oliveira, Heloísa de Souza Oliveira, Lirian e Alexandre, André Guedes, Giselle
Probst do Amaral, Marilza Cristaule, Tatiane Cristaule, Márcia Regina Lima, Maria Soares (vó Tata),
Katia Albino, Madonna Macedo, Gustavo Fernandes, Felipe de Viveiros, Angélica Monção Lima,
Geovane Alencar, Tacio Gomes, Ellion Montino, Rodrigo Martins Dos Santos, Sarah Cândido
Franca, Paula Tatiane de Almeida, Andréa Ferreira, Diana Gonçalves Ciarallo, Márcia Regina Lima,
Jéssica Castro, Viviane Maria do Nascimento Saldanha, Bárbara (Babi), Ingrid Maglio, Jose Carlos
da Silva, Marcia Ferreira Nogueira, Rayane Rafaele Ferreira Pinheiro Gobbo, Edivaldo da Silva
Santos Junior, Vanda Alves, Natali Casaroti, Camila Flores Muniz, Claudio Regis Custodio, Débora
Daniluski, Jeany Ferreira da Silva, Júlio César Cristaule, Kelen Santos, Samira Castro, Miquéias
Novais, Olga Silva Rosa, Robson Adriano da Silva, Valéria Ferreira, Jonatas Eliakim, Juliana Macedo
de Oliveira Costa, Valdir e Ercilia (sogro e sogra), Wilton Galdino, Flavia Galante da Silva, Luiza
Ariva Neves do Nascimento, (tia) Beth Ferreira, Jacqueline Ferreira, Mazé, Cris e Micaella (os
Righeto)!
GRATIDÃO é a palavra que resume este projeto de 60 dias intensos e inesquecíveis! Saiba mais
detalhes em: http://catarse.me/pt/historiade50metros.
Muito obrigado! Vocês serão parte desta obra para sempre!
"...porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos..."
LUIZ HENRIQUE FERREIRA CUNHA é professor. A sala de aula
é o lugar onde passa a maior parte dos dias comuns. As aulas de
Literatura e de Língua Portuguesa, bem como os projetos de Leitura
e Escrita são sua ocupação na vida. Escreve depois de pensar por dias
ou a partir de provocações que surgem nos diálogos com alunos. Ler
e escrever é ofício, obrigação e prazer. Quem já assistiu uma de suas
aulas sabe que gosta de palavras e costuma trata-las como elemento
sagrado. Acredita que elas, as palavras, são maiores que os homens
e a poesia, maior que as palavras. Formado em Letras, tem pós-graduação em Língua Portuguesa e
Literatura. Já lecionou em alguns colégios entre Barueri, Carapicuíba e Osasco. Hoje, é funcionário
público do Estado de São Paulo e do Município de Barueri, acumulando dois cargos de professor de
educação básica II.
Contato: luizh.fc@hotmail.com
Blog: http://luizhenrich.wordpress.com
Site: historiade50metros.com

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  • 1.
  • 2. LUIZ HENRICH HISTÓRIA DE 50 METROS e outras histórias crônicas 1ª Edição Ebook – Livro Digital São Paulo Luiz Henrique Ferreira Cunha 2015
  • 3. © 2015, Luiz Henrich Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida sem prévia autorização do autor. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Henrich, Luiz História de 50 metros e outras histórias crônicas / Luiz Henrich. -- 1. ed. -- Carapicuiba, SP : Luiz Henrique Ferreira Cunha, 2015. ISBN 978-85-918947-1-0 1. Contos brasileiros 2. Crônicas brasileiras 3. Ficção brasileira I. Título. CDD-869.3 -869.8 15-06657 Índices para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura brasileira 869.3 2. Crônicas : Literatura brasileira 869.8 3. Ficção : Literatura brasileira 869.3 Capa: Noemi Ferreira Cunha Internet: luizhenrich.wordpress.com
  • 4. Prefácio do autor Este é um livro de mitologia. São histórias inventadas para explicar ou tentar entender a vida. Muitos acreditam que criar mitos é algo sublime e fantástico, ou que os gregos, egípcios ou romanos eram melhores do que nós somos hoje. Eles inventavam histórias. Nós também. Essas histórias eram transmitidas através do tempo e do espaço. Essa aqui será também, você passará, o livro ficará. Eu passarei também, mas as palavras transcenderão tempos, espaços e subjetividades. Serão recontadas por quem leu. Serão repetidas e modificadas por quem não leu. Se sobreviverem a milhares de anos, talvez sejam objeto de estudo, objeto de crença ou... ou não. Eu não sei. Você também não sabe. Este livro é uma provocação. Um desafio à leitura literária, escrita para ser texto mesmo, não cinema. Escrevo por acreditar em nossa Literatura. Acreditar no que nossos autores. Desconfiar também. É possível haver genialidade por aqui. Os seriados americanos não podem ser tudo em nossa vida. Somos todos mitólogos. Inventemos nossas histórias, escrevamos, encenemos e acreditemos. Convido você à leitura. Nessa obra há textos que foram sendo escritos ao longo de sete anos. Uma leitura subjetiva e fantástica de diferentes momentos da vida. Sinta-se provocado a entender e transver as palavras. Afinal, a palavra é maior que o homem e a poesia é maior do que a palavra. Boa leitura!
  • 5. Como os narradores aceitam não existir ou serem confundidos com os autores?
  • 6. Livros só existem se lidos. Por isso, dedico a quem leu, antes que fosse papel.
  • 7. Sumário Leia se puder, se não der, esqueça .......................................................................................................8 Cap. 1 ou Leia se puder....................................................................................................................9 Cap. 2 ou Autor desiste do texto ....................................................................................................10 Cap. 3 ou Pra não saber quem eu sou.............................................................................................11 Cap. 4 ou Bilhete............................................................................................................................13 Cap. 5 ou Se toca, Raul ..................................................................................................................14 Cap. 6 ou Para quem anda enquanto escreve mensagens...............................................................16 Cap. 7 ou Libertem-me! .................................................................................................................18 Cap.8 ou A música que pausou ......................................................................................................20 Cap. 9 ou Se sou sua loucura..........................................................................................................21 Cap.10 ou Final ..............................................................................................................................22 Cap.11 ou Prólogo..........................................................................................................................24 História de 50m – O copo, a água, a árvore.......................................................................................25 Antes...............................................................................................................................................26 Antes do primeiro metro.............................................................................................................27 Três metros .................................................................................................................................30 Cinco metros...............................................................................................................................31 Sete metros..................................................................................................................................32 O copo ............................................................................................................................................34 Dez metros..................................................................................................................................35 Doze metros................................................................................................................................36 Dezessete metros ........................................................................................................................38 Dezenove metros ........................................................................................................................39 A água.............................................................................................................................................42 Vinte e três metros......................................................................................................................43 Vinte e seis metros......................................................................................................................45
  • 8. Vinte e oito metros......................................................................................................................47 Trinta metros...............................................................................................................................48 Trinta e dois metros ....................................................................................................................50 Trinta e quatro metros.................................................................................................................51 A árvore..........................................................................................................................................52 Trinta e cinco metros ..................................................................................................................53 Trinta e sete metros.....................................................................................................................54 Quarenta metros..........................................................................................................................56 Cinquenta metros........................................................................................................................57 Parte Crônica......................................................................................................................................58 Animal............................................................................................................................................59 3ª Guerra Mundial no mundo de quem?.........................................................................................60 Há pedra, há água, há rio................................................................................................................62 Queria ser nuvem, pairar ................................................................................................................65 Sem.................................................................................................................................................67 Isso não é uma história, são só palavras.........................................................................................68 110 anos..........................................................................................................................................69
  • 9. Leia se puder, se não der, esqueça
  • 10. Cap. 1 ou Leia se puder No papel, a palavra ganha os olhos. Os seus olhos: de você que lê. As letras ganham teu pensamento, porque isso não é só borrão no papel, isso ganha voz na sua mente. E assim, num texto como esse, nascem personagens. Pessoas que não existem além dos limites do que se imprime. Joãos, Josés, Marias, Mários, tantos nomes quantos você puder imaginar e relacionar com alguém que você conhece. O grande desafio de um autor é criar alguém que não se pareça com a maioria das pessoas. Essa tarefa seria fácil se a gente considerasse que cada ser humano é um universo. Mas fujamos dessa mentira, as pessoas são iguais. Iguais porque querem ou por falta criatividade. A maioria segue o roteiro básico de acordar, estudar/trabalhar, conviver e dormir. De tempos em tempos resolvem mudar o corte de cabelo ou o modo de vestir, mas a ideia sempre vem de um ou dois e se espalha para todo o resto. A personagem dessa história não existe, nem quer existir. Seria uma séria ofensa compará-la com qualquer ser humano que você conheça. Aliás, pare de encaixar seus amigos nos arquétipos de humanidade que você encontra por aí em histórias escritas e telenovelas. Aliás, essa personagem não quer ser seu amigo. Quer apenas ser personagem e estar num mundo diferente do seu, de você que lê. Não quer ter o corte de cabelo que a maioria tem ou usar roupas que a maioria usa. Tudo se compra, não se inventa ou cria. Consumimos. No mundo das personagens pode não existir compras e a roupa pode ser a mesma por décadas, séculos, para sempre (tipo o Chaves, do Bolaños). Como se sabe, o que ela pensa e faz depende dos caracteres sobre a página. Então, por enquanto, ela não existe inteira na sua mente. Ou você já ousou imaginá-la?! Não faça isso. Farei sem sua ajuda, apenas leia o que virá: *(continua)
  • 11. Cap. 2 ou Autor desiste do texto Se num domingo ou segunda-feira, pouco importa. Mas há sempre um dia em que marcamos o calendário e lembramos exatamente os segundos, os minutos, as horas, o dia, o clima... Foi num dia desses. Na estação de trem, em meio a inúmeros passageiros que vêm e vão por infinitos motivos, um papel que estava no chão, de repente, com o vento, subiu até o teto em meio a poeira. Papel branco com inscrições em tinta azul, sobrevoou muitas pessoas até pousar: um bilhete. “Não nos veremos mais”: as palavras escritas ali. A descrição perfeita dos encontros entre os humanos urbanos, de grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Tóquio, Nova Iorque. Todos os dias vemos pessoas pela última vez e as personagens narram suas próprias histórias. Naquela manhã ou tarde, aquela frase fez pensar. Talvez mudassem as relações entre os humanos considerarem isso. Viveríamos de despedidas em despedidas. Os encontros seriam desencontros entre milhares de personagens que escrevem ou vivem suas próprias histórias. Tentaríamos recolher o máximo de histórias, sorrisos, lembranças, angústias de quem não veríamos mais. Ou simplesmente contemplaríamos a solidão de ser só mais um rosto esquecido. A maioria das pessoas não se lembra da gente. Aliás, se você tiver 1 milhão de amigos no facebook, ainda existem bilhões de humanos que nunca saberão que você existiu. O bilhete. É sobre o medo de sermos esquecidos. Há quem se preocupe em mostrar-se ao mundo, passando horas elaborando fotos, textos, ilustrações para aparecer diante dos olhos, das telas; tentando estar na memória. Não queremos ser esquecidos, mesmo que os cristãos acreditem que não precisamos ser lembrados aqui, mas ser conhecidos do outro lado, além dessa vida. A personagem decidiu não ser lembrada. Não autorizou sua descrição física ou psicológica, decidiu ser narrador onisciente. Quis assumir a autoria dessa história, o autor permitiu. Agora, o controle é meu, tomei a pena, a caneta, o teclado – pense como quiser – serei o narrador que te fará esquecer essa história: - Não nos veremos mais? *(continua)
  • 12. Cap. 3 ou Pra não saber quem eu sou Ser esquecido em meio aos bilhões de humanos não é tarefa difícil. A maioria das pessoas são em-si- mesmadas. Todos estão ocupados em ser protagonistas de uma história de sucesso, aventura, amor verdadeiro, desilusão plena ou comédia pura. Aceitam figurantes e coadjuvantes sem problemas. Observo daqui, da estação, da rua ou do hipermercado. As pessoas, cada uma a sua maneira, tentam se destacar. Fones de ouvido cada vez maiores; roupas coloridas demais ou em tons de preto, curtas ou longas demais; cabelos soltos demais ou presos demais; celulares grandes demais ou ipods pequenos demais; algumas falam alto demais, outras baixo demais e nos deixam curiosos. Mas a grande massa tenta ser discreta. Cabelos cortados, bem presos ou bem soltos. Roupas em tons comportados, cortes “sociais”. Usam aparelhos discretos. Falam num tom de voz que não incomoda a ninguém. Queria ser assim, parece normal, comum. Talvez seja o melhor jeito de ser esquecido por você e por todo mundo. Mas sou personagem condenada a viver num papel guardado ou numa tela nunca acessada. Criação de um texto longo, não lido. Serei esquecido. Não querer ser lembrado é o melhor jeito de estar nessa vida. Eu estarei aqui por mais tempo do que o autor. Serei nas páginas. Estarei em paz. Os humanos não têm paz? Só se viverem para ser esquecidos... Que bom seria estar leve o suficiente para fazer o bem e o mal sem a culpa de ser lembrado. O bem te dá a responsabilidade de ser sempre bom e não poder errar para não decepcionar a quem te lembra como bom. O mal te isola nos muros do preconceito, não querem mais confiar em você porque te lembram como mau. Como não serei lido, poderei ser (eu mesmo) sem culpa. Como não serei lembrado posso parar diante das grandes aglomerações de pessoas e ser gentil ou grosseiro. Não tenho necessidade de fazer o bem. Se conseguir escapar da moral do autor posso fazer o mal. Talvez não consiga, ele escreve para amigos e conhecidos, jamais será um clássico. Posso contar uma história de alguém que passa por mim e dizer ser ele o mau. Transformar-me num herói por fazer o bem, parece clichê. Como os humanos que são repetidos e iguais, as personagens – tenho que admitir – quase sempre são lugar-comum. Mas tenho a missão de
  • 13. ser diferente. Não ter uma descrição física já foi um começo, mas a essa altura já estão me descrevendo psicologicamente. Espero não estar a me comparar com o autor ou outro qualquer que você conheça ou reconheça por sua prolixidade. Está aí, o que sabe de mim é que sou prolixo, preciso de muitas palavras para existir no papel. E se você chegou aqui, já tenho voz para você. Se me leu até aqui, devo agradecer, a maioria dos humanos não passariam a segunda página. Agora, deixe-me falar mais sobre aquele bilhete: - Não nos veremos mais? *(continua)
  • 14. Cap. 4 ou Bilhete Ainda se lembra do bilhete? Naquele dia, o trem atrasou e fez o maior encontro de pessoas que seriam esquecidas que eu já vi. Resolvi copiar e entregar a boa notícia a todos quantos pudesse encontrar. “Não nos veremos mais” foi espalhado entre as pessoas. Esperei por uma comoção geral ou um vandalismo histórico. Incrivelmente nada acontecia. Resolvi acrescentar um olhar profundo em quem aceitasse o recado escrito. Quis fazer revolução: senti vontade de acrescentar flores, abraços, sorrisos, cantar uma música, puxar uma dança. Mas não conseguia a menor reação de qualquer pessoa. Eu mesmo, fazia sem acreditar, esperava dos outros a reação a ser lembrada. A minha vontade de sorrir e cantar não chegava às extremidades do meu corpo. Se um outro narrador contasse o que aconteceu, talvez te convencesse que eu estava determinado ou mesmo que sorria. Narradores te convencem a aceitar a superficialidade das personagens. Mas eu estava ali espalhando aqueles bilhetes porque o autor quis. Eu não queria, não acreditava, apenas fazia a cena. Você deve me entender, a gente faz muita coisa do roteiro, sem pensar ou sentir nada e todo mundo fala bem da gente. Se as personagens contassem suas próprias histórias e fossem menos ambiciosas que os narradores que se dizem oniscientes, seríamos surpreendidos com cenas sem graça. Se a gente conhecesse mais das pessoas do que as redes sociais informam, ficaríamos surpresos com as vidas vazias ou falsas conquistas. Sou personagem difícil, chata. Tédio demais para um leitor pré-adolescente. Nem o autor consegue me ler mais de uma vez. Não sei contar histórias, só descrevo o que vejo e o que sinto diante do que acontece na cabeça do autor, que está no mundo real – fora do papel. Se é para ser esquecido, este é o caminho. Não ser carismático o suficiente para virar estampa de camiseta parece me condenar ao esquecimento pleno. Continuarei assim, então, como narrador onisciente de minha própria história. Desafiando você a uma leitura diferente das narrativas piegas e comuns. Não falar de mim talvez me ajude a não ser lembrado. Não ter nome, te impede de lembrar de mim ou contar sobre. Essa história é só para quem lê. Se for bom em resolver mistérios, talvez consiga ao menos uma descrição psicológica. Sou assim: - Não nos veremos mais? *(continua)
  • 15. Cap. 5 ou Se toca, Raul De andar pelas ruas e espaços coletivos sem ser lembrado, percebi que ser personagem não é melhor do que ser narrador. O narrador conta e é esquecido. As personagens são contadas e poucas são lembradas. São bilhões de humanos, mas são bem mais de bilhões de personagens. A começar das mentiras colocadas na internet todos os dias como se fossem verdades. Pessoas criam personagens todos os dias, não só no papel, mas em atores que são todos. Intérpretes de si mesmos, serão esquecidos. Somente autênticos seres humanos são lembrados: aqueles que resolvem ser, sem imitar ou adequar. São lembrados porque viveram como se fossem ser esquecidos. São lembranças fora dos álbuns de fotos sempre fechados. Vivos na lembrança, esses acabam sendo imitados. Então, talvez seja lembrado por querer ser esquecido. Ou não. Sou a personagem que decidiu ser narrador. Narradores em livros ocupam a maior parte do papel. As vezes deixam, nós, as personagens, falar. Muitas vezes, falam por nós, inclusive. O problema é que eu não sei narrar histórias. Não sou contador de histórias. Aposto, entretanto, que até o final dessas páginas estarei bem melhor que agora. Vou exercer o poder de narrador e manipular o que as personagens dizem. Vou contar as histórias que ouvi estranhos contarem. Não sei se são verdadeiras, mas farei as personagens falarem por si. Quando entreguei o bilhete para aquele sujeito e tentei fixar os olhos nele, ouvi uma frase inesperada: - Qualquer filósofo grego sem internet discordaria disso! Bilhetinho babaca... isso não é tão óbvio! - Se não quiser, eu jogo fora pro senhor. - Claro que não! Vou guardar essa bosta pra embrulhar meu chiclete. - Ta bom. Já que Não nos veremos mais... – e ensaiei um sorriso que não saiu. - Quem é que sabe? Amanhã to aqui, no mesmo horário... – olhou pro chão discordando - Putz! Ridículo isso...
  • 16. Sujeito estranho, cheio de si. Parecia me expulsar de seu mundo de filósofos gregos e chicletes. Dentes estragados, mas jaqueta de couro. Olhos com aparentes cataratas, mas sapatos similares aos mais caros – provavelmente produto pirata. Com certeza imita Raul Seixas. Já disse que os humanos são assim, imitadores, pouco criativos. Características físicas registradas, não é preciso acrescentar muito mais. Tipo Raul. Não se trata de preconceito meu, sou narrador-personagem que fala de tipos humanos que não existem como eu e, por isso mesmo, estão por toda parte. Como teria preconceito se não existo? Mais ainda, o narrador fala com base em conceitos bem definidos, somos oniscientes. – Acho que cedi a tentação de ser onisciente... o papel aceita minhas previsões, predições e pretensões. – Recolherei histórias e contarei com o poder que me concedi: saber o que pensam e sentem as pessoas. Assim: - Não nos veremos mais? *(continua)
  • 17. Cap. 6 ou Para quem anda enquanto escreve mensagens Recolher histórias em meio a pessoas é tarefa fácil. A verdade é que todos nós queremos acreditar na ilusão de que alguém se importa com o que a gente vive. Mas a nossa verdade, o que de fato acontece com a gente, fica sempre em segredo. Por mais que a gente conte a muitas pessoas, não conseguimos dividir. Parece que em cada ser há espaço para apenas uma vida. Só se pode viver uma experiência sob uma única perspectiva. Jamais se sabe se o que achamos sentir pelo outro é o que de fato ele sente. Mas quando a gente lê, compartilha ao menos ideias dizíveis e pensamentos ilustráveis. Espere aí. O que tanto as pessoas sorriem sozinhas enquanto andam? De longe parecem olhar o chão e achar graça. Mas quando chegamos perto, percebemos o que as entretêm. É o mesmo aparelho que te distrai. Sim, aparelhos eletrônicos, basicamente telefones celulares. O que tanto leem? Sorrisos de felicidade ou de perplexidade. Fico a imaginar as notícias que recebem. Não serão somente notícias boas. Traições, fofocas, funerais, encontros e desencontros, piadas sem graça que nos fazem rir. Olhem bem, observem aquela que vem até a catraca olhando o aparelho. Parece que vai errar o caminho ou trombar em alguém. Mas incrivelmente ela passa sem ser surpreendida por nada. Andar lendo desenvolve o sexto sentido. E ela passa por aqui lendo e sorrindo. Imagino o conteúdo de suas conversas. - Jura? Não falou com você? - Juro, amiga! Que bafo... - Nossa, então ele deve estar com ela de novo! - É! Q caxorro! - kkkkk E trocam mensagens de textos, trocam ch por x. Mas não há erros. Erro é não fazer amigos por isso. Importante é ser entendido. E voltamos à estaca zero. Será que somos entendidos?
  • 18. Observo aquela que acaba de passar por nós, que ultrapassou a catraca (em sentido literal mesmo) e continuou seu trajeto lendo e sorrindo. Agora, obrigada a parar diante do sinal vermelho para pedestres, olha para frente. Talvez tenha percebido que o aparelho lhe roubara a paisagem. Os olhos presos ao celular nos roubam vozes ao redor, paisagens, pessoas que não vimos há tempos. Mas não devemos julgar quem perde paisagens tão cinzas, pessoas tão repetidas e vozes que revelam almas vazias. Então, pergunta aí: - Não nos veremos mais? *(continua)
  • 19. Cap. 7 ou Libertem-me! Trabalho de narrador é assim, falamos mais do que as personagens. Essas páginas são minhas. O autor cedeu e me deixou falar. Mas como não sei contar histórias. Comento o que vejo. Isso é contar: falar do que vejo? Do bilhete que li, saí sendo outro. De personagem do autor, passei a narrador. Já que Não nos veremos mais, prometo ser breve hoje. Quero ser esquecido, escrevo aqui para não ser lembrado. As ideias talvez ecoam em você ainda hoje. Mas eu não existo para você; não sabe como sou, quem sou ou de onde eu vim. Não confunda autor com narrador ou personagem. Posso te dizer quem sou para desconstruir o autor. Não sou como ele, mas infelizmente é na mente dele que estou preso. Posso estar na sua também, só precisa me deixar ser livre aí, me construir ou desconstruir. Me faça ser alto, ser calvo, personagem mulher. Tire os olhos do papel e me enxergue nas pessoas que estão perto de você. Misture as características físicas e adicione a minha psicologia e minha prolixidade. Quero viver fora dessa história impressa. Quero te descrever o mundo que você vive e não vê. Quero que use as minhas palavras, meus olhos, minha mente. Eu não quero ser esquecido, isso é neurose do autor. Eu posso estar vivo além dele, estar entre os humanos, circulando nas estações, avenidas e aglomerações a observar você e ele. Como os narradores aceitam não existir ou serem confundidos com os autores?... Agora entendo a Sofia Amundsen. Mas não sou personagem que precisa de travessão ou aspas, esse texto é meu, já imprimi várias páginas com palavras que são minhas. E se você me criou, agora estou no seu modo de ver o mundo e as pessoas. Talvez a principal diferença entre eu e a Sofia, de Gaarder, é que ela teve o mérito de nascer na Noruega e ser criação de um bom autor. Sou personagem condenada ao esquecimento, criada por autor medíocre, que nunca publicou os textos que escreveu – desde os 17 anos... Se ferrei! Putz!, ele nem sabe usar pronome oblíquo e mistura escrita e fala. Emergente!
  • 20. Olha aquele ali. Homem sisudo. Deve ter conseguido vaga na Federal pelo SISU. Autêntico humano- urbano-modelo. Usa terno e parece bem-sucedido. Qualquer narrador contaria a história dele enumerando as conquistas. Meritocracia pura. Brasileiro emergente. Valoroso. Esforçado. Na infância, ficava na rua, não tinha méritos para frequentar clubes ou parques distantes. Na adolescência, experimentou drogas na rua da própria casa, não tinha méritos para... Deixa pra lá. Cresceu, formou-se. Seus filhos terão mérito. Na verdade, não é sobre esse sujeito que queria falar. Ele decidiu incorporar os valores do opressor dele mesmo... Sabe? Mas acho que ele mesmo não será opressor. Eu preciso olhar para quem está fora do papel, só assim entendo o que se passa aqui dentro, por trás dessas palavras impressas. Se você insiste em me ler, talvez precise de mim para se entender por dentro também. Não por méritos, escolha mesmo. Quem sabe? - Não nos veremos mais? *(continua?)
  • 21. Cap.8 ou A música que pausou Ouça, é aquela música do Oswaldo Montenegro: Eu conheço o medo de ir embora não saber o que fazer com a mão... Lembra se puder, se não der, esqueça. De algum jeito vai passar. O sol já nasceu na estrada nova e mesmo que eu impeça, ele vai brilhar... Será que é o trem que passou ou passou quem fica na estação?... Estive pensando sobre estar vivo em sua mente. Sempre soube que seria esquecido. Já estou mais conformado. Ouço essa música e sinto calma. O sol nasce, poucos o percebem. Imagina eu aqui, em pé, plantado na estação. Não sendo astro, nem flor, menos humano, não mais personagem – narrador – esquecimento parece natural. Como um condenado, deixarei seus pensamentos para flutuar à deriva num blog de internet ou as páginas fechadas de um livro. Faltarão traças para corroer as angústias que não passaram para a superfície daqui. Resta muito pouco. Se eu for numa história curta, ao menos o que não serei há de me conformar. Não ser é vantagem por aqui, no papel. Isso alonga os horizontes. O autor está decidido a me encerrar em dois capítulos. Estariam os humanos sujeitos a um autor assim, que imagina um grande final em apenas mais dois capítulos. Quantos capítulos ainda restam a você? - Não nos veremos mais? ... se não der, esqueça. *(continua?)
  • 22. Cap. 9 ou Se sou sua loucura Estou a pensar nos loucos. Os loucos de verdade, não aqueles movidos por drogas pesadas ou os que se fingem por falta de açoite materno. Estou a falar dos loucos que andam nus pela cidade. Despenteados, sujos, imundos, que gritam profecias ou um xingamento qualquer: esses loucos. Esses que ninguém observa, verdadeiros invisíveis que repelem quem se aproxima sem perceber. A nudez de qualquer um chamaria a atenção (por beleza ou feiura), mas a nudez desses loucos provoca... indiferença. Não provoca nada. Como isso seria possível? Você já observou um louco desses? Talvez ele passou e nem se deu conta. Talvez ele esteja vestido e com o cabelo cortado, passou por alguma transformação, viveu um milagre, algo sobrenatural. O que mais nos devia provocar é o fato de que eles não abdicaram de sua humanidade. São humanos que andam, apesar de parecerem mais com zumbis. Engraçado, muitas pessoas gostam de seriados com zumbis e coisas do tipo, mas não se dão conta de que eles estão por perto. E o que seria pior: será que podemos nos ver nessa condição? O que nos impede de enlouquecer? O que nos mantém sãos? Por que a gente não enlouquece? Se a gente conseguisse entender o que tornou essas pessoas loucas, talvez nos preveníssemos. Obviamente há inúmeras patologias que levam a loucura assim. Muitos são doentes de alma e corpo. Deficiências as mais diversas. O que é mais interessante é que muitas dessas doenças estão na psique, na alma – na mente. Apesar de sintomas no corpo, estão na mente. Ter o controle da nossa mente já me parece algo incrível, uma vez que ela pode se mostrar tão indomável. Então, se você consegue ler esse texto é porque tem o mínimo controle de suas faculdades mentais. Isso te coloca diante dos loucos. Talvez um passo à frente. Ou talvez um passo atrás. Será que eles não enxergam mais do que nossos olhos podem ver? As visões e alucinações não seriam a porta para um mundo mais real? Há quem diga que nossos olhos não enxergam a realidade de fato. O fato é que você pode ler, ele não. A sua frente está esta tela ou este papel: - Não nos veremos mais? *(continua)
  • 25. Cap.11 ou Prólogo Uma personagem sem descrição física. Paradoxo. Ao mesmo tempo todomundo e ninguém. Nunca mais nos veremos ou nunca nos vimos. Roubei a frase do autor! Basta trocar as palavras que o itálico dele não aparece. Nunca mais nos veremos. Nunca mais nos veremos! É isso! Agora, não falará nada mais! Então, nunca nos veremos, porque também não sei quem é você. Até o autor desconhece o leitor real. Nessa história você é cúmplice do meu anonimato, do meu esquecimento. Estamos no mesmo barco. Jamais me lembrarei de você, quem lê e quem é escrito não existe. Somos todos virtuais. Estamos todos na cabeça do autor. Muito provavelmente, nunca existimos. Aliás, estou aqui impresso. Já você... só existe se leu até aqui. Chega. Muitas palavras para poucos leitores! DEFINITIVAMENTE: Não nos veremos mais.
  • 26. História de 50m – O copo, a água, a árvore
  • 28. Antes do primeiro metro Uma história que comece do nada. Como alguém que anda pela rua e começa a pensar. O espaço é de 50m. Passos no vazio do tempo, nunca no espaço. Se o copo não está suado é porque não faz muito tempo que está aqui. Não passou a noite aqui. Não posso ficar parado diante dele. Estou só de passagem. Tudo bem. Um gole. - Aff! Que é isso! – cuspi. Tl@lv£¬ £$s£ *&liqu¨$#uído §£jj@ @llu¢innóg£no...* lol, você tem que me entender. Não é normal. O mundo me parece um lugar estranho. É como se alguém invadisse e quebrasse minha ordem interior. /o . Parece que a vida não é tão simples. Se nem tudo é lógico, então preciso me reconstruir. Preciso parar um pouco, concorda? Estou aqui, no caminho de sempre. Todos os dias passo pelo mesmo lugar. Mas, hoje existe um algo diferente. Apenas tenho que atravessar essa avenida e chegar... onde mesmo?! Pode vir comigo? Fica do outro lado, vai ser rápido, são só 50 metros. Sei. Às vezes a gente fica assim, conflitante. Em conflito com a gente mesmo. E tem sempre alguém que fala pra gente parar de besteira. Mas, diante de coisas inexplicáveis só podemos ter duas atitudes: confrontá-las com a Realidade ou simplesmente ignorá-las. Não quero discutir se há certo ou errado. Mas penso: como seria o mundo se vivêssemos sem mentir; se quiséssemos o bem coletivo; desculpássemos e soubéssemos sabiamente consentir? Planeta Mundo Tão Imundo. Discordamos, destoamos, desafinamos e desafiamos. Lutamos contra nós, pensando estarmos sós. Sem pensar que a natureza é um todo orquestrado. Somos parte, não tudo. Faço sempre o mesmo caminho. Já disse. Aprecio cada imagem que vejo, cada som que ouço, cada brisa que sinto. Às vezes me sinto especial por isso, mas logo me esqueço e tento ouvir um som inédito. Na verdade, ruído. A paisagem urbana parece hostil na maioria das vezes e isso também é arte. As pessoas se integram à paisagem como células a um organismo. E a cidade se expande como uma avalanche de cimento e ferro.
  • 29. Entendo. A vida: experiência única em cada um que por aqui anda. Intransferível. Mas para viver é preciso apreciar. Apreciar a vida enquanto fenômeno, espetáculo. A poesia que invade e inunda a terra. Beleza. Sons. Paisagens indescritíveis. Verde. Cinza. Água. Seca. A Natureza, a natureza, a arte maior que resiste à cidade. Entende? Então, vamos.
  • 30. Um metro Sei que aqui já foi Mata Atlântica. Por isso a importância da escola. Se a professora de geografia não me falasse, nunca iria imaginar. Talvez pensasse que as árvores é que são plantadas, não as casas. Ora essa! Seria uma pérola para o ENEM: “As árvores são plantadas, as casas, não.” Absurdo. As árvores nasceram antes das casas, e não foi nenhum engenheiro, ou arquiteto, ou mestre-de-obras que as projetaram. As casas, sim, foram plantadas. Alguém as plantou no lugar das árvores, é preciso, inclusive registrar essa planta na prefeitura... Tudo é estranho nesse mundo urbano. A natureza está no lugar certo. Aquela árvore está no lugar certo. Já o copo com água... Em casa há lugares para copos com água. Atrás de árvore parece não haver. Não que alguém aqui seja do Greenpeace ou panteísta, apenas uma constatação de um observador atento. E foi justamente a água naquele copo, atrás da árvore. - Mas onde é atrás da árvore? Ora, não questionemos o estabelecido. Estava lá. Pense como quiser. Se bebível porque estava tão cristalina, o mal era ou estava no gosto. Para olhar estava ótima. Assim é. Num primeiro golpe de vista parece mesmo um copo d’água cristalina. Mas, como já disse, o problema é o gosto não mineral. Alguém colocou aquele copo. Haveria uma crença? Não sei. Talvez seja água da chuva. Se sei bem, não o é. Não custa pensar. Aliás, pensar é que é a causa. Quem colocou aquele bendito copo atrás da árvore, fez isso para que um tolo ficasse a se perguntar. Veja a maldade do homem. Não pense que não gosto de pensar. Contrário a isso. Vivo porque penso. Só não penso que é bom pensar em um copo com água atrás de uma árvore... Melhor já dizer que não tenho certeza se é água. Tudo que é líquido e transparente é água? Preciso pensar uma história que aquiete minha cisma. Afinal, sabemos as histórias de tudo o que vemos. Não sei você. Eu, sim. A história daquele copo com líquido: simples acontecimento. Uma distração que virou novela. Não sei bem se isso será uma novela. Vou pensando aqui, e meu pensamento se deitando sobre o papel, em palavras. Como se você lesse minha imaginação. Imagina só.
  • 31. Três metros Seria um pouco inviável escrever um livro andando pela rua. A urbanização desautoriza esse tipo de comportamento. Certamente seria atropelado, esbarraria em alguém ou cairia em um bueiro. Na melhor das hipóteses, iria me atrasar. Para viver por aqui, é preciso saber andar em cima da hora, ser equilibrista. Então, vou só pensar. O escritor que escreva, você que leia. Apenas pensando comigo. Afinal, não é possível escrever na velocidade do pensamento. Nem andar despreocupado nas ruas carregadas de carros. O que se diria só com o pensamento, em fluxos descontínuos? Veja o dia nascer antes de morrer. Espere para ver viver um ser. Deixe de olhar e passe a ver. Não busque rimas onde você só precisa ler. Mais do que ler, é traduzir ao modo de vida. A rima está nonde não precisas. Espere o sol se pôr. Acredite e viva o Amor. Se cansares da vida, pare – e viva! Cante! A Realidade é punk, pede paciência a quem não tem; pede calma à aflita alma; não está pensando no futuro, este que não existe e que rouba a vida que temos hoje e que é presente. Recebemos a vida e não retribuímos com calma. Bastaria um “C” à alma. Pensamentos surgem de repente. Quando nos falta um gravador, a poesia surge em segundos. Mas se vai. Quantos poemas você já perdeu por não ter um papel ou um gravador para falar? O vento leva. Por isso chamamos essas pessoas de “avoadas”. Pensamos, criamos livros inteiros, de repente, tossimos e esquecemos tudo. Aqui não perderei um poema sequer. O escritor pode pausar meu pensamento e retomar depois de dias, meses, anos. Quando a gente é palavra escrita, o vento não leva. Mas, calma. Venha.
  • 32. Cinco metros Em meio aos ruídos da cidade, silencio para aceitar que algo me fez pensar. Penso em fazer-me feito; princípios, valores e conceitos, então, mergulhar em mim. Alguns esclarecimentos são necessários. Não determinamos, tampouco escolhemos. Às vezes pensamos, muitas vezes erramos. Prefiro o silêncio para assimilar ao barulho para simplesmente esquecer. No silêncio nos conhecemos, ainda que pouco. O barulho nos esconde em nós mesmos. Neste momento, a presença da ausência de lógica aparente, fez-me sentir. Enquanto ando, percebo que o tempo interior internaliza o sofrer. Ou se filosofa ou simplesmente se vive. Agora estou pensando, mas não consigo entender. Mas sempre soube que o importante é o que há em cada experiência. Quero entender porque palavras não encontrei. Sinto-me fora. Sempre por aqui passei, mas não sei. O que aconteceu... não sei mais. Os poetas mentiam, mas acreditei, e incrivelmente vivencio a loucura que vejo nas obras que aprecio. Real, ou não. Possível, ou não. Estou vivendo o que você vai ler, para quem sabe um dia entender que certas palavras significam simplesmente: viver. Incrível a imagem que vi. Um copo atrás de uma árvore! É muito inquietante para mim. Não sei se seria capaz de inventar uma história convincente para explicar isso. Só preciso me convencer. Pensar qualquer coisa para me aquietar. Só isso. Caminhando e inventando, pensando e andando... perguntando: ainda está aí?
  • 33. Sete metros Enquanto não há respostas, se bem que não elaborei nenhuma pergunta, andando, tento ouvir o silêncio. É preciso tempo para refletir, assimilar e se perguntar. Então, aqui está: a primeira pergunta e a primeira resposta é da gente para gente mesmo. Para conversar com a gente mesmo é preciso silêncio. Me silenciei. De repente. Neste momento, pergunto. Se respostas, também recebo perguntas. Minha dúvida é confrontada com minha verdade, e ela com minha vaidade. Assim, noto minha imperfeição, mas me encho de esperanças. Sim, é no silenciar do mundo a volta que percebo amor de forma acalentadora. Aprendo a paciência e sobre o tempo, e então, exerço minha liberdade de falar e de calar. Depois dessa introspecção, a ansiedade, de súbito, me assalta. Percebo que não sou como outrora, a uns metros atrás. Agora tenho a pergunta. No entanto, transformo-a em afirmação, declaração. De forma sutil e verdadeira falarei sobre aquela água. Expectativa. Não sei... talvez seja preciso ainda perguntar. Se espero respostas, também perguntas. Importante registrar o que se passa e a inspiração que a incerteza traz. Assim, vejo que posso organizar em três ideias: o copo, a água e a árvore. Não sei se lembrarei disso nos próximos passos, mas já é uma ideia. Quando a gente só pensa, as coisas passam muito rápido na nossa cabeça. Sou meu cérebro. Penso. Por que penso, foi me dado um corpo – pensamento – que só – funciona – com meu espírito... Então sou meu espírito. Na verdade, não somos tão simples assim, o corpo dói. Agora, por que a gente vive com medo de pôr tudo a perder? Sim, medo de um momento que possa desmascarar nossas faces. Seria, não sei, “a prudência egoísta que nada arrisca”?... Ou seria só o medo de ser quem realmente não somos? Existe um alguém desconhecido em nós, que provoca reações diversas. Ou é o que na verdade somos? Somos quem somos ou somos quem temos medo de ser? Não ousamos ser o que não somos porque sonhamos ser quem fingimos ser. Na verdade, somos tudo isso. É o que nos faz ser e não ser. Toda essa crise de identidade é o que somos. Somos o que nos priva e nos autoriza. A liberdade e a prisão em nós. Uma ideia infinita em um corpo finito. Tipos em
  • 34. ternos, por dentro eternos, em uma efêmera passagem por um mundo. Essa crise é. Ego, Superego, ide! Fiquei pensando e quase nem saí do lugar. Ainda tenho que seguir em frente. A vida externa continua frenética. Sigamos.
  • 35. Parte 2- O copo
  • 36. Dez metros A origem do copo. História simples. Uma senhora – ou senhor – que viajava pelo tempo o pôs ali. Dizem que agora está no futuro. O mais intrigante é que não usa máquina do tempo. Sua história é um mito, e quem sabe se esse livro poderá ser classificado como mitologia daqui quinhentos anos. Que tal: “O mito das árvores urbanas e dos copos campestres”... não. Voltemos. Contarei de forma simples, sutil, sem ser enfadonho. Quando era adolescente, escrevia. Sem simpatia. Olhava sempre para o horizonte como se não fosse daqui. Estaticamente, como ipê sem flores que a gente vê sozinho num pasto quando viaja por uma rodovia no meio do nada. Assim, incapaz de inspirar um poeta a escrever um poema qualquer. Mesmo assim, viajante, sonhava com seu nome em poesias. As palavras que manchariam suas folhas, muitas vezes, foram lançadas ao vento. Nas primeiras letras via-se melancolia, amor pela vida e ódio que mais era raiva de si que do mundo. Por cautela, vergonha, medo e esperança nunca revelava suas palavras e também sentimentos. Sentimentos esses que nutria secretamente. Escrevia como quem dialogava com o futuro. Em momentos em se encontrava com quem gostava, não havia palavra; o som do vento sussurrava o que sentia em forma de poesia aos ouvidos distraídos de um poeta. Coisas assim: Dê Flores amarelas Se amar ela Dê Poesia. Os sentimentos sufocavam. Na tentativa de se livrar deles, escrevia. Queria transformar seus sentimentos em palavras. Assim o fez. Esperava expressar tudo através do papel... Certo dia, enquanto escrevia, sentiu os pés molhados. Minutos depois submergiu. Incrivelmente foi parar no mar. Assim, do nada.
  • 37. Doze metros Verde. Devo atravessar a rua agora, deve ter uns bons metros. Vou atravessar bem devagar para contar a história sem precisar suprimir qualquer poesia. Entendamos a história do copo: E assim, como agora piso na faixa de pedestres, de repente nossa heroína ou herói – não se sabe –, se viu em um imenso mar desconhecido. Afundou. Temendo as fortes ondas, passou a lutar inutilmente. Bastaram alguns poucos minutos para que se cansasse. Nesse turbilhão no desconhecido se desesperou e se entregou ao desespero. Incrivelmente não se afogou. As horas passavam e o desespero não resolveu nada. Em certo momento tentou desistir, mas pensou em tudo o que viveria se resistisse. Fechou os olhos e via a quem amava. Sabia que teria que enfrentar o mar. Mas para que lado nadar? Como tudo aquilo aconteceu?! Ainda, nada fazia sentido. Tempestades e tormentas quase submergiram (-lhe) por diversas vezes. Em solidão se viu, e em um mundo completamente desconhecido, pedia forças para prosseguir. Tudo era assustador, só tentou escrever e... onde tinha ido parar?! Num piscar de olhos percebeu que algo se aproximava, algum animal-marinho-desconhecido. Sim, era um cavalo. Não um cavalo marinho, um cavalo cavalo – o som dessa palavra quando repetido muitas vezes soa estranho – mas naquele momento foi música que acalentou. Cavalo! Cavalo! Aquele seria seu companheiro. Surreal, mas não estava delirando, pois o cavalo não só ouvia como também respondia. Nele encontrou respostas e perguntas. Nem sempre satisfatórias, mas de qualquer forma... Então, afundaram-se nas profundezas daquele mar desconhecido. A viagem foi assustadora. Parecia ver a História de trás para frente. E, para sua surpresa, estava no passado. Mais precisamente, em mil novecentos e... não sei em que ano exatamente, mas ela se viu quando criança. Como se revivesse, como espectador, o próprio passado: amigos, brincadeiras-de-crianças, acidentes e embaraços... No auge de sua descoberta maríntima sentiu um empurrão. Quando abriu os olhos estava em sua cama. Só um sonho... Quando foi até a janela, só pôde ver a imensidão do mar. Estava de volta ao presente, mas o mundo já não era o mesmo. Suas folhas estavam molhadas, todo o quarto havia mesmo sido inundado. Água por toda a parte.
  • 38. A ausência momentânea de reinspiração fez seu companheiro, o cavalo cavalo, ir. Por tempo ficou ali, à janela, vendo a distância que percorrera no infinito horizonte; quase nada. Naquela noite sonhou enquanto escrevia: Sons sustenidos Sono que ouço ao longe Avidamente em meu encalço Sono mio! Delírios em sonhos Lembrança externa Se é primavera, e ela exala Viver contigo entre quimeras...
  • 39. Dezessete metros Acho melhor correr. O farol fechou faz alguns segundos. A vida exterior a nós continua sendo regida pelo tempo. Estão buzinando. Mas continuo a contar: Essa história tem a ver com o copo, mas não diz nada sobre a árvore. A água, ainda não sabemos de onde veio. Tenho mais alguns metros à frente e vou aproveitá-los para resolver a cisma com a água e a árvore. Continuarei a história enquanto percorremos os próximos metros. Estou gostando de ser mitologista. Parei. Aqui, em frente a árvore a avenida é larga. Calculei 50 metros. São cinco ou seis faixas para os carros em cada lado e um canteiro entre elas. Típica avenida de uma grande cidade. A direita está a ponte que já teve o maior vão livre das Américas. Puro metal. Contraste total com a natureza resistente representada pela árvore e a água. Ponte é coisa humana, como o copo. As formas não negam. O que é natural é assimétrico, irregular, torto. Os homens, no ímpeto de corrigir a criação divina, criam objetos e pontes com formas regulares, simétricas. Reta é imperfeição pura. Anátema. Farol novamente fechado. Pensei demais. Temos mais tempo para divagar. Percebeu como aceleramos uns metros e paramos em outro, por isso capítulos curtos e outros longos. Então, continuemos dali.
  • 40. Dezenove metros No outro dia, acordou com a decisão de lançar-se novamente ao mar. Dessa vez, como alguém que busca algo mais para si, não como fuga. Começou a escrever em um papel úmido que estava no chão. Subitamente, as águas frias arrebataram ao mar, o frio era terrível, mas logo estava bem. As ondas estavam altas e lançavam às alturas, permitindo ver o que estava atrás do horizonte. Anoitece, seu companheiro reaparece, mas agora traz consigo a pessoa com quem sonhara à noite. Surpresa. Já não refém da angústia, passou a transbordar palavras e sentimentos que tentara escrever. Suas palavras exalavam o perfume que aquece o espírito. Docemente, soprou ao vento palavras que encontraram ouvidos atentos, em um canto silencioso disse, em poesia ao seu amor: Às vezes perco palavras. O vento leva. Não poderá lê-las, mas foram as mais belas. Que você precise delas. Uma vez. Só. Tão perto, tão longe. Olhos, tristeza, alma: choram. Lágrimas de Realidade. Já que sem-ti-momentos tais me acometem, direi aquilo que logo esquecerás. Por você...? Por mim. Só preciso lhe dizer o que teme saber. O tempo me fez sofrer. Fez-me ver meu sonho dissoluto, em absoluto, você me perder. Não desespero, mas espero. Por tempo. Só Lindas palavras.
  • 41. Mas nessa conversa, ninguém estava presente, na verdade, estavam futuro. Sim, o cavalo viajara mais uma vez, e trouxera um passado que ninguém vivenciou. Depois dessa experiência, ficou para o futuro. Neste tempo, atemporal, mesmo com os temporais, enquanto conversava, estava sempre com o cavalo. Podia estar no futuro por alguns instantes, e de forma muito intensa. Passou a acreditar como nunca em um final feliz. Agora via sentido em tudo aquilo, se sentiu bem para encontrar a quem amava, finalmente, no presente. Voltou ao seu quarto e em um pedaço de papel sujo escrevia: Nessa hora é Essa melhora que Por vezes está A me acompanhar O segredo está No poder falar Sem por tudo a Perder-se de si Na manhã seguinte, foi se arrumar para o grande encontro. Sua busca havia chegado ao fim. Tudo fora Verdade. Mas, enquanto repassava o texto que diria, olhou de relance para o espelho e viu alguém maior. Era a Realidade, aquela que faria sofrer. A desilusão fora tanta que, na mesma hora, tudo foi submerso. Dessa vez, sem água, apenas uma atmosfera conflitante, onde partículas de oxigênio se multiplicavam rapidamente e o excesso de ar puro sufocava. Triste e sem motivo, foi procurar o seu amigo. Mas, para sua surpresa, agora tudo era real. Descobriu que seu cavalo era feito de palavras. O mar era dentro de si. E quem amava, um papel. Então, a Realidade lançou em sua face o primeiro objeto que encontrou na mesa em que escrevia, um copo esquecido, típica bagunça de um adolescente. O copo estava ali há uns dias e já fazia parte da decoração. Parece uma grande incoerência um copo não se quebrar assim, sendo arremessado... A Verdade surpreendeu a Realidade: o vidro lançado ao mar não se quebrou, nem tampouco feriu, mas se encheu. Sim, o copo resistiu às inundações, permaneceu na mesa. Quando tocou em seu rosto, foi abraçado. Vejamos melhor a cena. Copo em direção ao rosto. O toque. As mãos sobre o copo. Um abraço. O copo se enche com água do mar e passa a ser a única lembrança real de tudo o que aconteceu só no
  • 42. papel. Viajante que leva consigo um copo onde guarda água de um mar que nunca existiu. O objeto tornou-se sagrado. – Que lição essa história toda. Entendi: a pessoa era o próprio mar, aí o copo foi lançado nela, que é a água desse mar, por isso não quebrou... Muito bom! Viagem, hein... A cisma com o copo foi resolvida, acredito. Mítico: o viajante viajou em si mesmo, o copo é a sagrada lembrança de um passado. Devo continuar a passos largos a história nos metros que ainda restam. Não, caminharemos como quem faz o caminho, no sapatinho, como um desbravador que conquista a si a cada metro que avança. Avante!
  • 44. Vinte e três metros Acabo de sair da enorme sombra da árvore. Deixo-a, por hora. E é como a vida se apresenta. Saibamos que a muitos nos renunciamos quando a um escolhemos. Penso a densidade uma escolha que pode mudar nossa relação com o que é infinito. E pode ser que ao acaso seja. Ou, caso seja marcado, nada impede ser adiado para o inesperado. E o que o mundo tem a ver com isso? O que o copo atrás da árvore tem a ver com isso? Onde é atrás da árvore?... Há de haver situações, pressões diversas daqueles que assistem à vida, que não participam da própria. Esqueçamos. A água devia ser o assunto agora, para tentar organizar a desordem de pensamentos. Ela nos lembra o infinito, é símbolo da vida e da existência em si. O planeta é coberto por água. Os oceanos conotam o mistério de viver, de existir. Então, o encontro entre as pessoas acontece em meio a esse mar. Compreendo a imprevisibilidade da vida. A vida enquanto um roteiro de um espetáculo pessoal. Quando duas peças se encontram, não são somente duas personagens. Cada persona traz consigo, em seu roteiro pessoal, outras personas que são protagonistas de si, e assim se seguindo, como se as relações fossem o sal que está no mar, entre infinitas gotas que somos. Em meio a essa coletividade singular, o encontro acontece. Não a fuga de duas personas para um espetáculo improvisado. Eis que se assistem, se aplaudem, contracenam e, quando acontece um silêncio, como num clarão, se veem na essência, além do espetáculo. Nesse momento cantam, se encantam. Outras personas param para ver um beijo que parece não acontecer. E no fim do clarão, como num lusco-fusco de amor em névoa, sentem que luzes indiretas são acesas e duas peças de outrora se tornam uma. Muitas personas são integradas ou intrigadas e contracenam por um tempo; enfim, duas personas se veem sós. – Belíssima alegoria para o casamento. Bem melhor que a da mosca que fica presa no saco de lixo. Ela entra achando que vai se divertir, alguém amarra o lixo e ela fica presa para sempre ali... HAHA!.. Ei! Não me olha assim! Só você fica querendo ver beleza e perfume em tudo! Continua, vai... mas volta para a história.
  • 45. E então, mais uma vez sempre pode ser tudo o que não foi; aquilo que será. Como dizer sem poder você não entender? Quis dizer que te disse tudo. Um instante... sim! Já disse. Não diga que não. Sei que pareço confuso. Tento também desabafar, entende? Os analistas de plantão entendem essas palavras tão desconexas num primeiro momento. O fato é que, como todas as pessoas, meus pensamentos são completamente influenciados por meus sentimentos. Só que, para sentimentos dificilmente existem palavras ou imagens, são somente sensações. Sinto que alguém errou, está errando, coração parando, um parou. ... ... Não sei como... mas parou. Tentou-se evitar. A ideia sufoca. De pensar que... Insensível-me! Olhos, sorrisos, expressões. Choro, sem-risos, depressões. Direi. Não que tudo acabe. Deixe-me. É importante saber que, há tempos, penso em escrever para alguém me ler. São palavras. São flores. Sonetos, versos, desamores. Mas só penso. E continuo. O grande desafio é viver fora de mim. Perco-me em pensamentos enquanto a vida passa. Cada paisagem me inspira a olhar para dentro de mim. Tudo no tempo e no espaço da vida. Esse espetáculo pessoal e coletivo. É preciso entender tudo isso. Quem analisa o tempo todo corre o risco de ser analisado sem perceber. Esse é o erro. Se já era ridículo, ficou ainda mais patético. Um dilema, uma ideia fixa? Aquela bendita água!... Não é tão simples assim, devo confessar. A história do copo foi simples, mas descobrir onde é atrás da árvore, não será? De novo, perdido. Devo falar da água. Voltemos.
  • 46. Vinte e seis metros Que horas são? Se quer saber, acabo de me livrar desse maldito relógio de pulso. Não queira controlar essa história pelo tempo. É uma história de espaço. 50m. Estou a caminhar e a filosofar. Não, filosofar é muita pretensão. Isso aqui é poesia. Despretensiosa. Num espaço atemporal. Livre-se dele! Esse tempo que te arrasta pelo braço atrapalhando sua leitura. Esse relógio de pulso. Prende no pulso as horas que marcam o dia. Que nos prendem na rotina. Relógio de pulso a prova d’água. Você preso ao tempo até debaixo d’água. Antes de chegar ao fim do dia, em sinal de protesto, quebremos o relógio para que, então, o pulso pulse sem horário para pulsar. Deixe que as horas passem. No pulso ou fora do pulso. Não que se deva viver de impulso, mas para usarmos o tempo, não o tempo nos usar. Sugiro que faça isso agora. Enquanto ando, cada passo me é uma ousadia no vazio do espaço disputado por milhares. A cidade. Um organismo vivo composto por uma porção de células predestinadas a uma vida que não reflete, sem brilho. Penso retornar àquela água, me tornar totalmente alucinado. Mas devo percorrer esse espaço para chegar ao fim dessa história. Afinal, ainda nos incomoda muito saber quem a pôs. Andei apenas 26m e alguns parágrafos em páginas de livro. Mas esqueçamos também, aqui, a ideia de controlar essa história por meio da Matemática ou dos espaços que ela ocupa no papel. Ler nunca é perda de tempo. Tente ler isso em voz alta: Tempo, quanto tempo muito tempo sem tempo a gente perde? Cadê o tempo? Não se vê. Sempre está. Deixe star! Rápido passa. Agora passou. O tempo foi, é, será: ontem, hoje, amanhã. Vida para viver, acordar e agradecer pelo que foi, o que é. O que será tem seu tempo. Senhor do Tempo não se atrasa. Esperar, descansar. Viver é tudo que é impreciso. Estar pronto para o que será. Pensamentos que nos assaltam enquanto andamos não são tão friamente calculados. Aqui estamos, sem ação, a voz calada. O tempo... não, ainda não era hora. Lembre-se do que disse a você outrora. Cenas da vida nunca se repetem. Nós, protagonistas ou coadjuvantes, uma escolha, escolha uma. Vivência ( ) sentidos vividos ( ) existência ( ) dores ( ) amores ( ) ausência ( ) sobrevivência ( ) viver ( ) ser ( ) presença ( ). Opa! farol de pedestres fechado; devo respeitar. Enquanto espero este sinal de civilidade vou contando a história do líquido transparente que chamei de água. Como o farol logo vai abrir, vou
  • 47. contá-la nos metros seguintes. Respire... Inspire... Inspirado cante. Permita-se ser cantante. Por favor, não atire!
  • 48. Vinte e oito metros Se chegou até aqui, ama palavras. Livros não são só histórias. Não sejamos escravos da ação. Arte com palavras é colorir com letras. E essa página deixa de ser preto no branco a cada olhar seu. Transcendamos às sagas, colemos palavras nos objetos do nosso dia. Cumprimentemos um desconhecido com um “Não nos veremos mais!”. Impossível, sim, andar entre gentes e ficar sem pensar. Imagino histórias para cada rosto triste, perplexo, sem brilho, oleoso. Sorrisos encantam e confortam, mas nem sempre inquietam como expressões adversas e diversas que a face imprime. Elas revelam fragmentos do que há na alma. Imaginar histórias e ser surpreendido pela realidade de um empurrão ou buzinas é comum. Quem nunca. Nunca. Sempre. Tanto quanto enquanto. Foi para ser poético. Porque quando a gente anda pensando (literal ou figurativamente), às vezes, se perde nas palavras. Essas palavras que abriram este parágrafo fazem-me lembrar de que há um hiato entre o que nunca mais vai voltar e aquilo que desde hoje será para sempre – até o final de nós. Já contei a história do copo. Talvez a “água” sejam as lágrimas daquele rosto. Parecia alucinógeno. Será que tomar as lágrimas de alguém importa a tristeza ou a alegria de quem chorou? Antes: o sofrimento sai junto com as lágrimas? Não se pode negar que o choro alivia, mas será que contém, na “água” que sai, sentimentos líquidos? Taí, uma boa tese. Mas acho difícil reunir tantas lágrimas a ponto de encher o copo. Lágrimas são salgadas como o oceano, símbolo do infinito. Então, choramos mistérios. De nossos olhos escorre o infinito. Cada gota carrega algo de dentro para fora de nós. Chorar é exportar. Os olhos são a parte externa de nosso cérebro. Nosso cérebro é o centro nervoso do corpo. Dali saem as ordens para todos os movimentos. Há quem defenda que é lá que moram os pensamentos. Não se tem certeza disso, mas o fato é que o choro sai por lá, pelos olhos. Bebi líquido cerebral? Que louco tudo isso.
  • 49. Trinta metros Voltemos ao copo. Sabemos que a viajante apaixonada trouxe o objeto do passado. Aliás, impossível trazer do presente ou do futuro. O líquido, então, era, nada mais, nada menos do que lágrimas. Eita pega! Bebi lágrimas de um desconhecido. Será que é por isso que estou tendo tantas iluminações e ideias. Seria, agora, capaz de sentir a dor que ele sentiu. A literatura fará você sentir bem. Qual não seria o passado daquele ou daquela que chorou? O que te faz chorar? O que são lágrimas? Momento de profunda emoção na leitura. Ligue uma música ao fundo. Calmamente, retome a leitura. Esperarei... ... ... ... ... ** Angústias são da vida. Ou será a própria vida, a própria angústia? Viver tem dessas coisas. A viajante usou o copo para trazer lágrimas de um passado para um presente. Não precisaria disso. Há tantas mágoas de lágrimas evaporadas há anos que são carregadas dentro da gente. Talvez fez isso para eu traduzir a cena como alegoria da vida. Não admite serem suas aquelas lágrimas. Diz que coletou de alguém. O copo era futuro, porque antes – quando não existiam cidades e vida urbana – não se armazenava nenhum líquido além do que caberia na palma das mãos. Quase sempre o que se guardava esvaía-se entre os dedos. Não havia espaço para a ansiedade. Só mesmo alguém futuro seria capaz de sofrer pelo que haveria de acontecer. Quem chorou escrevia entre lágrimas. Foi levado ao futuro sem perceber. Pôde escrever. Os sons da escrita em teclas – e mesmo da caneta no papel – acalentavam o intervalo entre os soluços. E tentava responder a si mesmo o porquê de tantas lágrimas.
  • 50. Por mais que exagerasse no uso de palavras e enumerasse milhões de causas, no fim, “existir” parecia motivo suficiente. Ficou entre os escritos uma carta que o mar, leva sempre consigo. Esta carta não estava atrás da árvore, mas é como se estivesse. E se pudéssemos tomar as lágrimas e ler as angústias de todos os homens?
  • 51. Trinta e dois metros A carta estava rasgada, mas poderíamos ler o parágrafo grifado e preservado em meio as manchas no papel. Era uma carta sobre outra carta. A primeira temos um parágrafo aqui, já a outra, nunca leremos. Desapareceu em meio a crosta de papel, tinta e lágrimas. Era a própria viajante quem escrevera. Eu já desconfiava. Sentia-se condenada a viver em um corpo de uma vida que não lhe era confortável. “Há um tempo, escrevi uma carta a mim. Era adolescente, tinha pouca idade e muita imaginação. Naquela época, já divagava sobre coisas e coisas. Pensava. Queria dialogar com o futuro, como naquela história. O tempo passou e não tenho tantas saudades do que fui. Li os conselhos que me dei. Como eu tinha medo do futuro que me parecia tão incerto... Ontem ouvi algo que me fez lembrar essa história toda. O homem dizia que quando plantamos, a última coisa que vemos é o fruto. Não se pode queimar as etapas que são naturais. Quando escrevi, naquela época, plantei e só hoje vejo que toda insegurança era a desconfiança de quem enterra uma semente. Aliás, que desespero enterrá-la e não ver mais nada. Olhava para a terra e parecia que nada sairia dali.” Imagino que este trecho foi escrito enquanto as lágrimas eram colhidas. O restante do papel carregava manchas. Não posso acreditar que alguém chore assim. Mas essa história é sobre inventar. Inventei e está aqui escrito. Não é para acreditar. Importante mesmo é a gente pensar se tudo isso aqui se deve as lágrimas de um estranho. Bebi o choro de alguém que não se encontrava na vida ou com a vida. Engoli a angústia de alguém. Como seria possível isso? Parece que só temos espaço para sofrer um ser, nunca vários. Não queremos o sofrimento de ninguém, mas e se pudéssemos, dividiríamos o nosso?
  • 52. Trinta e quatro metros Agora devo avançar até o meio da avenida. Quantos metros percorremos? Passamos pelo canteiro e não percebi? – Canteiro não seria no canto? Como chamar o espaço entre duas avenidas?... Não deveria usar interrogações. Quem lê uma história, lê em busca de respostas. Tentemos ser mais afirmativos. Falar de certezas atrai pessoas. Fé. Os homens buscam aquietar-se diante do inexplicável, acreditando firmemente em declarações e frases feitas. Acredite, só eu sei onde é atrás da árvore.
  • 54. Trinta e cinco metros Penso comigo. Quantas vezes já passei pelo mesmo lugar e nunca me ocorreram histórias como essas. Sempre via a árvore. Sempre vi copos com líquidos. Entretanto, como a junção de tudo isso, de uma forma quase incoerente, me fez mergulhar em mim também? E ainda me falta entender onde é o lugar que sempre me pareceu evidente, mas que agora me perturba. Atrás da árvore! Ora, não sei onde é atrás da árvore! Não venha me dizer, “depende do seu ponto de vista”, isso não desvendaria nada, continuaria sem saber. Na verdade, você também não sabe... – Você mentiu. Até ontem pensei que só eu percebia essa árvore. Todos passam por ela com tanta pressa, nem a notam. Não raro, pergunto a alguém se já percebera a beleza contrastante de folhas que mostram o sentido do vento e um ar que mal podemos respirar; ninguém nota. Ninguém vê o vento. Ignoram a árvore. Há um semáforo que rouba a atenção à natureza. Mas, alguém não só percebeu, como abandonou um copo atrás. Atrás?
  • 55. Trinta e sete metros A imagem é incrível. Quando observo a árvore, enquanto me distancio, tenho a impressão de que a cidade cresceu a sua volta. Ela está em cima de uma colina que, ao que tudo indica, protege sua raiz. Isolada da natureza. Subsiste entre um estacionamento de um hipermercado e uma avenida hipermovimentada. E, sozinha, representa o que já foi floresta. É inevitável não me ver ali. A máxima é, “o homem não é uma ilha”. Mas parece que, o homem, enquanto essência de verdade e beleza sempre será uma ilha. Os homens passaram a investir cada vez menos no espírito e passam a investir de forma exponencial em “coisas”. Quando um homem investe no seu espírito, vai se tornando uma ilha em relação ao mundo; vai se tornando a árvore solitária onde um dia foi floresta. Poderíamos dizer que essa ilha, esses raros humanos formam um grande arquipélago diante do infinito. Assim são vistas todas as pessoas que cuidam do espírito e entenderam o essencial da humanidade. Só poderíamos enxergá-las se estivéssemos além do infinito. Olhando do satélite aquela árvore parece até estar perto de outras – também isoladas no meio da cidade – demonstrando até certo arborizo urbano. Mas naquele instante em que me vi diante dela, parecia sozinha. Estava – tão ingênua – em sua tentativa de lembrar a alguém que tudo já fora floresta. Fez-me pensar tudo isso. Enquanto saio de sua sombra e sigo em frente, mostro-lhe minhas costas, numa demonstração de superioridade. Aposto que ela já presenciou inúmeras vezes essa cena. Homens, de tempos, épocas e índoles diferentes viraram, deram as costas a quem permaneceu no mesmo lugar até que todos estes morressem. Ser árvore. Ficar. Causar encanto e espanto, servir para descanso. Mas copos sobre suas raízes, não posso crer ter sido comum ao longo de todos esses anos. Se ao menos soubesse onde é sua frente, encerraria essas divagações aqui. Nem a árvore sabe onde fica suas costas. Depois de tantos anos no mesmo lugar, enfim, ela é palavra e viverá ainda mais. Estamos convidados a, ironicamente, eternizar a imagem poética de uma árvore no meio da cidade neste papel feito de árvores mortas.
  • 57. Quarenta metros Meus passos curtos devem irritar quem me observa. Mas quem lê percebe que já percorri um longo caminho. Cinco metros no asfalto ou cimento da cidade parece um espaço curto para tantos pensamentos. No entanto, se estivéssemos a mergulhar já seria possível se afogar. As palavras são cilindros de oxigênio para mergulharmos em nós mesmos. Espero que não tenha se cansado: andei pouco, mergulhamos muito. Sobrevivemos. Será que em outros tempos aquela viajante e aquele de quem gostava se encontraram aqui? Antes de toda a cidade ser erguida, teriam eles desfrutado da sombra daquela mesma árvore. Talvez a sombra fosse menor, ou já tivesse esse tamanho há muito tempo. O que eu sei sobre árvores... nada! O estranho mesmo é a gente estar num mundo que já foi de outros. Nossas ruas, nossas casas, nossas árvores já serviram a outras pessoas em tempos passados. Até sentar-se num banco de ônibus ganha outro sentido quando pensamos assim. As árvores passam pelos homens e não os homens pelas árvores. Quando usamos o tempo ao invés do espaço, há essa inversão. Mas essa história é sobre espaço, cinquenta metros. Aliás, será possível não relacionar o espaço ao tempo? O espaço de um berço não cabe o homem que deixou de ser criança com o tempo. Os homens deixam o berço e ganham o mundo. As árvores permanecem em aparentes berços. Subterrâneas, enganam nossos olhos. Muitas são maiores de raízes e podem ser cortadas onde for, permanecerão vivas subversivamente. As árvores, os homens e a terra. O que é superficial é vencido pelo tempo, ainda que percorra longos espaços. A que tem raízes profundas limita seu espaço e se alastra perpassando o tempo. A terra é o sumo dos dois, síntese da vida que é matéria. Aquela que é aberta para receber os homens quando morrem, abre para trazer a vida árvores. Ali o que era vivo se decompõe e a vida se recompõe.
  • 58. Cinquenta metros Por um instante, sinto vontade de voltar atrás. Desistir da travessia dessa avenida. Ignorar o semáforo. Sentar embaixo dessa árvore e ouvir suas histórias. É como se a gente devesse ter harmonia total com a natureza. Cada marca naquele ser, galho caído, folhas perdidas na calçada e o som que o vento a faz produzir, parece me contar algo que não posso entender sendo assim como eu sou. E eu me achando sensível porque a percebia. Ver e perceber não parece suficiente. Quem viajou no tempo foi árvore. Sua história de amor era subterrânea. Suas raízes encontravam-se com as raízes de seu amor e produziam frutos. Sua história tornou-se triste porque foi condenada à solidão de estar numa cidade. Não podemos resolver isso nem com palavras. Jamais conseguiríamos replantar sua família. Talvez o tronco, os galhos, enfim, a madeira de seu amor é o móvel onde o escritor apoia suas teclas. Como podem achar os homens que suas histórias de amor é que são tristes. A avalanche de concreto dizimou a floresta. As casas plantadas desfizeram famílias inteiras. O tempo passou e o orvalho se transformou em lágrimas. Pudera deixar de ser árvore e sair dali, correndo e se lançar no primeiro rio – se não fosse poluído – e deixar-se levar até o oceano que é infinito. As enchentes na cidade parecem atender a um pedido desesperado desses seres que não querem mais ser sós. Ignorados por todos, no máximo, recebem cordas que servem de balanço que ferem e imprimem novas marcas. Nunca tinha pensado em árvores assim. Todo livro já foi árvore. Bibliotecas são jardins. Histórias de amor e poetas são consequências dessa natureza. Não nasci na Mata Atlântica, sou da cidade, aprendi que a beleza vem da simetria, do ângulo reto. Preciso reaprender a olhar e a ser. – Já ouviu falar em ebook? Chegamos.
  • 60. Animal Sem que o animal tivesse tempo para reagir, avançou e torceu o pescoço do bicho e não largou até sentir vazios os pulmões. Ao lado, chorou sobre o corpo de sua criança morta por uma fera. Haviam sinais de luta, as mãos da pequena estavam machucadas, com muito sangue. Num instante de lucidez, percebera que havia uma faca na porta de um dos quartos. Sorriu em meio ao desespero, entendeu que o filho lutou pela vida, se armou, foi bravo. Levantou-se e foi em direção a porta. Quando abaixou para pegar o objeto, seus olhos seguiram os rastros de sangue quarto adentro... Um par de botas enormes. Seguido por calças pretas e uma jaqueta escura. O cadáver também tinha os cabelos mal cortados e as unhas enormes. Lembrou-se dos momentos em que o garoto e o bicho brincavam e sorriam. Sim, o animal sorria. Há na natureza uma pureza que perdemos com o tempo. Parece que a vida civilizada, moderna, ou como quiser chamar, nos rouba a alegria. Os bichos sempre nos lembram que a vida é pra viver, não só pra ganhar. Entendeu. A garota havia sido vítima de outro bicho. Um homem. E ele matara um inocente. O pobre animal havia lutado para salvar sua criança, por isso estava também coberto de sangue. E ele, também um homem, feriu um ser sem que este pudesse se defender. Compreendeu ali que ser humano não era motivo de orgulho. Decidiu que devia morrer e fazer justiça, diminuir a humanidade. Com a mesma faca, cortou-se, esvaziando, enfim, seu corpo. Com os olhos prestes a fechar para sempre, viu sua criança abrir os olhos...
  • 61. 3ª Guerra Mundial no mundo de quem? Chegou como quem venceu a terceira guerra mundial (letra minúscula). Mas não há vencedores em uma guerra. São todos Caim. Mas como elegeu a violência como estilo de vida, sentia-se plenamente satisfeito. Sempre dizia para si mesmo que sua defesa era legítima. Perdeu as contas de quantos corpos (como gostava de se referir àqueles que não eram seus)... Naquele programa de tv, que dá pena, anunciam a morte de Abel e as investigações que apontam Caim como principal suspeito. - Põe na tela! Pode por, meu filho! Vamo, Vamo, que a gente tem que voltar no caso da mulher que arrancou os polegares do marido! Sem polegar, quero ver o safado usar smartphone pra falar com ex... Vamo lá! Reportagem na tela: (narração) "A história de Caim e Abel todo mundo já conhece, a gente mostrou com exclusividade aqui, logo depois da reintegração de posse do Jardim do Éden. Mas resolveram reabrir as investigações, uma vez que, crimes semelhantes continuam acontecendo." (corte para o apresentador) - A gente vai agora ouvir a psicóloga forense Dra. Harmanda. Ela coordenou uma reconstituição do crime e traçou o perfil psicológico de um Caim em potencial... Harmanda começa sua análise: "Um irmão mata o outro irmão. Parece corriqueiro por aqui. Mas nem sempre foi assim. Nossos estudos apontam para Caim, como precursor de um comportamento humano letal. O caso mais recente é o do traficante Kim. Ele foi morto pela polícia. Todos o reputavam por Caim, mas nossa grande surpresa foi descobrir seu verdadeiro nome: Abel. Caim, então, foi aquele que o feriu. Em nossa reconstituição da cena ficou evidente que Kim, o Abel, fazia benesses à comunidade e era querido por todos. O atirador, que disse se sentir 'vencedor nessa batalha' já foi visto diversas vezes oferecendo péssimo serviço aos moradores daquele lugar. Ser Abel ou ser Caim é uma escolha do indivíduo. Tem Caim dos dois lados. Sabemos que o que Estado oferece ao povo é por vezes aviltante. Mas o Estado não existe, as pessoas existem, elas preferem eliminar quem faz o que tem que ser feito a oferecer benesses a outrem. Toda guerra começa com o sentimento de um Caim..." (o apresentador interrompe)
  • 62. - Olha só esses homens aí, cada um de um lado da guerra. A nossa guerra urbana de cada dia! Só não entendi o porquê de teoria, reconstituição de Caim, Abel! Corta pras mãos sem os polegares! Agora bota a cara da mulher que fez isso! Já, já a gente volta... Polegares, polegares, onde estão? Aqui estão...
  • 63. Há pedra, há água, há rio Silêncio. Tranque a porta. Desligue a música. É necessário silêncio. Seria importante fechar os olhos. Mas se todos fecharem os olhos, terei que falar. Prefiro escrever. Então, olhem apenas para este texto. Nada atrapalhe essa lei-tura. Há muito tempo atrás, foi que aconteceu. Era no tempo em que a humanidade não conhecia a ideia de propriedade, não existiam cercas proibindo a passagem. A terra era de todos. Os frutos abundavam e as águas eram bebíveis. Toda sexta-feira era santa. Animais e homens pareciam ter aquela aura superior, capazes de ouvir e entender um ao outro, em silêncio. Era num tempo em que não se escrevia. As palavras eram cravadas na alma. Assinavam com o olhar. Reverenciando o silêncio, que sempre dava vazão aos cantos dos pássaros. Esses seres voantes viam tudo de cima e pareciam selar o que se acordava sob o chão. Sol de dia era vitamina para tudo e todos. Lua de noite era sonho, a indagação sobre o infinito onde ela estava pendurada. Homens e mulheres viviam. Só isso. O que poderia dar errado? ** Era manhã, como hoje foi manhã. A umidade que envolvia parte da terra e dos homens, escondeu uma lágrima no rosto de alguém. Este ser havia sentido o que não sabia expressar, não existiam palavras para descrever - até hoje não saberia expressar. Talvez você entenda o que sentiu, quando souber o que ele fez. Saiu errante, no sentido oposto ao de todos os outros. Andou dias, procurou algo por toda a parte, mas não encontrou. Então, não fazia sentido. A primeira angústia aconteceu, ele a nomeou assim. Estava incomodado pelo simples fato de existir. Procurou ouvir o canto dos pássaros, mas não havia mais silêncio dentro de si. Já não podia acreditar. Comia por comer, bebia por beber, andava por andar. Amava? Quem? Estava sozinho agora. Não se reconhecia como mais um animal. Os animais passaram a representar perigo. Pareciam ameaças. E num encontro com um cervo, sem que pensasse muito, desferiu golpes com o galho que levava sempre em uma das mãos: matou. Esse encontro mortal foi chorado por todos, o silêncio propagara a notícia em toda a terra. Matar um cervo aliviou sua angústia. Mas o alívio logo passaria. Com as mãos sujas com sangue prosseguiu sem saber para onde. Perdeu-se totalmente. Não lembrava mais como era antes. Os outros não mais lhe interessava.
  • 64. Completou, sem que soubesse, uma volta ao mundo de então. Só percebeu quando avistou os outros homens. Eles continuavam a viver. Comiam para viver, bebiam para viver, andavam para viver. A vida parecia acender uma brasa no peito deles. Quis viver também. Mas não podia mais, o sangue daquele animal secou desde o seu rosto até os pés, qualquer luz que se acendesse em seu peito revelaria aos outros que foi um assassino. Pois os olhos dos homens viam, mesmo quando fechados. Decidiu morrer. Seria melhor morrer. Buscou no horizonte a pedra mais alta. Agora sabia para onde marcharia. Não seria mais errante. Tinha um destino - palavra que este inventou. E foi. ** Enquanto subia, olhava para o chão. Via cada partícula de vida se mover. A água que escorria entre as árvores, parecia murmurar-lhe algo. Não entendia. Prosseguia. Serpentes o surpreendiam, teve de correr algumas vezes, sem entender bem o porquê. Ia em direção ao cume de suas angústias, parecia estar prestes a encontrar enfim seu lugar no mundo. Quando finalmente chegou ao topo da pedra do ponto-mais-alto-da-própria-angústia, como nomeou no caminho, olhou para todos os lados. Deveria escolher o lugar onde deixaria de existir. Sentou-se pela última vez. Ao seu lado, na pedra, surgia água por uma pequena fresta. Passou a observá-la. Era constante, jamais se interrompia aquele vazamento insistente. Deitou então seu rosto ali, fez suas lágrimas misturarem-se com aquela água. Levantou a cabeça e mirou o caminho daquelas águas. Ao longe, via o rio. Mas não podia acreditar que toda aquela imensidão de águas brotaria daquela pedra, da fenda minúscula de onde a água insistia em nascer. Se fosse verdade, suas lágrimas haviam de fazer chorar toda a terra porque seriam parte do grande rio. Talvez salgassem o mar. Partilhara com o mundo uma parte do que sentiu e não pode nomear. Não a angústia que era sua. Mas aquilo que sentiu e não podia nomear. Angústia era sintoma. Era isso! Neste instante, percebeu. Aquela água poderia limpá-lo do sangue animal que havia secado em seu corpo. Mas, certamente, espalharia esse sangue rio abaixo. Era necessário escolher. Nasceu a dúvida. E espalhou-se por todos os lugares onde o rio corria, subiu pelas raízes das plantas, os homens banharam-se nela. Fez-se escuridão. O caminho para a pedra tornou-se inóspito. Ninguém ousaria subí-la. O silêncio que comunicava a paz entre os homens deu lugar às canções. Algumas fazem lembrar de como tudo era antes. Outras tantas, revelam que o mundo jamais voltará a ser como foi. Até os pássaros hoje
  • 65. cantam por cantar, presos por quem apreciava seu voo e se encantava com seu testemunho da vida dos homens. Depois disso, só uma sexta-feira é santa. Àquela em que o caminho para a pedra foi reaberto. Lá, a água continua a jorrar limpa e todos os homens podem deixar as lágrimas e as mazelas de uma vida de dúvidas e angústias. Poucos sobem até lá. O caminho é estreito, terrivelmente belo. Não é fácil. Ah, e muitos não acreditam, pois a dúvida está por toda parte: no leito dos rios, nas raízes das plantas e nos homens, que ao se banharem, sem saber, inundaram-se nela... Luiz Henrique, sexta-santa 2014
  • 66. Queria ser nuvem, pairar Newton, um nome estrangeiro que lhe rendeu boas provocações. Desde muito cedo, aprendeu que o "w" um dia entraria para o alfabeto do Português. Não sabia que isso demoraria tanto. Seu nome parecia clandestino. Por isso, em sua imaginação ele fazia parte deste clã: o clã-destino. O nome de um homem é como ele é apresentado ao mundo. Ele sabia disso. Nascido em uma cidade tão pobre e desarranjada, se sentia estrangeiro. Ainda criança, ganhou um apelido: Nito. Não se importou durante muitos anos com este chamamento vulgar. Aliás, sentia- se parte daquilo tudo, se livrara do "w". Corria pelas ruas, arranjava confusão com crianças da outra rua... Se perguntassem seu nome, dizia sempre: "Nito, por quê?!". Ninguém revidava. Dizem que a educação deve vir de casa. O pai de Nito era pedagogo e pensava assim. Sua mãe era livre, não trabalhava, mas jamais ficava desocupada - educava seu filho, ensinando desde a convivência familiar à social. O garoto cresceu assim, recebendo a educação de que tanto se fala. Logo, descobriu que caráter e educação são coisas diferentes. Sabia se comportar, calar e não responder. Mas isso nunca significou bondade ou maldade para ele; era só educação. Nito cresceu, adolesceu e quis ser Newton. Decidiu entender e aceitar a si. Apresentava-se como Newton, sorria quando escreviam "Nilton", corrigia docemente contando sobre Isaac Newton e sobre o "w" que não existia no alfabeto do Português. Ria de quase tudo. Já havia entendido que o presente viraria memória, que o que se torna memorável modifica o caráter. A vida, então, a cada dia, se tornava uma ânsia pelo imprevisível e pelo inesperado. Nito entendia, - desculpe, - Newton entendia que não seria possível forjar o caráter de um ser completamente exposto ao acaso. Suas decisões refletiam a educação que recebeu, no entanto, sempre ficava muito evidente que ele era livre para mudar suas memórias no futuro. Negar princípios. Questioná-los, ao menos. Quando algo o surpreendia, pensava, antes de tudo, em como se lembraria daquilo no futuro. Um jeito interessante de viver. Se nosso caráter é fruto da nossa memória, investigar a memória genética e histórica seria libertador. Recuperar a memória de seus antepassados parecia um caminho acertado. Então, percebera seu grande defeito de caráter, não tinha genealogia. Sua árvore genealógica era a mesma feita no jardim de infância, acabava nos avós; era tudo o que sabia. Não há documentos, seus avós foram escravos, imigrantes, índios, desconhecidos. O imprevisível se tornara o imemorável. Não
  • 67. sabendo de onde viera, entendeu que em seu corpo podia correr o sangue do herói ou do bandido; sangue azul ou "selvagem"... enfim, parecia livre para ser. Mas seu nome era Newton, não Nito. Nome saxônico. Homem latino-americano. Sangue imemorável. Brasileiro. Percebeu-se ao mesmo tempo singular e plural. Como as nuvens. Nuvens são sempre únicas, têm aparências incrivelmente diferentes, mesmo sendo iguais. Entendeu. Somos como as nuvens, que pairam no ar. Umas se dissipam. Outras tornam-se densas. Algumas se agrupam e chovem. O vento leva. O tempo leva. São tantas, que não são inesquecíveis. Todos se lembram das grandes chuvas e não das nuvens. A memória não é sobre os homens, mas sobre o que chovem, suas ações. Queria ser nuvem, pairar. Viver uma existência fugaz. Poder olhar tudo de cima, contemplar as paisagens e passar pela terra chovendo onde há secura. Se o caráter se faz com memórias, se não é possível prever o que será memória amanhã, a liberdade consiste em escolher ser efêmero. Já que, para muitos, não há genealogia. A identidade de Newton foi formada do vapor de chuvas passadas que molharam muitos e misturou-se ao sangue e ao suor de quem já foi nuvem.
  • 68. Sem Sem que pudéssemos escolher. Sem que fosse possível evitar. Sem que, ao menos, completasse a sintaxe básica, a ordem direta... A vida passou sob suas retinas. Era o instante. Por um fragmento de tempo, viveu o presente. O que havia sido e o que sempre quis ser pareciam estar, agora, separados por uma fenda. Uma enorme fenda no meio de uma floresta que jamais existiu. Como as peças de um jogo sendo guardadas após o término da partida, percebera a inutilidade da vida. Pudera. Todos os conselhos foram esvaziados. As palavras bonitas, só palavras bonitas. Que é a vida? - perguntava-se insistentemente. O desespero de se viver o presente está na angústia de não saber o que esperar. A vida imprevisível. Tudo muda de repente. "Não mais que de repente?" E, o que lera, o que buscara, parecia agora estar próximo. Todos procuramos o sentido-palavra. Quem inventou a palavra? Sem que pudéssemos perceber, tudo isso passava pela cabeça daquele maldito ser. Odiávamos desde seu nome. Não compreendíamos. Nem queríamos. Arrastamos seu corpo para o meio da avenida. Sem que pudesse se defender. Sem uma condenação de juiz ou delegado. Sem que a vítima o reconhecesse. Sem.
  • 69. Isso não é uma história, são só palavras 1808 foi ontem. Pouco mais de 200 anos se passaram. Éramos um país de analfabetos. Há pesquisadores que apontam, sem medo: 99% não viam nas letras nada além de curvas e traços. Hoje, difícil seria para você, que lê, repensar sua relação com as palavras. Propor a si mesmo enxergar apenas os traços e contornos de cada letra. Palavras são histórias. Transcendem a tinta, a tela e o traço. O que eu escrever, farei você enxergar. Posso guiar teus olhos para ver além do que é tangível ou palpável. Dizia isto, pois estava perto de seu fim; e ele insistia que o narrador não era o autor. O texto era o autorretrato de um autorretrato, nada parecido com a história de Doran Gray. Aliás, cinza era sua cor preferida. Olhava os girassóis e tentava descolorir a imagem em seu pensamento. É possível descolorir girassóis no pensamento? (Ei, pare de tentar! Assim você confirma a tese dita: o escritor guia os olhos do leitor para além de uma tela de computador). As asas de um avião eram postas no chão para que ao deitar-se entre elas fosse lembrado como um anjo pós-moderno. Com palavras as colagens são mais perfeitas do que com ilustrações vazias de subjetividade. Ou seria possível ilustrar um silêncio que penetra à alma pelo centro do peito como um fio de cabelo tênue e tão firme que fura sem ser visto - como uma agulha flexível? Há uma palavra para isso: angústia. Entende? De pensar que existem pessoas neste mundo imenso que pensam que no Brasil andamos nus, na companhia da fauna local. Mal sabem que estamos nos empenhando em destruir florestas, assistir seriados em inglês, consumindo traduções de “literaturas de massa” e muito fastfood... Evoluímos muito em 200 anos. Até criei um texto surrealista. Luiz Henrique, Carapicuíba-SP
  • 70. 110 anos E se... As alternativas são armadilhas que te prendem ao passado. E essa história começa assim. Era domingo, como toda semana, de todo mês, de todo ano. Mas sempre levava a sensação de que podia ser diferente. Ora, diferente... Impossível alterar a ordem cósmica. Mas encontros inesperados sempre acontecem. Inesperados para nós. Óbvios para o universo. Enquanto planeja-se uma ação, outros são impelidos a agir. Porque, então, estariam sempre na mesma condução, mesmo em horários diferentes? Tudo bem que poucos trabalham aos domingos, mas não parecia lógico. Os dois nasceram no mesmo dia 11 de abril de 1904. Os olhos, pretos, como estivessem dilatados. Um andar parecido, ele dificuldades com a perna esquerda, ela, com o joelho direito aos cacos. Mas isso só percebi depois do quinto desencontro entre os dois. Ela subia com dificuldades no coletivo, fazendo o operador esperar por quase 4 minutos. Quatro paradas à frente, ele subia e demorava outros 4 minutos. Ninguém reclamava. Afinal, era domingo. Aos domingos, tudo fica mais demorado. Ela descia primeiro. Jamais trocaria olhares com outro passageiro, muito menos comigo, o cobrador, pois os olhos dela fitavam, com uma fé inabalável, o próximo degrau. Ele fingia ser indiferente a tudo e a todos; aprendera que homem tem de ser sisudo, sério, e até mau, se preciso for. Seus pais se conheceram na maternidade, no dia em que seus filhos vieram ao mundo. Um mundo que, até então, não amanhecera em guerra. Tantos anos depois, pareciam estar condenados à vida, porquanto ignoravam o destino que lhes fora imposto. E se o encontro acontecesse, enfim, morreriam?! Tenho vinte anos de profissão. Minha profissão é uma poesia. Cobro a dor. A dor do cidadão que paga caro para não ter que caminhar muito. A dor dos desencontros e de encontros que vejo todos os dias, sem que essas pessoas percebam. Às vezes parece que eu sou invisível. Depois que inventaram esse cartão bom aí, tem gente que acha que não precisam mais de mim. De vez em quando, alguma pessoa senta aqui e puxa uma conversa. Mas o que eu gosto mesmo é de observar e ouvir histórias.
  • 71.
  • 72. Agradecimentos Esse livro só foi possível graças a um financiamento coletivo na plataforma catarse.me. Foram mais de 90 apoiadores que acreditaram e contribuíram para que este livro fosse impresso. Sou muito grato a cada uma dessas pessoas que, de maneira muito singela, ajudaram para que esta realidade fosse possível. Agradecimentos especiais, À família que acreditou o tempo todo: Karina, esposa amada, Mizael, pai, Lourdes, mãe e às irmãs, Adriana e Noemi. Aos amigos que me apoiaram desde o início: Noemi Ferrer, Adriana Ferrer, Vanessa Oliveira, Leandro Ortunes, Michele Ortunes, Ernane Fernandes, Ellion Montino, Gustavo Fernandes, Heidy Mota. Aos nossos primeiros apoiadores no catarse.me, que acreditaram prontamente no projeto e contribuíram: Karina Cunha, Camila Maria Ferreira Benedito, Renato Jorge Felismino, Samuel Chen, Mizael Ciriaco Cunha, Márcio Cruz! Os apoios ao projeto tornaram o sonho possível. Nosso agradecimento aos apoiadores: Vagner Nunes Ferreira, Ernane da Silva Fernandes, Joaquim Oliveira, Juliana Rosa Lima, Heloísa de Souza, Vanessa Oliveira, Valdeci Alves Montino, Cleonice Eliamara R. Teixeira, Andressa de Sá Alves, Maria Nice Ferreira, Alexandre Torrezan Masserotto, Junior Cesar de Almeida, Márcio Estevão Rebeca Tostes, Edilma Candiani, Gabriel Rocha Lopes Gaspar, Fabiano Soares, Jefferson Carlos de Oliveira Ferreira, Katia Souza, Priscila Maitan, Dashiell C. Isquedo, Alessandro Elias, Fátima Aparecida de Souza Oliveira, Heloísa de Souza Oliveira, Lirian e Alexandre, André Guedes, Giselle Probst do Amaral, Marilza Cristaule, Tatiane Cristaule, Márcia Regina Lima, Maria Soares (vó Tata), Katia Albino, Madonna Macedo, Gustavo Fernandes, Felipe de Viveiros, Angélica Monção Lima, Geovane Alencar, Tacio Gomes, Ellion Montino, Rodrigo Martins Dos Santos, Sarah Cândido Franca, Paula Tatiane de Almeida, Andréa Ferreira, Diana Gonçalves Ciarallo, Márcia Regina Lima,
  • 73. Jéssica Castro, Viviane Maria do Nascimento Saldanha, Bárbara (Babi), Ingrid Maglio, Jose Carlos da Silva, Marcia Ferreira Nogueira, Rayane Rafaele Ferreira Pinheiro Gobbo, Edivaldo da Silva Santos Junior, Vanda Alves, Natali Casaroti, Camila Flores Muniz, Claudio Regis Custodio, Débora Daniluski, Jeany Ferreira da Silva, Júlio César Cristaule, Kelen Santos, Samira Castro, Miquéias Novais, Olga Silva Rosa, Robson Adriano da Silva, Valéria Ferreira, Jonatas Eliakim, Juliana Macedo de Oliveira Costa, Valdir e Ercilia (sogro e sogra), Wilton Galdino, Flavia Galante da Silva, Luiza Ariva Neves do Nascimento, (tia) Beth Ferreira, Jacqueline Ferreira, Mazé, Cris e Micaella (os Righeto)! GRATIDÃO é a palavra que resume este projeto de 60 dias intensos e inesquecíveis! Saiba mais detalhes em: http://catarse.me/pt/historiade50metros. Muito obrigado! Vocês serão parte desta obra para sempre! "...porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos..."
  • 74. LUIZ HENRIQUE FERREIRA CUNHA é professor. A sala de aula é o lugar onde passa a maior parte dos dias comuns. As aulas de Literatura e de Língua Portuguesa, bem como os projetos de Leitura e Escrita são sua ocupação na vida. Escreve depois de pensar por dias ou a partir de provocações que surgem nos diálogos com alunos. Ler e escrever é ofício, obrigação e prazer. Quem já assistiu uma de suas aulas sabe que gosta de palavras e costuma trata-las como elemento sagrado. Acredita que elas, as palavras, são maiores que os homens e a poesia, maior que as palavras. Formado em Letras, tem pós-graduação em Língua Portuguesa e Literatura. Já lecionou em alguns colégios entre Barueri, Carapicuíba e Osasco. Hoje, é funcionário público do Estado de São Paulo e do Município de Barueri, acumulando dois cargos de professor de educação básica II. Contato: luizh.fc@hotmail.com Blog: http://luizhenrich.wordpress.com Site: historiade50metros.com