O documento apresenta uma forma simples e divertida de identificar as cores das estrelas utilizando uma máquina fotográfica digital e as constelações do Cruzeiro do Sul e do Escorpião. Após fotografadas, é possível associar a cor das estrelas à sua temperatura aproximada usando a lei da radiação de Planck. Isso permite introduzir conceitos de física moderna e astronomia em sala de aula.
1. A
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poluição luminosa das grandes ci- como um tópico da astronomia - a relação
Guilherme F. Marranghello dades nos impede de admirar- entre cor e temperatura das estrelas - pode
Centro de Ciências Exatas e mos toda a beleza do céu noturno ser utilizado como tema gerador de tópi-
Tecnológicas, Universidade Federal do e percebermos, por exemplo, que as es- cos de física moderna no Ensino Médio.
Pampa, Bagé, RS, Brasil trelas possuem cores distintas. À primeira Diferentes povos em diferentes épocas
E-mail: gfmarranghello@gmail.com vista todas as estrelas nos parecem pontos utilizaram as estrelas e sua posição no céu
cintilantes esbranquiçados, mas sob olhar para marcar a passagem do tempo, das
Daniela B. Pavani mais atento, longe das luzes artificiais, po- estações do ano e para homenagear ani-
Departamento de Astronomia, demos identificar também tons azulados, mais, heróis e deuses. Assim surgiram as
Instituto de Física, Universidade avermelhados ou amarelados. A cor de constelações, conjuntos de estrelas que
Federal do Rio Grande do Sul, Porto uma estrela está relacionada à tempera- aparentam estar próximas entre sí, mas
Alegre, RS, Brasil tura da sua camada mais externa, a fotos- que não necessariamente estão fisicamente
E-mail: dpavani@if.ufrgs.br fera (temperatura superficial), que capta- relacionadas. Atualmente, a União Astro-
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mos a olho nú ou através de telescópios e nômica Internacional define 88 regiões do
binóculos. Através do estudo da luz que céu que distinguem as constelações. Uma
chega das estrelas, os astrônomos podem vez que as constelações são reconhecidas
entender melhor sua formação e evolução, como áreas do céu, estas são compostas
bem como das estruturas maiores forma- não apenas pelas estrelas mais brilhantes,
das por elas, como aglomerados estelares que formam uma figura imaginária, mas
e galáxias. A cor de uma estrela, então, também por todos os objetos celestes con-
nos dá informações sobre suas proprie- tidos naquela região, incluindo uma
dades físicas. Assim podemos, sob um no- quantidade gigantesca de estrelas que não
vo olhar, realizar atividades de observação são visíveis a olho nú, além de galáxias e
noturna dos astros, explorando, além dos nebulosas, por exemplo.
conceitos tradicionais de astronomia, Escolhemos para exploramos as cons-
como localização temporal e espacial, con- telações do Cruzeiro do Sul e do Escorpião,
ceitos de física moderna associados às pro- observando através de uma máquina digi-
priedades da luz trabalhando com a lei da tal fotográfica, a relação entre cor e tempe-
radiação de Planck para o corpo negro. ratura nas estrelas. Nestas constelações
Neste trabalho propomos o uso de encontramos estrelas azuis e vermelhas.
uma máquina foto- Além disso, a primei-
gráfica digital para re- À primeira vista todas as ra delas é usualmente
gistrar imagens de estrelas nos parecem pontos empregada para loca-
duas constelações e, cintilantes esbranquiçados, mas lização dos pontos
utilizando ferramen- sob olhar mais atento, longe cardeais, também
tas gráficas simples, das luzes artificiais, podemos compondo a bandeira
Apresenta-se uma forma simples e divertida associar a cor das es- identificar também tons nacional. A conste-
de identificar as diferentes cores das estrelas uti- trelas fotografadas à azulados, avermelhados ou lação do Cruzeiro do
lizando uma máquina fotográfica digital e as lei da radiação de amarelados Sul ainda é especial-
constelações do Cruzeiro do Sul e do Escorpião. Planck, estimando, de mente útil porque sua
Após fotografadas, é possível identificar as dis- forma aproximada, a temperatura das es- estrela mais brilhante, Acrux (ou Alpha
tintas cores destas estrelas e, utilizando um trelas que compõem tais constelações. Crux), pode ser vista durante todo ano
padrão de cores e temperaturas, estimar a tem-
Devemos deixar claro, neste momento do nas latitudes próximas à de Porto Alegre.
peratura aproximada de cada estrela. Através
desta atividade o professor pode introduzir
trabalho, que a estimativa da temperatura Nessas latitudes esta estrela, por estar
assuntos de física moderna e astronomia, como das estrelas é feita apenas de forma apro- sempre acima do horizonte, é denominada
a lei da radiação de Planck para o corpo negro ximada e não pretende-se determinar com circumpolar. Na latitude de São Paulo, por
e o diagrama Hertzprung-Russel. exatidão este valor. O objetivo é discutir exemplo, toda a constelação é visível na
20 Fotografia digital para distinguir as cores das estrelas Física na Escola, v. 12, n. 1, 2011
2. primeira parte da noite (antes das 24 h) relacionada à massa, ao tamanho e aos vido, carregando junto uma quantidade
durante os meses de janeiro a julho. Já processos de fusão nuclear que ocorrem bem determinada de energia. Cada átomo
em Belém do Pará, isto ocorre no período em seu interior. A cor de uma estrela está apresenta um conjunto único de órbitas
de janeiro a junho. A constelação de Escor- relacionada com a temperatura da camada eletrônicas, como se fossem as impressões
pião é visível, no hemisfério sul, durante mais superficial, a fotosfera estelar. Em- digitais destes elementos e a energia emi-
todas as noites de junho, sendo assim uma bora lâminas de ferro e estrelas sejam tida através de um fóton, quando o elétron
constelação característica do inverno. Em objetos totalmente distintos, através deles passa de uma órbita de maior energia para
especial, a constelação de Escorpião foi es- podemos verificar como cores e tempe- outra de menor energia, é exatamente o
colhida pela presença de Antares (o cora- raturas estão associadas. valor da diferença de energia entre estas
ção do Escorpião), que possui uma cor Ao olharmos a luz que vem de uma órbitas. A Fig. 1a mostra os níveis de ener-
avermelhada. estrela através de um gia do átomo de hidro-
Também vale a pena destacar que as espectroscópio1 ve- As estrelas não são todas gênio e as linhas de
estrelas que constituem as constelações do mos linhas (ou raias iguais: possuem diferentes emissão para a transi-
Cruzeiro do Sul e do Escorpião não estão espectrais), escuras e tamanhos e massas e, em ção de diferentes níveis
necessariamente próximas uma das com determinados consequência disto, distintas energéticos, enquanto a
outras. O leitor pode encontrar mais deta- espaçamentos. Estas temperaturas. As de menor Fig. 1b mostra o espec-
lhes sobre o Cruzeiro do Sul na Ref. [1], linhas são produzi- massa são relativamente mais tro para diferentes ele-
onde o autor representa a constelação em das pela presença de frias e possuem cores aver- mentos contidos em
uma maquete construída em três dimen- determinados ele- melhadas. As de maior massa uma estrela.
sões, incluindo a distância das principais mentos químicos são mais quentes e azuladas Ainda resta uma
estrelas da constelação à Terra, tornando nas camadas mais pergunta: como as
possível a visualização da estrutura de externas das estrelas. As distribuições de órbitas representadas na Fig. 1a deixam
uma constelação. linhas nos espectros correspondem a im- suas marcas no espectro mostrado na
pressões digitais de cada elemento quími- Fig. 1b? A resposta vem através da lei de
As estrelas co. Mas entender como a matéria se orga- Kirchhoff. Quando a luz emitida por uma
As estrelas não são todas iguais: pos- niza por meio dos átomos, e quais as suas fonte sólida, como uma lâmpada incan-
suem diferentes tamanhos e massas e, em propriedades expressas (como na Tabela descente, atravessa um prisma, ela é de-
consequência disto, distintas temperatu- Periódica dos elementos), foi um grande composta nas cores do espectro visível, de
ras. No nosso cotidiano podemos pensar desafio para a física moderna. Através de forma similar ao que ocorre na formação
em quente e frio como sendo um quente diferentes estudos, empreendidos por do arco-íris, quando a luz do Sol incide
dia de verão, 40 °C, ou um frio dia de in- diferentes pesquisadores, que ora se com- em gotículas de água presentes na atmos-
verno, próximo a 0 °C. Entretanto, plementavam, ora se contrapunham, fera. A ilustração superior da Fig. 2 é uma
quando falamos de estrelas, “frio” signi- passamos a ter uma nova compreensão representação desta decomposição do es-
fica temperatura superficial da ordem de do átomo e suas partículas constituintes. pectro. Quando a luz é emitida por uma
2000 a 3000 K, umas 10 ou 15 vezes mais Em 1913, Niels Bohr apresentou um fonte gasosa, como uma lâmpada fluo-
quente do que o forno de nossa casa. Nas modelo atômico onde os elétrons se mo- rescente, apenas as transições dos níveis
camadas mais externas das estrelas estes viam em órbitas estáveis, sem emitir ra- atômicos do elementos gasosos são exci-
valores podem chegar a 40.000 K. Assim, diação. Apenas quando o elétron trocava tados, aparecendo um conjunto discreto
no que diz respeito às estrelas, mesmo de órbita, um fóton era emitido ou absor- de linhas, conforme mostra a ilustração
com estas altíssimas temperaturas, po-
demos dizer que algumas são mais frias e
outras mais quentes.
Estrelas de menor massa são relati-
vamente mais frias e possuem cores aver-
melhadas. As de maior massa são mais
quentes e azuladas. O Sol é uma estrela
amarelada, de temperatura intermediária,
próxima a 6000 K. Dizer que as estrelas
vermelhas são mais frias que as azuis pode
ir contra nossa intuição, mas não é so-
mente nas estrelas que esta relação de tem-
peratura e cor ocorre. Se aquecermos uma
lâmina de ferro, veremos que inicialmente
ela terá um tom avermelhado, tornando-
se em seguida mais esbranquiçado. Uma
lâmina incandescente, ao atingir tempe-
raturas mais elevadas, fica mais clara. No
que diz respeito a luz, a cor vermelha
corresponde ao comprimento de onda de
luz visível menos energético (menor tem-
peratura), e o violeta, ao mais energético
(maior temperatura). A lâmina de ferro Figura 1 - (a) Níveis de energia para o átomo de hidrogênio e as transições atômicas.
aumenta sua temperatura ao ser aqueci- (b) Espectros de estrelas, destacando os elementos presentes em suas fotosferas. Fonte:
da; já em uma estrela, a temperatura está Ref. [2].
Física na Escola, v. 12, n. 1, 2011 Fotografia digital para distinguir as cores das estrelas 21
3. do meio da Fig. 2. Perceba como que as Tabela 1 - Classificação das estrelas em função decrescente da temperatura.
linhas são coloridas. Ainda é possível emi-
O 20.000 ≤ K ≤ Tef 40.000 K linhas de HeII (hélio uma vez Mintaka (δ Ori, uma
tir luz através de uma fonte incandescente
ionizado) e ultravioleta forte das Três Marias)
e fazê-la atravessar um gás frio antes de
passar pelo prisma. Neste caso, o gás B Tef ≈ 15 000 K linhas de HeI Rigel (β Ori) e
absorverá a radiação que corresponde Spica (α Vir)
àquelas linhas que ele emitiria caso fosse A Tef ≈ 9000 K linhas de HI forte Sírius (α Can Maj) e
aquecido. A ilustração inferior da Fig. 2 Vega (α Lyr)
mostra tal comportamento, onde as linhas
F Tef ≈ 7000 K linhas de metais observadas Canopus (α Car) e
agora são escuras. Isto é o que ocorre nas
Procyon (α Can Min)
estrelas, que produzem energia no seu
interior, emitindo uma luz branca que, ao G Tef ≈ 5500 K fortes linhas de metais e
atravessar a fotosfera, tem linhas supri- HI fraco, CaI (H e K) fortes Sol e Capela (α Aur)
midas (ou absorvidas) de seu espectro. K Tef ≈ 4000 K linhas metálicas dominantes, Aldebarã (α Tau) e
Os tipos espectrais2 estelares são ba- contínuo azul fraco Arcturus (α Boo)
seados nas linhas de absorção que encon- M Tef ≈ 3000 K com bandas moleculares Betelgeuse (α Ori) e
tramos em cada espectro e, portanto, re- (TiO) muito fortes Antares (α Sco)
fletem a composição química da estrela.
Mas as classes espectrais estão fortemente
associadas à temperatura das estrelas,
então temperatura, cor e linhas visíveis
no espectro estelar são propriedades que
estão, de uma forma ou de outra, corre-
lacionadas. Algumas estrelas têm, por
exemplo, fortes linhas espectrais associa-
das ao elemento hidrogênio (classes A e
F). Outras possuem linhas de hidrogênio
fracas, mas fortes linhas de cálcio e mag-
nésio (tipos G e K). Estrelas do tipo O são
quentes, as de tipo M, são frias. As classes
ainda estão divididas em subclasses como,
por exemplo, nosso Sol, que é uma estrela
do tipo G2, enquanto Sírius, que é uma
estrela mais quente e com tonalidade
branco azulada, é do tipo B3. A estrela Figura 2 - Lei de Kirchhoff para o espectro de emissão e absorção. Fonte: Ref. [2].
Antares, a mais brilhante (e por isso deno-
minada alfa - α) das estrelas pertencentes chegou a um resultado semelhante, en- estágio de evolução. As estrelas que se en-
à constelação do Escorpião, é vermelha. contrando que a magnitude absoluta de contram na sequência principal são estre-
Mais detalhes sobre a classificação das es- uma estrela (diretamente ligada à lumi- las que estão na fase inicial de sua vida,
trelas pode ser encontrado na Ref. [2]. nosidade) é bem correlacionada com o tipo gerando energia em seu interior através
Assim, podemos classificar as estrelas espectral. Desta forma, o diagrama HR da fusão nuclear do hidrogênio, formando
conforme mostra a Tabela 1. apresenta no eixo vertical a luminosidade um novo elemento no interior estelar, o
Uma ferramenta importante na as- (ou magnitude) e no eixo horizontal a hélio. A evolução de uma estrela depende
tronomia é o que conhecemos por dia- temperatura (ou tipo espectral, ou cor). principalmente de sua massa. Estrelas
grama HR, que corresponde a um gráfico A escala de temperatura é invertida, menos maciças passarão por um processo
onde se comparam as propriedades de temperaturas maio- de queima do hélio de
Os tipos espectrais estelares
grupos de estrelas e onde podemos visua- res ficam à esquerda forma explosiva, a lo-
são baseados nas linhas de
lizar a correlação entre diferentes parâme- e menores à direita calização destas estre-
absorção que encontramos em
tros estelares, como temperatura, cor e (Fig. 3). Como po- las no diagrama HR é
cada espectro e, portanto,
luminosidade. O diagrama HR foi cons- demos dessa figura, no ramos das gigan-
refletem a composição química
truído pela primeira vez, de forma inde- estrelas podem ter a tes, enquanto as estre-
da estrela. Mas as classes
pendente, por dois astrônomos no início mesma cor, mas lu- las mais maciças quei-
espectrais estão fortemente
do século XX. O dinamarquês Ejnar minosidades distin- mam o hélio de forma
associadas à temperatura das
Hertzsprung (1873-1967) descobriu que tas. Assim estabele- mais lenta, levando as
estrelas, então temperatura, cor
a largura das linhas espectrais eram cor- ceu-se classes de lu- estrelas para o ramo
e linhas visíveis no espectro
relacionadas com o brilho intrínseco (lu- minosidade, as mais das supergigantes. Em
estelar são propriedades que
minosidade) das estrelas: as estrelas mais luminosas são cha- ambos os casos as es-
estão, de uma forma ou de
luminosas possuíam linhas mais estreitas. madas de gigantes ou trelas passam a trans-
outra, correlacionadas
Deduz-se que as diferenças na largura das supergigantes, e as formar o hélio em car-
linhas espectrais são causadas pelas dife- menos luminosas de anãs. Uma descrição bono. Na Fig. 3 ainda podemos identificar
renças nos raios estelares, pois a lumino- mais detalhada do diagrama HR e suas uma faixa que corresponde às anãs bran-
sidade L de uma estrela é diretamente propriedades pode ser obtida no já citado cas, um tipo de estrela que passou por um
proporcional ao seu raio (L ∝ R²). O ame- hipertexto da Ref. [2]. Tais diferenças en- processo onde a maior parte da estrela que
ricano Henry Norris Russell (1877-1957) tre as estrelas são características de seu a formou foi ejetado, restando apenas um
22 Fotografia digital para distinguir as cores das estrelas Física na Escola, v. 12, n. 1, 2011
4. absurdo na época aproximação. A lei de Planck nos fornece,
que até mesmo então, uma relação entre a intensidade da
Planck, ao intro- radiação emitida por um corpo negro, a
duzí-lo para corrigir sua temperatura e o comprimento de onda
as curvas de inten- desta radiação. A Fig. 4 mostra a intensi-
sidade de radiação, dade da radiação emitida em função do
definiu-o como um comprimento de onda, de acordo com a
“ato de desespero”. lei de Planck. A intensidade é indicada pelo
O fato é que a lei de pico da curva nos gráficos, o comprimen-
Planck para a ra- to de onda (λ) está indicado no eixo hori-
diação de corpo ne- zontal superior. O painel à esquerda
gro tornou-se um ilustra as propriedades da radiação emitida
marco fundamental por um corpo cuja temperatura é de
na elaboração da 10.000 K. A figura mostra uma relação
mecânica quântica, entre a intensidade da radiação e a cor que
rendendo a seu au- percebemos de um corpo aquecido. O pico
tor o prêmio Nobel da curva corresponde à maior intensidade
de Física de 1918. A de radiação. Neste painel vemos que o má-
lei da radiação de ximo de radiação está no violeta e ultra-
Figura 3 - Diagrama Hertzsprung-Russell (HR). Fonte: Ref. [2]. Planck nos fornece a violeta, nos fazendo perceber o objeto com
intensidade da ra- a cor violeta. O painel à direita representa
caroço com uma massa aproximada à diação I(ν, T) como função da temperatura o comportamento da radiação para um
massa do Sol. Vários processos podem T e da frequência ν corpo com T = 5.000 K. O máximo da
levar à formação de uma anã branca, seja intensidade de radiação corresponde ao
,
através de nebulosas planetárias ou de comprimento de onda associado à luz ver-
estrelas binárias interagentes. de, fazendo com que o percebamos verde.
onde h é a constante de Planck, k é a cons- Para cada comprimento de onda, a curva
Radiação de corpo negro tante de Boltzmann e c é a velocidade da atinge um máximo em intensidade que
A mecânica quântica nasceu entre os luz. está associado a uma temperatura carac-
anos de 1900 e 1920, quando a ciência Mas o que é um corpo negro? Um terística, que corresponde a uma cor.
atingiu um nível de avanço tecnológico corpo negro é um Quanto maior a tem-
que permitiu aos cientistas investigar o meio ou substância O conceito de que a energia não peratura, maior a
comportamento de partículas minúscu- que absorve toda a ra- poderia ser emitida em qualquer intensidade de luz
las. Uma das primeiras contribuições ao diação incidente sobre quantidade, mas apenas em emitida, como indi-
desenvolvimento da mecânica quântica foi ele, e emite toda radia- valores bem definidos, parecia cado na Fig. 5.
feita pelo físico alemão Max Planck: em ção produzida em seu tão absurdo na época que até Assim como
1900, ele propôs que corpos aquecidos interior. A radiação mesmo Planck, ao introduzí-lo qualquer outra lei da
emitissem energia em quantidades bem emitida por um corpo para corrigir as curvas de física, a lei de Planck
definidas, denominadas por ele de quanta. negro independe da intensidade de radiação, definiu- pode ser aplicada em
Quando um corpo emite luz ao ser aque- constituição e forma o como um “ato de desespero” estudos realizados
cido, estamos nos referindo ao processo do mesmo, dependen- dentro de laboratórios
de incandescência. Em uma lâmpada do somente da temperatura do corpo e do na Terra e também no espaço, sendo válida
incandescente, um filamento de tungstê- comprimento de onda da radiação emi- por todo o Universo. A aplicação de leis
nio é aquecido e emite luz. Lord Rayleigh tida. Na natureza não existe um corpo que físicas que podemos evidenciar tanto em
(John William Strutt, 1842-1919) e Jeans se enquadre totalmente nesta definição, eventos terrestres como em eventos no es-
(James Hopwood Jeans, 1877-1946) já mas as estrelas se constituem em uma boa paço facilitam ao aluno perceber que as
haviam tentado descrever a radiação emi-
tida por um corpo aquecido, utilizando o
que hoje chamamos de teoria clássica,
onde os efeitos da mecânica quântica não
são considerados. Apesar de obterem res-
ultados razoavelmente bons em uma faixa
do espectro de radiação, a teoria falhava
na tentativa de explicar o comportamento
da radiação emitida por um corpo aque-
cido ao considerarmos altas frequências.
Na tentativa de conciliar os resultados
para altas frequências e a lei de Rayleigh-
Jeans, Max Planck introduziu o conceito
de quantização da energia e a constante
que acabou por levar seu nome. O con-
ceito de que a energia não poderia ser emi-
tida em qualquer quantidade, mas apenas Figura 4 - Relação entre temperatura, intensidade de radiação e comprimento de onda,
em valores bem definidos, parecia tão segundo a lei da radiação de Planck para T = 10.000 K e 5.000 K [1].
Física na Escola, v. 12, n. 1, 2011 Fotografia digital para distinguir as cores das estrelas 23
5. gráfico, no caso da câmera olho nú e percebida com uma cor
analógica e, atualmente, um avermelhada. Estas estrelas aparecem na
detector conhecido como Fig. 6.
CCD, sobre o qual falaremos O programa de computador Stella-
mais adiante, no caso do rium pode ser utilizado como apoio nestas
equipamento digital. Em am- atividades, seja na forma de localização
bos os casos é possível regu- das constelações, seja na identificação de
lar o diafragma da máquina, propriedades dos objetos escolhidos. Este
objeto responsável por con- programa está disponível de forma gra-
trolar a quantidade de luz que tuíta3 para diferentes plataformas com-
entra na câmera. Para foto- putacionais e em diferentes idiomas. Ele
grafar um objeto em ambien- permite ao usuário definir sua localização,
tes muito escuros, como es- data e horário da observação a ser feita.
trelas no céu, devemos nos Ainda é possível definir a quantidade de
afastar de regiões luminosas poluição luminosa, ou seja, a magnitude
Figura 5 - Lei de Planck para as temperaturas T = 3.500 K como postes de iluminação, dos objetos que podem ser observados,
(linha vermelha), T = 4.000 K (linha laranja), T = 5.000 K sob pena da luz do poste ofus- além de marcar as constelações, nomean-
(linha amarela) e T = 10.000 K (linha azul). car o brilho das estrelas. Tam- do-as e ligando as estrelas mais brilhantes
bém devemos controlar o dia- com traços, facilitando a sua identificação
leis da física são universalmente válidas e fragma de modo a permitir que uma no céu. Ao selecionar um objeto ainda é
não, como se acreditava há poucos séculos maior quantidade de luz entre na câmera. possível obter diversas informações, como
(e como ainda faz parte de percepções al- Podemos fazer isto de duas formas: i) au- nome, tipo de objeto e magnitude. Dife-
ternativas do mundo), que uma lei válida mentando a abertura do diafragma, e ii) rentes abordagens para o uso deste pro-
para uma estrela distante não possa ter aumentando o tempo de exposição da grama ainda podem ser encontradas na
validade no dia-a-dia de um estudante ou fotografia, ou seja, o tempo em que o dia- literatura como, por exemplo, na Ref. [5],
dentro de um laboratório de alta tecno- fragma ficará aberto (podemos nos referir possibilitando trabalhar o movimento
logia. A partir da cor observada de uma aqui à velocidade do obturador). Mais aparente dos astros, estações do ano e
estrela, associamos o comprimento de informações sobre como produzir foto- outras atividades.
onda que mais contribui para a radiação grafias do céu noturno e atividades in- Uma vez realizada a fotografia, que
emitida e, através da lei de Planck ou, de teressantes desenvolvidas através de fo- engloba toda a constelação do Escorpião
forma mais direta, da lei de Wien tografias podem ser encontradas em Ouri- (Fig. 7a), a imagem de cada estrela indivi-
que e cols. [3] ou em Neves e Pereira [4]. dual é aproximada (Figs. 7b e 7c). O mes-
λmax x T = 2897,6 μm x K,
Como mencionado anteriormente, mo procedimento é adotado para a cons-
A partir dela obtemos a temperatura escolhemos as constelações do Cruzeiro telação do Cruzeiro do Sul (Figs. 8a-8d).
superficial aproximada da estrela. Por do Sul e do Escorpião por serem facilmente Cabe salientar que, apesar de um tempo
exemplo, usando-a podemos recuperar as identificadas no céu e por apresentarem de exposição maior que 15 s coletar mais
informações que estão na Fig. 5. Nela ve- estrelas com as mais diversas caracterís- luz no detector da câmera, tempos longos
mos que o máximo em intensidade da cur- ticas. O Cruzeiro do Sul apresenta estrelas produzirão imagens mais alongadas das
va em vermelho corresponde a um com- do tipo espectral B1, Acrux e Mimosa, que estrelas, devido ao movimento de rotação
primento de onda de aproximadamente resultam em cores mais azuladas, e Gam- da Terra.
λ = 750 nm, o que irá corresponder a uma ma Crucis, do tipo M4 e cor mais aver- Mostramos a seguir as fotografias
temperatura de melhada. O Escorpião se destaca por Anta- das constelações do Escorpião e do Cru-
res, que pode ser facilmente identificada a zeiro do Sul, detalhando as estrelas δ-
.
De acordo com a Tabela 1, esta tem-
peratura corresponde a uma estrela ver-
melho-alaranjada. Podemos confirmar o
resultado obtido o utilizando o próprio
diagrama HR.
Metodologia
Utilizamos uma máquina fotográfica
digital (Panasonic Lumix DMC-FS12),
com 12 Megapixels de resolução, apoiada
sobre um tripé, fazendo fotografias com
exposição de 15 s. As fotografias foram
feitas utilizando o modo pré-formatado
starry nigh. A máquina fotográfica digi-
tal funciona de forma semelhante à má-
quina analógica, quando um grupo de
lentes produz uma imagem real e inver-
tida do objeto que se deseja fotografar. A Figura 6 - Constelações do (a) Escorpião e (b) Cruzeiro do Sul. Fonte: http://
diferença está no detector, um filme foto- pt.wikipedia.org/wiki/Constelações.
24 Fotografia digital para distinguir as cores das estrelas Física na Escola, v. 12, n. 1, 2011
6. scorpii (Delta-scorpii), Antares, α-Cru 1,99 x 1030 kg), temperatura e cor. tarmos uma proposta que seja simples e
(Alfa-Cru) ou também conhecida como Fazendo uma comparação entre as facilmente implementada em sala de aula,
Estrela de Magalhães, β-Cru (Beta-Cru), cores e temperaturas dispostas nas Tabelas quando realizamos estudos mais precisos
também chamada de Mimosa e γ-Cru 1 e 2 e as cores das estrelas destacadas, é em astronomia, determinamos o quanto
(Gama-Cru), ou Gacrux, ampliadas utili- possível identificar a temperatura superfi- uma estrela é mais azul ou mais vermelha
zando o programa Gimp.4 Salientamos cial das estrelas. Antares pode ser identi- do que outra sem depender somente da
que qualquer editor de imagem simples ficada com uma temperatura próxima à sensibilidade de nossos olhos. O olho hu-
pode ser utilizado e que o procedimento é sua temperatura de 3500 K. Para δ-scorpii mano, à luz do dia, tem sensibilidade
bastante similar; basta apenas aproximar é possível apenas identificar a temperatura maior à cor verde (cujo comprimento de
a imagem de cada estrela até a imagem como sendo superior a 15.000 K. Também onda fica em torno de λ = 550 nm). Sob
onde a cor da estrela esteja mais facilmente é possível identificar que α e β Cru são pouca luminosidade, a maior sensibilidade
identificável, podendo ser comparada com estrelas extremamente quentes, com tem- muda para algo em torno de λ = 500 nm.
a tabela de cores e temperaturas. peraturas ao redor de dezenas de milhares Por isso os astrônomos, quando observam
As cores de cada estrela ficam mais de Kelvin, enquanto δ-Cru possui uma as estrelas, registram a imagem utilizando
facilmente identificadas e podemos com- temperatura bem mais baixa. A relação filtros especiais, que permitem a passagem
parar as propriedades de cada uma através entre as cores das estrelas e suas tempe- de determinados comprimentos de onda.
da Tabela 1, relacionando a cor com a tem- raturas pode ser feita de maneira aproxi- Por exemplo, um filtro B permite a passa-
peratura aproximada. Na sequência, é mada comparando as cores das fotogra- gem dos comprimentos de onda mais
possível confirmar o resultado da compa- fias com aquelas apresentadas no diagra- próximos do azul; um filtro U permite a
ração com as propriedades de cada estrela ma HR da Fig. 3. Uma vez identificada a passagem do ultravioleta; já um filtro V
apresentadas na Tabela 2. Nesta tabela são cor da estrela, comparando a fotografia deixará passar comprimentos de onda do
informadas a classe espectral, diâmetro da estrela com a Tabela 1, associamos o amarelo, conforme mostra a Fig. 9. A Ta-
(2Rsol = 1.4 x 109 m), distância à Terra comprimento de onda correspondente bela 2 apresenta os índices de cor U-B e B-
(1 pc = 3,08 x 1016 m), luminosidade àquela cor, conforme a Tabela 3. V fornecidos por catálogos estelares. Estes
,
(1 Lsol = 3,8 x 1023 W), massa (1 Msol = Cabe ressaltar que, apesar de apresen- índices indicam que a magnitude (lumi-
nosidade) da estrela obtida com o filtro U
Figura 7 - (a) Imagem da constelação do Escorpião obtida como captura de tela do Stellarium. Fotos das estrelas da constelação de
Escorpião, aproximadas através de aumento digital de uma fotografia da constelação: (b) Delta Scorpii, (c) Antares.
Figura 8 - (a) Imagem da constelação do Cruzeiro do Sul obtida como captura de tela do Stellarium. Fotos das estrelas da constelação
do Cruzeiro do Sul, aproximadas através de aumento digital de uma fotografia da constelação: (b) α-Cru, (c) β-Cru e (d) δ-Cru.
Física na Escola, v. 12, n. 1, 2011 Fotografia digital para distinguir as cores das estrelas 25
7. Tabela 2 - Propriedades das estrelas observadas.
Nome Classe/ Diâmetro Distância Luminosidade Massa Temperatura Cor
tipo espectral (2Rsol) (pc) (Lsol) (Msol) (K)
Escorpião
Delta Scorpii Subgigante B0 5a6 123 14 000 6 a 12 28 000 U-B = -0,91, B-V = -0,12
(Dschubba)
Antares Supegigante M1 800 150 10 000 a 90 000 15 a 18 3500 U-B = 1,34, B-V = 1,87
Cruzeiro do Sul
Alpha Crux Subgigante B1 - 100 7000 a 25 000 10 a 14 30 000 U-B = -1,03, B-V = -0,24
Beta Crux Gigante B0 8,1 150 34 000 14 28 000 U-B = -1, B-V = -0.23
Gama Crux Gigante M4 56,5 67 1500 3 3400 U-B = 1,78, B-V = 1,6
Tabela 3 - Relação entre comprimento de Conclusões atividade foi bem sucedida, indicando que
onda e frequência, atribuindo uma cor pa- Através de uma atividade de obser- além de viável, é simples e prazerosa, sen-
ra cada faixa do espectro de frequências. vação do céu e registro da imagem de uma do capaz de despertar o interesse dos alu-
Fonte: Ref. [2]. constelação por meio de uma câmera nos para a astronomia e para a física mo-
fotográfica digital, podemos trazer para derna.
Cor Comprimento Frequência
de onda (nm) (1012 Hz) o ambiente da sala de aula as diferentes Notas
cores das estrelas, associando-as às pro- 1
Violeta 390-455 659-769 priedades físicas das mesmas e trabalhan- Instrumento que decompõe a luz em seus
Azul 455-492 610-659 do diferentes conteúdos de forma criativa diferentes comprimentos de onda, da mes-
Verde 492-577 520-610 e prática. Ainda introduzimos conceitos, ma forma que a luz branca é decomposta
Amarelo 577-597 503-520 propostos pelos PCNs, de astronomia e de em várias cores ao passar por um prisma.
2
Laranja 597-622 482-503 física moderna, além do contato com ins- Para maiores detalhes, ver http://astro.
Vermelho 622-780 384-482 trumentos de medida. Apesar de, dentro if.ufrgs.br/rad/espec/espec.html.
3
desta proposta, não ser possível determi- http://www.stellarium.org.
4
nar a temperatura das estrelas com rela- Editor de imagens gratuito disponível
foi subtraída da obtida com o filtro B e, tanto para o sistema operacional Win-
da mesma forma, para B-V. Vega, uma tiva precisão, devido ao fato de propormos
uma atividade de fácil implementação, é dows quanto Linux. Mais informações
estrela branca (Tefetiva = 10.105 ± 230 K), disponíveis em http://www.gimp.com.
tem (U-B) = (B-V) = 0. O Sol, uma estrela possível ter-se uma ideia da ordem de
grandeza destas temperaturas. Nosso br/smf/index.php.
amarela (Tefetiva = 5.778 ± 1 K), tem (U-
B) = 0,17 e (B-V) = +0,68. objetivo no presente trabalho foi o de
explorar a ligação entre tópicos de astro- Referências
nomia e física moderna, uti-
lizando a primeira como [1] Marcos D. Longhini, Física na Escola
10(1), 26 (2009).
tema gerador da segunda.
[2] K.S. Oliveira Filho e M.F.O. Saraiva, Hi-
Estas atividades ainda po- pertexto de Astronomia e Astrofísica,
dem ser desenvolvidas junta- disponível em http://astro.if.
mente com outras propostas ufrgs.br/index.htm.
descritas nas referências des- [3] Pedro A. Ourique, G. Odilon e F. Catelli,
te trabalho, enriquecendo o Revista Brasileira Ensino Física 32,
estudo da astronomia em 1302 (2010).
sala de aula. Apesar desta [4] Marcos C.D. Neves e R.F. Pereira, Revista
Latino-Americana de Educação em As-
proposta não ter sido imple-
tronomia 4, 27 (2007).
mentada em sala de aula [5] M. Andrade, J. Silva e A. Araújo, IX Jor-
visando a abordagem de tó- nada de Ensino Pesquisa e Extensão da
picos de física moderna na UFRPE, (UFRPE, Recife, 2009),
educação básica, foi testada disponível em http://www.
no que diz respeito à viabi- eventosufrpe.com.br/jepex2009/cd/
lidade de sua implementa- resumos/R0793-3.pdf, acesso em 25/
ção, isto é, à obtenção de 2/2011
imagens fotográficas de es- Saiba mais
trelas e/ou constelações por
Marisa A. Cavalcante e Cristiane R.C.
estudantes, e a determinação
Tavolaro, Física na Escola 3(2), 40
Figura 9 - Curvas de transmissão dos filtros UBV. Fonte: de cores características e (2002).
Ref [2]. temperaturas. Neste caso, a
26 Fotografia digital para distinguir as cores das estrelas Física na Escola, v. 12, n. 1, 2011