Este capítulo discute a educação como um processo de desenvolvimento que ocorre ao longo da vida de uma pessoa e não se restringe à educação formal na escola. A educação é influenciada por fatores como a família, mídia e contexto social mais amplo. A educação formal surgiu com a escola, enquanto a educação informal ocorre por meio de experiências no dia a dia e transmissão cultural entre gerações. O capítulo também diferencia educação formal, não-formal e informal.
1. CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO COMO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO
A educação, quando discutida, normalmente se restringe ao seu aspecto
formal, como se somente acontecesse na circunstância escolar, e a escola fosse a
única responsável por suas obrigações na formação do indivíduo e pelas suas
limitações em sua estrutura e condução do desenvolvimento humano.
Hoje, em uma perspectiva ecológica (Bronfenbrenner, 1996), o
desenvolvimento é considerado como um envolvimento dinâmico de interações
entre o homem e o ambiente. A ecologia do desenvolvimento humano envolve a
acomodação progressiva entre um ser humano ativo, em desenvolvimento, e as
propriedades mutantes dos ambientes imediatos em que a pessoa em
desenvolvimento vive, conforme esse processo seja afetado pelas relações entre
esses ambientes e pelos contextos mais amplos em que os ambientes estão
inseridos.
Segundo Brandão (1995), a vida está sempre ligada à educação, não
havendo uma forma única, nem um modelo de educação; a escola não é o único
lugar onde ela acontece e, talvez, nem seja o melhor. A educação existe difusa,
em todos os mundos sociais, entre as incontáveis práticas dos mistérios do
aprender; primeiro, sem classes de alunos, sem livros e sem professores
especializados; mais adiante com escolas, salas, professores e métodos
pedagógicos.
2. Ao se voltar no tempo, observa-se que o homem primitivo tinha a
impulsão imediata pela descoberta de formas primárias de sobrevivência. A vida
de cada um era a matéria-prima do fazer-se aprendiz. Desta forma, mudar o
ambiente era apenas superar o momento/desafio, o que se dava pela busca de
uma certa forma de transmissão das experiências vividas numa tentativa
embrionária de socializar o conhecimento.
O mais experiente era quem ensinava. A educação, portanto, era,
sobretudo, a prática do cotidiano. Nos seus primórdios, era livre enquanto não
vinculada a um certo domínio espacial. Os indivíduos buscavam transformar a
natureza adversa em parceira para sua sobrevivência. Assim, ela era parte do
próprio trabalho de complementação da natureza, sem qualquer preocupação de
categorização dos educandos (Carneiro, 1988).
Como no período antigo não havia espaço específico para aprender, a
educação era acompanhada pela imitação e assim, hoje, esta educação informal
ainda está presente nos contatos familiares e sociais, possibilitando, no decorrer
dos anos, a transmissão cultural, de geração a geração.
Trilla (1993) argumenta que a educação é uma realidade complexa,
heterogênea e versátil. A multiplicidade de processos, fenômenos, agentes ou
instituições que se tem considerado como “educativo” apresenta tanta
diversidade, que pouco se pode dizer da educação “em geral”. Quando se fala em
educação, faz-se necessário uma distinção, estabelecer classes, diferenciá-las,
ordená-las, e até parcelar o seu universo.
3. Esse mesmo autor salienta que a tarefa de discriminar os vários
campos da educação, a pedagogia vem realizando desde antigamente.
Freqüentemente se adicionam adjetivos à palavra educação; às vezes,
distinguem-se tipos de educação, segundo alguma especificidade do sujeito
que se educa; outras vezes referem-se ao aspecto ou dimensão da
personalidade a quem se dirige a ação educadora, ou ao tipo de efeitos que
produz. A educação também se distingue pelo seu conteúdo; em outras
ocasiões, os termos remetem às ideologias, tendências políticas, religiões;
um outro importante grupo de adjetivos denota fundamentalmente aspectos
procedimentais ou metodologias educativas e, finalmente - ainda sem
esgotar as classes possíveis de adjetivos - , há que se levar em
consideração o critério que faz referência àquele que educa, ao agente, à
situação ou instituição que produz - ou na que se produz - o sucesso
educativo em questão.
Quando se distingue a educação informal, formal e não-formal, em
princípio, a distinção está fazendo referência àquele que educa, ao agente,
à situação ou instituição, onde se situa o processo educativo. Esta
classificação não se completa, como todas as possibilidades do universo
educativo; é somente uma tentativa de marcar fronteiras, que vêm gerar
outras discussões. Esta distribuição dos setores formal, não-formal e
informal encobre a relação e a hierarquia lógica entre elas. Touriñán (1983)
esclarece que ao ler as definições comumente aceitas de educação formal,
não-formal e informal, dá-se conta de que a formal e a não-formal têm entre
si um atributo comum que não comparte com a educação informal: o da
organização e sistematização e, por conseguinte, deve-se reconhecer que
4. há uma relação lógica distinta entre os três tipos. São duas espécies, das
quais, uma está representada, a sua vez, por duas subespécies.
As diferenças da educação informal e as outras duas, formal e
não-formal, são mais substanciais que as existentes entre estas últimas. Os
dois critérios em que mais se tem insistido referem-se à intencionalidade do
agente e ao caráter metódico ou sistemático do processo. Porém,
questiona-se sobre a não-intencionalidade da educação informal e a não-
presença do método e do sistema em muitos processos educativos,
geralmente nela incluídos. Para este autor, a distinção entre educação
formal e não-formal, por um lado e a educação informal, por outro, está no
critério de diferenciação e de especificidade da função ou do processo
educativo. O que ocorre é que não há maneira de separar quando está
havendo um e quando está havendo outro (Trilla, 1993).
A distinção entre a educação formal e a informal, para Fermoso (1994),
consiste nos estímulos com que se atua sobre os seres humanos para ajudá-los a
se desenvolverem melhor. A educação informal é produto, de modo principal,
ainda que não exclusivo, da família e dos meios de comunicação de massas,
verdadeiros agentes socializadores.
Segundo Afonso (1992, p.86):
"educação informal abrange todas as possibilidades
educativas, no decurso da vida do indivíduo, construindo um processo
permanente e não organizado".
5. No entanto, a mais influente adaptação da educação ocorre a partir do
surgimento da escola formal, que no início era prerrogativa dos ricos e burgueses
e que, aos poucos, estendeu-se a todas as camadas sociais.
Os pais, que antes eram os responsáveis pela maior parte das
informações de seus filhos, vão relegando as responsabilidades para a escola.
Com a Revolução Industrial, então, a indústria exige uma mão-de-obra
especializada e as profissões, por tradição, ensinadas de pai para filho, se tornam
ineficientes e ultrapassadas (Silva, 1999).
A situação se agrava ainda mais, depois das duas Grandes Guerras
com a mudança da indústria para a informática. A criança que, antes, passava a
maior parte do tempo com os pais, agora passa com a TV, com o computador ou
com os jogos de videogames, gerando mudança em seus conceitos de vida e de
prioridades.
Segundo Carneiro (1988), a educação formal surge no momento em que
começam a aparecer expressões sociais de supervisão do ato ensinar/aprender.
Parece estar aqui a gênese da aprendizagem formalizada. Introduzem-se formas
artificiais de condução do exercício da prática de aprender, engendram-se
métodos embutidos em regras, delimita-se o tempo, produz-se o especialista em
ensinar. O resultado de tudo isso, pode ser chamado de escola. A educação
escolar é concebida como forma de preservar os interesses da sociedade que a
mantém e seus programas são avanços repetitivos e evasivos, que traduzem o
nítido interesse de ignorar a pluralidade cultural. Porém, este mesmo autor
acrescenta que, ao longo da evolução da sociedade, surgem conotações também
significativas, como a dupla dimensão social e política da educação: a dimensão
social que diz respeito à inclusão dos aspectos interpessoais e a dimensão
política, que se respalda no compromisso comunitário da gestação de uma cultura
democrática.
6. Para Fermoso (1994), a expressão educação formal significa a ação
educativa, que requer tempo e aprendizagem, regulada no sistema geral educativo
pelas normas decorrentes da administração competente, conduzida pela
instituição social chamada escola, dirigida à obtenção de títulos e concedida para
conseguir objetivos e intencionalidades previamente fixados pela autoridade
competente, ou seja, “é o processo de aquisição e o conjunto de competências,
destrezas e atitudes educativas adquiridas com estímulos diretamente educativos
em atividades conformadas pelo sistema escolar” (p.110).
Já, segundo Afonso (1992), por educação formal, entende-se o tipo de
educação organizada com uma determinada seqüência e proporcionada pelas
escolas.
Enquanto, a educação era apenas informal, em casa, de pais para
filhos, havia garantia de que todos tivessem as mesmas oportunidades. A escola é
que vem trazer um saber elitizado, que acaba excluindo aqueles já marginalizados
pela sociedade.
A educação aparece nas sociedades humanas com a função social de
evitar a contradição existente entre os interesses pessoais e os sociais. Uma das
tarefas da educação, nas sociedades, tem sido a de mostrar que os interesses
individuais só se podem realizar plenamente por meio dos interesses sociais, ou
seja, a educação, ao socializar o indivíduo, mostra que, sozinho, o ser humano
não sobrevive. A escola desenvolve a educação formal porque surge a exigência
da formação de um grupo instituído especialmente para exercer determinadas
funções. A escola não existiu sempre, como também, a sua natureza e
7. importância variaram no tempo, dependendo das necessidades sócioeconômicas
das sociedades onde esteve inserida (Santiago,1998).
Hoje, apesar da criança ser tratada e vista como criança de fato, pela
própria declaração de seus direitos, que lhe garante o desenvolvimento integral,
não há dúvida de que, a cada milênio, a cada século e, no século passado, a cada
década, as mudanças no aprendizado formal foram grandes. É evidente que a
sociedade está em um processo de adaptação e necessita se redimensionar,
aproveitando e rejeitando valores, para a preservação da justiça e da qualidade de
vida.
Quando se fala em educação, seria muito simplista reduzi-la à educação
escolar, pois se observa somente uma parte da realidade. A escola não é a
reserva natural da formalidade e do rigor pedagógico. As outras educações,
chamadas de educações não-formais ou informais, podem ser tão formais, ou
mais, que a mesma escola. Como dizem Petrus et al (2000), a educação é global,
é social e se dá ao longo de toda a vida. O objetivo da educação é capacitar para
viver em sociedade e comunicar-se, porém, é preciso admitir que, em algumas
ocasiões, a escola adota uma certa atitude de reserva frente aos conflitos e
problemas sociais dos alunos.
Com o desenvolvimento do capitalismo e da invenção da máquina, há
uma transformação na estrutura social, por meio do aparecimento de novas
classes sociais, as quais passam a reivindicar seus direitos. Sendo assim, a
escola redimensiona o seu papel, que passa a dar mais ênfase aos conteúdos
técnicos e científicos, bem como as antigas disciplinas clássicas e literárias
(Aranha, 1996).
8. Entretanto, no Século XX, há uma grande mudança: a revolução
tecnológica que atinge a todos, inclusive a educação formal. Deve preparar o
aluno para compreender as transformações geradas pela técnica, bem como atuar
sobre ela. No entanto, a escola ainda não consegue acompanhar a sociedade,
pois utiliza os mesmos atrativos de tempos passados, enquanto a sociedade corre
a passos largos, distanciando-se, assim, cada vez mais do mundo real. Na prática,
o que se vê, é que muitos ingressam na vida escolar, todavia, são poucos os que
a concluem. É o chamado "efeito funil", a cada nível escolar, o número de alunos é
menor. Sendo assim, ou ela muda como a sociedade tem mudado, ou está fadada
à falência (Silva, 1999).
Durkheim (1978), como estudioso do problema social e educativo do
capitalismo, percebeu que a convivência com gerações adultas, já socializadas e
integradas à sociedade, exerce uma ação sobre as gerações mais jovens,
procurando não apenas desenvolver o potencial da criança, mas, sobretudo,
torná-la social por meio da inculcação dos valores sociais estabelecidos na
sociedade. Também analisou a dinâmica da sociedade capitalista, observando
que o Estado poderia aparecer como órgão vital, conferindo a este a coordenação
da sociedade. E, na prática, a vinculação entre Estado e educação se dá por meio
da escola, pois é por meio desta instituição que o Estado consegue exercer
controle efetivo sobre os indivíduos. A tarefa da educação não é a transformação
da sociedade capitalista, mas sua reprodução.
O processo de escolarização é diferente para cada uma das classes
sociais. Para as elites, a escola é o prolongamento da vida cotidiana; para a
classe trabalhadora dá-se o contrário: ao ingressar na escola, a criança pobre se
9. depara com uma linguagem que não é a sua. A criança pobre se encontra diante
da maneira de falar ou agir do professor, diante de livros e conteúdos de ensino
que não correspondem à sua vida cotidiana de trabalho, pobreza e sofrimento.
Assim, para estas crianças, a escola não significa o prolongamento de sua vida,
mas o rompimento; é outra realidade, um mundo difícil de ser codificado.
(Carneiro, 1988).
Para Gomes (1999), entre os alunos e na formação de professores, há
uma displicência quanto aos problemas sociais que afligem o meio em que vivem,
desconsiderando-se questões sobre os direitos e responsabilidades do cidadão.
Também acrescenta que, com a superlotação das salas de aula, há um certo
descaso com o relacionamento individual do professor e aluno, agravando, ainda
mais, a deficiência no campo da afetividade na estrutura educacional.
A educação nas sociedades latino-americanas, segundo Freire (1994),
ainda ocorre em um processo vertical. O professor ainda é um ser superior que
ensina a ignorantes. O educando recebe, passivamente, os conhecimentos,
tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita.
Mas o curioso é que o arquivado é o próprio homem, que perde, assim, seu poder
de criar, se faz menos homem, é uma peça. O destino do homem deve ser criar e
transformar o mundo, sendo o sujeito de sua ação.
Na tentativa de mudança desta realidade nasce a educação popular,
pois como esclarece Santiago (1998), o perfil histórico da América Latina leva a
buscar as características culturais, que determinaram as formas de
comportamento e suas reais manifestações e acrescenta que a própria realidade
histórica permite perceber que existem duas vertentes culturais dialeticamente
dispostas: a cultura letrada, marcadamente elitista, com literatura elaborada numa
linguagem elevada, simbólica, especializada, interpretando a produção européia e
dela assimilando o modo de pensar do velho continente; e a cultura popular,
10. eminentemente do povo, que expressa, espontaneamente, o seu cotidiano, a sua
luta para superar sua inferioridade econômica, política e social, sem os artifícios
das elites poderosas.
A realidade cultural latino-americana, longe de ser uma só, apresenta
múltiplas expressões e impõe que se indague a respeito de suas raízes históricas.
Esse encontro produziu uma situação de domínio e, ao mesmo tempo, fez
perdurar dentro dela formas culturais e sociais ambivalentes: espanhola e lusitana,
indígena, crioula e mestiça, litorânea e interiorana. Sucessivas relações com a
França e a Inglaterra, a independência das colônias sob o regime espanhol, a
formação de sociedades nacionais e, posteriormente, as relações dependentes
com os Estados Unidos contribuíram para formar a contextura de nossa cultura.
Uma cultura dispersa, além disso, acentuada pela justaposição social, pelo
dualismo de valores e pela dependência de ontem e de hoje. Tudo isso
desagregou o ser latino-americano e encaminhou sua essência por vertentes
diferentes. Por isso, o desafio da América Latina impõe uma dupla condição:
integração e libertação (Caldera, apud Santiago, 1998).
A libertação, no campo da educação, tão bem protagonizada por Freire
(1987), focaliza uma pedagogia em que o esforço totalizador da práxis humana
busca, na sua interioridade, retotalizar-se como “prática da liberdade”. Posiciona o
educando em condições de poder reexistenciar, criticamente, as palavras de seu
mundo para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra.
Para Fiori (1987), a pedagogia de Paulo Freire é, fundamentalmente, um
método de cultura popular: conscientiza e politiza. Não absorve o político no
pedagógico, mas também não põe inimizade entre educação e política. Não tem a
11. ingenuidade de supor que a educação, só ela, decidirá os rumos da história, mas
tem, contudo, a coragem suficiente para afirmar que a educação verdadeira
conscientiza as contradições do mundo humano, sejam estruturais,
superestruturais ou interestruturais, contradições que impelem o homem a ir
adiante.
É um pensador comprometido com a vida, com a preocupação de
mudança da sociedade, através da conscientização, como um papel da educação.
Segundo Gadotti e Torres (1994), Freire combate a concepção ingênua
da pedagogia que se crê motor ou alavanca da transformação social e política,
como também combate, igualmente, a concepção oposta, de que a educação
reproduz, mecanicamente, a sociedade. Quando analisa as possibilidades e
limitações da educação, nasce um pensamento pedagógico que leva o educador e
todo o profissional a se engajar social e politicamente, a perceber as
possibilidades da ação social e cultural na luta pela transformação das estruturas
opressivas da sociedade classista. Enfim, sua obra é um subsídio valioso para a
compreensão da realidade educacional latino-americana, dentro de uma
“sociedade fechada”, a compreensão do papel do trabalhador social, do
profissional engajado, compromissado com um projeto de uma sociedade
diferente, isto é, uma “sociedade aberta”.
Reconhecendo a idéia de que o aluno pode entender, criticamente, o
seu cotidiano quando o relaciona com a política é que a pedagogia libertadora
aparece inicialmente fora da escola: grupos de estudo dos sindicatos, associações
de bairro, Comunidades Eclesiais de Base, etc. Evidentemente, nesse contexto, a
pedagogia libertadora aparece como a pedagogia dos oprimidos, trabalhadores
que foram excluídos prematuramente da escola (Santiago, 1998).
Essa pedagogia não parte dos conteúdos já elaborados, mas aquilo que
deve ser ensinado vai nascendo no decorrer das aulas, a partir da
12. problematização da vida dos trabalhadores, ou seja, os conteúdos emergem a
partir dos temas geradores extraídos pelo professor da vida dos trabalhadores.
(Meksenas, 1992). Essa metodologia de educação, também chamada de
Educação Popular, é entendida como produzida pelas classes populares ou
mesmo produzida para elas ou com elas, em função de seus interesses de classe.
É um processo que permite às classes subalternas elaborar e divulgar uma
concepção de mundo organicamente vinculada a seus interesses, ou seja, uma
construção social da realidade educativa. De certo modo, a Educação Popular
emergiu da prática e das manifestações de cristãos comprometidos com
intervenções sociais liberadoras em vários países da América Latina e Caribe.
Amatuzzi (1989), ao descrever a experiência de Paulo Freire, argumenta
que a educação popular não se define apenas pelos sujeitos nela envolvidos, mas
pelo modo como é feita, podendo designar um tipo de presença que ajuda a
emergir a palavra original, seja lá onde for, como resposta do homem em face ao
mundo.
Freire (1996) ainda presenteia a todos, com o que ele denomina
pedagogia da autonomia, num momento de aviamento e de desvalorização do
trabalho do educador em todos os níveis, apresentando elementos constitutivos da
compreensão da prática educativa enquanto dimensão social da formação
humana e adverte para a necessidade de se assumir uma postura vigilante contra
todas as práticas de desumanização.
No Brasil, a educação popular, que ainda sofre muitas resistências
políticas, está tendo ressonância na educação não-formal, a qual, pela sua
abertura à transformação social comunga de suas idéias e pensamentos. No
13. entanto, o pensamento de Paulo Freire, segundo Arroyo (2001), tem dificuldade de
ser incorporado na formação de professores, nas pesquisas e nas teorias
pedagógicas.
Não se pode deixar de citar, também, a educação comunitária, que com
uma posição pedagógica libertadora, desenvolve seu trabalho por meio da
educação não-formal.
A Educação Comunitária é definida por Carneiro (1988) como a
pedagogia do cotidiano e aponta que o grande problema da educação atual é
voltar a ser uma educação comunitária. Em seus estudos, como educador
comprometido com a educação do povo, busca recuperar, a partir da investigação
do cotidiano concreto e imediato, a pedagogia que liberta os homens, na sua
plenitude.
Segundo esse mesmo autor, diferentemente do domínio que se desloca
da sociedade para governar sobre ela, o poder do saber coletivo nasce no interior
das lutas cotidianas, vinculadas ao patrimônio cultural do povo, recoloca o poder
nas mãos daqueles de quem nunca deveria ter saído e o localiza no espaço onde
as pessoas trabalham e “porque trabalham (...) possuem um certo tipo de saber
que se nutre da informalidade do seu labor”. Este espaço, chamado de
comunidade, a cultura é a forma como as pessoas aprendem a fazer as coisas,
constroem o seu convívio e tecem as suas expressões e a educação se faz na
interpretação da realidade e na tessitura dos seus processos.
“A educação é um processo que se caracteriza por uma
atividade mediadora no seio da prática social. Tem-se, pois, como
premissa básica que a educação está sempre referida a uma sociedade
concreta, historicamente situada” (Saviani,1980).
14. Pensa-se, portanto, em um desenvolvimento que educa e em uma
educação que desenvolve. Nesta direção, o ensino deixa de ser monopólio da
escola e o próprio desenvolvimento se torna a grande via da educação como
prática social. A função social da educação reside no fato de que ela, ao lado de
outras variáveis, pode contribuir, positivamente, para a redução das várias formas
de pobreza e limitação material e para a ampliação do processo participativo
(Carneiro, 1988).
Segundo Trilla (1993), a educação formal e a não-formal contam com
objetivos explícitos de aprendizagem ou formação e apresentam-se sempre como
processos educativos diferenciados e específicos. Normalmente, são distinguidas
pelo critério metodológico ou pelo critério estrutural. No critério metodológico, é
bastante usual caracterizar a educação não-formal, como aquela que se realiza
fora do marco institucional da escola ou a que se aparta dos procedimentos
convencionalmente escolares. A educação não-formal seria aquela que tem lugar
mediante procedimentos ou instâncias que rompem com alguma, ou algumas
determinações, que caracterizam a escola. No critério estrutural, a educação
formal e a não-formal se distinguiriam, não exatamente por seu caráter escolar ou
não-escolar, senão por sua inclusão ou exclusão do sistema educativo regular.
Assim, a distinção entre o formal e o não-formal é bastante clara, é uma distinção
administrativa e legal. O formal é o que assim definem, em cada país e em cada
momento, as leis e outras disposições administrativas; a não formal, por sua parte,
é a que fica à margem do organograma do sistema educativo graduado e
hierarquizado resultante. Portanto, os conceitos de educação formal e não-formal
apresentam uma clara relatividade histórica e política: o que antes era não formal
15. pode logo passar a ser formal, do mesmo modo que algo pode ser formal em um
país e não- formal em outro.
Esse mesmo autor prefere utilizar o critério estrutural e esclarece que
o fato de se deixar o critério metodológico não significa que se esteja negando a
possibilidade de tratar sobre os métodos na educação não-formal. Só significa
entender que a educação não-formal não é, em sentido estrito, um método ou uma
metodologia. Para ele, a educação não-formal é:
“o conjunto de processos, meios e instituições específicas e
diferenciadamente desenhadas em função de explícitos objetivos de
formação ou de instrução, que não estão diretamente dirigidos à
provisão dos graus próprios do sistema educativo regular” (p. 57).
O mesmo não ocorre com o setor educativo não-formal: seu
limite legal e burocrático é escasso, as inércias são mais reduzidas e,
portanto, maior é também sua capacidade de adaptação à mudança. A
educação não-formal costuma ser mais hábil, flexível, versátil e dinâmica
que a formal. Nasce como uma contribuição ao atendimento daqueles que
se encontram excluídos de qualquer proteção necessária para seu
desenvolvimento. Não é uma solução, mas uma complementação às
demais formas de educação (Trilla, 1993).
A educação não-formal visa contribuir para a formação integral do
indivíduo, envolvendo o crescimento pessoal, a consciência da cidadania e a
possibilidade de sua inserção na sociedade.
Para Chinelli (1993, p. 70), educação não-formal ou não-escolar:
16. "trata-se de um projeto pedagógico que pretende ser mais
amplo... o projeto tem um objetivo ainda mais ambicioso: o de contribuir
para a formação de uma nova consciência na comunidade...".
Enfim, esta educação consiste em um modo de educar voltado aos
interesses e necessidades dos educandos num ambiente adaptado ao aluno, à
sua cultura e ao seu meio social.
Sendo assim, um tipo de educação que não era muito privilegiada
começa a despontar como alternativa de transformação e de atuação para uma
parte da sociedade, discriminada e excluída das decisões do poder, da política e
da economia.
O ambiente não-formal e as mensagens veiculadas possibilitam
curiosidade de aprender determinados conteúdos. O ambiente social que é criado
também é outra atração, merecendo destaque a relação educação e educando,
que favorece maior espontaneidade, expressão de sentimentos e emoções.
Para Fermoso (1994), a educação não-formal, tem se definido como:
educação extra-escolar, educação não-regrada, educação em contraposição à
formal, que é a escolar. E educação aberta ou sem paredes.
Recentemente R. Diez Hochleiner (apud Fermoso, 1994), autoridade
espanhola em planejamento educativo, atento ao desenvolvimento e ao futuro
define a educação não formal como:
“... todo processo de aprendizagem que acontece ao largo da
vida para o acesso efetivo a conhecimentos e destrezas, básicos e
avançados, esteja ou não institucionalizado ou se obtenha ou não
17. certificados e créditos ao final do mesmo, mas que permita assumir
eficazmente responsabilidades concretas na vida ativa” (p.89).
De acordo com Gohn (1997), outro aspecto importante da educação
não-formal é que possui um conceito de educação "bastante amplo” e associado
ao aspecto cultural, que leva a entender a "educação" como um processo que se
constrói durante toda a vida e não como algo estático, como é apresentado na
maioria das instituições oficiais. Acrescenta que a cultura é concebida como
modos, formas e processos de atuação dos homens na história e apesar de estar
constantemente se modificando é continuamente influenciada por valores que se
sedimentam em tradições e são transmitidos de geração a geração.
É necessário considerar que a educação não-formal (ou não - escolar)
tem vários objetivos no ato de educar, podendo informar, provocar emoções, fazer
os educandos sonharem ou levá-los a criar algo novo em qualquer campo das
ciências, das artes ou do domínio do corpo ou da política (Sinson, O. R. M., et al.
(2001).
Trilla (1993) complementa, que em relação aos educandos, a educação
não-formal não está exclusivamente dirigida a determinados setores da
população, em função da idade, sexo, classe social, etc. Supõe, de certo modo, a
intenção de estender a ação pedagógica para a população, que se encontra
menos atendida pelo sistema escolar convencional. A idade é menos homogênea
e a inserção nestes programas é na maioria das vezes, voluntária, o que
pressupõe uma motivação intrínseca nos educandos1.
Como explica Brofenbrenner (1996, p.54):
“... para demonstrar que está ocorrendo desenvolvimento
humano, é necessário estabelecer que uma mudança produzida nas
1
Outras características desta educação são apontadas por este autor em Fermoso, P. (1994)
Pedagogía Social: fundamentación científica, Barcelona: Herder, p. 114.
18. concepções e/ou atividades da pessoa se estende também a outros
ambientes e a outros momentos”.
A educação não-formal reconhece a pessoa como um ser que pensa,
age, sente e que traz consigo uma cultura que precisa ser respeitada para que ele
possa crescer e se desenvolver, pois a cultura faz parte da identidade do ser
humano e os valores são imprescindíveis em sua formação. Esta educação
acontece pelas iniciativas de movimentos populares, associações democráticas,
organizações, que visam à mudança social, dentre outras. Tem um caráter
transformador, pois possibilita que os atendidos sejam conscientizados do seu
valor e da importância de serem cidadãos conscientes ao atuarem em sua
realidade, viabilizando o resgate de sua própria dignidade e a de outros.
Além do bem-estar que as atividades da educação não-formal
proporcionam aos seus educandos, têm como objetivo chegar a toda a família,
além de contribuir para a formação do indivíduo e oferecer condições de se inserir
no mercado de trabalho. A educação não-formal forma o indivíduo para a vida,
retirando-os das ruas, das drogas, dos furtos e roubos, da prostituição e do próprio
ócio e, ainda, resgata a auto-estima, munindo-o de condições para desenvolver
sentimentos de auto-valorização.
Os indivíduos que fazem parte deste processo conseguem ter uma
educação mais significativa, pois, está voltada para o conhecimento da sua própria
prática, levando o educando a ler o seu cotidiano de maneira crítica e
possibilitando um observar diferente quanto ao mundo que o cerca (Silva, 1999).
19. O conceito de educação não-formal tem crescido e evoluído de forma
bastante notável. A etiqueta “educação não-formal” aparece já nos planos de
estudo dirigidos à formação de distintos profissionais da educação, e com ela se
identificam numerosas realizações que não param de estender e diversificar o de
por si heterogêneo setor não-formal.
O setor educativo não-formal é disperso e heterogêneo, mas
enorme quanto à sua realidade atual e potencialidade futura. Entretanto, até
não muito tempo, tinha-se polarizado a pedagogia sobre a instituição
escolar. Como se qualquer possibilidade de intervenção sistêmica de
caráter educativo tivesse que se materializar em e por meio da escola, a
pedagogia marginalizou outras formas de intervenção possíveis e reais.
(Possíveis e reais, visto que, efetivamente, tais formas já existiam e
exerciam uma considerável influência). E não era só a pedagogia, que
marginalizava a educação não-formal, havia também as instâncias que
teoricamente deviam questionar a educação (ministérios, etc.). Atualmente
não é possível uma política educativa que não leve em consideração a série
de realizações não-formais que, em muitos casos, não tem nascido para
outra coisa senão precisamente para completar, reforçar, continuar ou, em
seu caso, suprir certos cometidos escolares (Trilla, 1993).
Segundo Fermoso (1994), se o passado e o presente já estão
carregados de realidades, o futuro se apresenta promissor, porque a cada
dia está enraizada a convicção de que a escola e o sistema geral educativo
20. de um país não são suficientes para dar respostas a todos os desafios e as
demandas previstas. A escola pode, no máximo, responsabilizar-se pela
formação inicial dos trabalhadores e dos profissionais, mas se sente
impotente ante a formação permanente e ante as variadas formas de
ocupar o ócio e o tempo livre, que, em princípio, deverão ser cada dia
maiores. Poucos são, se é que resta algum, os que suspiram por uma
supressão da escola, mas são legiões os que buscam complementá-la.
O processo que ocorre na educação não-formal, normalmente vem
embasado no que se chama “Educação Social”, que por referência é
conteúdo e objeto da pedagogia social. Para um entendimento melhor desta
educação, faz-se necessário retomar o histórico da pedagogia social.
Segundo Fermoso (1994), este termo é de origem alemã, citada em maio de
1844, na Pädagogische Revue, por Karl F. Mager. Na Alemanha era
freqüente referir-se a esta ciência com a expressão “Jugendhilfe” (ajuda à
juventude), com três sentidos diferentes: ajuda educativa, profissional e
cultural à juventude.
Femorso (1994) descreve, como se pode observar a seguir, o
histórico da pedagogia social, até chegar ao seu desenvolvimento na
Espanha, sendo, hoje, o país que mais tem apresentado propostas e
estudos sobre esta área de conhecimento.
Na Alemanha, a pedagogia social ocupa um lugar privilegiado,
pois lá, desenvolveu-se grande parte do plano teórico, ainda que seja justo
reconhecer a influência do modelo anglo-saxão na realização do trabalho
social, ou seja, na práxis da educação social. Na França, o enfoque maior
centralizou-se na animação sócio-cultural e na Itália, nos meios de
comunicação.
21. Os precedentes remotos da pedagogia social alemã estão no
cristianismo, em Pestalozzi, a quem se tem apelidado “padre espiritual da
pedagogia social”, e em Froebel.
As bruscas mudanças, produzidas pela industrialização em torno da
metade do Século XIX, propiciaram o nascimento de uma nova ciência social
aplicada: a pedagogia social. A situação sócio-econômica e sócio-política, em que
se encontrava a Alemanha, por volta de 1850, foi o determinante último da
aparição de uma nova maneira de solucionar as necessidades sociais e de
encomendar aos pedagogos a lenta elaboração de um corpus doutrinal
fundamental e justificativo. Mas sem uma mudança de mentalidade não se
concebeu o início desta nova ciência social. A mudança de mentalidade,
favorecida por vários canais, supunha substituir o velho conceito de caridade pelo
de justiça.
O pedagogo a quem resta atribuir a paternidade da expressão
“pedagogia social” é Adolf Diesterweg. Entretanto há quem distingue entre o
“conceito” e a denominação; esta se atribui a Karl Friedrich Magers (1844); foi, em
troca, Adolf Diesterweg o primeiro a precisar seu conceito, na obra e ano já
indicados: 1849-1850.
Nos crepúsculos do Século XVIII e na primeira metade do Século
XIX, quando estava presente como modelo o liberalismo capitalista, o
individualismo foi expressamente exagerado, com detrimento da vertente
social da vida humana. Pela metade do Século XIX, entretanto, foram
detectadas reações importantes como: Manifesto Comunista (1848);
socialismo utópico; fundação de partidos socialistas e social-democráticos;
início da pedagogia social; sociologia científica de A. Comte; criação de
22. sindicatos, etc. Este contexto cultural era apropriado para que, na segunda
metade do Século XIX, se iniciasse o movimento da Escola Nova e da
Pedagogia Socialista, que propiciaram a eclosão dos estudos acerca da
educação social.
Paul Natorp (1854-1920) foi o pedagogo social mais genuíno do
que poderia ser qualificado de “pedagogia social da restauração da unidade
nacional alemã”. Publicou, no ano de 1989, sua célebre obra de pedagogia
social. Argumentava que a pedagogia de quem o precedeu foi, em quase
sua totalidade, uma pedagogia individual, frente a qual propunha uma
pedagogia social, que segundo ele, era a única possível, pela natureza do
homem. Considerava que a origem das tensões sócio-políticas era o
individualismo, que levou o povo alemão à perda de sua grandeza.
Sua pedagogia tinha dois conceitos-chaves: o conceito de comunidade,
no qual toda a atividade educativa se realiza sobre a base da comunidade e o
conceito de que o homem chega a ser homem só através da comunidade humana.
Em Natorp, a comunidade foi um ideal e um objetivo a conseguir, porque só existe
quando “cada um é para todos e todos para cada um”. É uma unidade orgânica e
vital, que emana da mesma vida, presidida pela harmonia e a concórdia: os
membros da comunidade têm consciência de sua semelhança e se sentem
responsáveis ante os demais. O outro conceito diz respeito à vontade. Partindo do
conceito de que a linguagem humana é o vínculo para transmitir o rico tesouro do
conhecimento primitivo ao povo e à humanidade e o meio para relacionar-se com
os outros conclui que toda consciência própria se desenvolve só em oposição e,
ao mesmo tempo, em relação positiva com outra consciência.
A pedagogia anterior a Natorp foi, em quase todas as suas
manifestações, individualista; Natorp mudou de referência e vinculou a educação à
23. comunidade. Dizia que toda a educação se efetua, de fato, na comunidade,
dentro de três grandes círculos: família, escola e sociedade. E o conteúdo da
formação é um bem comum a todos os indivíduos, ainda que cada um a realize
mediante sua própria consciência. E acrescenta que a comunidade só subsiste
pela educação, porque só a participação de todos os membros nos bens
espirituais da comunidade – educação, arte e ciência – pode manter sua unidade.
Entre todos os bens, a educação é a força mais importante, porque ajuda aos
homens a acercar-se do ideal da comunidade.
Natorp foi o primeiro alemão que tentou elaborar uma teoria sobre a
educação social, de tal maneira que a pedagogia foi concebida, desde o princípio,
como saber prático e como saber teórico. Possivelmente esta é a principal
diferença histórica entre a Alemanha, o âmbito anglo-saxão e a Europa meridional.
Outra questão fundamental deste pedagogo é a localização da pedagogia social
no campo das ciências pedagógicas. A maior parte dos pedagogos alemães que o
precederam foram partidários de uma pedagogia individualista, com as exceções
já indicadas de Pestalozzi, Fröbel, Diesterweg, etc. Para Natorp, a pedagogia
social não é uma parcela ou ramo da pedagogia, e não se pensa em outra
pedagogia que não seja a pedagogia social.
A experiência da Primeira Guerra Mundial modificou o pensamento
de Natorp, tal e como se refletiu em uma de suas mais importantes obras. A
conseqüência foi que se acentuou ainda mais o caráter crítico social de sua
pedagogia e se voltou totalmente à formação da nova comunidade, sem
contradições classistas, motivo pelo qual aumentou seu prestígio e
popularidade.
24. Após a Primeira Guerra Mundial, também houve o aumento das
carências e necessidades que motivaram a pedagogia social de Hermann Nohl
(1879-1960) - nascido em Berlim, dedicou-se à juventude em Jena, onde fundou
uma escola superior popular; mais tarde ocupou a cadeira de Filosofia / Pedagogia
em Gotinga, universidade em que professou até 1947 e na qual lutou pela criação
de uma Escola Superior de Pedagogia.
Já para K. Marx e F. Engels, a forma organizativa da educação no
Estado comunista não é outra senão a dada pela sociedade em suas
instituições, principalmente “instituições de educação social”, isto é, nos
centros escolares. A pedagogia social, na mente dos pedagogos marxistas,
é a antítese da pedagogia individual. A educação social se contrapõe à
“educação doméstica” (Fermoso, 1994).
No primeiro terço do Século XX, etapa em que se consolidou o status
científico da pedagogia social, a evolução histórica da educação social se
identificou com este novo saber pedagógico.
Os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial induziram H. Nohl a
dedicar-se ainda com maior fervor para a solução de sérios problemas sociais.
Este pedagogo tem sido um dos principais teóricos nesta segunda etapa e,
possivelmente, o mais representativo em toda a evolução histórica desta ciência
na Alemanha. Para ele, a pedagogia social é a ciência da educação, que não se
realiza nem em família, nem na escola. Por esta razão, resta falar da pedagogia
social como da pedagogia do “terceiro espaço” – o primeiro é a família e o
segundo, a escola. Seu trabalho sócio-pedagógico dirigiu-se aos trabalhadores
carregados de necessidades sociais e, em segundo lugar, os jovens, não só
sujeitos de leis senão pessoas com direitos inalienáveis, que estão por cima da
25. simples “proteção de menores”. Todo o jovem é um ser, com quem o educador
tem de estabelecer relação, para poder contribuir para a sua educação e se
chegar ao ser ideal.
Sua pedagogia social é uma autêntica “pedagogia da necessidade”, que
buscava revitalizar a Alemanha, tão cheia de necessitados: jovens, presos,
trabalhadores, mulheres, crianças e marginalizados de todos os tipos. Deu,
também, razão a Natorp em assinalar decisiva importância à educação social.
H. Nohl co-editor de um Handbuck der Pädagogik (Manual de
Pedagogia), em cinco volumes, dedicou o quinto e último à Pedagogia social.
Desde H. Nohl, a Pedagogia social é uma parte e um espaço ou campo da
pedagogia geral.
Segundo este mesmo autor, a denominação Pedagogia social
apresenta uma dificuldade, que emana da impressão e polêmica dos dois
vocábulos usados: pedagogia e social. No contexto alemão, pode-se
constatar que, na atualidade, a palavra “pedagoiga” se reserva estritamente
para referir-se à praxis educativa, já que se está impondo o uso da
expressão Erziehungswissenschaft (ciência da educação), quando se fala
com intencionalidade científica. E quando se quer aludir ao conjunto de
conhecimentos sobre educação, procedentes de níveis epistemológicos
diversos, refere-se à expressão global de Erziehungslebre (saber ou
doutrina sobre a educação). Na Espanha, tampouco existe unanimidade
para designar o saber científico sobre a educação; fala-se de “pedagogia”,
de “ciência de educação”, de “teoria da educação, etc. Mais polêmico ainda
é o adjetivo “social”, que acompanha o substantivo “pedagogia”. O
qualificativo “social” surgiu em meio de mistificações utópicas na segunda
metade do Século XIX e seu significado continua sendo plural na concepção
do Estado do bem-estar, tão utópico como as ilusões que o rodearam. Não
26. se pode esquecer que a pedagogia social nasceu e está intimamente unida
com a ajuda prestada à juventude.
Há, também, quem reserve a expressão “pedagogia social” para
referir-se aos movimentos alemães em torno da década de 1920, nos quais
a ajuda à vida se produziu em meio a uma situação histórica determinada,
que vinculava esta ajuda aos desvalidos, necessitados e abandonados.
Dos aspectos atendidos pelos pedagogos alemães – inteligência e
caráter -, a pedagogia social tem de cuidar sobre tudo da formação do caráter,
pois ele sintetiza “a organização de uma vida sadia física e mentalmente para
cada indivíduo e para cada povo”.
Em um terceiro momento, na dominação de Hitler, a pedagogia social
se estancou e foi limitada por decisões fascistas destruidoras de iniciativas.
Ainda que anterior a 1949, mas posterior ao final da Segunda Guerra
Mundial, o período compreendido entre 1945 e 1949 regressou de novo ao espírito
da pedagogia da reforma e a denominada “pedagogia da cultura”, com nomes tão
gloriosos como E. Sprenger, Th. Litt, Kerschensteiner... O mesmo H. Nohl retomou
seu pensamento anterior ao nacionalismo e o aprimorou:
“Pouco nos resta de nosso passado e pouca luz se projeta até o
futuro, as nossas crianças e jovens estão aí... Apesar de tudo, a pedagogia
há de inventar novas formas de educação social... Temos de refazer todo
nosso pensamento pedagógico e empregar todas nossas forças na
juventude...”.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o Estado do bem-estar social
esteve em destaque, para tentar curar ou suavizar as feridas abertas durante o
conflito, profissionalizando-se muitos dos especialistas participantes do trabalho
27. social, entre os quais começaram a ser chamados de educadores/pedagogos
sociais.
Não existe um estudo monográfico sobre a evolução histórica da
pedagogia social em todo o Ocidente, à exceção da Alemanha.
As quatro áreas organizadas na França, no final da Segunda Guerra
Mundial, para a solução das necessidades sociais, foram: animação sociocultural,
inadaptação, educação de adultos e formação na empresa.
Na Itália, a pedagogia social, não é uma das especialidades mais
cultivadas, por outro lado, entende-se como a ciência da educação social,
produzida pelos meios de comunicação e extra-escolares; ou seja, é uma
concepção mais próxima à educação informal que a não-formal. Não obstante, é
difícil classificar a maioria dos pedagogos italianos, ocupados em educação social,
em um só modelo ou tendência.
Principais formas italianas de entender a pedagogia social:
• como a ciência pedagógica da inadaptação social;
• como a ciência pedagógica que luta por uma escola europeísta;
• como a ciência pedagógica que investiga e estuda a educação para
a paz, temas de seminários e jornadas;
• como a ciência pedagógica da educação cívica e política;
• como a ciência pedagógica sobre a ação educativa nos serviços
sociais, tal e como se reflete na especialidade existente na
Faculdade de Ciências da Educação, da Pontifícia Universidade
Salesiana de Roma;
• como a ciência pedagógica da marginalização social, sobre a qual a
mesma faculdade oferece outra especialidade;
• e como a ciência pedagógica dos meios de comunicação social.
28. Deduz-se que a tendência em pedagogia social mais dominante na
Itália é a qualificada de società educante, mescla de pedagogia e sociologia,
empenhada em coordenar e integrar os três agentes fundamentais de
socialização: a família, a escola e o extra-escolar. Não explicita a educação para a
democracia, para a liberdade e para a igualdade, em consonância com uma
política educativa respeitosa com estes princípios.
Nos países anglo-saxões, a social education é bem diferente da
Sozialpädagogik alemã. Nos Estados Unidos, por exemplo, pede-se à educação
social e ao trabalho social que proporcionem às pessoas ajuda material, social e
cultural e que contribuam para a integração. Tanto nos Estados Unidos como no
Reino Unido, o trabalho social se concebe ligado à social education. No Reino
Unido tem-se fundamentado na política social do Estado do Bem-Estar. Os
objetivos perseguidos têm sido semelhantes aos dos outros países ocidentais:
análises e ação contra a pobreza, contra o alcoolismo, contra a criminalidade
juvenil, a saúde e a velhice.
Na verdade são escassas as referências à pedagogia social e se há
algumas, devem-se a professores ou a investigadores alemães. Dificilmente
podem-se estabelecer limites entre o social work e a social education.
Quanto à Espanha, antes de 1944 não se cursou esta formação na
Universidade espanhola, pois não foi incluída nos currículos das escolas de
magistério, nem no da Escola Superior do Magistério, nem na seção de
Pedagogia, criada em 1932, na Universidade de Madrid. Os vestígios, poucos e
escassamente significativos, se devem a dois pedagogos inquietos de sua época
e conhecedores da cultura alemã. São eles: Ramón Ruiz Amado e Lorenzo
29. Luzuriaga. O primeiro, jesuíta, autodidata em Pedagogia, foi seduzido pela
pedagogia social, porque suas convicções cristãs o advertiram para a
transcendência que podia ter seu estudo. Foi autor da primeira obra espanhola
sobre educação social.
O segundo, Lorenzo Luzuriaga, representa a pedagogia liberal e os
movimentos políticos de esquerda, onde militou e ocupou cargos públicos
importantes em educação. Teve de se exilar na Argentina, onde, entre outros
mestres, fundou a editora Losada, na qual se publicaram obras clássicas
interessantes. Não visualizou a pedagogia social separada da política.
A história espanhola da pedagogia social começou academicamente em
1944, ano em que foi incluída no plano de estudos da seção de Pedagogia da
Universidade de Madrid 2.
Os âmbitos de aplicação têm sido os mais clássicos e repetidos em todo
o Ocidente. Vem-se aceitando que podem reduzir-se a quatro:
• animação sociocultural
• educação de adultos
• pedagogia laboral
• educação especializada (com todos os capítulos da
marginalização).
Quando se busca pela sistematização da educação social, nos
continentes em desenvolvimento, muito pouco se encontra, apesar de sua ampla
2
sobre datas relevantes da pedagogia social espanhola, ver Fermoso, P. (1994) Pedagogía Social:
fundamentación científica, Barcelona: Herder, p.67.
30. presença, em iniciativas com as mais diversificadas finalidades. Fermoso (1994)
adverte que a educação social serve somente para um modelo concreto de
sociedade, porque nela se produz o processo de socialização e porque os
costumes e estilo de vida são peculiares a cada uma delas. A aprendizagem social
se efetua em um meio determinado e a sua meta é assimilar as regras típicas
daquela cultura. Este mesmo autor apresenta a seguinte definição:
“A educação social é o resultado ou produto do processo
de socialização, equivalente ou traduzível em um conjunto de
habilidades desenvolvidas pela aprendizagem, que capacitam o homem
para conviver com os demais e adaptar-se ao estilo de dominante na
sociedade e cultura a qual pertence, aceitando e cumprindo, ao menos,
suas (da sociedade e cultura) exigências mínimas” (p.134).
E propõe como características da educação social, os seguintes
aspectos:
• Conjunto de habilidades desenvolvidas pela aprendizagem graças à
eficiência e eficácia dos agentes socializadores.
• Convivência com os demais. Prepara para formar parte de grupos
primários e secundários, nos quais se socializa e coopera na
consecução dos objetivos comuns e nos quais respeita as pessoas e
seus direitos.
• Adaptação à sociedade e à cultura.
• Manutenção da identidade pessoal.
• Otimização da conduta social, porque esta é aceitável só se
realmente se tem acertado a responder às estimulações exteriores e
31. se tem modificado o comportamento. A educação social que não
produz este efeito é deficiente e criticável.
Ao se utilizar o termo “educação social”, observa-se que, muitas vezes,
o profissional que trabalha com os dois elementos não tem consciência do que
realiza e da amplitude de seu objetivo.
Entende-se que todo o trabalho de ação social, desde seu idealizador
até o executor, implica em um processo de educação social. Ao se pesquisar a
utilização da terminologia “social”, observa-se uma notável predileção para o
desenvolvimento da sociabilidade daquele com quem se trabalha. Interessa-se,
sobremaneira, por tudo o que se refere às competências para um bom
relacionamento com os outros sujeitos e com a sociedade em que se vive.
Petrus, Romans & Trilla (2000) argumentam: para que as intervenções
sobre os indivíduos sejam eficazes devem estar sempre fortemente
contextualizadas, a partir das realidades concretas em que vivem. A educação
social trata de que os sujeitos experimentem alguma mudança, algum tipo de
desenvolvimento pessoal. Entretanto, para que isso ocorra, de verdade, também
há que se mudar o seu meio. Segundo os mesmos autores, as pessoas se
desenvolvem na medida e no tempo em que se desenvolve a comunidade da qual
fazem parte.
Quando se sai do mundo “assistencialista” e entra-se no mundo dos
“direitos”, a relação com o outro envolve ainda compromissos muito mais amplos e
de maiores responsabilidades. Por este motivo é que a competência desse
profissional está em discussão, pois é imprescindível que apresente interesses,
habilidades e características pessoais que garantam a eficácia de sua ação.
32. Quando se trata de focalizar a Educação Social como um campo de
estudo, ela se posiciona como parte da pedagogia e esta, por sua vez, da ampla
família chamada de Ciências humanas e sociais (Petrus et al., 2000). Entretanto, a
educação social traz diversas implicações, que devem ser cuidadosamente
estudadas para se entender sua posição no contexto científico e popular.
Em cada uma de suas ramificações, tem sido uma família
acostumada não só a trabalhar em contextos pobres, mas também com pobres
recursos. Então, a precariedade de meios materiais acaba sendo suprida com
doses notáveis de esforço voluntário. Embora este seja o lado positivo, em alguns
casos, chega-se a fazer da necessidade, virtude. Por se trabalhar com os
socialmente desfavorecidos, haverá de se chegar, fatalmente, à necessidade de
se desenvolver com precariedade de meios.
Até há pouco tempo, também a Educação Social tinha compartilhado
uma certa situação de marginalidade dentro da classe da Pedagogia. Era comum
que quem trabalhasse com os marginalizados fosse, por sua vez, marginalizado
pela pedagogia oficial e acadêmica. Mas continuam sendo os “parentes” pobres
da pedagogia, pela sua forma “artesanal” de atuar e de produzir conhecimento.
Parte de seu discurso provém da elaboração experiencial do conhecimento, isto é,
de um conhecimento, surgido da própria prática dos agentes, generalizado por
ensaio e erro e propagado mediante a transmissão e intercâmbio direto das
experiências.
Entretanto esta área começa a lutar para se estabelecer por sua
conta e afiançar sua posição. Aqui, no Brasil, muito pouco se tem de material
sistematizado, frente ao que já é realizado na educação social. Quanto à formação
33. profissional, encontram-se, muitas vezes, somente cursos de capacitação, que se
preocupam com a informação, talvez com a conscientização, mas dificilmente com
a formação pessoal do educador.
Hoje, busca-se conjugar o conhecimento experiencial ou artesanal
com o conhecimento acadêmico muito mais abstrato e que aspira um maior rigor
científico. As posturas educacionais devem estar cada vez mais se mesclando e
unindo forças para seus objetivos comuns.
As investigações, publicações, participações em congressos,
manifestações verbais de toda a índole e das lutas detectadas nos novos planos
de estudo permitem arriscar que os cultivadores da pedagogia social, também
estão encorajados pelas ideologias e pelas convicções pessoais, tanto políticas,
como filosóficas e/ou religiosas.
Nas jornadas e congressos ainda não se tem configurado um corpo
científico que possa aflorar abertamente tendências diferentes, que não sejam as
ideológicas e políticas; ou se tem limitado a repetir o recebido de países
estrangeiros ou se tem confessado imaturo ainda para localizar, nem sequer em
concepções metodológicas heurísticas. Durante os últimos anos tem-se notado
um crescente interesse pela definição: mas se distanciam muito dos
posicionamentos que outros países têm adquirido em uma história muito mais
ampla de seus serviços sociais e de suas investigações sócio-pedagógicas.
Embora se tenha que conceder um tempo para que se sedimentem os
conceitos e as metodologias, a preocupação com a formação e definição de quem
trabalha nesta área é de grande relevância. Este profissional necessita, com
34. rapidez, de uma definição de suas funções e um direcionamento de suas ações,
como será descrito no próximo capítulo.