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Sobre a pintura de Maria João Franco




"Olhar e ver esta peça é entrar no âmago da pintura, é perceber-lhe a
carne e a palpitação. O que o século XX trouxe para o domínio das
artes, além da sua destruição, foi a gratificação e a reinventar, arran-
cando-lhe novos símbolos e perturbantes reconstruções.

Hoje, a carne da pintura pendura-se do gancho do imaginário, plural,
convivente, desde a tela lisa aos mares tormentosos onde flutuam os
destroços da nossa civilização. Entre estes seres rochosos, cúmulos da
adversidade e da aventura dos materiais semi-livres."

de Rocha de Sousa




                Cristo para o altar de todos os Espantos
OLHARES
Rocha de Sousa

Maria João Franco
CORPO TANGÍVEL

A certa altura da vida, Maria João Franco sentiu o seu corpo partido em dois, entre um
silêncio frio e um fact0 lancinante. Metade de si soçobrava com a morte de alguém. E a outra
metade, ardente e tangível, teve de abraçar toda a vida já vivida, além da que estaria para
se acercar de si, a cobrar-lhe as contas do presente e do futuro. O sonho de então foi
simultaneamente tumular e sangrento, sobretudo através de uma pintura que tinha de ser
feita, assim, segundo o protesto surdo do medo, na solidão e na intransigência das imagens. É
por isso que ela parece ter fixado um estilo, um imparável modo de formar.
Maria João vive, digamos assim, uma ancoragem inabalável à memóroa do corpo que ainda
lhe resta e que representa, afinal, dos ângulos mais difíceis, na vertigem mais insuportável,
assumindo todas as diferenças e todas as semelhanças com a matéria orgânica, os metais
brutos, a pedra cinzelada de forma a sugerir diversos pontos de decomposição e restos ainda
lisos da pele. Pele por vezes amaciando músculos aquém das mutilações pressentidas ou
mesmo expostas.
Esta prioridade conferida ao discurso matérico, de alguma violência, tem de se compreender
a montante e na hora em que a escolha está contida num espaço restrito, no estreitamento
da dor. Fazendo da sua metade anímica um projecto de vida, um modo de se exprimir pela
totalidade, Maria João abriu à força das mãos um caminho ao mesmo tempo preciso mas
quase insustentável nas insistentes dilacerações. O corpo era assunto e era tema, minuto dos
instante tangíveis em que tudo se duplicava pelas entregas, um abraço de desejo, de partilha,
exposto como nudez escultórica, bronze ou pedra, tudo vertido para a palpitação textural da
pintura — medida, tempo, angústia. Os meios de instauração plástica traduziam, assim, uma
ampla oratória dos gestos, grafias insondáveis, recortes perceptíveis, o habitual e antigo
desafio da expressão aos limites da percepção. Mas o sofrimento e a grandeza destacam-se da
massa, presos no campo como os contrastes da forma fingidamente inacabada dos «Escravos»,
de Miguel Ângelo.

Os nomes intensos e humanos
Maria João Franco não tem sido eleita entre os eleitos, apesar da sua obra juntar tradições
modernas com nomes intensos, com valores de um profundo sentido do humano. Hoje voltam
a ser louvadas as «histórias», em contradição com a anterior exigência incontrolável da forma
abstracta: porque os restos figurativos da perplexidade e da revolta já só tinham lugar
museológico e nenhum futuro à vista. Quem retratava ou representava, fazia bonecos,
circunscrevia-se ao pior da tradição, pequeno discurso de narrativas ilustradas. Mas as
ideologias da estética totalitária mão tinham verdadeiro cabimento no domínio das disciplinas
de índole artística, porque, como já tenho sublinhado, a arte não se realiza sob o império dos
dogmas nem se encerra num só tamanho da verdade na variedade. Todos os modos de dar
força expressiva à comunicação pelas imagens, por exemplo, são processos de um fazer
entregue ao imaginário, tornando os sonhos coláveis ao real para o «tornar visível». E as artes
mais se abriram à inovação, a matérias e formas surpreendentes, inundando o espaço social
de uma grande harmonia de discursos não coincidentes. Isso dá nome à civilização que
entretanto se globaliza e aceita fazer-se sobre o fio da navalha.
Na sua consolidação tremendista, a pintura de Maria João Franco pratica uma certa
convocação rochosa do corpo humano — ou do corpo simplesmente. Dois caminhos têm
confluido para isso, a dor da perda e graves impressões do exterior, encontro que sempre
acabou por devolver às mãos da pintora fragmentos amassados na devida
maturação, corpos recuperados sob o impulso da vontade poética, entre a morte e a vida.
Corpos míticos, também, sonho transitado de alguma Renascença, memória problematizada
dos clássicos e dos avanços expressionistas que se expandiram pelo século XX todo. O que se
traduz em testemunho, em grito, em dilaceração, com a manipulação do gesto e das matérias
(líquidas ou substanciais) por forma a ocupar o campo de presenças ao mesmo tempo carnais
e de pedra. Fusão de metais igualmente, embora a verdade técnica se determine sobretudo
no domínio da pasta acumulada sobre esboços gráficos ou já pulsantes e líquidos.

um trajecto de coerência e força
A forma plástica em Maria João Franco assenta, além de tudo, numa sedentarização positiva,
de núcleo tormentoso, e desenha no espaço um trajecto de coerência, de proximidade
significante entre as peças, o que determina grande continuidade das várias presenças, uma
inusitada força nas massas pictóricas, de cor surda, onde por vezes um fio de sangue aflora,
ou até na pele falsamente envelhecida sob a sua intocável frescura. De perto, visível a maior
distância, nítido ou desfocado, quase metalizado, aparentemente escultórico, o corpo
(assunto-tema) lembrado e representado por Maria João Franco é fruto de uma importante
conquista em termos de discurso, na obstinação, na recuperação da imagem e da ideia — a
liberdade do fazer, em suma, num aparente paradoxo que liga e desliga a memória dorida do
corpo partido em dois e a necessidade de sublimar a brutalidade obscena dessa injustiça.
Porque a liberdade de que a autora dá importantes provas, da metodologia escolhida aos
materiais de instauração plástica,
não significa que ela esteja isenta de pensar o modo de formar, quais as razões da força ao
petrificar-se, ao escorrer como tinta de facto, que objectivos aí se envolvem, que limites e
regras assistem à própria amputação anatómica. Na verdade, Maria João sabe perfeitamente
em que condições está a agir e o que lhe sobra de talento depois dos cortes de acerto, das
pessoas que premeia: ela cria processos de catarse para si mesma, sabendo, entretanto, que
está processando um legado a alguém, com a marca de que as obras, no futuro, terão de
conter um inalienável testemunho de vida.




OBRA ENQUANTO VIDA
Foi numa espécie de silêncios ensurdecedores que Maria João Franco sobreviveu, emergiu várias vezes, e solta
agora, ao expor mais uma vez, o seu grito de intransigência perante as «forças» que carreiram modos, modas,
os autores e ordens em vigor, com frequentes violações do trabalho independente, para a constelação
internacional, sucesso a termo, porque outras barreiras selectivas e obscuras existirão neste século.Desde
longa data que Maria João Franco foi dando prioridade a um discurso matérico e de alguma violência,
proferido entre uma abstracção de teor expressionista e a convocação rochosa do corpo humano — ou do corpo
simplesmente. Passo a passo, o seu imaginário recebia impressões graves do exterior, da experiência exógena,
acabando por devolver às mãos da pintora fragmentos amassados na devida maturação, coisas endógenas,
reanimações poéticas da morte e da vida. Tais verdades interiores, sempre em transformação mas nunca em
ruptura, contrariavam o terreno minado pela cultura urbana, formações espúrias, filiação nos concursos
rápidos ou guerra dos prémios. Com a sua arte reaprendemos algumas versões de valor porventura romântico,
até de raiz na memória dos clássicos problematizantes, a par de uma afirmação expressionista (da mesma
mágoa) assente mo testemunho de outros renascimentos e no sentido da revolta. A manipulação do gesto,
abarcando logo grande parte do campo, entra depois no domínio da pasta, matéria acumulada sobre esboços
líquidos. Alguns dos quais parecem despontar propositadamente nas zonas onde a autora preferiu aderir à
transparência e por vezes, quando acha necessário conter a catarse, a decisão de aplicar mansas velaturas
sobre troncos antropomórficos duros, brutais, escultóricos. Essa aparente moderação lírica avança com um
brilho baço sobre aquelas carnações decepadas, de largas texturas e aparência lítica. Esta busca, algo
arriscada, passa por matérias e cores sobretudo acinzentadas, exprimindo de facto a pedra da escultura que
evoca o corpo, é um trabalho quase contínuo, quase sisifiano, princípio e fim de um todo que também nos
pertence, embora sempre nos escape. Anunciada assiduamente pela sua diversidade, o percurso coerente de
Maria João Franco parece abalado, sem que as suas bases se ressintam, dado que esse ponto de vista implica
diferença, a simbiose entre diferença e semelhança, o que, apesar de todos os paradoxos, confere uma força
inusitada a estas massas onde algum fio de sangue aflora, e mesmo nos casos em que a autora representa (na
boa memória académica) os nus falsamente envelhecidos na sua intocável frescura.A forma plástica, em Maria
João Franco, recupera do espaço da memória, da própria dor, com obstinação, a ideia e a imagem do corpo,
mesmo quando este não se aperta entre os limites do campo e se projecta gestualmente no espaço. A
liberdade do fazer, no acesso a qualquer metodologia e materiais próprios, não isenta o formador de pensar
quais as razões da sua luta, quais as razões do seu objectivo, o que implica a criação ou aceitação de limites
ou regras. Maria João sabe perfeitamente essa condição, porque a condição sobra mesmo quando traída com
talento. Neste caso, a pintora está sobretudo ao serviço de si mesma, legando a alguém, a verdade da obra ser
um destino de vida.
ROCHA DE SOUSA _2010




MARIA JOÃO FRANCO
Conheci Maria João Franco como aluna da Escola de Belas Artes, numa altura em que, para
além dos alunos em idade escolar, esta era procurada por muitas pessoas que, ou para
completarem habilitações ou porque sempre tinham tido um desejo secreto de se tornarem
artistas, a procuravam. Maria João vinha dum curso de Arquitectura no Porto, mas
efectivamente a pintura era o seu caminho. Desde então, tenho seguido com algum interesse
a sua carreira de artista – mulher – com uma continuidade que nem sempre se encontra no
meio das artes plásticas no feminino, não obstante as vicissitudes que a vida lhe tem
deparado.A sua arte é uma arte sofrida, que se a quisermos classificar será de
expressionismo, um expressionismo matérico em que o tema dominante é o corpo.
Expressando-se através da pintura e do desenho, numa forma que se afasta decididamente de
qualquer representação académica, embora o seu ponto de partida seja, efectivamente, o
mesmo – o corpo nu – nos seus corpos contorcidos, dolorosos, por vezes apenas evocados
numa linguagem quase abstracta, sente-se o pulsar de alguém que não tem tido um percurso
de vida fácil.Os seus nus não são eróticos – pelo menos não os sentimos assim – mesmo quando
os títulos das obras o podem fazer supor (Intimidades). Mulheres, muitas vezes assim as
percebemos pelos seios caídos de mulheres maduras, pela zona púbica aflorada, por vezes
apenas fragmentos evocativos de um corpo – e por isso falamos de uma quase abstracção –
evocam essencialmente dor, muitas vezes de evidência física que não é mais do que
expressão de uma dor da alma.Nesta exposição, como acontece na sua obra, aborda também
outros corpos, quase silhuetas, de animais, dificilmente identificáveis, talvez feridos, que
equacionam memórias pré-históricas no observador (Bestiário). Podem ser cães, lobos – não
temos a certeza – mas participam certamente da mesma dor dos humanos.A opção pela forma
do tríptico apresenta-se como uma solução original, de acentuado ênfase religioso, em que
duas formas de pintar - a do painel central mais densa, mais escura, também mais dramática
– em contraste com as abas, de tonalidades mais suaves, evocando processos do desenho, mas
também o contraste dos antigos trípticos do final da Idade Média, entre a cor intensa do
painel central e as grisalhas das abas. Os nus das abas, em pose contorcida, trazem por sua
vez à memória não a pintura medieval mas Ignudi miguelangelescos, portanto uma época de
tensões mais acentuadas, talvez como a nossa (Retábulo para o altar dos espantos).Há um
certo barroquismo na obra de Maria João Franco, pelos jogos de claro-escuro, pelos toques de
vermelho que evocam martírios contra-reformistas, mesmo pela densidade matérica que a
sua pintura normalmente demonstra. Maria João é também poeta, aliás quer através da
palavra, quer da imagem, a sua obra é poesia no sentido pleno da palavra e aqui não temos
de citar Horácio – ut pictura poesis – porque afinal as duas formas emergem paralelamente da
actividade criadora da artista.

Dra. Margarida Calado,
Historiadora, Professora da Faculdade de Belas Artes da Faculdade de Lisboa
A sua pintura faz-me sempre lembrar
os mitos da dor, uma espécie de destino castigo, como em Sísifo ou Prometeu, para
não falar da urdidura permanente de Penélope, algo que se faz e desfaz na espera de
alguèm e para afastar os assediadores.
O destino tocou-a (ou Deus) e a sua dor (mesmo que a não sinta) vem pelo
«expressionismo romântico» marcar cada peça que faz. Esta figura petrificando-se
será assim, um dia, transforada em perda,
grandiosa mesmo na morte.

Rocha de Sousa
Contemporary Portuguese Artists:




                         MARIA JOAO FRANCO

During her 40 years of career, Maria João Franco has become an intransigent pursuer
of interior truth and liberty, being an artist in constant changing yet managing to
remain true to herself.Maria João Franco marks the contour, captures the movement,
turns into reality an idea, within a pictorial imagery which gained her a noteworthy
place in the Portuguese Fine Arts.Her art is deeply connected with the body, be it
either the human body or the body of things.There is a warm and tender involvement
in her paintings which figurates our condition, and which confers harmony and
beauty to the triviality of the ordinary life.Her painting, in which rhythm is a stylistic
element, declares the autonomy of colour, of utmost importance.It is a painting of
immediate gesture, of capture of space, of the vanity of existing, by restoring the
lost childhood and creating a new way in which we look at things.



Maria João Franco’s art is extremely sensitive to the fluidity of the languages of the
forms, to the strong materiality of the colour, to the force and charm of its evasion
and its ecstasy. It is a fascinating and wonderful journey, both spiritual as well as
technical.



Therefore, her works are the materialization of feelings of longing, dreams, and
became important notes in the Contemporary Portuguese Painting.



The devotion and commitment of Maria João Franco reveal to us the definite fact
that we stand in the presence of a great painter, an excellent artist, recognised as
such not only in Portugal, but also abroad.
Flowers of Mould
By Bianca Andreea Marin



And the will there in lieth, which dieth not.



Who knoweth the mysteries of the will, with its vigor? For God is but a great will
pervading all things by nature of its intentness. Man doth not yield himself to the
angels, nor unto death utterly, save only through the weakness of his feeble
will.Joseph GlanvillCharles Baudelaire once said that art has the miraculous privilege
to turn ugliness into beauty, and that pain, when rhythmic and cadenced, fills the
spirit with a quiet joy.When verses turn into colours, ideas into textures, feelings
into substances we enter an eerie world where poetry meets painting, birth meets
death, love meets pain and flowers meet mould. It is the strange and delicate world
of a painter, Maria João Franco, a poetess of the canvas. I would dare say that she
does not paint, she writes verses using colours, forms and shades, light and darkness
instead of words.What is a word? It is an instrument by means of which we send a
message, convey a feeling. If this definition is accurate, then her paintings are
letterless words, because they overwhelmingly transmit feelings and emotions.Her
works are a confession of hopes, dreams, failures and sins expressed by plastic
metaphors, chromatic epithets, where the immateriality of all the most important
things (love, despair, sadness, tragedy) embraces the cloak of the flesh until they lie,
exposed, strip naked on the canvas, bleeding like a baby first ripped out of her
mother’s womb. They tremble, amazed at their own existence, at their own life. The
painful, tragic, screaming moment of birth that also seals our doom. It is difficult to
look at them, at human emotions and fears. How would we live if our feelings
materialized in front of us? This seems to be the questions that Maria João Franco
boldly asks. We would not be able to hide from them, nor to force them out of our
mind. It would be our most terrible tragedy, as human beings, to be forced to look at
our materialized, touchable emotions, at our utmost secrets and thoughts. Nobody
would survive the screaming sincerity of facing ourselves and the world would turn
into a desolated sanatorium with people trying to escape from themselves.Have you
ever had a dream whose powerful image haunted you the day after? Imagine living
each and every day under the constant assault, a material, colourful, loud siege of
not one, but all of your desires, dreams, fears, anger. Even love would become a
burden, as true love generally is so hard to bear.When we look at one of Maria João´s
paintings, our faces unconsciously make a grin, and our eyes seem to want to turn
away, but at the same time they are drawn to them as if hypnotised. It is because we
all recognise parts of ourselves in them, and usually there are the parts that we
mostly like to hide: fear of death, horror of putrefaction, lost of faith, the never-
ending questions of the man seeking Immortality, unwilling to give in to the decay of
the body and the claws of death.What if we should look of them in the eyes? What if
the key to ending the pain is embracing it, facing it? What if the only way to conquer
death is by accepting it? What if the only way to love is to let ourselves be consumed
by it?I am drawn to these paintings in the same way as I am drawn to the poetry of
Baudelaire, Arghezi or Blaga. Baudelaire’s Fleurs du Mal attempts to extract beauty
from the malignant. Unlike traditional poetry that relied on the serene beauty of the
natural world to convey emotions, Baudelaire thought that beauty could evolve on its
own, irrespective of nature and even fuelled by sin. The result is a clear opposition
between two worlds, "spleen" and the "ideal." Spleen signifies everything that is
wrong with the world: death, despair, solitude, murder, and disease. In contrast, the
ideal represents a transcendence over the harsh reality of spleen, where love is
possible and the senses are united in ecstasy.Just as in Baudelaire’s verses, Maria
Joõa Franco is endlessly confronted with the fear of death, the failure of her will,
and the suffocation of her spirit.One of the most amazing similarities lie in the
comparison of Baudelaire’s poems ―The Cat‖ (inspired by Edgar Allen Poe's Tales of
Mystery and Imagination, where he saw Poe's use of fantasy as a way of emphasizing
the mystery and tragedy of human existence) and Maria João Franco’s painting ―The
Dog‖.
In two separate poems both entitled "The Cat," the poet is horrified to see the eyes
of his lover in a black cat whose chilling stare, "profound and cold, cuts and cracks
like a sword."( ―Je vois avec étonnement/ Le feu de ses prunelles pâles,/ Clairs
fanaux, vivantes opales/Qui me contemplent fixement).In ―The Dog‖ the same terror
is provoked by the big, stout dog with his face directed to a river of blood, and one
can easily distinguished the form of a human face appearing in the place of the dog’s
head. It is as if Baudelaire’s verses came to life in images, it is sheer Baudelaire
poetry on canvas.Moreover in ―The Laying woman‖(Deitada) a feminine figure seems
to be sleeping or laying dead, her body torn into hundreds of little atoms, reduced to
small dispersed fragments, traces of paint flowing from her like drops of water. It is
yet another example of how beauty can reside even in the most horrible moments.
The image created by the irregularity of the forms and the play of the splashes of
paint is so beautiful that it seems as if flowers were growing out of her decaying
body, the fertilizing territory of human flesh. Flowers of putrefaction, flowers of
mould, the Romanian poet Tudor Arghezi would say. Maria João Franco makes
caresses out of open wounds, ―out of furuncles moulds and mud‖ (Tudor Arghezi,
Testament) she creates ―new beauties and treasures‖ (Tudor Arghezi,
Testament)Maria João Franco is not obsessed with the ugliness or the pain. She
accepts all the aspects of humanity, even the most infamous, because, as I said
before, this may be the only way to extinguish them. The objective of her paintings
is not to shock, but to heal. Her love for the human being is such, that its physical
decay hurts her to the extent of endlessly trying to conquer it. It is a painful, deep
love for the transient human body in all its circumstances, even in death. We can
hear Maria Jiao Franco’s voice speaking to us through the words of poet Lucian Blaga
in his poetic statement ―I will not crush the world’s corolla of Wonders‖: ―I enrich
the darkening horizon with chills of the great secret. All that is hard to know
becomes a greater riddle under my very eyes because I love alike flowers, lips, eyes,
and graves‖.In order to understand a painting we should look at it with eyes of a
poet. It is easy to recognized fragments of Maria Jiao Franco’s paintings in the verses
of a poem. I tried to present here her paintings as seen through the verses of three
poets that explain them better than any critical essay. There are no boundaries in
art, and it would be no wonder if some day a poet would inspire himself from one of
Maria João Paintings to create his poetry.



―Un matin nous partons,
le cerveau plein de flamme,
Le coeur gros de rancune et de désirs amers,
Et nous allons, suivant le rythme de la lame,
Berçant notre infini sur le fini des mers.‖
in
http://www.artreview.com/profiles/blog/show?id=1474022%3ABlogPost%3A301745




MARIA JOÃO FRANCO – PINTORA E POETA "TU NÃO ACONTECES, QUANDO EU TE
QUERO"
Quando a olhamos pela primeira vez, apercebemo-nos de imediato que estamos
perante uma alma feminina marcada. Não de uma forma azeda, como tantas
mulheres que se afundam nas suas impotências ou incapacidades, mas de uma forma
profunda e reflexiva, de uma forma emotiva, humana e silenciosa.Maria João Franco,
esteve recentemente nos Açores, e o seu encanto foi imediato, brevemente irá voltar
para cá expor. Ao contrário da maioria dos artistas, tem o dom da palavra e o seu
tom de voz grave funciona como um fio condutor, que transporta cada uma das suas
palavras, ao local do córtex devido. Porquê essa diferença acentuada em relação à
maioria dos artistas plásticos? Resposta enganadoramente simples – trata-se duma
pintora poetisa.A sua exposição ―Tu Não Aconteces, Quando Eu Te Quero‖ está
patente no Museu da Água é, como não poderia deixar de ser um misto líquido entre
a poesia e a pintura –―tu não aconteces, quando eu te quero,Não falas ainda, quando
eu te escuto,Tu não dizes, quando eu te encontro,Tempos passados de saber
sentido,Tempos esquecidos de saber sofridoNão sabes ainda quanto eu te
entendo‖―Ao longo de quarenta anos de carreira, Maria João Franco tem vindo a ser
uma intransigente pesquisadora de verdades e de liberdades interiores, não cessando
de se transformar, mantendo-se, no essencial, fiel a si mesma.‖ Quem o diz é Álvaro
Lobato de Faria, director do MAC – Movimento de Arte Contemporânea ao qual a
artista aderiu em 2006, com a exposição ―Mulher e Eu‖, tendo na altura lhe sido
atribuído por este Movimento o Prémio Carreira ―MAC´2006‖.Iniciou-se a ―sério‖ nas
artes plásticas muito cedo, com 15 anos já frequentava cursos de Artes plásticas.
Muito influenciada por uma família cujo universo considera ―mágico‖, com enfoque
especial em seu pai – Miguel Franco – reconhecidamente um dos dramaturgos mais
importantes da década de setenta em Portugal, pela natureza histórica da sua obra
que se confronta então com o espírito do ―regime‖, e pelo seu marido, Nelson Dias,
Professor de Desenho e de Pintura da Escola de Belas Artes de Lisboa, artista que
deixou uma inestimável obra de qualidade plástica e uma outra criação na área da
banda desenhada, que faz igualmente parte da história de Portugal de Banda
Desenhada, também relativa à década de setenta. Dois homens que a marcaram
profundamente, quer no plano afectivo, no espaço que naturalmente cada um ocupa,
quer no seu desempenho artístico, quer na sua consciência social e postura perante a
vida e a morte. E como o sofrimento é o alimento do artista, cada título de cada
exposição de Maria João Franco é em si, arte: ―A Terra dos Mitos‖― O amanhecer da
memória‖, ―Um olhar de Pele‖, "Estórias do Corpo"."Tempo de o Senso e o Ser "
―Lírica do nu entre Sombras‖, "tu vens tão perto...que a distância existe" e
poderíamos continuar, porque as exposições foram muitas, estando certos porém que
com apenas os seus títulos temáticos, este texto se embelezaria.―amo-tee os fumos
do último atentado ainda não aconteceramamo-tee a luz que nos iluminanão nasceu
aindaamo-te, amo-teé a chave do esconderijodos meus sonhose a palavraa senhapara
entrar de novono meu canto de hinode novoa alegria.‖Esta sua notável sensibilidade,
realça uma honestidade nas palavras a que não podemos ser indiferentes. É com a
mesma honestidade e frontalidade que fala sobre aqueles que considera ― graves
problemas‖ que afectam a cultura Portuguesa e mais particularmente as artes
plásticas. ―Um dos maiores problemas que os artistas têm que enfrentar são os
―lobbys‖ das galerias. ―A maioria das galerias está exclusivamente vocacionada para
vender quadros, e só por esse prisma enaltecem e promovem os ´seus` artistas.
Fecham o círculo, apertando-o em torno de um número reduzido de pessoas, algumas
efectivamente com qualidade, outras talvez nem tanto, mas assim, fecham-se portas
e veta-se à ignorância artistas importantes, por vezes geniais, porque não se
encaixam nesse circuito, ou porque estão demasiado embrenhados a produzir obras,
ou porque simplesmente não se encaixam‖. E continua – isto é muito grave, porque à
sombra desta mecânica se vetam ao desconhecimento valores emergentes, mas
também ao esquecimento valores reconhecidos e inequivocamente valiosos para a
identidade cultural deste povo.‖Esta frontalidade, como anteriormente demos a
entender nasce com a sua convivência familiar. Tal como se lê na sua biografia -
―Uma forte ligação triangular "Miguel Franco - Maria João Franco - Nelson Dias "
desencadeia no espírito ainda jovem de Maria João Franco o seu sentido de busca, de
procura e de pesquisa. Fortemente marcada pelo "expressionismo abstracto" Maria
João Franco segue na senda de Nelson Dias a tendência expressionista quer na
abstracção, quer na sua passagem para a figuração. Sentindo como fortes expoentes
da pintura portuguesa Rocha de Sousa, Gil Teixeira Lopes, Artur Bual, Luís Dourdil,
Júlio Pomar, Resende bebe neles a influência tendo em mira o extravasar de uma
pintura de emoções contidas num expressionismo lírico de uma sensualidade quase
"aquática" ou meramente fluida que adquire os tons da tragédia atlântica nas suas
vagas de tombar profundo. A gravura é outra das suas paixões. Mas a esse respeito, a
várias vezes premiada (em 1987 o 1º Prémio de Gravura no concurso de gravura
integrado nas comemorações do Ano Internacional do Ambiente Setúbal/Beauvais.
Ainda em 97 tem o Prémio de Edição na "IV Exposição Nacional de Gravura"
Cooperativa de Gravadores Portugueses / Fundação Calouste Gulbenkian – Lisboa)
Maria João Franco denuncia a desvalorização e a recusa da maioria das Galerias em
aceitar expor gravuras. ―A razão prende-se com o facto da gravura ser mais acessível
no preço em relação à pintura a óleo, acrílico ou qualquer outro material. A maioria
das galerias teme que o mercado se habitue a adquirir gravuras em detrimento das
outras obras que obviamente são mais proveitosas do ponto de vista
financeiro.‖Contudo, esta artista plástica reconhece não ser este o único problema
―a reprodução indevida, em série de gravuras – uma desonestidade – transformam as
obras em algo que não era suposto – um produto reproduzível e logo menos valioso.
Quando se produz gravuras, as chapas devem ser eliminadas – isso nem sempre
acontece.‖Quanto ao estado mais geral da cultura em Portugal, é clara a sua posição
― sem cultura não há identidade, e é frágil o apoio, o reconhecimento dos artistas
plásticos, e não só, neste país. Muitos, passaram grandes dificuldades, mesmo
aqueles que viram o seu talento reconhecido. O que é uma injustiça
dolorosa.‖Recapitulando – a dor alimenta a alma do artista
A Mãe
‖Estou triste. O sofrimento enegrece-me a alma. Se eu o pudesse abraçar e passar
para mim um pouco de tanta tortura. Como o amor de mãe pode tornar-se em tanta
angústia. Já foi. A leveza da criança loira a correr pelo jardim. Já foi o calor morno
do colo da mãe. Ainda Maio. E a morte ronda a Mãe. O colo já não é morno. O peito
já não é terno. A mãe morre devagar e ainda é Maio e o meu amigo sofre. Quanto do
amor, quanto da ternura quanto das memórias lhe guarda o corpo.
E ainda é Maio...‖ Maria João Franco


entrevista   por Margarida Neves Pereira para Açoriano Oriental
Ao longo de quarenta anos de carreira, Maria João Franco, tem vindo a ser
uma intransigente pesquisadora de verdades e de liberdades interiores, não
cessando de se transformar – mantendo-se, no essencial, fiel a si
mesma.Maria João Franco perfaz o contorno, realiza o movimento,
concretiza a ideia num imaginário pictórico único que lhe atribui um lugar
marcante nas artes plásticas portuguesas.A sua arte tem uma estreita
relação com o corpo, com o corpo das coisas, com a ideia primeira de
matéria mater, que refaz incessantemente numa busca interminável, como
se procurasse o princípio e o fim de um todo que sente ser o nosso, mas, na
sua pesquisa, anseia sempre por um fim ou princípio outro.Aqui assenta
toda a diversidade da sua obra em que o fio condutor submerge e emerge,
consentindo e confirmando toda a sua versatilidade como artista plástica,
como criativa e autora.No envolvimento cálido e terno nas pinturas que
figuram a nossa condição, e que confere harmonia e beleza à trivialidade do
quotidiano, sabe-se a vontade e o modo de subtrair riqueza plástica a um
seu muito pessoal universo imagético.O grafismo, aqui afirmado como
elemento estilístico, afirma a autonomia da cor, que polariza e atrai a
fluidez antropomórfica das formas, é na sua obra de uma importância
fundamental.Fala-nos pela incidência da cor que transporta e assume o
papel de interlocutor entre a obra e o espectador.Estamos agora perante
uma artista sem hesitações, de um saber constante e ritmado, onde cada
tomada de consciência nos abre o caminho para o seu mundo
multidisciplinar, onde cada gesto tem o sabor de uma certeza.A arte de
Maria João Franco, extraordinariamente sensível na fluidez da linguagem
das formas, na vigorosa materialidade da cor, na força e no encanto da sua
evasão e do seu êxtase, é uma fascinante e esplêndida aventura espiritual e
técnica.As suas obras, são pois materialização de anseios e de sonhos,
notas de realce, na Pintura Portuguesa Contemporânea.A devoção e o
grande profissionalismo, a continuidade e o grande empenho que Maria
João Franco nos transmite nas suas obras, revelam-nos estar perante uma
grande pintora e uma excelente artista, reconhecida não só em Portugal
como internacionalmenteEm “tu não aconteces, quando eu te quero” título
da exposição que agora nos apresenta, mostra-nos a sua constante
evolução, a sua busca sem fadiga, a qualidade intranquila da sua poética,
que faz de cada momento uma reencarnação imprevisível, nova uma
conquista, um constante enriquecimento.O vigor e qualidade do conjunto
destas obras fará, com toda a certeza, que ele ocupe um significativo lugar
na excelente pintura que Maria João Franco vem construindo e a que já nos
habituou, confirmando o grande talento e sobretudo a surpreendente
qualidade técnica e criativa desta grande artista das artes plásticas do
nosso país.

Álvaro Lobato de Faria
Director Coordenador do MAC-Movimento Arte Contemporânea

Texto de catálogo da Exposição ―Tu não aconteces quando eu te quero‖



tu não aconteces, quando eu te quero
não falas ainda, quando eu te escuto.tu não dizes, quanto eu te encontro.
Tempos passados de saber sentido
Tempos esquecidos de saber sofrido
Não sabes ainda quanto eu te entendo




.Numa pesquisa, aliada a uma auto reflexão constante do ser/estar criado e
recriado, ainda que numa atmosfera imersa, paradigma de todas as
realizações encontradas, e não…Que o título da exposição: “tu não
aconteces, quando eu te quero” denuncia já a busca incessante do encontro
efectivo e afectivo com a “coisa” /”pessoa” amada.O universo plástico em
que me situo denuncia-se pelo equívoco meio das ilusões em que as leituras
várias se sobrepõem deixando ao espectador o disfarce amplo para as
múltiplas e constantes leituras.“tu não dizes, quanto eu te encontro”
negação aparente de diálogo com a ”coisa” em que o “quanto” nega ainda o
dar a conhecer a infinidade das possibilidades dele mesmo.“não sabes ainda
quanto eu te entendo” é o passo anunciado para a próxima realização em
que o acto está já contido no “tu não te encontras, quando eu te quero”
,impossibilidade de simultaneidade de actos e realizações de ser e estar
afectivo e efectivo.Poema/projecto de formalizaçãoplástica e autobiográfica


Maria João Franco
Lisboa Março de 2008
Tu não aconteces, quando eu te quero


A obra de Maria João Franco é talvez o último reduto de sensualidade neste mundo
cada vez mais individualista e asséptico.
É pura poesia que habita na tela, na construção da cor e verbo — na palavra que é
indissociável da obra final.
Mais do que uma linguagem estética e uma metalinguagem através da palavra a
artista criou uma translinguistica que contempla ambas.
Uma translinguististica sobre o amor, sobre o corpo, sobre a sensualidade, sobre nós
e sobre como nos relacionamos no tocar da pele, sobre o respeito no fogo do prazer,
sobre a sacralidade da água que escorre de nós no extâse.


―Tu não aconteces, quando eu te quero‖ é uma exposição
sobre a dádiva e a negação no amor.
Porque quando amamos e queremos e o outro ser não acontece, morre um pedaço de
nós.
Ensombra-se a claridade do amor puro e pára o movimento para a frente que o
distingue.
A Maria João Franco pinta esse jogo de claridade e sombra dos corpos e das almas,
conhece dimensões imperceptíveis do amor e estuda o Mistério.
Fala-nos de mulheres e homens que não se contentam em ser comuns e tentam ser
Deus.


Agradeço à Maria João Franco a reverência do amor e a sua arte belíssima


Margarida Ruas Gil - Directora do Museu da Água da EPAL
Lisboa,Março de 2008




doc. 24 de Outubro de 2011

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  • 1. Sobre a pintura de Maria João Franco "Olhar e ver esta peça é entrar no âmago da pintura, é perceber-lhe a carne e a palpitação. O que o século XX trouxe para o domínio das artes, além da sua destruição, foi a gratificação e a reinventar, arran- cando-lhe novos símbolos e perturbantes reconstruções. Hoje, a carne da pintura pendura-se do gancho do imaginário, plural, convivente, desde a tela lisa aos mares tormentosos onde flutuam os destroços da nossa civilização. Entre estes seres rochosos, cúmulos da adversidade e da aventura dos materiais semi-livres." de Rocha de Sousa Cristo para o altar de todos os Espantos
  • 2. OLHARES Rocha de Sousa Maria João Franco CORPO TANGÍVEL A certa altura da vida, Maria João Franco sentiu o seu corpo partido em dois, entre um silêncio frio e um fact0 lancinante. Metade de si soçobrava com a morte de alguém. E a outra metade, ardente e tangível, teve de abraçar toda a vida já vivida, além da que estaria para se acercar de si, a cobrar-lhe as contas do presente e do futuro. O sonho de então foi simultaneamente tumular e sangrento, sobretudo através de uma pintura que tinha de ser feita, assim, segundo o protesto surdo do medo, na solidão e na intransigência das imagens. É por isso que ela parece ter fixado um estilo, um imparável modo de formar. Maria João vive, digamos assim, uma ancoragem inabalável à memóroa do corpo que ainda lhe resta e que representa, afinal, dos ângulos mais difíceis, na vertigem mais insuportável, assumindo todas as diferenças e todas as semelhanças com a matéria orgânica, os metais brutos, a pedra cinzelada de forma a sugerir diversos pontos de decomposição e restos ainda lisos da pele. Pele por vezes amaciando músculos aquém das mutilações pressentidas ou mesmo expostas. Esta prioridade conferida ao discurso matérico, de alguma violência, tem de se compreender a montante e na hora em que a escolha está contida num espaço restrito, no estreitamento da dor. Fazendo da sua metade anímica um projecto de vida, um modo de se exprimir pela totalidade, Maria João abriu à força das mãos um caminho ao mesmo tempo preciso mas quase insustentável nas insistentes dilacerações. O corpo era assunto e era tema, minuto dos instante tangíveis em que tudo se duplicava pelas entregas, um abraço de desejo, de partilha, exposto como nudez escultórica, bronze ou pedra, tudo vertido para a palpitação textural da pintura — medida, tempo, angústia. Os meios de instauração plástica traduziam, assim, uma ampla oratória dos gestos, grafias insondáveis, recortes perceptíveis, o habitual e antigo desafio da expressão aos limites da percepção. Mas o sofrimento e a grandeza destacam-se da massa, presos no campo como os contrastes da forma fingidamente inacabada dos «Escravos», de Miguel Ângelo. Os nomes intensos e humanos Maria João Franco não tem sido eleita entre os eleitos, apesar da sua obra juntar tradições modernas com nomes intensos, com valores de um profundo sentido do humano. Hoje voltam a ser louvadas as «histórias», em contradição com a anterior exigência incontrolável da forma abstracta: porque os restos figurativos da perplexidade e da revolta já só tinham lugar museológico e nenhum futuro à vista. Quem retratava ou representava, fazia bonecos, circunscrevia-se ao pior da tradição, pequeno discurso de narrativas ilustradas. Mas as ideologias da estética totalitária mão tinham verdadeiro cabimento no domínio das disciplinas de índole artística, porque, como já tenho sublinhado, a arte não se realiza sob o império dos dogmas nem se encerra num só tamanho da verdade na variedade. Todos os modos de dar força expressiva à comunicação pelas imagens, por exemplo, são processos de um fazer entregue ao imaginário, tornando os sonhos coláveis ao real para o «tornar visível». E as artes mais se abriram à inovação, a matérias e formas surpreendentes, inundando o espaço social de uma grande harmonia de discursos não coincidentes. Isso dá nome à civilização que entretanto se globaliza e aceita fazer-se sobre o fio da navalha. Na sua consolidação tremendista, a pintura de Maria João Franco pratica uma certa convocação rochosa do corpo humano — ou do corpo simplesmente. Dois caminhos têm confluido para isso, a dor da perda e graves impressões do exterior, encontro que sempre acabou por devolver às mãos da pintora fragmentos amassados na devida maturação, corpos recuperados sob o impulso da vontade poética, entre a morte e a vida.
  • 3. Corpos míticos, também, sonho transitado de alguma Renascença, memória problematizada dos clássicos e dos avanços expressionistas que se expandiram pelo século XX todo. O que se traduz em testemunho, em grito, em dilaceração, com a manipulação do gesto e das matérias (líquidas ou substanciais) por forma a ocupar o campo de presenças ao mesmo tempo carnais e de pedra. Fusão de metais igualmente, embora a verdade técnica se determine sobretudo no domínio da pasta acumulada sobre esboços gráficos ou já pulsantes e líquidos. um trajecto de coerência e força A forma plástica em Maria João Franco assenta, além de tudo, numa sedentarização positiva, de núcleo tormentoso, e desenha no espaço um trajecto de coerência, de proximidade significante entre as peças, o que determina grande continuidade das várias presenças, uma inusitada força nas massas pictóricas, de cor surda, onde por vezes um fio de sangue aflora, ou até na pele falsamente envelhecida sob a sua intocável frescura. De perto, visível a maior distância, nítido ou desfocado, quase metalizado, aparentemente escultórico, o corpo (assunto-tema) lembrado e representado por Maria João Franco é fruto de uma importante conquista em termos de discurso, na obstinação, na recuperação da imagem e da ideia — a liberdade do fazer, em suma, num aparente paradoxo que liga e desliga a memória dorida do corpo partido em dois e a necessidade de sublimar a brutalidade obscena dessa injustiça. Porque a liberdade de que a autora dá importantes provas, da metodologia escolhida aos materiais de instauração plástica, não significa que ela esteja isenta de pensar o modo de formar, quais as razões da força ao petrificar-se, ao escorrer como tinta de facto, que objectivos aí se envolvem, que limites e regras assistem à própria amputação anatómica. Na verdade, Maria João sabe perfeitamente em que condições está a agir e o que lhe sobra de talento depois dos cortes de acerto, das pessoas que premeia: ela cria processos de catarse para si mesma, sabendo, entretanto, que está processando um legado a alguém, com a marca de que as obras, no futuro, terão de conter um inalienável testemunho de vida. OBRA ENQUANTO VIDA Foi numa espécie de silêncios ensurdecedores que Maria João Franco sobreviveu, emergiu várias vezes, e solta agora, ao expor mais uma vez, o seu grito de intransigência perante as «forças» que carreiram modos, modas, os autores e ordens em vigor, com frequentes violações do trabalho independente, para a constelação internacional, sucesso a termo, porque outras barreiras selectivas e obscuras existirão neste século.Desde longa data que Maria João Franco foi dando prioridade a um discurso matérico e de alguma violência, proferido entre uma abstracção de teor expressionista e a convocação rochosa do corpo humano — ou do corpo simplesmente. Passo a passo, o seu imaginário recebia impressões graves do exterior, da experiência exógena, acabando por devolver às mãos da pintora fragmentos amassados na devida maturação, coisas endógenas, reanimações poéticas da morte e da vida. Tais verdades interiores, sempre em transformação mas nunca em ruptura, contrariavam o terreno minado pela cultura urbana, formações espúrias, filiação nos concursos rápidos ou guerra dos prémios. Com a sua arte reaprendemos algumas versões de valor porventura romântico, até de raiz na memória dos clássicos problematizantes, a par de uma afirmação expressionista (da mesma mágoa) assente mo testemunho de outros renascimentos e no sentido da revolta. A manipulação do gesto, abarcando logo grande parte do campo, entra depois no domínio da pasta, matéria acumulada sobre esboços líquidos. Alguns dos quais parecem despontar propositadamente nas zonas onde a autora preferiu aderir à transparência e por vezes, quando acha necessário conter a catarse, a decisão de aplicar mansas velaturas sobre troncos antropomórficos duros, brutais, escultóricos. Essa aparente moderação lírica avança com um brilho baço sobre aquelas carnações decepadas, de largas texturas e aparência lítica. Esta busca, algo arriscada, passa por matérias e cores sobretudo acinzentadas, exprimindo de facto a pedra da escultura que evoca o corpo, é um trabalho quase contínuo, quase sisifiano, princípio e fim de um todo que também nos pertence, embora sempre nos escape. Anunciada assiduamente pela sua diversidade, o percurso coerente de Maria João Franco parece abalado, sem que as suas bases se ressintam, dado que esse ponto de vista implica diferença, a simbiose entre diferença e semelhança, o que, apesar de todos os paradoxos, confere uma força inusitada a estas massas onde algum fio de sangue aflora, e mesmo nos casos em que a autora representa (na
  • 4. boa memória académica) os nus falsamente envelhecidos na sua intocável frescura.A forma plástica, em Maria João Franco, recupera do espaço da memória, da própria dor, com obstinação, a ideia e a imagem do corpo, mesmo quando este não se aperta entre os limites do campo e se projecta gestualmente no espaço. A liberdade do fazer, no acesso a qualquer metodologia e materiais próprios, não isenta o formador de pensar quais as razões da sua luta, quais as razões do seu objectivo, o que implica a criação ou aceitação de limites ou regras. Maria João sabe perfeitamente essa condição, porque a condição sobra mesmo quando traída com talento. Neste caso, a pintora está sobretudo ao serviço de si mesma, legando a alguém, a verdade da obra ser um destino de vida. ROCHA DE SOUSA _2010 MARIA JOÃO FRANCO Conheci Maria João Franco como aluna da Escola de Belas Artes, numa altura em que, para além dos alunos em idade escolar, esta era procurada por muitas pessoas que, ou para completarem habilitações ou porque sempre tinham tido um desejo secreto de se tornarem artistas, a procuravam. Maria João vinha dum curso de Arquitectura no Porto, mas efectivamente a pintura era o seu caminho. Desde então, tenho seguido com algum interesse a sua carreira de artista – mulher – com uma continuidade que nem sempre se encontra no meio das artes plásticas no feminino, não obstante as vicissitudes que a vida lhe tem deparado.A sua arte é uma arte sofrida, que se a quisermos classificar será de expressionismo, um expressionismo matérico em que o tema dominante é o corpo. Expressando-se através da pintura e do desenho, numa forma que se afasta decididamente de qualquer representação académica, embora o seu ponto de partida seja, efectivamente, o mesmo – o corpo nu – nos seus corpos contorcidos, dolorosos, por vezes apenas evocados numa linguagem quase abstracta, sente-se o pulsar de alguém que não tem tido um percurso de vida fácil.Os seus nus não são eróticos – pelo menos não os sentimos assim – mesmo quando os títulos das obras o podem fazer supor (Intimidades). Mulheres, muitas vezes assim as percebemos pelos seios caídos de mulheres maduras, pela zona púbica aflorada, por vezes apenas fragmentos evocativos de um corpo – e por isso falamos de uma quase abstracção – evocam essencialmente dor, muitas vezes de evidência física que não é mais do que expressão de uma dor da alma.Nesta exposição, como acontece na sua obra, aborda também outros corpos, quase silhuetas, de animais, dificilmente identificáveis, talvez feridos, que equacionam memórias pré-históricas no observador (Bestiário). Podem ser cães, lobos – não temos a certeza – mas participam certamente da mesma dor dos humanos.A opção pela forma do tríptico apresenta-se como uma solução original, de acentuado ênfase religioso, em que duas formas de pintar - a do painel central mais densa, mais escura, também mais dramática – em contraste com as abas, de tonalidades mais suaves, evocando processos do desenho, mas também o contraste dos antigos trípticos do final da Idade Média, entre a cor intensa do painel central e as grisalhas das abas. Os nus das abas, em pose contorcida, trazem por sua vez à memória não a pintura medieval mas Ignudi miguelangelescos, portanto uma época de tensões mais acentuadas, talvez como a nossa (Retábulo para o altar dos espantos).Há um certo barroquismo na obra de Maria João Franco, pelos jogos de claro-escuro, pelos toques de vermelho que evocam martírios contra-reformistas, mesmo pela densidade matérica que a sua pintura normalmente demonstra. Maria João é também poeta, aliás quer através da palavra, quer da imagem, a sua obra é poesia no sentido pleno da palavra e aqui não temos de citar Horácio – ut pictura poesis – porque afinal as duas formas emergem paralelamente da actividade criadora da artista. Dra. Margarida Calado, Historiadora, Professora da Faculdade de Belas Artes da Faculdade de Lisboa
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  • 7. A sua pintura faz-me sempre lembrar os mitos da dor, uma espécie de destino castigo, como em Sísifo ou Prometeu, para não falar da urdidura permanente de Penélope, algo que se faz e desfaz na espera de alguèm e para afastar os assediadores. O destino tocou-a (ou Deus) e a sua dor (mesmo que a não sinta) vem pelo «expressionismo romântico» marcar cada peça que faz. Esta figura petrificando-se será assim, um dia, transforada em perda, grandiosa mesmo na morte. Rocha de Sousa
  • 8. Contemporary Portuguese Artists: MARIA JOAO FRANCO During her 40 years of career, Maria João Franco has become an intransigent pursuer of interior truth and liberty, being an artist in constant changing yet managing to remain true to herself.Maria João Franco marks the contour, captures the movement, turns into reality an idea, within a pictorial imagery which gained her a noteworthy place in the Portuguese Fine Arts.Her art is deeply connected with the body, be it either the human body or the body of things.There is a warm and tender involvement in her paintings which figurates our condition, and which confers harmony and beauty to the triviality of the ordinary life.Her painting, in which rhythm is a stylistic element, declares the autonomy of colour, of utmost importance.It is a painting of immediate gesture, of capture of space, of the vanity of existing, by restoring the lost childhood and creating a new way in which we look at things. Maria João Franco’s art is extremely sensitive to the fluidity of the languages of the forms, to the strong materiality of the colour, to the force and charm of its evasion and its ecstasy. It is a fascinating and wonderful journey, both spiritual as well as technical. Therefore, her works are the materialization of feelings of longing, dreams, and became important notes in the Contemporary Portuguese Painting. The devotion and commitment of Maria João Franco reveal to us the definite fact that we stand in the presence of a great painter, an excellent artist, recognised as such not only in Portugal, but also abroad.
  • 9. Flowers of Mould By Bianca Andreea Marin And the will there in lieth, which dieth not. Who knoweth the mysteries of the will, with its vigor? For God is but a great will pervading all things by nature of its intentness. Man doth not yield himself to the angels, nor unto death utterly, save only through the weakness of his feeble will.Joseph GlanvillCharles Baudelaire once said that art has the miraculous privilege to turn ugliness into beauty, and that pain, when rhythmic and cadenced, fills the spirit with a quiet joy.When verses turn into colours, ideas into textures, feelings into substances we enter an eerie world where poetry meets painting, birth meets death, love meets pain and flowers meet mould. It is the strange and delicate world of a painter, Maria João Franco, a poetess of the canvas. I would dare say that she does not paint, she writes verses using colours, forms and shades, light and darkness instead of words.What is a word? It is an instrument by means of which we send a message, convey a feeling. If this definition is accurate, then her paintings are letterless words, because they overwhelmingly transmit feelings and emotions.Her works are a confession of hopes, dreams, failures and sins expressed by plastic metaphors, chromatic epithets, where the immateriality of all the most important things (love, despair, sadness, tragedy) embraces the cloak of the flesh until they lie, exposed, strip naked on the canvas, bleeding like a baby first ripped out of her mother’s womb. They tremble, amazed at their own existence, at their own life. The painful, tragic, screaming moment of birth that also seals our doom. It is difficult to look at them, at human emotions and fears. How would we live if our feelings
  • 10. materialized in front of us? This seems to be the questions that Maria João Franco boldly asks. We would not be able to hide from them, nor to force them out of our mind. It would be our most terrible tragedy, as human beings, to be forced to look at our materialized, touchable emotions, at our utmost secrets and thoughts. Nobody would survive the screaming sincerity of facing ourselves and the world would turn into a desolated sanatorium with people trying to escape from themselves.Have you ever had a dream whose powerful image haunted you the day after? Imagine living each and every day under the constant assault, a material, colourful, loud siege of not one, but all of your desires, dreams, fears, anger. Even love would become a burden, as true love generally is so hard to bear.When we look at one of Maria João´s paintings, our faces unconsciously make a grin, and our eyes seem to want to turn away, but at the same time they are drawn to them as if hypnotised. It is because we all recognise parts of ourselves in them, and usually there are the parts that we mostly like to hide: fear of death, horror of putrefaction, lost of faith, the never- ending questions of the man seeking Immortality, unwilling to give in to the decay of the body and the claws of death.What if we should look of them in the eyes? What if the key to ending the pain is embracing it, facing it? What if the only way to conquer death is by accepting it? What if the only way to love is to let ourselves be consumed by it?I am drawn to these paintings in the same way as I am drawn to the poetry of Baudelaire, Arghezi or Blaga. Baudelaire’s Fleurs du Mal attempts to extract beauty from the malignant. Unlike traditional poetry that relied on the serene beauty of the natural world to convey emotions, Baudelaire thought that beauty could evolve on its own, irrespective of nature and even fuelled by sin. The result is a clear opposition between two worlds, "spleen" and the "ideal." Spleen signifies everything that is wrong with the world: death, despair, solitude, murder, and disease. In contrast, the ideal represents a transcendence over the harsh reality of spleen, where love is possible and the senses are united in ecstasy.Just as in Baudelaire’s verses, Maria Joõa Franco is endlessly confronted with the fear of death, the failure of her will, and the suffocation of her spirit.One of the most amazing similarities lie in the comparison of Baudelaire’s poems ―The Cat‖ (inspired by Edgar Allen Poe's Tales of Mystery and Imagination, where he saw Poe's use of fantasy as a way of emphasizing the mystery and tragedy of human existence) and Maria João Franco’s painting ―The Dog‖.
  • 11. In two separate poems both entitled "The Cat," the poet is horrified to see the eyes of his lover in a black cat whose chilling stare, "profound and cold, cuts and cracks like a sword."( ―Je vois avec étonnement/ Le feu de ses prunelles pâles,/ Clairs fanaux, vivantes opales/Qui me contemplent fixement).In ―The Dog‖ the same terror is provoked by the big, stout dog with his face directed to a river of blood, and one can easily distinguished the form of a human face appearing in the place of the dog’s head. It is as if Baudelaire’s verses came to life in images, it is sheer Baudelaire poetry on canvas.Moreover in ―The Laying woman‖(Deitada) a feminine figure seems to be sleeping or laying dead, her body torn into hundreds of little atoms, reduced to small dispersed fragments, traces of paint flowing from her like drops of water. It is yet another example of how beauty can reside even in the most horrible moments. The image created by the irregularity of the forms and the play of the splashes of paint is so beautiful that it seems as if flowers were growing out of her decaying body, the fertilizing territory of human flesh. Flowers of putrefaction, flowers of mould, the Romanian poet Tudor Arghezi would say. Maria João Franco makes caresses out of open wounds, ―out of furuncles moulds and mud‖ (Tudor Arghezi, Testament) she creates ―new beauties and treasures‖ (Tudor Arghezi, Testament)Maria João Franco is not obsessed with the ugliness or the pain. She accepts all the aspects of humanity, even the most infamous, because, as I said before, this may be the only way to extinguish them. The objective of her paintings is not to shock, but to heal. Her love for the human being is such, that its physical decay hurts her to the extent of endlessly trying to conquer it. It is a painful, deep love for the transient human body in all its circumstances, even in death. We can hear Maria Jiao Franco’s voice speaking to us through the words of poet Lucian Blaga in his poetic statement ―I will not crush the world’s corolla of Wonders‖: ―I enrich the darkening horizon with chills of the great secret. All that is hard to know becomes a greater riddle under my very eyes because I love alike flowers, lips, eyes, and graves‖.In order to understand a painting we should look at it with eyes of a poet. It is easy to recognized fragments of Maria Jiao Franco’s paintings in the verses of a poem. I tried to present here her paintings as seen through the verses of three poets that explain them better than any critical essay. There are no boundaries in
  • 12. art, and it would be no wonder if some day a poet would inspire himself from one of Maria João Paintings to create his poetry. ―Un matin nous partons, le cerveau plein de flamme, Le coeur gros de rancune et de désirs amers, Et nous allons, suivant le rythme de la lame, Berçant notre infini sur le fini des mers.‖ in http://www.artreview.com/profiles/blog/show?id=1474022%3ABlogPost%3A301745 MARIA JOÃO FRANCO – PINTORA E POETA "TU NÃO ACONTECES, QUANDO EU TE QUERO" Quando a olhamos pela primeira vez, apercebemo-nos de imediato que estamos perante uma alma feminina marcada. Não de uma forma azeda, como tantas mulheres que se afundam nas suas impotências ou incapacidades, mas de uma forma profunda e reflexiva, de uma forma emotiva, humana e silenciosa.Maria João Franco, esteve recentemente nos Açores, e o seu encanto foi imediato, brevemente irá voltar para cá expor. Ao contrário da maioria dos artistas, tem o dom da palavra e o seu tom de voz grave funciona como um fio condutor, que transporta cada uma das suas palavras, ao local do córtex devido. Porquê essa diferença acentuada em relação à maioria dos artistas plásticos? Resposta enganadoramente simples – trata-se duma pintora poetisa.A sua exposição ―Tu Não Aconteces, Quando Eu Te Quero‖ está patente no Museu da Água é, como não poderia deixar de ser um misto líquido entre a poesia e a pintura –―tu não aconteces, quando eu te quero,Não falas ainda, quando eu te escuto,Tu não dizes, quando eu te encontro,Tempos passados de saber sentido,Tempos esquecidos de saber sofridoNão sabes ainda quanto eu te entendo‖―Ao longo de quarenta anos de carreira, Maria João Franco tem vindo a ser uma intransigente pesquisadora de verdades e de liberdades interiores, não cessando de se transformar, mantendo-se, no essencial, fiel a si mesma.‖ Quem o diz é Álvaro Lobato de Faria, director do MAC – Movimento de Arte Contemporânea ao qual a artista aderiu em 2006, com a exposição ―Mulher e Eu‖, tendo na altura lhe sido
  • 13. atribuído por este Movimento o Prémio Carreira ―MAC´2006‖.Iniciou-se a ―sério‖ nas artes plásticas muito cedo, com 15 anos já frequentava cursos de Artes plásticas. Muito influenciada por uma família cujo universo considera ―mágico‖, com enfoque especial em seu pai – Miguel Franco – reconhecidamente um dos dramaturgos mais importantes da década de setenta em Portugal, pela natureza histórica da sua obra que se confronta então com o espírito do ―regime‖, e pelo seu marido, Nelson Dias, Professor de Desenho e de Pintura da Escola de Belas Artes de Lisboa, artista que deixou uma inestimável obra de qualidade plástica e uma outra criação na área da banda desenhada, que faz igualmente parte da história de Portugal de Banda Desenhada, também relativa à década de setenta. Dois homens que a marcaram profundamente, quer no plano afectivo, no espaço que naturalmente cada um ocupa, quer no seu desempenho artístico, quer na sua consciência social e postura perante a vida e a morte. E como o sofrimento é o alimento do artista, cada título de cada exposição de Maria João Franco é em si, arte: ―A Terra dos Mitos‖― O amanhecer da memória‖, ―Um olhar de Pele‖, "Estórias do Corpo"."Tempo de o Senso e o Ser " ―Lírica do nu entre Sombras‖, "tu vens tão perto...que a distância existe" e poderíamos continuar, porque as exposições foram muitas, estando certos porém que com apenas os seus títulos temáticos, este texto se embelezaria.―amo-tee os fumos do último atentado ainda não aconteceramamo-tee a luz que nos iluminanão nasceu aindaamo-te, amo-teé a chave do esconderijodos meus sonhose a palavraa senhapara entrar de novono meu canto de hinode novoa alegria.‖Esta sua notável sensibilidade, realça uma honestidade nas palavras a que não podemos ser indiferentes. É com a mesma honestidade e frontalidade que fala sobre aqueles que considera ― graves problemas‖ que afectam a cultura Portuguesa e mais particularmente as artes plásticas. ―Um dos maiores problemas que os artistas têm que enfrentar são os ―lobbys‖ das galerias. ―A maioria das galerias está exclusivamente vocacionada para vender quadros, e só por esse prisma enaltecem e promovem os ´seus` artistas. Fecham o círculo, apertando-o em torno de um número reduzido de pessoas, algumas efectivamente com qualidade, outras talvez nem tanto, mas assim, fecham-se portas e veta-se à ignorância artistas importantes, por vezes geniais, porque não se encaixam nesse circuito, ou porque estão demasiado embrenhados a produzir obras, ou porque simplesmente não se encaixam‖. E continua – isto é muito grave, porque à sombra desta mecânica se vetam ao desconhecimento valores emergentes, mas também ao esquecimento valores reconhecidos e inequivocamente valiosos para a identidade cultural deste povo.‖Esta frontalidade, como anteriormente demos a entender nasce com a sua convivência familiar. Tal como se lê na sua biografia - ―Uma forte ligação triangular "Miguel Franco - Maria João Franco - Nelson Dias " desencadeia no espírito ainda jovem de Maria João Franco o seu sentido de busca, de procura e de pesquisa. Fortemente marcada pelo "expressionismo abstracto" Maria
  • 14. João Franco segue na senda de Nelson Dias a tendência expressionista quer na abstracção, quer na sua passagem para a figuração. Sentindo como fortes expoentes da pintura portuguesa Rocha de Sousa, Gil Teixeira Lopes, Artur Bual, Luís Dourdil, Júlio Pomar, Resende bebe neles a influência tendo em mira o extravasar de uma pintura de emoções contidas num expressionismo lírico de uma sensualidade quase "aquática" ou meramente fluida que adquire os tons da tragédia atlântica nas suas vagas de tombar profundo. A gravura é outra das suas paixões. Mas a esse respeito, a várias vezes premiada (em 1987 o 1º Prémio de Gravura no concurso de gravura integrado nas comemorações do Ano Internacional do Ambiente Setúbal/Beauvais. Ainda em 97 tem o Prémio de Edição na "IV Exposição Nacional de Gravura" Cooperativa de Gravadores Portugueses / Fundação Calouste Gulbenkian – Lisboa) Maria João Franco denuncia a desvalorização e a recusa da maioria das Galerias em aceitar expor gravuras. ―A razão prende-se com o facto da gravura ser mais acessível no preço em relação à pintura a óleo, acrílico ou qualquer outro material. A maioria das galerias teme que o mercado se habitue a adquirir gravuras em detrimento das outras obras que obviamente são mais proveitosas do ponto de vista financeiro.‖Contudo, esta artista plástica reconhece não ser este o único problema ―a reprodução indevida, em série de gravuras – uma desonestidade – transformam as obras em algo que não era suposto – um produto reproduzível e logo menos valioso. Quando se produz gravuras, as chapas devem ser eliminadas – isso nem sempre acontece.‖Quanto ao estado mais geral da cultura em Portugal, é clara a sua posição ― sem cultura não há identidade, e é frágil o apoio, o reconhecimento dos artistas plásticos, e não só, neste país. Muitos, passaram grandes dificuldades, mesmo aqueles que viram o seu talento reconhecido. O que é uma injustiça dolorosa.‖Recapitulando – a dor alimenta a alma do artista A Mãe ‖Estou triste. O sofrimento enegrece-me a alma. Se eu o pudesse abraçar e passar para mim um pouco de tanta tortura. Como o amor de mãe pode tornar-se em tanta angústia. Já foi. A leveza da criança loira a correr pelo jardim. Já foi o calor morno do colo da mãe. Ainda Maio. E a morte ronda a Mãe. O colo já não é morno. O peito já não é terno. A mãe morre devagar e ainda é Maio e o meu amigo sofre. Quanto do amor, quanto da ternura quanto das memórias lhe guarda o corpo. E ainda é Maio...‖ Maria João Franco entrevista por Margarida Neves Pereira para Açoriano Oriental
  • 15. Ao longo de quarenta anos de carreira, Maria João Franco, tem vindo a ser uma intransigente pesquisadora de verdades e de liberdades interiores, não cessando de se transformar – mantendo-se, no essencial, fiel a si mesma.Maria João Franco perfaz o contorno, realiza o movimento, concretiza a ideia num imaginário pictórico único que lhe atribui um lugar marcante nas artes plásticas portuguesas.A sua arte tem uma estreita relação com o corpo, com o corpo das coisas, com a ideia primeira de matéria mater, que refaz incessantemente numa busca interminável, como se procurasse o princípio e o fim de um todo que sente ser o nosso, mas, na sua pesquisa, anseia sempre por um fim ou princípio outro.Aqui assenta toda a diversidade da sua obra em que o fio condutor submerge e emerge, consentindo e confirmando toda a sua versatilidade como artista plástica, como criativa e autora.No envolvimento cálido e terno nas pinturas que figuram a nossa condição, e que confere harmonia e beleza à trivialidade do quotidiano, sabe-se a vontade e o modo de subtrair riqueza plástica a um seu muito pessoal universo imagético.O grafismo, aqui afirmado como elemento estilístico, afirma a autonomia da cor, que polariza e atrai a fluidez antropomórfica das formas, é na sua obra de uma importância fundamental.Fala-nos pela incidência da cor que transporta e assume o papel de interlocutor entre a obra e o espectador.Estamos agora perante uma artista sem hesitações, de um saber constante e ritmado, onde cada tomada de consciência nos abre o caminho para o seu mundo multidisciplinar, onde cada gesto tem o sabor de uma certeza.A arte de Maria João Franco, extraordinariamente sensível na fluidez da linguagem das formas, na vigorosa materialidade da cor, na força e no encanto da sua evasão e do seu êxtase, é uma fascinante e esplêndida aventura espiritual e técnica.As suas obras, são pois materialização de anseios e de sonhos, notas de realce, na Pintura Portuguesa Contemporânea.A devoção e o grande profissionalismo, a continuidade e o grande empenho que Maria João Franco nos transmite nas suas obras, revelam-nos estar perante uma grande pintora e uma excelente artista, reconhecida não só em Portugal como internacionalmenteEm “tu não aconteces, quando eu te quero” título da exposição que agora nos apresenta, mostra-nos a sua constante evolução, a sua busca sem fadiga, a qualidade intranquila da sua poética, que faz de cada momento uma reencarnação imprevisível, nova uma conquista, um constante enriquecimento.O vigor e qualidade do conjunto
  • 16. destas obras fará, com toda a certeza, que ele ocupe um significativo lugar na excelente pintura que Maria João Franco vem construindo e a que já nos habituou, confirmando o grande talento e sobretudo a surpreendente qualidade técnica e criativa desta grande artista das artes plásticas do nosso país. Álvaro Lobato de Faria Director Coordenador do MAC-Movimento Arte Contemporânea Texto de catálogo da Exposição ―Tu não aconteces quando eu te quero‖ tu não aconteces, quando eu te quero não falas ainda, quando eu te escuto.tu não dizes, quanto eu te encontro. Tempos passados de saber sentido Tempos esquecidos de saber sofrido Não sabes ainda quanto eu te entendo .Numa pesquisa, aliada a uma auto reflexão constante do ser/estar criado e recriado, ainda que numa atmosfera imersa, paradigma de todas as realizações encontradas, e não…Que o título da exposição: “tu não aconteces, quando eu te quero” denuncia já a busca incessante do encontro efectivo e afectivo com a “coisa” /”pessoa” amada.O universo plástico em que me situo denuncia-se pelo equívoco meio das ilusões em que as leituras várias se sobrepõem deixando ao espectador o disfarce amplo para as múltiplas e constantes leituras.“tu não dizes, quanto eu te encontro” negação aparente de diálogo com a ”coisa” em que o “quanto” nega ainda o dar a conhecer a infinidade das possibilidades dele mesmo.“não sabes ainda quanto eu te entendo” é o passo anunciado para a próxima realização em que o acto está já contido no “tu não te encontras, quando eu te quero” ,impossibilidade de simultaneidade de actos e realizações de ser e estar afectivo e efectivo.Poema/projecto de formalizaçãoplástica e autobiográfica Maria João Franco Lisboa Março de 2008
  • 17. Tu não aconteces, quando eu te quero A obra de Maria João Franco é talvez o último reduto de sensualidade neste mundo cada vez mais individualista e asséptico. É pura poesia que habita na tela, na construção da cor e verbo — na palavra que é indissociável da obra final. Mais do que uma linguagem estética e uma metalinguagem através da palavra a artista criou uma translinguistica que contempla ambas. Uma translinguististica sobre o amor, sobre o corpo, sobre a sensualidade, sobre nós e sobre como nos relacionamos no tocar da pele, sobre o respeito no fogo do prazer, sobre a sacralidade da água que escorre de nós no extâse. ―Tu não aconteces, quando eu te quero‖ é uma exposição sobre a dádiva e a negação no amor. Porque quando amamos e queremos e o outro ser não acontece, morre um pedaço de nós. Ensombra-se a claridade do amor puro e pára o movimento para a frente que o distingue. A Maria João Franco pinta esse jogo de claridade e sombra dos corpos e das almas, conhece dimensões imperceptíveis do amor e estuda o Mistério. Fala-nos de mulheres e homens que não se contentam em ser comuns e tentam ser Deus. Agradeço à Maria João Franco a reverência do amor e a sua arte belíssima Margarida Ruas Gil - Directora do Museu da Água da EPAL Lisboa,Março de 2008 doc. 24 de Outubro de 2011